RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
Sumário

I. A transmissão, na pendência da causa, do direito de propriedade referente ao imóvel objecto de providência cautelar de Restituição Provisória da Posse não determina a ilegitimidade do transmitente.
II. É pressuposto do decretamento da providência cautelar de Restituição Provisória da Posse a prova de que o requerente da providência é titular da posse sobre o bem cuja restituição é ordenada.
III. E a prova da titularidade da posse sobre o bem não se confunde com a prova da titularidade do direito de propriedade sobre esse mesmo bem.
A aquisição da posse por traditio só se verifica se o transmitente do direito relativo à coisa tinha a posse.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Luís F..., requerido e opoente nos autos de Procedimento Cautelar de Restituição Provisória da Posse, nº 6500/07.4 TBBRG-A, do Tribunal Judicial de Braga, Varas Cíveis, em que é requerente A..., Lda., veio interpor recurso de agravo da decisão judicial de 14/9/07, que decidiu a Oposição deduzida ao decretamento da providência, nos termos do art.º 388º-n.º1-alínea.b) do Código de Processo Civil, tendo indeferido a mesma, mantendo a decisão que decretou a providência cautelar de Restituição Provisória da Posse requerida.
O recurso foi recebido como recurso de agravo, com subida imediata, em separado.
Nas alegações de recurso que apresentou, o agravante formula as seguintes conclusões:
1. Em 22 de Novembro de 2006 a A..., Lda. vendeu por escritura pública o prédio rústico, denominado "Boucinhas", composto por terra, sul com caminho municipal 1316, nascente com José C... e poente com Carlos F..., sito na freguesia de Aveleda, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 414 a Leandro C..., conforme documento que agora se junta e aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Deixando, portanto, de ter interesse na restituição provisória da posse.
3. Logo, atento o disposto nos artigos 288°, n.º 1, alínea d), 493°, n.º 2, 494° alínea e) e 495° do CPC a decisão a proferir seria a absolvição da instância, por aquela falta constituir uma excepção dilatória.
4. Para que seja decretada a restituição provisória da posse é necessário que se encontrem preenchidos três requisitos, nomeadamente a posse, o esbulho e a violência, conforme o disposto nos art. 1279° do Código Civil e 393° do Código do Processo Civil.
5. A posse segundo o art. 1251° do Código Civil "é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real".
6. Nunca poderia vir a agravada requerer o procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse, visto que jamais teve a posse do prédio em questão.
7. “A restituição provisória constitui um meio de defesa da posse previsto no art.º. 1279º do CC, ao serviço do possuidor, contra actos de esbulho violento.
8. Segundo aquele preceito, "(. . .) o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador"
9. Por sua vez, o art.º 393º do CPC estatui que "No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência" .
10. "O deferimento da providência depende da prova sumária da posse, do esbulho e da violência." .crf. Ac. Do Tribunal da Relação do Porto de 16­12-2004(in www.dgsi.pt).
11. Não demonstrou factos que comprovassem essa mesma posse, e jamais o poderia ter feito.
12. Não alegou factos que pudessem ter sido levados em conta pelo Tribunal para ter julgado procedente a pretensão deduzida pela requerente.
13. Não se encontram no requerimento inicial apresentado pela ora agravada, alegados factos de onde resulte que a mesma se encontrava na posse do que quer que seja.
14. O esbulho por seu lado caracteriza-se pela privação do poder do possuidor no exercício dos actos correspondentes ao direito real que se traduzem na retenção, fruição do objecto da coisa ou da possibilidade de o continuar a exercer.
15. Nunca a agravada foi colocada em condições de não continuar a exercer a posse, pela simples razão de nunca a ter tido.
16. Não houve pois esbulho e muito menos violento.
17. “A violência tanto pode ser exercida sobre pessoas como sobre as coisas (…) para a caracterização da violência no esbulho, toma-se relevante toda aquela situação em que o esbulhado é colocado numa posição de impedimento de aceder ou contactar com a coisa que vinha possuindo, face á actuação levada a cabo pelo esbulhador. Releva para tal efeito o esbulho que conduz ao impedimento do possuidor de usar e fruir a coisa, havendo de vencer um obstáculo colocado por actuação do esbulhador. "crf. Ac. Do Tribunal da Relação do Porto de 02-03-2006 (in www.dgsi.pt).
