CONTRATO DE TRABALHO
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
DESPEDIMENTO
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário


1. O art. 37º da LCT, ao admitir a transmissão da posição contratual da entidade patronal ( relativamente aos contratos de trabalho existentes) para o adquirente do estabelecimento, abrange não apenas a transmissão da titularidade do estabelecimento ( nº1), mas também a cessão da sua exploração( nº4).
2. O contrato de cessão de exploração comercial, também designado de locação de estabelecimento, consiste numa forma de negociação do estabelecimento comercial traduzida numa transferência temporária e onerosa da sua exploração e em que o explorador não recebe qualquer remuneração como se fora um gerente, tendo antes, de pagar uma renda ao locador, explorando o estabelecimento por sua conta e risco.
3. A transmissão de titularidade do estabelecimento, vulgarmente denominado trespasse, e a cessão da sua exploração, em princípio, não afectam a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respectivo conteúdo, de tal modo que, em relação ao trabalhador, tudo se passa como se a transmissão não houvera tido lugar
4. O despedimento de um trabalhador efectuado pelo cedente após ter ocorrido a cessão de exploração do estabelecimento é ineficaz.
5. Constando dos fundamentos de facto que houve cessão de exploração do estabelecimento existe oposição entre os fundamentos e a decisão se esta concluir pela eficácia e ilicitude do despedimento promovido pelo cedente em momento posterior à data em que ocorreu a cessão.
Chambel Mourisco

Texto Integral

Processo nº 2299/04-2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

A. ..., intentou a presente acção declarativa com processo comum contra B. ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 4.678,66, referente a férias vencidas em 1/1/2002 e não gozadas ( €334,19), subsídio de férias do mesmo período (€ 334,19) e indemnização por despedimento ( € 4.010,28).
Para o efeito, alegou que foi admitida a trabalhar, em Setembro de 1990, no depósito de venda de pão da R., com a categoria de caixeira, auferindo ultimamente o salário mensal de € 334,19, tendo sido ilicitamente despedida pela R., em 8/1/2002.
A R. contestou, afirmando que nunca admitiu a A. ao seu serviço e consequentemente nunca a despediu, razão pela qual deve a acção improceder e ser absolvida do pedido.
Procedeu-se a julgamento tendo sido proferida sentença que decidiu julgar a acção procedente e em consequência decidiu:
    - Declarar ilícito o despedimento da A., por inexistência de processo disciplinar;
    - Condenar a R. a pagar à A. o montante de € 4.678,66 de indemnização por antiguidade, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da sentença até integral pagamento, e o montante de € 668,38 acrescido dos juros de mora vencidos desde 9/1/2002 e vincendos até integral pagamento à taxa legal.

Inconformada com a sentença, a R. apresentou recurso de apelação, tendo no requerimento de interposição de recurso arguido as nulidades da sentença previstas no art. 668º nº1 alíneas c) e d) do CPC, ou seja, em seu entender os fundamentos estão em oposição com a decisão e houve falta de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas.
Formulou as seguintes conclusões:
1. A R. nunca admitiu a A. nem jamais celebrou qualquer contrato com ela.
2. A A. foi admitida em Setembro de 1990 pelo Sr. F. ... que confessa sempre ter sido sua entidade patronal;
3. A A. não foi despedida pois trabalhou ininterruptamente desde 2/12/01 para o Sr. S. ..., e desde Maio de 2002 para o Sr. M. ... .
4. A Mª Juiz a quo violou o art. 37º da LCT e não conheceu das alegações da R. que juntou documentalmente prova de que as cessões se fizeram, consecutivamente, não tomando conhecimento de que a A. não juntou os documentos requeridos nos termos do art. 528º do CPC sendo unicamente provado que era empregada do Sr. F. ..., conforme documento por si junto e ora confirmado pela ISSS.
5. Nos termos do art. 77º e seguintes do CPT a sentença é nula como se disse por violação dos art. 668º alíneas c) e d) do CPC.
Termina pedindo a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido por absoluta inexistência de despedimento e se assim não se entender apenas é devido 8/365 de subsídio de férias e férias não gozadas.
A A. não contra-alegou.
Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Os autos foram com vista aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Nos termos dos art. 690º nº1 e 684º nº3 do CPC, ex vi art. 1º, nº2 al.a) do CPT as conclusões das alegações delimitam o objecto do recurso.
As questões suscitadas pela recorrente são as seguintes:
- Nulidades da sentença previstas no art. 668º nº1 alíneas c) e d) do CPC, pois em seu entender os fundamentos estão em oposição com a decisão e houve falta de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas / ausência de vínculo laboral entre a A. e a R. e a consequente inexistência de despedimento.
Na sentença recorrida foram consignados como provados os seguintes factos:
1. A R. é arrendatária do estabelecimento comercial de fabrico e venda de pão, estando a parte destinada ao fabrico instalada na Rua da ... e o depósito de venda instalado no Largo de ...
2. Por escritura pública celebrada em 29-12-1989 no Cartório Notarial de ... a R. e o seu marido J. ... cederam a exploração do estabelecimento a J. ... .
3. À data da escritura pública existiam no estabelecimento da R., onde trabalhavam por conta e no interesse desta, três postos de trabalho.
4. Tendo os então cedentes e cessionário convencionado que este não poderia admitir pessoal, a não ser para ocupar qualquer vaga dos três postos de trabalho existentes.
5. Em 1 Setembro de 1990 a autora foi admitida a trabalhar no depósito de venda de pão da R. com a categoria de caixeira, para substituir uma funcionária que se havia despedido.
6. Por escritura pública celebrada em 7-12-1997 no Cartório Notarial de ... a R. e o seu marido cederam a exploração do estabelecimento comercial a F. ... .
7. Tendo em tal contrato convencionado que o cessionário não poderia admitir pessoal, a não ser para ocupar qualquer vaga de algum dos três postos de trabalho existentes.
8. Nos termos de tal acordo a R. reconhecia que os três postos de trabalho existentes pertenciam ao estabelecimento e pelos quais era responsável. Sendo que um desses postos de trabalho era ocupado pela autora.
9. Por contrato escrito celebrado em 2-12-2001 a R. cedeu a exploração do mesmo estabelecimento a S. ... .
10. Nesse contrato a R. e o cessionário convencionaram que este não podia admitir ou demitir qualquer trabalhador sem aviso à R..
11. Tendo ainda estabelecido que ao estabelecimento pertencia apenas um trabalhador.
12. No dia 8 de Janeiro de 2002 a R. despediu a autora, sem qualquer justificação e sem processo disciplinar.
13. A autora auferia o salário mensal de € 334,19.
14. A autora não gozou o período de férias respeitante ao trabalho prestado no ano de 2001, nem recebeu o respectivo subsídio de férias.

