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SEGURO ESCOLAR
ACIDENTE ESCOLAR
ÂMBITO DA COBERTURA
DANOS PATRIMONIAIS
Sumário
I – À Data do acidente, 1985, o seguro escolar estava regulado pela Portaria n.º 739/83, e definia como «acidente escolar o evento resultante de causa externa, súbita, fortuita ou violenta, ocorrido no local e tempo de actividade escolar e que provoque ao aluno lesão corporal, doença ou morte». II – Nesse diploma, em caso de acidente escolar, é reconhecido ao acidentado o direito a: a) Assistência médica e cirúrgica ... b) Assistência farmacêutica ... c) Transporte ... d) Hospedagem ... e) Próteses ... f) Pagamento do funeral, em caso de morte.... g)Pagamento de uma indemnização, em caso de incapacidade permanente, total ou parcial. III- O seguro escolar, ao tempo, não cobria os danos de natureza não patrimonial, nem os de natureza patrimonial decorrentes de incapacidade temporária. IV – Quanto aos danos patrimoniais resultantes de incapacidade permanente absoluta eles serão ressarcíveis nos termos gerais e não nos moldes previstos para os acidentes de trabalho.
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Proc.º N.º 46/05-3
Apelação
3ª Secção
Tribunal Judicial da Comarca de ……….
Recorrente: Caminhos de Ferro Portugueses, E.P. e Acção Social Escolar – Seguro Escolar – Ministério da Educação.
Recorridos: João Miguel ……… (representado por seus pais) e João Carlos ……..
*
Gertrudes ……….., divorciada e João …….., na qualidade de legais representantes do seu filho menor João Miguel ……., ambos residentes na Rua ……….,
intentaram a presente acção de condenação sob a forma de processo Ordinário, contra João Carlos ………., motorista da C.P., residente ………….; E “Caminhos de Ferro Portugueses, E.P.”, com sede na Rua Nova da Trindade, 15, 1º e 2º - 1 200 Lisboa
e “Acção Social Escolar – Seguro Escolar – Ministério da Educação”, Av.ª 5 de Outubro, Lisboa,
porquanto.
Em 27 de Setembro de 1 996, pelas 17.10 horas, João ….. conduzia o comboio n.º 17 215, que parou na Estação do Pinhal Novo e que tinha como destino, as Praias do Sado.
Nesse dia, o menor João Miguel vinha da Escola Básica 2-3, onde frequentava o 6º ano, pelo que abrangido pelo contrato de seguro titulado pela apólice respectiva da 3ª Ré “Acção Social Escolar – Seguro Escolar”.
Dizem que, quando o menor subia para uma das carruagens, o 1º Réu arrancou com a composição bruscamente, em direcção às Praias do Sado.
Tal terá provocado o desequilíbrio deste que, com o pé no estribo, ia entrar na carruagem do referido comboio, caindo para a linha e tendo sido colhido pela carruagem da rectaguarda, que lhe trucidou a perna e pé direitos.
O referido veículo era propriedade da “C.P.” e circulava sob a direcção e vontade deste.
A 3ª Ré é solidariamente responsável pelos danos sofridos, nomeadamente pelo despacho conjunto 49/SEA/SEEI/96.
Do acidente resultou para o João Miguel a necessidade de amputação da perna e pé direitos.
Sofreu amputação pelo terço superior da perna direita e do pé, com consequentes complicações.
Ainda hoje necessita de substituições periódicas, nomeadamente para substituições periódicas das próteses da perna, que devem ser substituídas de 3 em 3 anos.
Então aluno do 6º ano do ensino básico, acima da média, até hoje nunca mais conseguiu estudar.
As lesões sofridas determinaram uma incapacidade não inferior a 90%; tal como o prolongamento dos tratamentos hospitalares causaram sofrimento, dores e incómodo ao A.
Pede, pelos danos não patrimoniais quantia não inferior a 10 000 000$00 (dez milhões de escudos); de jovem saudável e alegre passou a desmotivado e sem interesse na vida escolar e social, com correspondentes problemas psicológicos.
Estima as despesas hospitalares e tratamentos em 3 000 000$00 (três milhões de escudos), tendo a prótese e acessórios custado ao A. a verba de 850 000$00 (oitocentos e cinquenta mil escudos).
Tratamentos que, irão ser continuados pelo menos ao nível da Fisiatria, Psicologia e Psiquiatria.
Pelo sofrimento, desgosto e angústia sofridos pede, a título de danos não patrimoniais, quantia não inferior a 15 000 000$00 (quinze milhões de escudos).
A título de lucros cessantes e por não conseguir estudar pede a quantia de 40 000 000$00 (quarenta milhões de escudos).
Pede ainda o valor do vestuário que trazia, no valor de 37 000$00 (trinta e sete mil escudos) e o valor de deslocações para tratamentos e alojamento, no valor de 216 630$00 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e trinta escudos).
Mais, diz necessitar de um carro para transporte próprio adaptado, sendo o preço desta adaptação de 2 000 000$00 (dois milhões de escudos).
Contestou o M.P. em representação da “Acção Social Escolar”, referindo em especial que o chefe da estação de Pinhal Novo só deu a partida, quando não haviam mais passageiros para embarcar no comboio.
Assim e para si, terá sido o A. a forçar a sua entrada, quando o mesmo já tinha iniciado a sua marcha.
Daí, que se tenha desequilibrado e caído.
Admite que o acidente está coberto pelo seguro escolar, mas apenas quanto aos danos patrimoniais decorrentes do acidente e em função da Incapacidade Parcial Permanente de que venha a sofrer.
Pede a parcial procedência do pedido, mas apenas no que se refere aos danos patrimoniais.
Contestaram também a “C.P.” e João Carlos …….