18. Os requisitos para que a providência fosse decretada não se encontravam nem nunca se encontraram verificados.
19. Em face da prova apresentada e produzida em audiência de discussão e julgamento afigurava-se outra decisão.
20. Atenta a prova produzida em sede de audiência final, não existem dúvidas de o ora agravante é dono e legitimo proprietário e possuidor do terreno em causa, tendo-o adquirido em Abril de 2001.
21. Resultou também provado que o agravante, por si e legítimos antecessores, vem colhendo e fruindo as utilidades provenientes do dito terreno, designadamente limpando a dita área e cultivando-a com horta e outros produtos necessários ao seu consumo diário e do seu agregado familiar.
22. colhendo os frutos à vista de toda a gente interessada, sem oposição, e com a convicção de assim exercer um direito próprio e exclusivo, comportando-se como seu dono e legítimo possuidor.
23. E QUE a parcela de terreno que a agravada pretende sustentar como sendo sua, é de cultivo,
24. ao passo que a parte restante do seu prédio não passa de uma bouça de mato, pinheiros e eucaliptos.
25. QUE sempre existiu, como existe, uma delimitação física clara entre os prédios do requerente e da requerida.
26. QUE a estrema entre ambos os prédios é, como sempre foi, definida por um vaiado existente na parte em que confronta com o prédio da agravada.
27. E por marcos encrostados no solo.
28. A esse propósito foram contundentes os depoimentos das testemunhas arroladas que pelo ora agravante e que a seguir se transcrevem, que por si só impunham uma decisão diversa da que efectivamente foi proferida.
29. Violou a douta sentença o disposto nos artigos 342°, 1258° e seguintes do C.Civil do Código Civil e 393° do Código do Processo Civil.
Nestes termos, deverá revogar-se a decisão recorrida e ordenar-se o levantamento da providência em causa.

Foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeito fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Tal como decorre das disposições legais dos artº 684º-nº3 e 690º-nº1 e 2 do CPC o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “ ( artº 660º-nº2 do CPC).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões do recurso de agravo deduzidas, e supra descritas, verifica-se ocorrer questão nova, que não foi objecto de decisão em 1ª instância, e que o agravante vem apenas ora, em sede de recurso suscitar, invocando este a excepção de ilegitimidade activa, decorrente da alienação pela requerente do Procedimento Cautelar de Restituição Provisória da Posse e a favor de terceiros do direito de propriedade relativo ao imóvel objecto da providência decretada.
Tratando-se, porém, de questão relativamente à qual a lei impõe o respectivo conhecimento oficioso pelos tribunais, em qualquer fase do processo, nos termos do art.º 495º do Código de Processo Civil, irá conhecer-se de tal questão, a par das demais suscitadas nas alegações de agravo, sendo as questões a decidir:
- ocorre excepção de ilegitimidade activa ?
- estão preenchidos os legais requisitos do art.º 393º do Código de Processo Civil, que baseiam o decretamento da providência cautelar de Restituição Provisória da Posse ?
- impugnação da matéria de facto.

Fundamentação
I ) OS FACTOS
A) ( factos fixados na decisão que decretou a providência ):

a) A requerente à uma sociedade comercial cuja actividade se prende com a fundição de latão em coquilha.
b) No dia 8/3/2002, a requerente adquiriu por venda judicial o prédio rústico denominado “ Boucinhas”, composto por terra, sul com caminho municipal 1316, nascente com José C... e poente com Carlos F..., sito na freguesia de Aveleda, descrito na C.R.P. de Braga sob o n.º 00414/080897.
c) O mencionado prédio rústico confina com um prédio propriedade do ora requerido.
d) A requerente pretende iniciar no terreno mencionado as obras necessárias à transferência das suas instalações actualmente sitas na Rua Vila Meã de Cima, S. Vicente do Bico, 4720-171, Bico, Amares.
e) Obras essas ainda não iniciadas porque o requerido impediu ainda a entrada do topógrafo e arquitecto.

