APOIO JUDICIÁRIO
PRESO
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
COMPETÊNCIA
JUIZ DE CÍRCULO
JUIZ DE COMARCA
Sumário


I. Em comarca cujo tribunal colectivo seja composto nos termos previstos no artº 105º, nº 2 da Lei 3/99, de 13/1, titular do processo é o juiz do tribunal onde o processo corre seus termos. O Juiz-Presidente do Tribunal Colectivo apenas assume a titularidade dos autos após a abertura da audiência e pelo período que a mesma durar; terminada a audiência, só ao juiz titular do processo é permitido decidir, por despacho, quaisquer questões nele suscitadas e pendentes de apreciação final.
II. Goza de uma presunção natural de insuficiência económica, para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário, o recluso que, em liberdade, vivia dos rendimentos do seu trabalho.

Sénio Alves

Texto Integral

Processo nº 591/04


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES QUE COMPÕEM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I. No .. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ...corre termos o Proc. Comum (Tribunal Colectivo) nº ...
Em requerimento ditado para a acta de audiência de discussão e julgamento, requereu o arguido A. ... a concessão do benefício do apoio judiciário, em virtude “de não possuir bens económicos para custear as custas do processo”.
Tal pedido foi liminarmente admitido por despacho proferido pelo Mº Juiz que presidiu à audiência, no qual se ordenou - entre o mais - o cumprimento do contraditório “e demais trâmites processuais”.
O Mº Juiz titular dos autos viria, posteriormente, a proferir despacho a indeferir a pretensão do requerente, despacho com cujo teor o arguido se não conformou, razão pela qual interpôs este recurso, de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões (que se transcrevem):
1ª. O Tribunal "a quo", violou o artigo 522°, nº 2 do C.P.P, uma vez que o recorrente goza de presunção de insuficiência económica, por encontrar-se preso desde o dia 01/10/02, e não sendo do total desconhecimento do Mmº Juiz de direito do 1° Juízo do tribunal "a quo", deveria sim, salvo melhor opinião, ter em conta o artigo 522°, nº 2, do C.P.P que explana "(...) gozam ainda de isenção nos incidentes que requeiram ou a que fizerem oposição".
2ª. Violou o Tribunal o artigo 20° da C.R.P, pois que foi negado ao recorrente a concessão do beneficio do apoio judiciário e denegada a justiça por insuficiência de meios económicos;
3ª. O recorrente não foi notificado para vir aos autos juntar quaisquer provas da sua insuficiência económica, nem lhe foi concedido prazo para tal, no primeiro despacho do tribunal colectivo, somente se vislumbra o cumprimento do contraditório e não os demais trâmites processuais, conforme despacho do colectivo de fls. 432; 433 e 434 da Acta, uma vez que o requerimento do recorrente foi ditado para a Acta.
4ª. Violou o tribunal "a quo", o Princípio da Investigação, plasmado no artigo 340° n°1 e n° 2 C.P.P, pois também lhe cabe o ónus de saber quais os factos e os documentos constantes dos autos de processo que fazem "Jus" à apresentação da prova válida, e uma vez que o juiz do tribunal " a quo", fora "asa" do colectivo de juízes, não era do seu desconhecimento que o recorrente encontrava-se preso preventivamente.
5ª. Violou o tribunal "a quo" o artigo 127° do C.P.P, pois, livre apreciação da prova, não se confunde com a apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgado(r), pois arbitrariamente não obedeceu o Mmo Juiz a critérios de experiência comum, negando porém o apoio ao arguido.
6ª. Foi ainda violado o Princípio fundamental da Igualdade, do artigo 13° da CRP, pois que situações idênticas são inexoravelmente, tratadas de forma desigual.
7ª. O recorrente nunca foi notificado para vir aos autos juntar quaisquer prova ou provas da sua condição económica e, salvo o devido respeito, o tribunal colectivo, quis para além de dar-se cumprimento ao contraditório, também deveria atender-se aos demais trâmites processuais, o que se subentende que, deveria o recorrente ser notificado para vir aos autos juntar prova bastante da sua condição social, se assim houvesse quaisquer dúvida ou dúvidas da sua condição de arguido em prisão preventiva.
8ª. Já houve um despacho "in Acta" a fls. 432/433, pelo tribunal colectivo, a deferir liminarmente o apoio judiciário ao arguido, porém, não se entende, que o 1 ° Juízo do Tribunal "a quo", despache no sentido do indeferimento do mesmo apoio, sem conceder prazo ao arguido para vir aos autos juntar prova bastante da sua insuficiência económica se caso houvesse dúvidas. Nesse caso se o arguido não viesse juntar prova no prazo "concedido", é que poderia ou não ser indeferido o requerimento.
Não cumpriu assim, o Mmo Juiz , as formalidades necessárias ou seja "os demais trâmites processuais", conforme estipulado pelo tribunal colectivo.
9ª. Mesmo assim. Sempre se dirá se o Mmo Juiz, asa desse mesmo colectivo poderia ou não redigir despacho, uma vez que o colectivo é que se pronunciou. Salvo melhor opinião, no nosso entendimento, não deveria o Mmo Juiz do tribunal " a quo" responder pelo seu indeferimento, apesar de ser titular do processo.