Também estes dizem que o comboio só partiu, depois de certificado que não havia qualquer passageiro a subir ou a descer.
Pelo contrário, o A. só tentou entrar, já depois de este estar em andamento; e é esta a razão porque cai e se desequilibra.
No mais, refere desconhecer as lesões sofridas e despesas realizadas, tal como o grau de incapacidade de que o A. ficou a padecer.
Considera exagerados, os montantes pedidos.
Saneado e condensado o processo, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento. Fixada a matéria de facto, com referência à base instrutória, não houve reclamações. De seguida foi proferida sentença onde se decidiu nos seguintes termos:
julga-se «parcialmente procedente por provada a acção e, por via disso, a) Absolve-se do pedido João ……. b) Condena-se a “C.P.” no pagamento ao A. da quantia de 53 028.32€ (cinquenta e três mil, vinte e oito euros e trinta e dois cêntimos). c) Condena-se a “Acção Social Escolar – Seguro Escolar” no pagamento ao A. da quantia de 180 112.12€ (cento e oitenta mil, cento e doze euros e doze cêntimos). d) Condenam-se a “C.P.” e a “Acção Social Escolar”, nas proporções respectivas de 20% e 80%, no pagamento ao A. das quantias por este gastas na prótese da perna e seus acessórios – quantia a liquidar em execução de sentença. e) Custas na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao A.»
*
Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1] , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [2] salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Das conclusões da apelante C.P., decorre que são duas as questões a decidir:
a)- Saber se da factualidade provada resulta alguma culpa da R. ;
b)- Saber se o montante as indemnizações por danos patrimoniais futuros e não patrimoniais, arbitradas é ou não correcto.
*
Do recurso interposto pelo MP, são também duas as questões suscitadas:
c) Que danos patrimoniais cobre o seguro escolar
d) e qual o montante correcto a arbitrar no caso dos autos.
*
Flui das conclusões dos recursos que nenhum dos recorrentes põe em causa a decisão da matéria de facto dada como assente no Tribunal de 1ª Instância, pelo que, não havendo motivos para a alterar se mantém nos seus precisos termos. Tal factualidade é a seguinte:
1)
«No dia 27 de Setembro de 1996, pelas 17.10 horas, o 1º Réu João Carlos Cerqueira conduzia a composição ferroviária n.º 17 215 que parou na Estação do Pinhal Novo.
2)
O referido veículo era propriedade da 2ª Ré, a “C.P. – Caminhos de Ferro Portugueses”, à ordem e ao serviço da qual circulava transportando passageiros, com destino a Praias do Sado.
3)
Na data referida, a responsabilidade civil emergente de acidentes pessoais do menor encontrava-se transferida para a 3ª Ré “Acção Social Escolar – Seguro Escolar”, nos termos do contrato titulado pela apólice respectiva, porquanto o menor João Miguel frequentava a “Escola Básica 2-3” de Pinhal Novo, onde frequentava o 6º ano, com o n.º 11, da turma F, sendo o seu horário nesse dia das 8.10 às 17.10 horas.
4)
No momento do acidente o tempo estava bom, sendo perfeita a visibilidade.
5)
O A. nasceu em 85/4/15.
6)
À data e hora do acidente sofrido pelo A., o mesmo encontrava-se abrangido por seguro escolar, considerando o respectivo horário escolar e o local do acidente.
7)
As portas do comboio só fecham após alguns metros de marcha, arrancando pois o mesmo com aquelas abertas.
8)
Do acidente resultaram para o João Miguel, como consequência directa e necessária, graves lesões que obrigaram à amputação da perna e pé direitos.
9)
Sofreu amputação do 1/3 superior da perna direita e do pé, no “Hospital de São José”, onde foi de novo operado para regularização do coto com retorno local, tendo regressado ao “Hospital de Setúbal”.
10)
Onde foi submetido a drenagem de hematomas no coto, tendo sido transferido para o “Hospital da Estefânia”, devido a quadro febril e sofrimento de rotura cutânea.
11)
Sofre de acentuadas dificuldades de marcha e no acesso aos transportes públicos convencionais, tendo já colocado uma prótese, na perna direita, após várias intervenções cirúrgicas, nomeadamente:
96/10/2 – drenagem de hematoma e colocação de sonda;
96/10/7 – drenagem de hematoma e colocação de dreno de redivac;
96/10/9 – limpeza cirúrgica de retalho, com remoção de bordos necróticos e drenagem aspirativa;
96/10/13 – remoção de retalho cutâneo que se encontrava necrosado;
96/10/21 – enxerto do coto com pele retirada da face anterior da coxa direita.
E mais três em 97/1/20, 97/3/31 e 97/12/3.
12)
Fez reabilitação, medicina física e apoio psicológico e ainda hoje continua com necessidade de intervenções cirúrgicas, nomeadamente para substituições periódicas de próteses da perna, que deverão ser substituídas de três em três anos.
13)
Sente-se frequentemente cansado, não conseguindo mesmo aprender algo que pretenda ler, pois esquece tudo facilmente.
14)
O A. à data do acidente de que foi vítima frequentava o 6º ano do ensino básico e até hoje nunca mais conseguiu estudar.
15)
As lesões que sofreu determinaram uma Incapacidade Parcial Permanente de 60%.
16)
É notório que as lesões sofridas e o prolongamento dos tratamentos hospitalares a que foi – e continua sendo – submetido, causaram sofrimentos, dores e incómodos indescritíveis ao A.