B) ( factos fixados na decisão recorrida):

a) No dia 12 de Abril de 2001, no 2º cartório Notaria de Braga, Maria Júlia de Oliveira Gonçalves Forte declarou vender ao requerido, o qual, por sua vez, declarou comprar àquela, o prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão e andar, com logradouro, sito no Lugar do Monte, freguesia de Aveleda, concelho de Braga, e inscrito na matriz sobre o art.º 486 e descrito na C.R.P. sob o n.º 416.

C) Mais resulta plenamente provado, por certidão junta aos presentes autos de recurso de agravo, a fls. 134 a 137, que:
- por escritura pública de 22 de Novembro de 2006, lavrada no Cartório Notarial de Braga, A..., Lda. vendeu a Leandro C..., o prédio rústico, sito no Lugar das Boucinhas, freguesia de Aveleda, concelho de Braga, inscrito na matriz respectiva sob o art.º 426, descrito na Conservatória do Registo predial sob o n.º 414-Aveleda.

II ) O DIREITO APLICÁVEL
Por requerimento de 21 de Setembro de 2006, A..., Lda., requerente nos presentes autos de procedimento cautelar, e ora recorrida, instaurou os presentes autos de Procedimento Cautelar de Restituição Provisória da Posse, contra Luís da Silva Barbosa, ora agravante, invocando ter adquirido por venda judicial um prédio rústico que confina com um prédio propriedade do requerido e que se encontra impedida de utilizar o prédio por actos do requerido, violentos e que descreve.
Mais alega a ocorrência de prejuízos para a requerente, indicando os concretos fundamentos e razões.
Por decisões judiciais proferidas em 14/12/2006 e em 14/9/2007, respectivamente, foi decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse requerida e indeferida Oposição deduzida contra tal decretamento, mantendo-se a providência.
Luís F..., requerido e opoente nos autos de Procedimento Cautelar de Restituição Provisória da Posse em apreciação, em que é requerente A..., Lda., veio interpor recurso de agravo da decisão judicial que decidiu a Oposição deduzida ao decretamento da providência, nos termos do art.º 388º-n.º1-alínea.b) do Código de Processo Civil, tendo indeferido a mesma, mantendo a decisão que decretou a providência cautelar de Restituição Provisória da Posse requerida.
E, fê-lo nos termos e pelas razões expostas nas alegações de recurso apresentadas e respectivas conclusões cujo teor acima se encontra transcrito.
I.
Conforme resulta dos autos e do teor da certidão junta a fls. 134/137, tendo vindo a ser requerida e decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse, e, indeferida Oposição deduzida contra tal decretamento, mantendo-se a providência, por decisões judiciais proferidas nos Autos de Procedimento Cautelar em apreciação, em 14/12/2006, e, em 14/9/2007, respectivamente, a requerente A..., Lda., por escritura pública de 22 de Novembro de 2006, lavrada no Cartório Notarial de Braga, veio, no decurso da acção, a vender a terceiros o prédio rústico objecto dos autos e sobre o qual recaía a providência cautelar de restituição provisória de posse decretada.
Alega o recorrente que por virtude de tal alienação a requerente da providência deixou de ter interesse na restituição provisória da posse, assim se tornando parte ilegítima, e, nestes termos, atento o disposto nos artigos 288°, n.º 1, alínea d), 493°, n.º 2, 494° alínea e) e 495° do CPC a decisão a proferir seria a absolvição da instância, por aquela falta constituir uma excepção dilatória.
Consideramos não ter razão o agravante, não se mostrando ocorrer a invocada excepção dilatória.