Termina pedindo que, com a procedência do recurso, seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que lhe conceda o benefício do apoio judiciário.

Admitido o recurso, entende o Digno Magistrado do MºPº na 1ª instância, que o mesmo deverá improceder.

II. Distinto é o parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação que, considerando que o arguido (preso) goza da presunção indirecta de insuficiência económica - razão de ser das isenções previstas no nº 2 do artº 522º do CPP do CPP - entende que o recurso merece provimento.
Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, o arguido não respondeu.
Realizado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

III. Sabido que são as conclusões extraídas pelo recorrente que delimitam o âmbito do recurso (artº 412º, nº 1 do CPP), a única questão aqui em discussão consiste em saber se havia fundamentos para indeferir o pedido de apoio judiciário formulado pelo arguido.

IV. O despacho recorrido é do seguinte teor:
“(...)Veio o arguido A. ... requerer o benefício do apoio judiciário, apenas dizendo que não possui "bens económicos para custear as custas do processo".
Nada mais disse. Nenhuma prova juntou.
O Ministério Público pronunciou-se a fls. 522.
Na sentença proferida nos autos deu-se como provado que:
1.1 O arguido é de modesta condição social e económica, trabalhando como pedreiro.
Apreciando e decidindo.
O sistema legal português, nomeadamente através do instituto do apoio judiciário, não erige um sistema de justiça gratuita.
Visa-se, tão só, evitar que a carência económica seja um factor impeditivo do acesso ao direito.
A formulação do pedido de apoio judiciário só deve ser atendível para efeitos de interposição de recurso e demais incidentes que se venham a verificar no âmbito do processo (nomeadamente na execução da pena); ou seja, que contendam com a efectivação de um direito de defesa que poderia ficar sem uso pela consideração do seu custo.
Esta é a indicação que é dada pela razão de ser do instituto do apoio judiciário, que é um dos meios de concretização do princípio estabelecido no artigo 20°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual "a todos é assegurado o acesso aos tribunais para a defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos"
É nesta conformidade que o artigo 1 °, n° 1 da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, (como já se dizia no artigo 1° do D.L. 387-B/87, de 29 de Dezembro) dispõe que "o sistema de acesso aos tribunais destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos".
Do que fica exposto, conclui-se que o objectivo destes preceitos é pois, e apenas, o de evitar que a carência económica seja factor impeditivo de acesso aos tribunais, para defesa dos direitos do litigante e não para evitar o pagamento de custas por (que) deva ser condenado pela prática de um crime.
Ora, importa neste caso ter presente o disposto no artigo 522°, n° 2, do Código de Processo Penal, pois o arguido, por se encontrar preso, goza de isenção de taxa de justiça pela interposição de recurso e goza, ainda, de isenção nos incidentes que requerer ou a que fizer oposição.
Assim, sempre seria inútil a dedução do pedido.
Visto este primeiro ponto, importa saber se, ainda assim, ao requerente deve ser concedido tal benefício.
Têm direito ao benefício do apoio judiciário, todas as pessoas singulares que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma acção judicial, conforme os artigos 6° e 7°, n° 1, da Lei n° 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
Deve atender-se, na apreciação do pedido de apoio judiciário, aos rendimentos do requerente e à disponibilidade do seu património para os produzir e, não propriamente, ao valor desse património (v. g. Ac. Rel. Lisboa de 11/01/1990, BMJ, 393, pág. 654).
Mas, a ideia que ressalta da lei, é a de que é tão injusto negar o apoio judiciário a quem dele carece, como concedê-lo a quem dele não necessita.
A verdade é que o arguido nada alegou. Não apresentou qualquer prova. Apenas se sabe que é de modesta situação social e económica (como a maioria da população portuguesa) e trabalha como pedreiro (cujos rendimentos, é sabido, não são dos mais baixos).
Não beneficiando de qualquer presunção, competia ao requerente o ónus de alegar e provar os factos constitutivos da sua insuficiência para custear as despesas normais do processo (ver Ac. T. Constitucional n° 359/89 de 18/05/1989, BMJ, 387, pág. 180), o que não fez.
Em consequência, deve a pretensão improceder totalmente.
Pelo exposto, decide-se indeferir a pretensão do requerente A. ..., e não conceder o benefício do apoio judiciário na modalidade requerida.
Notifique.”