17)
Após as graves lesões que sofreu em consequência deste acidente não mais lhe tem sido possível refazer a sua vida normal, pois se vê a coxear com a prótese sem equilíbrio na marcha, cheio de cicatrizes na bacia e nas costas, traumatismos que lhe têm causado graves problemas a nível psíquico, com perda de faculdade de memorização e de percepção intelectual, alterando até a sua personalidade, porquanto de jovem inteligente e activo é agora um jovem desmotivado e sem interesse na vida escolar e social.
18)
Até ao momento, os Hospitais apresentaram ao A. facturas no valor de 4 882 921$00 (quatro milhões, oitocentos e oitenta e dois mil, novecentos e vinte e um escudos), tendo a prótese da perna e acessórios custado ao A. quantia que não foi possível determinar.
19)
O A. ainda hoje não se encontra curado, sendo certo que vai continuar a ter de ser submetido a tratamentos e a efectuar despesas.
20)
Com efeito, o tratamento fisiátrico terá de ser continuado e o A. continua a tratar-se com Psicólogos pois encontra-se desmotivado, sem interesse na vida escolar, sem capacidade de memorizar e com grandes dificuldades de percepção intelectual.
21)
O A. era pois um aluno com bons resultados, sofreu e continua a sofrer pelo longo período em que tem vindo a ser submetido a diversos tratamentos, sendo constantemente acompanhado por enorme desgosto, por ver seriamente comprometidos os seus projectos profissionais, escolares, familiares e sociais.
22)
O A., por força do acidente viu interrompida aos 11 anos a sua vida de estudante e, hoje continua impedido de retomar, foi lesado nessa sua evolução escolar pois de aluno passou a pessoa que não consegue sequer retomar os estudos, tendo por isso sido impedido de já estar hoje a frequentar um curso superior, o que jamais poderá conseguir, vendo frustrados os seus planos profissionais.
23)
As suas roupas ficaram totalmente inutilizadas, nomeadamente calças no valor de 15 000$00 (quinze mil escudos), a camisa no valor de 7 000$00 (sete mil escudos), as botas de 15 000$00 (quinze mil escudos) e já gastou em deslocações para tratamentos e alojamento 216 630$00 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e trinta escudos).
24)
O A. necessita de adquirir um carro para transporte próprio, que necessita de adaptação, de valor que não foi possível apurar.
25)
O chefe da estação de Pinhal Novo deu ordem de partida ao comboio em causa, quando já não havia passageiros para nele embarcarem.
26)
Tendo, por isso, o comboio logo de seguida iniciado a marcha, também sem a presença de qualquer passageiro para embarcar naquele comboio.
27)
Pelo que o A., ao ter tentado entrar no referido comboio, apenas o fez quando este iniciou a sua marcha.
28)
Daí que se tenha desequilibrado, caído ao chão e sido colhido pelo rodado da carruagem da retaguarda, com as consequentes lesões.
29)
Aliás, na estação em causa, é frequente haver menores da mesma escola do A. a entrar para o comboio, com este já em andamento.
30)
Este comboio partiu do Barreiro às 16.46 horas e chegou à estação de Pinhal Novo às 17.09 ½ horas, donde partiu às 17.12 1/2 horas.
31)
A partida da indicada composição só ocorreu depois de o respectivo chefe de estação previamente se ter certificado que não havia qualquer passageiro a subir ou a descer daquela.
32)
O A. tentou entrar nesse comboio, já depois do mesmo ter retomado a sua marcha e quando já estava em andamento.
33)
O A. regressava então a casa em Venda do Alcaide, o que fazia acompanhado de outros colegas.
34)
Esses colegas do A. entraram para o mesmo comboio, só que para carruagens diferentes e quando o mesmo ainda estava parado.
35)
Foi essa queda que causou que o A. viesse a ser colhido pela última carruagem do dito comboio, para o qual tentara entrar.
36)
O comboio arrancou com suavidade».
* Da Responsabilidade no acidente - Questão da culpa
Quanto à primeira questão suscitada no recurso da CP e perante a factualidade descrita entendemos que o sr. juiz fez um enquadramento jurídico correcto. Com efeito se é certo e indiscutido que a actuação da vítima é absolutamente ilícita, não é menos certo que o facto de o comboio ter iniciado a marcha com as portas abertas (ou estas só se fecharem após alguns metros de marcha – como consta supra sob o n.º 7) - contribuiu também, embora em muito menor medida para a produção do acidente. Na verdade este facto potencia o risco de acidente na medida em que, naturalisticamente, não só “permite” às pessoas tentar entrar ou sair do comboio em andamento, como não impede a queda para o exterior, por desequilíbrio ou outra causa, de algum passageiro transportado no comboio. Se este apenas iniciasse a marcha com as portas fechadas nem sequer haveria tentativa de entrada dada a evidente impossibilidade de atingir o resultado pretendido. Trata-se pois, como se salienta na sentença, de uma actuação perigosa por parte da CP e que não pode deixar de ser considerada também, como causal do acidente. Esta actuação põe em causa a segurança dos passageiros e é perfeitamente evitável, já que a CP pode e deve tomar as providenciar no sentido dos comboios não iniciarem a marcha com as portas abertas. Sem ser a causa principal e determinante do acidente não deixa também, em muito menor medida, de ser causa adequado à produção do mesmo. Assim é correcta a repartição de responsabilidade estabelecida na sentença ou seja a atribuição a repartição de culpas na proporção de 80% para a vítima e de 20% para a CP.
Nesta parte improcede a apelação.
* Do Montante das indemnizações
Vejamos agora a questão do ressarcimento dos danos patrimoniais futuros e não patrimoniais e a questão da fixação do montante das indemnizações.
Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultaram para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer e ainda os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado e que poderá corresponder, nalguns casos, ao tempo de vida laboral útil do lesado, e compreendem, ainda, determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (como o são, por ex. substituições de uma prótese ou futuras operações cirúrgicas)". Portanto, a perda da capacidade de trabalho é um dano directo, tal como a perda da capacidade de ganho, só que esta tem uma específica componente de danos futuros. Nesta figura incluem-se realidades da vida que têm, na maior parte dos casos, características que as fazem incluir na categoria dos danos patrimoniais e na dos danos não patrimoniais. E é esta natureza híbrida que explica que, para a determinação dos danos futuros, os tribunais se tenham vindo a socorrer de diversos critérios para o cálculo do valor dos prejuízos em que eles se traduzem para o lesado.
Para a fixação do quantum indemnizatório pela perda da capacidade aquisitiva, a nossa jurisprudência tem-se socorrido, como critérios de orientação, de vários métodos [3] , com vista a tornar mais justa, compreensível e, por isso, controlável, a fixação desta indemnização. Estes métodos têm passado pelo uso das tabelas usadas para calcular as reservas matemáticas e a capitalização das pensões devidas por acidentes de trabalho [4] , e pela atribuição de indemnização a pagar ao lesado que represente um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho, e para a qual, neste último caso, têm sido propostos vários sub critérios expressos por diversas fórmulas algébricas [5] com o fito de alcançar a maior objectividade e justiça possíveis para o caso concreto, umas vezes acentuando que, em relação ao futuro, a indemnização deve ser calculada, em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, noutros, a expectativa de vida, porque com o fim da vida activa não cessa a vida física, com a consideração em todos os casos das taxas de juros e as oscilações da inflação. O Sr. Conselheiro Sousa Dinis [6] sugere também para estes casos dois critérios: um mediante uma regra de três simples, e partindo de uma determinada taxa de juro considerada ajustada à conjuntura concreta, procura encontrar o capital necessário que, a essa taxa de juro, dê o rendimento anual perdido, reduzindo em seguida esse capital, v. g., em ¼, para evitar um enriquecimento sem causa do lesado com a recepção do capital de uma só vez, fazendo intervir de seguida um juízo de equidade, tendo em conta, nomeadamente, a idade da vítima, fazendo alterar para mais ou para menos o valor encontrado. Um outro é dado pelo rendimento anual que o lesado deixou ou deixaria de auferir (caso estivesse a empregado) durante 14 meses, se trabalhar por conta de outrem, e 12 meses se trabalhar por conta própria, vezes n anos de esperança de vida do lesado, abatido este produto, v. g., em ¼, para evitar um enriquecimento sem causa do lesado com a recepção do capital de uma só vez, vezes a percentagem correspondente à I.P.P., com a intervenção no final de um juízo de equidade, tendo em conta, v. g., a progressão na carreira, os ganhos de produtividade e outros elementos que o caso concreto eventualmente imponham.
Face a todos estes critérios, é preciso não perder de vista que a fixação do quantum indemnizatório destes danos, se tem de fazer ex æquo et bono, visto que embora sendo determinados os danos a indemnizar, não é possível a fixação do seu exacto valor (n.º 3 do art.º 566º do Cód. Civil). O que impõe, todavia, que o tribunal pondere as circunstâncias do caso concreto, e atenda aos montantes que normal ou ordinariamente terão atingido, nessas circunstâncias, os danos causados ao lesado [7] . E para o efeito, estes critérios não passam de meras orientações, com vista a encontrar uma indemnização mais justa, e mais compreensível e controlável pelas próprias partes e, eventualmente, pelos tribunais superiores em caso de recurso. Todavia, não é demais frisar, que os tribunais não estão vinculados ao uso de qualquer fórmula, nomeadamente, daquelas que se utilizam em tabelas financeiras. As fórmulas servirão apenas como instrumentos de trabalho [8] .
A esta luz iremos também usar três métodos, e não apenas um, que têm sido utilizados pela jurisprudência, com vista a encontrar o quantum indemnizatório tão justo quanto possível, pelo concurso dos três, com o apelo no final para um juízo de equidade. É através deste, e não através das fórmulas algébricas e das operações aritméticas abaixo referenciadas que se fixará o quantum indemnizatur. Os dois primeiros serão os preconizados pelo Sr. Conselheiro Sousa Dinis e o último o do cálculo das pensões por acidente de trabalho, com remição da respectiva pensão.
Tendo em conta todo o exposto, e sem perder de vista a equidade, há que atribuir ao João Semedo uma indemnização que represente um capital que se venha a esgotar não no fim da sua vida activa (65 anos), mas no fim da sua esperança de vida (71,40 anos). Na verdade, não obstante o limite da vida activa ser, entre nós, os 65 anos, não é razoável ficcionar-se que, com o fim da vida activa, a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades. Sendo assim, há que atender à esperança de vida da população portuguesa residente que, segundo as “Estatísticas Demográficas” de 1997 do Instituto Nacional de Estatística era de 71,40 anos para os homens e de 78,65 anos para as mulheres [9] . O João Semedo tinha à data do acidente (27-09-1996) 11 anos, 5 mês e 12 dias, visto que nasceu em 15-04-1985, e só ingressaria, provavelmente, no mercado de trabalho aos 18 anos. Sendo assim e pelo exposto, restar-lhe-ia ainda uma esperança de vida de 53 anos após ingressar no mercado de trabalho (71,40-18=53,40). A vítima era estudante e não auferia qualquer rendimento de trabalho. Em 2003, ano do encerramento da audiência de discussão e julgamento, o João completou os 18 anos de idade. Nessa altura o salário mínimo nacional estava fixado em 356.60€, ou seja um salário anual de €4992,40. Será com base neste valor e naquela idade que se irão determinar os montantes indicativos da indemnização a atribuir para reparação dos danos futuros, de acordo com os métodos indicados e que passamos a demonstrar.