Com efeito, nos termos do art.º 26º do Código de Processo Civil, a legitimidade, afere-se, no tocante ao autor, quando este tem interesse directo em demandar, exprimindo-se tal interesse pela utilidade derivada da procedência da acção, e, nos termos do n.º3 do citado artigo, são ainda considerados titulares do interesse relevante para o efeito de legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. ( v. A. Varela, Manual de processo Civil, pg. 122 ).
No caso em apreço a legitimidade das partes mostra-se já definida, sendo a requerente da providência a titular do interesse em demandar, atenta a versão dos factos exposta no requerimento inicial da providência.
E, a transmissão do direito de propriedade referente ao imóvel objecto da providência não altera tal situação jurídica, sendo que, nos termos do disposto no art.º 271º do Código de Processo Civil, a lei estabelece que “ No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.”
Inexiste, assim, a alegada excepção.
II. / III.
Mais alega o requerente que para que seja decretada a restituição provisória da posse é necessário que se encontrem preenchidos três requisitos, nomeadamente a posse, o esbulho e a violência, conforme o disposto nos art. 1279° do Código Civil e 393° do Código do Processo Civil.
A posse segundo o art. 1251° do Código Civil "é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real".
E, nunca poderia vir a agravada requerer o procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse, visto que jamais teve a posse do prédio em questão.
Os requisitos para que a providência fosse decretada não se encontravam nem nunca se encontraram verificados.
Tal alegação, em que ora fundamenta o recurso de agravo, foi um dos fundamentos de Oposição deduzidos pelo ora recorrente nos autos de providência cautelar e nos termos do art.º 388º-n.º1-alínea.b) do Código de Processo Civil, em sede de contraditório subsequente ao decretamento da providência, sendo outro fundamento a invocação de que lhe pertence o prédio em referência e nele vem o recorrente, por si e seus antecessores, a exercer actos de posse.
Após a reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o contraditório subsequente ao decretamento da providência passa a fazer-se no próprio processo, e não por meio de embargos, facultando-se ao requerido, que não tenha sido previamente ouvido, recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou ou alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se com as adaptações necessárias, o disposto nos art.º 386º e 387º do Código de Processo Civil.
Relativamente aos fundamentos deduzidos na Oposição à providência, e que constituem também o objecto de apreciação do presente recurso, acima indicados, e relativamente à impugnação da matéria de facto fixada em 1ª instância e pretendida alteração requerida pelo agravante, no sentido de se reconhecer ser o dono e legitimo possuidor da parcela de terreno em referência, cumpre desde já referir, independentemente do conhecimento de tal questão se vir a mostrar prejudicado pelo conhecimento da questão II., previamente suscitada, e referente à análise do preenchimento dos requisitos para que seja decretada a providência em causa, que o prédio adquirido pelo agravante por escritura pública de 12 de Abril de 2001 e relativamente ao qual, alega, vem o agravante, por si e antecessores a exercer actos de posse, é um prédio totalmente distinto da parcela de terreno objecto da providência, sendo aquele um prédio urbano e este um rústico e com distintas confrontações e n.º de inscrição e registo na matriz e na C.R.P., tal como decorre dos factos provados e certidões juntas aos autos.
Assim, é, totalmente irrelevante a factualidade exposta referente a aquisição e exercício de posse por parte do agravante sobre tal imóvel.
E, nestes termos, relativamente ao imóvel objecto da providência, subsiste, ainda, a presunção a favor da requerente derivada do art.º 7º do Código de Registo Predial, no sentido de que “ O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”, pois que, não obstante seja ilidível tal presunção ( v. Oliveira Ascensão, in Direitos Reais, pg. 382 ), os factos alegados em sede de Oposição não serão nunca, pelas razões acima expostas, susceptíveis de fazer ilidir tal presunção legal.
Nestes termos, desde logo por tal razão é tal fundamento improcedente, devendo manter-se os factos tal como fixados em 1ª instância.
Relativamente à decisão recorrida, que indeferiu a Oposição e manteve a providência cautelar, atentos os factos provados e procedendo-se à análise dos requisitos para que seja decretada a providência cautelar de Restituição Provisória da Posse, somos de parecer que, tal como alega o agravante, os mesmos se não verificam no caso em apreço.
