ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
Sumário


I – A acção de demarcação tem natureza pessoal, que não real e visa um fim declarativo e não constitutivo, pois se destina a afastar a incerteza quanto a estremas de prédios.

II – Por assim ser, a invocação da qualidade de proprietário por parte do autor é apenas condição da sua legitimidade, pois que neste tipo de acção não se apreciará tal titularidade.

Texto Integral

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

*

I – Relatório

“A” e “B” intentaram no Tribunal de … acção declarativa com processo sumário, contra “C” e mulher “D” pedindo que sejam condenados:
    a) a reconhecerem os autores como donos e legítimos proprietários dos prédios que identificam;
    b) a deslocarem 3,20 m para norte o marco nº 7 do documento nº 1, situado na linha de estrema entre o prédio dos autores e o prédio inscrito sob o nº 152 dos réus, ficando a estrema nascente do prédio dos autores com a largura de 14 metros;
    c) a traçarem a partir do referido marco um alinhamento recto para poente até à estrada municipal, aí colocando no topo da estrema poente do prédio dos autores um outro marco, de molde a que o prédio dos autores tenha a poente a largura de 12,50 metros.

Os AA fundamentam o seu pedido alegando em síntese:
São proprietários do prédio urbano sito na Rua …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz cadastral respectiva sob o artigo nº1310, omisso na Conservatória do Registo Predial e do prédio rústico sito em …, freguesia de …, inscrito na matriz cadastral respectiva sob o nº 153 da secção C e descrito na Conservatória de Registo Predial de …, sob o nº 198 da dita freguesia;
Os RR são proprietários dos prédios rústicos sitos no local do …, da freguesia de …, inscritos na matriz cadastral respectiva sob os artigos 151 e 152 da secção C da dita freguesia;
O prédio rústico dos autores confronta do lado norte com o prédio dos réus inscrito sob o artigo 152;
No mapa cadastral a linha de estrema dos ditos prédios apresenta um marco em cada extremidade, respectivamente identificados com os nº 3 e 7 do documento nº 5 junto com a petição inicial;
Há cerca de seis anos a Câmara Municipal de … construiu uma estrada municipal na estrema poente do prédio dos autores, ocupando 96,6 m2, ficando a separar o prédio dos autores a linha férrea;
O marco da estrema identificado com o nº 3 desapareceu do local e o marco nº7 foi alterado do local, resultando a confusão das estremas;
Segundo as medições efectuadas directamente no mapa do Instituto Português de Cartografia e Cadastro o seu prédio deveria ter a nascente a largura de 14 metros e os prédios dos réus no seu conjunto a largura de 9 metros. Porém estes últimos apresentam no terreno uma largura total de 12,20 metros, pelo que tais prédios apresentam o marco nº 7 deslocado 3,20 m para sul ou seja, para dentro do terreno do prédio inscrito na matriz sob o artigo 153;
Com tal deslocação foi retirado ao prédio dos autores um triângulo de terreno com a área de 163,7m2.

Os RR contestaram alegando em síntese, que o marco nº 7 mantém-se no local desde que foi efectuado o levantamento cadastral no concelho de …, nos meados da década de 60; tal levantamento foi efectuado com técnicas com grandes margens de erro, pelo que se o prédio dos autores tem uma área real inferior aquela que vem mencionada no cadastro, não é da responsabilidade dos réus, já que tais limites sempre estiveram definidos através de marcos cravados no terreno há mais de 30 anos.
Os RR terminam o seu articulado pedindo a improcedência da acção e a condenação dos autores como litigantes de má fé, pedindo uma indemnização a seu favor de valor não inferior a € 500,00, por deduzirem pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar, alterando conscientemente a verdade dos factos.

Seguiu-se o despacho saneador no qual se seleccionaram os factos assentes e os controversos que integraram a base instrutória, selecção que não mereceu das partes qualquer reclamação.
Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença, que julgou improcedente a acção e absolveu os réus dos pedidos, absolvendo-se também os autores como litigantes de má fé.

Os interpuseram recurso de apelação desta sentença e por Acórdão deste Tribunal inserido a fls. 226 e 237 foi decidido anular a sentença proferida determinando a prolação de (nova) sentença ”que estabeleça a linha de demarcação entre os prédios, de acordo com o disposto no art. 1354 do Código Civil”.