1) Segundo o método do Sr. Conselheiro Sousa Dinis: “rendimento anual que o lesado deixou de auferir durante 14 meses, se trabalhar por conta de outrem, e 12 meses se trabalhar por conta própria, vezes n anos de esperança de vida do lesado, abatido este produto, v. g., em ¼, para evitar um enriquecimento sem causa do lesado com a recepção do capital de uma só vez, com a intervenção no final de um juízo de equidade, tendo em conta, v. g., a progressão na carreira, os ganhos de produtividade e outros elementos que o caso concreto eventualmente imponham” teríamos um valor de € 119.068,78:
€ 356.60 x 14 x 60% = 2995,44
€ 2995,44 x 53=€ 153758,32
€ 153.758,32 : ¼ =119.068,78
2) Segundo o método cima referido da regra de três simples “ partindo de uma determinada taxa de juro considerada ajustada à conjuntura concreta, procura encontrar o capital necessário que, a essa taxa de juro (no caso julga-se adequada a taxa de 3%), dê o rendimento anual perdido, reduzindo em seguida esse capital, v. g., em ¼, para evitar um enriquecimento sem causa do lesado com a recepção do capital de uma só vez” teríamos um valor de € 74.885,99:
100-----------3
x--------------€ 4992,40 (rendimento anual).
4992,40 x 100: 3= 166.413,33
166.413,33 x 60% : ¼ = € 74.885,99
3) Seguindo as regras do cálculo das pensões por acidente de trabalho, segundo o regime vigente em 2003 e tendo em conta o salário mínimo nacional fixado para esse ano, teríamos uma pensão anual de € 2096,80 a que corresponderia um capital de remição de € 38.019,32…
€ 356,60 x 14 x 70% x 60% = € 2096,80
€ 2096,80 x 18,132 (taxa de remição) = € 38.019,32.
Existe uma diferença sensível entre este último valor e os demais. Mas essa diferença é compreensível uma vez que é sabido, que as pensões previstas na legislação infortunística laboral, apenas se destinam a reparar o dano da perda ou redução da capacidade de ganho e nada mais, enquanto os outros critérios são mais abrangentes. Assim e ainda segundo o Sr. Cons. Sousa Dinis será em princípio dentro desta faixa ou banda constituída entre o valor mínimo e o valor máximo apurados, que o juiz pode movimentar-se com o recurso à equidade, no seu prudente arbítrio e sem recear encontrar um valor desajustado. O juiz, deve então fazer intervir factores de correcção, não usados nos cálculos, como seja a inflação, os ganhos de produtividade e a depreciação monetária, podendo inclusive ultrapassar o patamar superior da “banda”, mas nunca devendo baixar do patamar mínimo. Afirma ainda que, em princípio, quanto mais alta for a idade da vítima mais o julgador se deve aproximar do limite mínimo e quanto mais baixa ela for, mais o julgador se deve situar junto do limite máximo, ou mesmo ultrapassá-lo.
Como se vê existe uma grande disparidade entre estes valores e os apurados na sentença sob recurso e que são, salvo o devido respeito, francamente exagerados para o que é usual arbitrar-se em caso idênticos.
Face a estes valores apurados, e tendo em conta que o João Semedo tinha à data do acidente (27-09-1996) 11 anos, 5 mês e 12 dias, visto que nasceu em 15-04-1985, num julgamento segundo os juízos de equidade entendemos justificar-se aqui ultrapassar o patamar máximo acima referido e fixar o valor dos danos futuros em € 120.000,00, tanto mais que naquele cálculo não foram tomados em conta os danos futuros ocorridos entre a data do acidente e 2003 (data do presumível início da vida activa) sendo certo que não houve pagamento ou liquidação de qualquer indemnização pelas incapacidades temporárias verificadas nesse período e os prejuízos daí directamente decorrentes designadamente a interrupção da sua formação escolar básica.
Danos não patrimoniais
Sobre a forma de compensar tais danos dispõe o artº 496º do C. Civil, o seguinte:
"1 . Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior".
Como se escreve no douto Ac. do STJ de 31 de Outubro de 1996, BMJ, nº 460, pág. 458:
"No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois visa "reparar, de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada", não lhe sendo estranha, porém, " a ideia de reprovar ou castigar no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente".
O dano não patrimonial tem de considerar os seguintes aspectos, que, em princípio, devem constar do relatório médico-legal.
1) a IPP ou, se for caso disso, a incapacidade temporária total geral, que diz respeito às tarefas da vida corrente, e a incapacidade temporária total especial, para a actividade desenvolvida, ou seja, a projecção dessa incapacidade no exercício da actividade específica do sinistrado;
2) a graduação do quantum doloris (numa escala de 1 a 7: muito ligeiro,ligeiro, moderado, médio, considerável, importante e muito importante), que se reporta ao período que começa com o acto lesivo e acaba no momento em que o estado do lesado não pode ser melhorado, de acordo com os conhecimentos médicos existentes a esta última data;
3) o prejuízo estético, graduado naquela mesma escala;
4) o prejuízo de afirmação pessoal (alegria de viver) que deve ser graduado também de acordo com a escala valorativa da quantificação da dor.
No relatório da perícia médica, junto a fls. 216 dos autos, consta que o “quantum doloris” foi fixado no grau 6 da escala, logo como importante, o dano estético também no grau 6, (importante), o mesmo sucedendo com o dano “afirmação pessoal”.
Todas estas sequelas são graves e merecem ser compensadas adequadamente. Porém o quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, "segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização" e "aos padrões da jurisprudência geralmente adoptados, às flutuações do valor da moeda, etc" (cfr. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 7ª ed. págs. 601 e 602).
Pois bem.