Nos termos do disposto no art.º 394º do Código de Processo Civil, nos Procedimentos cautelares especificados, e, em particular, na Restituição provisória de Posse, em caso de esbulho violento, “ Se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição (…)” ;
E, nos termos do art.º 395º, do citado diploma legal, ocorrendo o esbulho ou perturbação do exercício do direito do possuidor sem que ocorram as circunstâncias previstas no art.º 393º, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum.
Relativamente a este, dispõe o art.º 381º do Código de Processo Civil, que poderá ser requerido por alguém que mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito e com vista a obter providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
“ O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor “ ( n.º 2 do art.º 381º do Código de Processo Civil ).
E, “ O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado (…) – art.º 383º- e, “ “ Com a petição, oferecerá o requerente prova sumária do direito ameaçado e justificará o receio da lesão “ - n.º1 do art.º 384º, todos do Código de Processo Civil .
A providência cautelar de Restituição Provisória da Posse, prevista nos art.º 393º e 394º do Código de Processo Civil, é correspondente ao direito conferido pelo art.º 1279º do C.Civil, na epígrafe “ Defesa da Posse “, e o qual estatuí “ Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.”
Trata-se, assim, de providência para defesa da Posse.
Assim, pressuposto do decretamento da providência será a prova de que o requerente da providência é titular da posse sobre o bem cuja restituição é ordenada.
E a prova da titularidade da posse sobre o bem não se confunde com a prova da titularidade do direito de propriedade sobre esse mesmo bem.
Nos termos do disposto no art.º 1251º do C.Civil, “ Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”
“Na posse diferenciam-se dois elementos, o corpus, ou domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício, e o animus, consubstanciado na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio.” ( Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 13/9/2007, in www.dgsi.pt ).
Para poder lançar mão do procedimento cautelar em causa, de Restituição Provisória da Posse, a requerente da providência deveria, assim, ter alegado e provado ter a posse sobre o imóvel em causa e ter ocorrido esbulho, praticado com violência, pelo recorrido, e que assim a desapossou.
Ora, atentos os factos alegados pela requerente no requerimento inicial da providência, bem como os factos que vieram a provar-se, e a par das formas legalmente previstas de aquisição da posse, consignadas no art.º 1263º do C.Civil, verifica-se, desde logo, que não se mostra provada a existência de “Posse” por parte da requerente da providência relativamente ao imóvel objecto da mesma, não resultando dos factos alegados e provados que a requerente da providência haja adquirido a posse sobre a parcela de terreno em causa, nomeadamente, por transmissão dessa posse por parte dos anteriores proprietários e possuidores do imóvel a par da transmissão do direito de propriedade que se verificou, não se tendo alegado ou provados quaisquer factos dos quais decorra que os anteriores proprietários do imóvel fossem, ainda, seus anteriores possuidores, e que, assim, a par da transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel, e com a respectiva entrega simbólica efectuada pelo anterior possuidor, se haja transferido a posse de um possuidor para o outro.
Com efeito, e como se deduz do indicado preceito legal - art.º 1263º do C.Civil, “a aquisição da posse pode ser originária ou derivada; no primeiro caso por apossamento ou inversão do título, e, no segundo, por tradição, constituto possessório ou sucessão por morte “ ( Ac. Supremo Tribunal de Justiça, supra citado ).
Da matéria de facto provado resulta que a requerente da providência nunca chegou a ter a posse material do imóvel.
Tendo-o adquirido por arrematação em hasta pública, em processo executivo, nunca deteve ou se apossou do prédio, vindo, posteriormente, a ser impedida pelo requerido de aí praticar actos de posse.
Assim, no caso em apreço, atentos os factos alegados e provados, apenas nos debruçaremos sobre o modo de aquisição derivada da posse, pela tradição material ou simbólica da coisa, prevista na alínea.b) do art.º 1263º do C.Civil, desde já se mostrando excluídas todas as demais formas de aquisição de posse legalmente previstas, atento o factualismo concreto em apreciação.