V. Recordemos os factos relevantes para a decisão da questão em apreço:
1. O arguido encontra-se preso desde 1 de Outubro de 2002 (fls. 28).
2. Requereu a concessão do benefício do apoio judiciário, alegando “não possuir bens económicos para custear as custas do processo”.
3. Admitido liminarmente tal pedido, foi ordenado que se cumprisse o contraditório “e demais trâmites processuais”.
4. Foi ouvido o MºPº, após o que o Mº Juiz titular dos autos proferiu o despacho sob recurso.

VI. Em termos algo confusos, o recorrente parece questionar (conclusão 9ª), desde logo, a competência do Mº Juiz titular do processo para proferir decisão final sobre o incidente do apoio judiciário por ele requerido, quando é certo que o havia formulado perante tribunal colectivo, que liminarmente o admitira.
Não tem, porém e neste aspecto, qualquer razão.
A orgânica judiciária portuguesa, mercê de remendos, cedências e compromissos vários, é hoje uma manta de retalhos de duvidosa coerência interna: no que ao funcionamento de tribunais colectivos diz respeito, apesar de extintos os antigos tribunais de círculo, eles subsistem - agora sob a nova designação de “varas mistas” - e coexistem com a dupla corregedoria prevista no artº 105º, nº 2 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela L. 3/99, de 13/1 e com as Varas Cíveis e as Varas Criminais privativas de determinados círculos judiciais.
Criado pelo artº 7º, nº 3 do DL 178/2000, de 9/8, o círculo judicial de Loulé, do qual faz parte a comarca de ..., funciona - no que ao tribunal colectivo diz respeito - nos moldes previstos no nº 2 do artº 105º da LOFTJ, ou seja, é constituído por dois juízes de círculo e pelo juiz do processo.
A competência atribuída ao tribunal colectivo, em matéria penal, é a prevista no artº 106º, al. a) da LOFTJ, isto é, consiste no julgamento dos processos a que se refere o artº 14º do CPP.
De seu turno, a competência do presidente do tribunal colectivo vem delimitada no artº 108º da mesma lei: direcção das audiências, elaboração de acórdãos em julgamentos penais e de sentenças em acções cíveis (e eliminação das respectivas deficiências, o seu esclarecimento, reforma e sustentação) e o exercício das demais funções atribuídas por lei.
Quer dizer:
Titular do processo é, neste subsistema judiciário, o juiz do tribunal onde o processo corre seus termos. O Juiz-Presidente do Tribunal Colectivo apenas assume a titularidade dos autos após a abertura da audiência e pelo período que a mesma durar; terminada a audiência, só ao juiz titular do processo (que é o juiz do tribunal onde os autos correm seus termos) é permitido decidir, por despacho, quaisquer questões nele suscitadas e pendentes de apreciação final.
Assim sendo, formulado em audiência o pedido de concessão do benefício do apoio judiciário, ao Mº Juiz que a tal acto presidiu competia proferir o despacho liminar (como, aliás, sucedeu, no caso dos autos).
Se a audiência termina sem decisão final sobre tal incidente, é ao juiz do tribunal onde o processo corre seus termos que compete proferi-la. E foi isso que, igualmente, sucedeu no caso dos autos.
O despacho recorrido é, pois, quanto à competência da entidade que o proferiu, inteiramente válido e regular.