Procedeu-se, então, a julgamento tendo sido proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, por via disso, foi:
    a) determinado que se procedesse à demarcação dos seguintes prédios: o prédio rústico, sito no …, freguesia de …, composto de vinha e dependência para fins agrícolas, com área de 2000 m2 (na matriz) a confrontar, do norte com Manuel …, nascente com Beatriz …, sul com Manuel … e do poente com via férrea, inscrito na matriz rústica sob o art. 153, da secção C e registado na Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha nº 198/190189 e o prédio rústico composto de terrenos de pomar de macieiras, oliveira e vinha, com a área de 640 m2 (na matriz), através de uma linha divisória, na parte em que os mesmos confinem entre si, de forma a que se atribua ao primeiro a área de 1903,40 m2, ficando a largura do prédio inscrito na matriz sob o artigo 152 com 14 (catorze) metros a nascente e 12,50 m (doze metros e cinquenta centímetros) a poente e os prédios 151º e 152º onde deverão ser cravados os marcos.
    b) julgado improcedente o demais peticionado.

Os RR não se conformaram com esta decisão e interpuseram recurso de apelação para este Tribunal.

Nas suas alegações de recurso os apelantes concluem:
    1- A sentença condenou em objecto diverso do pedido pelo que, verificada a hipótese prevista pelo art. 668 nº1 al. e) do CPC, deverá ser anulada, baixando os autos à 1ª instância, para que seja proferida nova decisão;
    2- Sem embargo, a decisão de mérito deverá julgar a acção parcialmente procedente, determinando, tal como se pede na douta petição inicial, a demarcação dos prédios através de um segmento de recta traçado a partir do marco nº 7 e perpendicular ao respectivo eixo, até à estrada municipal, aí se colocando, no topo da estrema entre os prédios de AA e RR, um outro marco, que substituirá o desaparecido marco nº 3;
    3- De outro modo, resultará ofendida a posse em que os AA por si e pelos seus antepossuidores, se encontram há mais de trinta anos, de tal sorte que foi reconhecido no processo nº 370/99 do 2º Juízo do Tribunal de …, o direito de propriedade, que hoje lhes pertence, sobre um terreno cuja usurpação, resultaria da sentença recorrida;
    4- Aliás, só através de uma tal definição da linha divisória pode ter sido possível aos Exmºs Peritos determinar a área do terreno do prédio dos AA que passou a ser ocupada pela estrada municipal entretanto aberta, porquanto a localização do ângulo que corresponderia ao desaparecido marco nº 3 só pode ter sido feita pela projecção obtida a partir do marco nº 7 e não em função das áreas dos prédios;
    5- Não se vê, por conseguinte, como possa determinar-se, neste caso, a linha divisória com base nas áreas, o que implicaria, nos termos do nº 3 do art. 1354 do CC, a existência de um título e a distribuição proporcional das áreas dos prédios;
    6- Ora, só pode qualificar-se como título, nos termos previstos pelo citado art. 1354, o documento que produza efeitos civis (o testamento, o contrato, o negócio jurídico unilateral, mas sempre um negócio jurídico);
    7- Consabidamente, porém, tal como se refere no acórdão acima citado, e sempre foi pacificamente entendido, os elementos e as presunções derivadas das matrizes prediais apenas têm valor para efeitos fiscais e não para efeitos civis;
    8- Daí que a matriz predial se integre no conceito de “outros meios de prova” do art. 1354 nº 1 do CC;
    9- Devendo a demarcação ser feita, consoante aí se dispõe, em primeiro lugar, havendo títulos, de conformidade com os mesmos; em segundo lugar, não os havendo, como é aqui o caso, de harmonia com a posse; e por último não havendo posse, segundo o que resultar de outros meios de prova;
    10- Havendo posse, e direito de propriedade, no caso vertente, conforme foi reconhecido pela sentença proferida no processo nº 370/99 do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …, que constitui caso julgado para os aqui AA, ora apelados, é evidente que não tem cabimento o recurso a “outros meios de prova” nomeadamente à matriz predial;
    11- A sentença recorrida violou, por conseguinte o disposto nos artigos 668 nº 1 al. e) do CPC e 1354 nº 1 do CC.