Em recente tragédia (acidente da ponte de Castelo de Paiva) ocorrida no nosso país, o Sr Provedor de Justiça, sugeriu ao Estado a valoração da perda da vida e sofrimento da vítima em 10.000.000$00. Se bem que os critérios da jurisprudência portuguesa têm andado algo afastados daquele montante, começam aproximar-se dele [10] . Sendo o direito à vida o mais elevado dos direitos da personalidade, a indemnização pela sua perda, terá, naturalmente, de ser significativa. Como refere o Prof. Leite de Campos "o direito à vida é um direito ao respeito da vida perante as outras pessoas, é um direito «excludendi alios» e só nesta medida é um direito. É um direito a exigir um comportamento negativo dos outros. Eis o único conteúdo do direito à vida – expressão incorrecta, mas que não rejeitaremos, utilizando-a a par «de direito ao respeito à vida», por causa da dignidade que obteve em mil combates ao serviço do homem. Atentar contra o direito ao respeito da vida produz um dano - a morte - superior a qualquer outro no plano dos interesses da ordem jurídica." E continua o mesmo Prof.: "O dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros (...). A morte é um dano único que absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais. O montante da sua indemnização deve ser, pois, superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis." – cfr. Estudo publicado no BMJ 365, pág. 5 e ss.).
Assim na fixação da indemnização não pode ignorar-se a jurisprudência dos Tribunais superiores e os valores por estes arbitrados. A jurisprudência do Supremo Tribunal em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. Como decidiu recentemente no STJ, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar [11] .
A equidade e a justiça impõem que não nos afastemos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes. Além disso deve atender-se também à responsabilidade da vítima na produção dos danos ou seja à culpa, conforme decorre aliás do disposto nos art.ºs 494º e 496 do CC.
Ora sabendo-se que para o dano morte os valores apontados são da ordem dos € 50.000,00 temos de concluir que o valor fixado na sentença (€ 40000,00) é excessivo [12] .
Assim, tendo presentes todos os factores acima enunciados, entendemos ser justo e equilibrado fixar, com referência à data da sentença, o valor compensatório dos danos não patrimoniais decorrentes do acidente em 30.000,00€.
* Recurso do MP (seguro escolar)
Tipo de danos cobertos pelo seguro escolar
Foi decidido e bem na sentença que o seguro escolar não cobre os danos de natureza não patrimonial pelo que, por estes apenas responderia a CP na medida da sua culpa/responsabilidade. Esta decisão não foi questionada nem impugnada por qualquer das partes pelo que transitou em julgado.
Quanto aos danos patrimoniais, sustenta o MP que o seguro escolar para além das despesas referidas nas alíneas a) a f) do art.º 4º da Port. n.º 739/83, apenas assegura o pagamento duma indemnização por incapacidade permanente, devendo a mesma ser determinada segundo as regras previstas para os acidentes de trabalho.
Para chegar a esta conclusão, nas suas alegações, o MP faz uma resenha histórica do instituto do seguro escolar. Para melhor percepção e enquadramento do problema passamos a transcrever parte dessas alegações:
« O seguro escolar foi criado pelo Decreto n.º 20.420, de 21 de Outubro de 1931, que aprovou a organização da ensino técnico profissional, destinando-se a promover o seguro contra acidentes de trabalho de todo o pessoal e alunos das escolas de ensino técnico profissional".
A matéria relativa aos seguros em caso de acidentes consta do respectivo capítulo X (art. °s 104° a 114°), sendo cometido à Comissão Permanente de Seguros Escolares, a funcionar junto da Direcção-Geral de Ensino Técnico, o encargo de administração e gerência dos fundos criados para garantisse seguro.
O Decreto n. ° 20.934, de 25 de Fevereiro de 1932, deu execução às disposições do Decreto n. ° 20.420, especificando as funções daquela Comissão e definindo as normas a seguir para a consecução da acção social pretendida com a criação dos seguros escolares.
O preâmbulo do Decreto n. ° 20.934 é bem esclarecedor:
"Pretende-se com esta instituição - os seguros escolares - dar aos estudantes uma protecção material que a par da moral que lhes dispensam as caixas escolares forme um conjunto tão perfeito quanto possível de assistência aos alunos do Ensino Técnico Profissional:
"É a primeira vez que em Portugal se cuida, neste campo, da protecção ao estudante, pretendendo colocá-lo ao abrigo dos acasos que podem determinar que, por acidente ocorrido durante os seus trabalhos escolares profissionais, ele fique temporária ou permanentemente incapacitado, total ou parcialmente ".
Do respectivo articulado merece destaque o preceituado no art.º 7`
"as indemnizações devidas aos sinistrados são aquelas estabelecidas pela lei dos desastres no trabalho" (sublinhado nosso).
O Decreto n. ° 24.618, de 26 de Outubro de 1934, modificou o Decreto n.º 20.934, introduzindo as alterações sugeridas pelo favorável acolhimento e grande interesse manifestado por parte das escolas na implantação dos seguros escolares.
O Decreto-Lei n. ° 178/71, de 30/4, cria no Ministério Nacional, sob a dependência directa do Ministro, o. Instituto de Acção Social Escolar, prevê no âmbito da acção social escolar e como uma das modalidades de prestação de serviços aos alunos em geral, o seguro escolar [alínea f) do n. ° 3 do art. ° 7° ].
Através do Decreto-Lei n. ° 223/73, de 11 de Maio, que reorganizou o Instituto de Acção Social Escolar, o Fundo Permanente de Seguros Escolares, criado pelo Decreto-Lei n.° 24.618, de 29 de Outubro de 1934, passou a designar-se Fundo Nacional do Seguro Escolar, continuando a gozar do regime especial consagrado naquele (n °1 do art. ° 16°).