Feita esta enumeração e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do recorrente, passaremos a apreciar as questões a decidir.
A R. começa por arguir as nulidades da sentença previstas no art. 668º nº1 alíneas c) e d) do CPC, pois em seu entender os fundamentos estão em oposição com a decisão e houve falta de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas.
As nulidades da sentença resultam da violação da lei processual por parte do juiz ao proferir a decisão, situando-se assim no âmbito restrito da elaboração de decisões judiciais, desde que essa violação preencha um dos casos contemplados no nº1 do art. 668º do CPC.
A oposição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº1 do art. 668º do CPC, tem de consubstanciar uma contradição real; a construção da sentença tem de estar viciada em virtude dos fundamentos referidos pelo juiz terem de conduzir necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, de sentido diferente.
Por seu turno, a omissão de pronúncia a que se refere a alínea d) do nº1 do art. 668º do CPC, consiste na circunstância de o juiz se não ter pronunciado sobre questões que devia ter apreciado face ao disposto na primeira parte do nº2 do art. 660º do CPC. Quanto a esta nulidade temos de distinguir entre questões a apreciar, e essas sim têm de ser objecto de apreciação, e razões ou argumentos aduzidos pelas partes, que podem não ser apreciadas caso se entenda que as mesmas são desnecessárias à resolução do litígio.
A recorrente defende que os fundamentos enunciados estão em oposição com a decisão, e que houve falta de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas por, em seu entender, nunca ter existido vínculo laboral entre a A. e a R. e consequentemente a A. não ter sido despedida.
Da matéria de facto provada resulta que a R. é arrendatária do estabelecimento comercial de fabrico e venda de pão, estando a parte destinada ao fabrico instalada na Rua ... e o depósito de venda instalado no Largo...
Por escritura pública, celebrada em 29-12-1989, a R. e o seu marido J. ... cederam a exploração do estabelecimento a J. ...
Novamente por escritura pública, celebrada em 7-12-1997, a R. e o seu marido cederam a exploração do estabelecimento comercial a F. ....
Finalmente em 2-12-2001, a R. voltou a cedeu a exploração do mesmo estabelecimento a S. .....
Constatamos assim, que a R. celebrou, por diversas vezes, com terceiros, contratos de cessão de exploração do estabelecimento comercial de que é arrendatária.
O contrato de cessão de exploração comercial, também designado de locação de estabelecimento, consiste numa forma de negociação do estabelecimento comercial traduzida numa transferência temporária e onerosa da sua exploração e em que o explorador não recebe qualquer remuneração como se fora um gerente, tendo antes, de pagar uma renda ao locador, explorando o estabelecimento por sua conta e risco ( cfr. neste sentido Ac STJ de 8/1/2004, Proc. nº 03B093, in www.dgsi.pt/jstj )
Trata-se de um contrato inominado, atípico, sujeito às declarações de vontade de quem nele outorga, subsidiariamente regido pelas normas do contrato típico de estrutura mais próxima e, na falta de umas e outras, pelas regras gerais dos contratos. Tem-se defendido que o tipo contratual cuja estrutura é mais próxima da do contrato de cessão de exploração é o de locação na espécie de arrendamento para o exercício do comércio ou de indústria (cfr. neste sentido Ac STJ de 18/3/2004, Proc. nº 04B27, in www.dgsi.pt/jstj )
Uma das características deste contrato, consiste na cedência temporária do estabelecimento ocorrer como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa, não se limitando à mera cedência da fruição do imóvel e ao gozo do mobiliário ou do seu recheio.
Em virtude da cessão da exploração do estabelecimento comercial ou industrial, poder ter reflexos na manutenção dos postos de trabalho afectos ao mesmo, a LCT, no seu art. 37º, estabeleceu um regime que teve em vista, por um lado, proteger os trabalhadores do risco de verem cortada a sua ligação à comunidade de trabalho a que pertencem, garantindo o direito à manutenção do posto de trabalho, que constitui uma das vertentes do direito constitucional consagrado no art. 53º da CRP, e, por outro, tutelar a própria continuidade do funcionamento do estabelecimento ou empresa que é objecto da transmissão.
Tal disposição legal tem a seguinte redacção:
1. A posição que dos contratos decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento sem prejuízo do disposto no art. 24º.