VII. Quanto ao fundo da questão:
Estatui-se no artº 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
Em concretização desse princípio constitucional, o Estado instituiu um sistema de acesso ao direito e aos tribunais, destinado a “promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos” - artº 1º, nº 1 da L. 30-E/2000, de 20/12.
Idêntico objectivo era assinalado a esse sistema pelo artº 1º, nº 1 do DL 387-B/87, de 29/12, diploma que continua a regular a apresentação, instrução, apreciação e decisão dos pedidos de apoio judiciário formulados por arguidos em processo penal, atento o estatuído no artº 57º, nº 3 da L. 30-E/2000, de 20/12.
Na realidade e como se refere no Ac. RL de 21/11/2002, www.pgdlisboa.pt, «apesar da revogação do Dec. Lei nº 387-B/87 pelo artº 56º da Lei nº 30-E/2000, continua esse diploma transitoriamente em vigor para o apoio judiciário a conceder aos arguidos em processo penal. É esta a solução mais simples com apoio na letra e no espírito da lei, já que na redacção do nº 3 do artº 57º, para se determinar o regime aplicável aos pedidos de apoio judiciário dos arguidos em processo penal usou-se a expressão “continuam a ser”, o que parece inculcar a ideia de não inovação até à entrada em vigor do regime específico para essas situações e de não adopção de um regime diferenciado, relativamente ao que estava em vigor, ao mesmo tempo que se deixava bem claro que toda a tramitação e decisão desses pedidos continuaria a estar a cargo da autoridade judiciária”; no mesmo sentido, cfr. Ac. RL de 4/6/2002, www.dgsi.pt..
Ora, assim delimitado o regime legal aplicável, há que começar por referir que, contrariamente ao entendido pelo Mº Juiz a quo, não se verifica qualquer inutilidade na dedução (e subsequente apreciação) do pedido de apoio judiciário.
Por força do disposto no artº 522º, nº 2 do CPP, o arguido preso goza, apenas, de isenção de taxa de justiça pela interposição de recurso em 1ª instância e, bem assim, nos incidentes que requerer ou a que fizer oposição.
E tão só.
Porém - e como bem assinala o Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação - não se encontra isento “do pagamento das custas processuais em que foi (ou será) condenado, razão pela qual - ao contrário do sustentado na 1ª instância - a concessão de Apoio Judiciário nessa modalidade (de resto a requerida) não consubstancia (ao menos por ora) a prática de acto inútil”.
É que, nos termos do disposto no artº 15º, nº 1 do DL 387-B/87, o apoio judiciário “compreende a dispensa, total ou parcial (...) do pagamento de custas, ou o seu diferimento, assim como do pagamento de serviços do advogado ou solicitador” (e, nos termos do disposto no artº 15º, al. a) da L. 30-E/2000, de 20/12, invocado pelo arguido no seu requerimento de concessão desse benefício, compreende a “dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo”).
Porque assim é, pertinente se mostra a formulação do pedido em questão e, como tal, deve ser apreciado e decidido.
Ora, nos termos do artº 23º, nº 1 do DL 387-B/87, o requerente deve alegar sumariamente os factos e as razões de direito que interessam ao pedido, oferecendo as provas.
Assim não será, porém, se o requerente gozar da presunção de insuficiência económica, situação em que - contudo - “não está desobrigado de alegar e provar o facto presuntivo, isto é, o facto ou factos de onde decorre a presunção legal de insuficiência” - Ac. RP de 23/05/94, www.dgsi.pt.
Afirma o Mº Juiz a quo, no despacho recorrido, que não beneficiando o arguido de qualquer presunção de insuficiência económica, lhe competia alegar e provar os factos constitutivos da sua insuficiência para custear as despesas normais do processo.
Discordamos.
O arguido encontra-se preso (à ordem destes autos, aliás) desde 1/10/2002.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos - com o Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação - que a razão de ser das isenções concedidas aos arguidos presos no nº 2 do artº 522º do CPP radicam numa presunção indirecta de insuficiência económica. A não ser assim, aliás, não se compreenderia a concessão de tais benefícios aos arguidos presos e a sua negação aos não presos.
Quem está preso encontra-se, em regra, impossibilitado de auferir rendimentos e, consequentemente, de prover às suas necessidades mais elementares.
Daí que, como se afirma no Ac. RL de 16/10/2002, www.dgsi.pt, “resulta do estatuto de recluso a presunção natural de que o requerente de apoio judiciário, trabalhador, não dispõe de meios económicos que lhe permitam suportar as custas e honorários”.