-Segundo o art. ° 16°, o Fundo Nacional do Seguro Escolar "é um serviço que se destina a garantir, em regime de mutualidade, a actividade seguradora e a respectiva cobertura financeira, nas diversas modalidades de seguro aplicáveis ao estudante enquanto tal" (n.° 2) e que fica dependente do Instituto de Acção Social Escolar, o qual exercerá as funções anteriormente cometidas á Direcção-Geral do Ensino Técnico Profissional (n.° 4) (sublinhado nosso).
Consagrou-se, então, o seguro escolar para todos os alunos em geral.
A matéria do seguro escolar foi objecto de desenvolvimentos ulteriores, com destaque para a Portaria n.º 739/83, de 29 de Junho, que reestrutura o Instituto de Acção Social Escolar e a Direcção-Geral de Pessoal, consagrando a noção de acidente escolar (3 °), enunciando os direitos reconhecidos ao acidentado (4°) e definindo as competências da Divisão de Seguro Escolar ...
De acordo com a Portaria n.º 739/83„ "considera-se acidente escolar o evento resultante de causa externa, súbita, fortuita ou violenta, ocorrido no local e tempo de actividade escolar e que provoque ao aluno lesão corporal, doença ou morte" (3°), sendo que, "em caso de acidente escolar, é reconhecido ao acidentado o direito a:
a) Assistência médica e cirúrgica ... b) Assistência farmacêutica ... c) Transporte ... d) Hospedagem ... e) Próteses ... f) Pagamento do funeral, em caso de morte.... g)Pagamento de uma indemnização, em caso de incapacidade permanente, total ou parcial. "
... à luz da legislação vigente ... (em 25 de Janeiro de 1985), o seguro escolar abrangia apenas a cobertura de danos patrimoniais (sublinhado nosso).
Actualmente, o seguro escolar é disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 35/90, de 25 de Janeiro e pela Portaria n. ° 413/99, de 8 de Junho. O Decreto-Lei n. ° 35/90, tem como âmbito de aplicação os alunos que frequentam o ensino não superior em estabelecimentos de ensino oficial, particular ou cooperativo ... A Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho, consagra uma das inovações mais relevantes do novo regulamento do seguro escolar, isto é, o eventual pagamento de indemnização por danos morais [alínea c) do art. ° 10°]. Assim, numa maior abrangência, o seguro escolar, para além de garantir ao aluno sinistrado assistência médica e medicamentosa (art.º 7°), hospedagem, alojamento e alimentação (art.º 8° ), e transporte indispensável para garantir essa assistência (art.º 9°), compreende ainda o pagamento de indemnização por incapacidade temporária, desde que se trate de aluno que exerça actividade profissional remunerada, de indemnização por incapacidade permanente e de indemnização por danos morais (10°). Referindo-se o cálculo da indemnização, o art.11º, alarga a cobertura do seguro escolar: "1- A indemnização a que o sinistrado, vítima de incapacidade permanente, tem direito é calculada em função do grau de incapacidade que lhe seja atribuído. 2 - O montante é determinado com base no coeficiente de incapacidade, fixando-se o valor 100 em 300 vezes o salário mínimo nacional, em vigor à data do acidente. 3- O coeficiente de incapacidade é fixado por junta médica, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, publicada em anexo à lei dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente. (sublinhado nosso) 5- Pode, a requerimento do sinistrado e por decisão fundamentada do director regional de educação, ser atribuído, a título de indemnização por danos morais, montante no valor de 30% da indemnização calculada nos termos do n.° 1 do presente artigo. "...»
Desta resenha decorre desde logo que apenas nos seus primórdios o regime do seguro escolar remetia directamente para a disciplina dos “desastres de trabalho”, prevendo-se não só o ressarcimento das incapacidades permanentes, como das incapacidades temporárias (cfr. art. 7º do Dec. n.º 20934). No regime vigente à data do acidente e no tocante ao dano da incapacidade para o trabalho, parece ter havido um retrocesso, pois apenas se prevê pagamento de indemnizações pelas incapacidades permanentes. Além disso deixou de haver qualquer remissão expressa para o regime dos acidentes de trabalho e o facto de se falar em indemnizações por incapacidade para o trabalho não legitima a conclusão de que estas devam ser calculadas de harmonia com o regime previsto para os acidentes de trabalho. Aliás no regime actual para além de se prever a indemnização de danos não patrimoniais, regulamentou-se especificamente a forma de cálculo da indemnização por incapacidade permanente, afastando-se totalmente da regulamentação prevista para os acidentes de trabalho. Vê-se assim que em matéria de seguro escolar só no início houve uma orientação para as prestações asseguradas serem determinadas por referência aos acidentes de trabalho.
Deste modo entendemos que não havendo, como não havia no regime do seguro escolar vigente à data do acidente, disposição que imponha uma dada forma de cálculo da indemnização por incapacidade permanente, ela deve ser apurada de harmonia com o regime geral previsto para a obrigação de indemnizar, tal como é referido na sentença.
Assim a indemnização por incapacidade permanente, deve ser calculada de harmonia com os critérios usados para a quantificação da indemnização por danos futuros já que, no essencial, tal incapacidade é nisso que se traduz.
Face ao exposto e ao decidido supra entendemos que no tocante à incapacidade permanente a indemnização terá o valor acima apurado para os danos futuros ou seja correspondente a € 120.000,00 (cento e vinte mil euros).
* Concluindo
Está assente que do acidente resultou para o A. a perda total das roupas e calçado que vestia, no valor de €184,56 e gastou em deslocações e alojamento, para tratamentos, a quantia de € 1080,55.As despesas hospitalares montam a €24.355,91. O valor dos danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade de que ficou afectado foi fixado supra em €120.000,00 e o valor dos danos não patrimoniais em €30.000,00.