Nos termos do referido preceito legal (alínea.b) do art.º 1263º do C.Civil ) a posse adquire-se, nomeadamente, pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor.
A traditio consubstancia-se, assim, na transferência voluntária da posse, inter vivos, operando-se com a entrega ou tradição material da coisa, o que se verifica, em regra, nos casos em que a transmissão da situação jurídica, do direito sobre a coisa, e a transmissão da situação de facto coincidem ;
e, operando-se, ainda, esta forma de transferência voluntária da posse, com a mera entrega simbólica da coisa, tal como prevê a disposição legal em referência.
A posse que assim se adquire é uma posse nova, que se adquire por transmissão e que pode dar lugar à cessão na posse nos termos do art.º 1256º do C.Civil.
Em qualquer dos casos, e sempre, para que esta forma de aquisição derivada de posse ocorra, a tradição ou entrega da coisa terá de ser realizada pelo anterior possuidor.
Tal como referem P.Lima e A. Varela, in C.Civil, anotado, volume III, pg.24, com referência a esta forma de aquisição de posse, prevista na alínea.b) do art.º 1263º do C.Civil, “ Não se exige, nesta alínea, como se faz na anterior, a prática reiterada de actos materiais correspondentes ao exercício do direito. A intervenção do antigo possuidor dispensa esta prática…”.
“ Mesmo simbólica, a tradição implicará sempre a perda de uma situação de facto e a constituição de uma nova. “ ( Oliveira Ascensão, in Direitos Reais, pg. 257 ).
E, mais refere, in obra citada, pg. 242 “ … a posse, como situação de facto, só pode ter por objecto uma coisa. Não pode haver um exercício de poderes de facto sobre um direito !”
“… Ela (a aquisição de posse) só se pode verificar se o transmitente do direito relativo à coisa tinha a posse.” ( pg. 263 ).
Conclui-se, assim, não se mostrar provada, no caso em apreço, a existência de “Posse “ por parte da requerente da providência, dado não se ter provado qualquer meio de aquisição da posse por aquela, e, esta, a “Posse”, como ficou já exposto, não opera por mera transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel.
Com efeito, não se mostrando ter ocorrido a aquisição da posse por parte da requerente da providência, nomeadamente por empossamento ou por traditio, nos termos legalmente previstos no art.º 1263º do C.Civil, nem por qualquer outra forma de aquisição legalmente prevista, não se tendo provado, ( e nem sequer alegado ) que os transmitentes do direito de propriedade sobre o imóvel fossem os anteriores possuidores do prédio, não se comprova, desde logo, a verificação do elemento “ corpus” que caracteriza a existência da posse.
Assim, não se provando a Posse não se mostra preenchido o primeiro dos requisitos legais ao decretamento da providência, não se provando, ainda, consequentemente, a verificação do esbulho, o qual pressupõe o desempossamento.
Nestes termos, por falta de comprovação dos respectivos pressupostos legais, não pode ser decretada a providência cautelar de restituição Provisória da Posse, e, tendo-o sido pelo tribunal “ a quo” deverá ser revogada a providência decretada.
E, não será ainda caso de convolação para procedimento cautelar comum , nos termos do art.º 395º do Código de Processo Civil, dado que o mesmo, pressupõe igualmente a existência da posse, tendo lugar nos casos em que ocorre o esbulho ou perturbação do exercício do direito do possuidor, a par dos demais requisitos legais do art.º 381º, do citado diploma legal.
Nestes termos, deverá ser dado provimento ao agravo.
DECISÃO
Pelo exposto, e pelos fundamentos acima expostos, acorda-se em dar provimento ao agravo, revogando-se a providência cautelar de restituição provisória de posse decretada, e, revogando-se, consequentemente, a decisão recorrida.
Custas pela agravada, em 1ª e 2ª instâncias ( art.º 453º e 446º do Código de Processo Civil ).

Guimarães, 17 de Abril de 2008