2. O adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão, ainda que respeitem a trabalhadores cujos contratos hajam cessado, desde que reclamadas pelos interessados até ao momento de transmissão.
3. Para efeitos do nº2 deverá o adquirente, durante os quinze dias anteriores à transacção, fazer afixar um aviso nos locais de trabalho no qual se dê conhecimento aos trabalhadores que devem reclamar os seus créditos.
4. O disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento.
Esta disposição legal, ao referir que a transmissão do estabelecimento se pode operar “ por qualquer título” ( nº1) e que o seu regime se aplica a “ quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento” ( nº4), demonstra que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.
Neste sentido decidiu também o STJ no seu Ac. de 9/6/2004, Pro. nº 04S344, in www.dgsi.pt/jstj. ao defender que o art. 37º da LCT, ao admitir a transmissão da posição contratual da entidade patronal ( relativamente aos contratos de trabalho existentes) para o adquirente do estabelecimento, abrange não apenas a transmissão da titularidade do estabelecimento ( nº1), mas também a cessão da sua exploração( nº4).
A transmissão de titularidade do estabelecimento, vulgarmente denominado trespasse, e a cessão da sua exploração, em princípio, não afectam a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respectivo conteúdo, de tal modo que, em relação ao trabalhador, tudo se passa como se a transmissão não houvera tido lugar ( Cfr. Abílio Neto, Contrato de Trabalho – Notas Práticas, Livraria Petrony, 10ª edição, pág. 143; Mário Pinto, Furtado Martins e Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, págs. 176 e segs.)
A manutenção da relação de trabalho, nestas circunstâncias só não subsiste, se antes da transmissão de titularidade do estabelecimento ou da cessão da sua exploração, o contrato de trabalho tiver cessado por qualquer das formas legalmente previstas, ou se o transmitente ou o cedente preferir manter os trabalhadores ao seu serviço noutro estabelecimento, contando que o adquirente ou o cessionário da exploração dê o necessário acordo e se observe, no que respeita aos trabalhadores, o disposto no art. 24º da LCT, no que se refere à transferência para outro local de trabalho.
No caso concreto dos autos, consta, no ponto 5 dos factos provados, que a A. foi admitida a trabalhar no depósito de venda de pão da R., em 1 Setembro de 1990, com a categoria de caixeira, para substituir uma funcionária que se havia despedido.
Da factualidade dada como provada resulta apenas que o estabelecimento da R. tinha sido cedido em 29-12-1989 a J. ... ( nº 2 dos factos provados).
Este facto não nos permite chegar a qualquer conclusão acerca de quem contratou a A., e se na altura da sua contratação, em 1 de Setembro de 1990, ainda o estabelecimento estava ser a ser explorado por J. ....
O certo é que em 7/12/1997 e em 2/12/2001, a R. voltou a ceder a exploração do estabelecimento respectivamente a F. ... e a S. ... ( pontos 6 e 9 dos factos provados).
Sendo assim, nos termos do art. 37º da LCT, a posição que do contrato de trabalho da A. decorria para a entidade que explorou o estabelecimento até Dezembro de 2001, transmitiu-se para o adquirente S. ..., em 2/12/2001, data em que ocorreu a cessão da exploração do estabelecimento.
Nesta linha, o despedimento da A., promovido pela R., ocorrido em 8 de Janeiro de 2002, a que se alude no ponto 12 dos factos provados, tem de se considerar absolutamente ineficaz.
Nessa altura, 8/1/2002, a entidade patronal da A., por força da cessão de exploração do estabelecimento, seria S. ..., única entidade com legitimidade para proceder disciplinarmente contra a A. e eventualmente despedi-la.
Assim, os factos dados como provados na sentença, nomeadamente quanto à cessão de exploração do estabelecimento, não comportam a decisão proferida de considerar que a A. foi ilicitamente despedida pela R..
De qualquer forma, a factualidade dada como provada, pelos motivos já indicados, não permite a condenação da R. que tem de ser absolvida do pedido.

Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente a Apelação decidindo revogar a sentença recorrida e absolver a R. do pedido.
Custas a cargo da A., tanto na acção como no recurso.
( Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas).
Évora, 11/01/2005

Chambel Mourisco
Gonçalves Rocha
Baptista Coelho