Por liquidar, em execução de sentença, ficam as despesas com a substituição da prótese e acessórios.
Atento o disposto no art.º 3º e 4º al. a), c), d) e e) da Port. n.º 739/83, as despesas acima referidas relativas a alojamento e deslocações para tratamentos bem como as despesas hospitalares e as relativas a próteses, são também da responsabilidade do Seguro Escolar. A estas acresce a indemnização pela incapacidade permanente.
Considerando a repartição de responsabilidades acima definida, de 80% para o seguro escolar e de 20% para a CP, teremos o seguinte resultado nas obrigações de pagamento:
Danos patrimoniais
Da responsabilidade da CP
€ 184,56 + € 1080,55 + € 24.355,91 + € 120.000,00 = € 145.621,02
€ 145.621,02 x 20% = € 29.124,20 (vinte e nove mil cento e vinte e quatro euros e vinte cêntimos).
Da responsabilidade do Seguro Escolar
€ 1080,55 + €24.355,91 + € 120.000,00 = € 145.436,46.
€ 145.436,46 x 80% = € 116.349,16 (cento e dezasseis mil trezentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos).
Sobre estas quantias são devidos juros de mora, às taxas legais, desde a sentença até integral pagamento. As despesas com a prótese e seus acessórios, a liquidar em execução de sentença – se for necessário – serão repartidas na mesma proporção.
Danos não patrimoniais
Face à repartição de culpas e ao facto de o Seguro Escolar não cobrir este tipo de danos, a CP, será apenas responsável pelo pagamento de 20% do valor apurado ou seja €6.000,00 (seis mil euros). Sobre esta quantia incidem juros de mora desde a data da sentença ( 25/5/04) até efectivo pagamento.
*
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em conceder parcial provimento aos recursos, revogando parcialmente a sentença e condenando os RR. a pagar ao A., as quantias acabadas de enunciar.
Custas na proporção do decaimento, tanto nesta instância como na primeira, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao A..
Registe e notifique.
[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa -1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra - 2000, págs. 103 e segs. [2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. [3] Um elenco destes critérios pode ser visto in Conselheiro do STJ Joaquim José de Sousa Dinis, « Dano Corporal em Acidentes de Viação – Cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial – Perspectivas futuras », C.J. (STJ) Ano IX (2001), tomo 1, págs. 8 e segs. [4] Vd. v. g., M. Oliveira Matos, Código da Estrada Anot., 4.ª Ed., Liv. Almedina, Coimbra – 1981, pág. 394 e jurisprudência ai citada. Este critério tem sido algumas vezes posto em causa sob o pretexto de não atender à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias do caso concreto, que o tornarão sempre único e diferente. Neste sentido vd. Vd. Ac. do STJ de 04-02-1993: CJ (STJ) Ano I, tomo 1, pág. 129 cit. apud Conselheiro do STJ Joaquim José de Sousa Dinis, « Dano Corporal em Acidentes de Viação – Cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial – Perspectivas futuras », C.J. (STJ) Ano IX (2001), tomo 1, pág. 8. [5] Entre outras fórmulas algébricas vd., v. g., as dos Ac. da R. de Coimbra de 04-04-1995: CJ Ano XX (1995), tomo 2, pág. 26, bem como os Acórdãos da mesma Relação de 12-07-1999 e 05-03-2002, ambos publicados inhttp://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/ etc., respectivamente apelações n.ºs 2382/99 e 28/2002, respectivamente com os n.ºs convencionais JTRC78/3 e JTRC 1477, de que foi relator o Sr. Desembargador Gil Roque. [6] Vd. C.J. (STJ) Ano IX (2001), tomo 1, págs. 8 e segs. [7] Vd. Vaz Serra, R.L.J. Ano 113 pág. 328. [8] Vd. Ac. da R. de Coimbra de 04-05-1995: CJ Ano XX (1995), tomo 2, pág. 25. [9] No sentido de que se deve atender à esperança de vida dos portugueses vd. Ac. do STJ de 16-03-1999: CJ (STJ) Ano VII (1999), tomo 1, pág. 169-170 e jurisprudência nele citada, no mesmo sentido, e Ac. do STJ de 06-07-2000:CJ (STJ) Ano VIII (2000), tomo 2, pág. 146. No sentido em que só se atendeu ao limite da vida activa vd., v. g., entre outros, os Ac. do STJ de 04-02-1993: CJ (STJ) Ano I (1993), tomo 1 pág. 130 e Ac. do STJ de 05-05-1994: CJ (STJ) Ano II (1994), tomo 2 pág. 88; Ac. do STJ de 27-04-1999, JSTJ00040090, Revista in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954...– Relator Conselheiro Miranda Gusmão, por unanimidade; e Ac. da R. de Coimbra de 04-04-1995: CJ Ano XX (1995), tomo 2, pág. 26. [10] Cfr. Ac. do STJ de 17/11/98, n.º convencional JSTJ00034959, in http://www.dgsi.pt/.... [11] Cfr. Acórdão de 28-05-1998, Revista nº 337/98. [12] Pela morte de uma criança de 15 (sem culpa da vítima – ao invé do que sucede nestes autos onde a culpa da vítima é predominante) arbitrou o STJ no acórdão proferido em 26/3/98 na revista nº 104/98, da 1ª secção a indemnização de 10.000.000$00, o mesmo sucedendo, relativamente à morte de uma criança de 12 anos, no ac. do mesmo Tribunal de 17/11/98, proc. n.º 98A990, n.º convencional JSTJ00034959, in http://www.dgsi.pt/..,