Sabe-se (dos factos dados como provados no acórdão final e, também, da leitura do relatório social do requerente, junto aos autos) que estamos perante arguido preso, de modesta condição social e económica, trabalhando como pedreiro, com o 7º ano de escolaridade, desenvolvendo a sua actividade profissional por conta de outrem, para diversas entidades patronais, ocorrendo, por vezes, curtos períodos de inactividade.
Preso há mais de um ano, não aufere quaisquer rendimentos da sua actividade profissional (que, obviamente, está impedido de desenvolver).
Ora, se goza da presunção de insuficiência económica “quem tiver rendimentos mensais, provenientes do trabalho, iguais ou inferiores a uma vez e meia o salário mínimo nacional” - artº 20º, nº 1, al. c) do DL 387-B/87, de 29/12 e artº 20º, nº 1, al. c) da L. 30-E/2000, de 20/12 - obviamente que nessa situação se enquadra quem, desempenhando em liberdade actividade profissional por conta de outrem, se encontra preso e, por isso, impossibilitado de trabalhar e de receber qualquer contrapartida monetária (neste sentido, cfr. Ac. RL de 30/04/92, www.dgsi.pt.: “encontrando-se o requerente de apoio judiciário preso, a cumprir pena, é de presumir que se encontra em situação de insuficiência económica a coberto da alínea c) do nº 1 do artº 20º e, por conseguinte, dispensado das menções a que se refere o artº 23º, nº 2 do DL 387-B/87, de 29 de Dezembro”).
Quer dizer: o único facto que o arguido deveria alegar para beneficiar da presunção de insuficiência em causa consistia em estar preso; mas esse, como é evidente, era do conhecimento do tribunal, posto que era à ordem destes mesmos autos que o arguido se encontrava e encontra preso, razão pela qual não carecia de ser alegado - artº 514º, nº 2 do CPC.
Beneficiando o arguido da presunção de insuficiência económica, dispensado estava da prova correspondente. Daí que nenhuma consequência legal resulte da situação apontada pelo Mº Juiz a quo: “Nada mais disse. Nenhuma prova juntou”. É que, como vimos, nada mais tinha a dizer e prova alguma tinha que juntar.
A presunção de insuficiência económica de que goza o arguido é, obviamente, iuris tantum.
Suscitando-se dúvidas ao tribunal sobre a capacidade económica do arguido, deveria o tribunal, nos termos do estatuído no nº 3 do artº 23º do DL 387-B/87, proceder às investigações que tivesse por adequadas.
Não o fez, porém.
E sem que o tenha feito e, mesmo, sem prévio convite ao arguido para que lhe fornecesse eventuais elementos de que carecesse para formar a sua convicção, o tribunal a quo decidiu, sem mais, indeferir o peticionado benefício do apoio judiciário.
Estribou-se, para tanto, em considerações que, resultando da sua própria convicção - e, por isso, naturalmente respeitáveis - não podem nem devem ser erigidas em verdades absolutas (referimo-nos, obviamente, à afirmação de que a maioria da população portuguesa é, como o arguido, de modesta situação social e económica e, bem assim, à de que os rendimentos de um pedreiro, “é sabido, não são dos mais baixos”).
Ora, a verdade é que o pedido de apoio judiciário havia passado já o crivo inicial do despacho liminar de admissão. O tribunal (colectivo) não vira, então, motivos para o seu indeferimento liminar e ordenou que se cumprisse o contraditório “e demais trâmites processuais”.
E, como afirma a Relação de Lisboa, no seu Ac. de 7/7/93, www.dgsi.pt., gozando o requerente da presunção de insuficiência económica, “tendo o pedido sido liminarmente admitido e nenhuma prova tendo sido produzida, foi, por isso, incoerente o indeferimento”.
A verdade, contudo, é que perante a presunção de insuficiência económica do arguido (não ilidida), ponderados os elementos constantes do relatório social junto aos autos e tendo em conta o facto a esse propósito dado como provado no acórdão final (supra referido), é nossa convicção que o arguido reúne os requisitos necessários à obtenção do pretendido benefício.
Mesmo, aliás, em caso de eventual dúvida sobre a capacidade económica do requerente para custear as despesas normais do processo, em função do princípio constitucional decorrente do artº 20º, nº 1 da CRP deveria ser-lhe concedido o benefício do apoio judiciário - neste sentido, cfr. Acs. RP de 23/04/2001, de 26/05/93 e de 13/12/90, todos acessíveis em www.dgsi.pt..
Tanto basta, pois, para - na procedência do recurso - se conceder ao arguido o benefício do apoio judiciário, na pedida modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos.


VIII. São termos em que, ao abrigo das disposições legais citadas, acordam os juízes desta Secção Criminal em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e concedendo ao arguido A. ... o benefício do apoio judiciário na pretendida modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Sem tributação.

Évora, 11 de Maio de 2004

(processado e revisto pelo relator).

Sénio Alves
Pires da Graça
Rui Maurício