Os AA contra-alegaram, pugnando pela sustentação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentação:

Os factos considerados provados na 1ª instância são os seguintes:
    1- Os AA são donos de um prédio urbano composto de casa de habitação de rés do chão com três divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho, corredor, varanda e garagem, sito na Rua …, inscrito na matriz sob o nº 1310 da freguesia do …, concelho de … e omisso na Conservatória de Registo Predial de … e de um prédio rústico composto de terra de vinha com área de 2000m2, sito em …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. 153, da secção C, descrito na Cons. do Registo Predial de … sob o nº 198- A);
    2- Na Cons- Reg. Predial de … está descrito, sob o nº 198/190189, o prédio rústico, sito no …, freguesia de …, composto de vinha e dependência para fins agrícolas, com a área de 2000 m2 a confrontar a norte com Manuel …, a sul com Manuel …, a nascente Beatriz … e a poente via férrea, inscrito na matriz cadastral sob o nº153, da secção C e aí registada a sua aquisição a favor dos autores, por compra a Manuel … e mulher … pela inscrição G1 por apresentação nº 4 de 19/01/89 (doc. de fls. 51-52);
    3- Os réus são donos dos prédios rústicos sitos no local denominado …, freguesia de …, …, compostos de pomar de macieiras, oliveiras e vinha, inscritos na matriz cadastral respectiva sob os artigos 151 e 152 da secção C – B);
    4- No cadastro a linha de estrema do prédio rústico dos autores e do prédio inscrito sob o artigo 152 dos réus apresentava um marco em cada extremidade identificados como marcos nºs 3 e 7 – D);
    5- Há cerca de 7 anos a Câmara Municipal de … construiu uma estrada municipal na estrema poente do prédio dos autores ocupando parcialmente a propriedade em 96,6m2 – E);
    6- A referida estrada ficou a separar o prédio dos autores da linha férrea – F);
    7- Correu termos no 2º Juízo do Tribunal de … a acção sumária de reivindicação nº 370/99, em que eram autores … e mulher … e réu o ora autor “A”- G) e doc. de fls – 36-39);
    8- Em 17 de Janeiro de 2001, foi proferida, nos autos de processo comum nº 370/99 do 2º Juízo deste Tribunal, a sentença constante de fls. 26-31, transitada em julgado em 1/2/2001, na qual foi o ora autor condenado a reconhecer o direito de propriedade do prédio dos então autores e a entregar-lhes a parte do prédio ocupada, definida pelos marcos colocados no terreno, aí tendo sido dados como provados os seguintes factos:
      1- Os AA são donos do prédio rústico sito no local denominado … freguesia de …, concelho de …, composto de pomar de macieiras, oliveiras e vinhas, com área de 640 m2, inscrito na matriz cadastral respectiva sob o art. 152 da secção C, o qual está descrito na Cons. Registo Predial de … sob o nº 479 da freguesia de … e aí registado a favor dos AA, pela inscrição G-2-Al. A);
      2- O Réu é dono dum prédio contíguo ao dos Autores, que é o inscrito na mesma matriz cadastral sob o art. 153 da dita secção C- Al. B);
      3- O prédio dos autores confronta pelo lado poente com esse prédio do Réu) al. C);
      4- Do lado sul existem lado a lado dois diferentes marcos, um apresenta a parte superior arredondada, localizado para a direita de quem esteja virado para norte, define as estremas entre o prédio dos autores e do réu e aquele que se localiza para sul de ambos, pertencente a herdeiros de Beatriz …, cujas iniciais tem gravadas - D;
      5- O outro, localizado à esquerda desse, divide o prédio do Réu, situado para poente, para o lado esquerdo do prédio dos Autores, localizado para nascente do lado direito - al. E);
      6- Por escritura de compra e venda lavrada em 2 de Março de 1984, o R adquiriu um prédio rústico com 2000 m2, inscrito na matriz cadastral respectiva sob o art. 152 da secção C- F);
      7- A linha divisória entre os prédios dos autores e dos réus estava definida por marcos cravados no terreno há mais de 30 anos – art.1º;
      8- O marco referido em E) dividiu os prédios dos autores e Réu desde há muitos anos – art.2º;
      9- Aquando do levantamento cadastral, há mais de 30 anos, já estava marcada a linha divisória dos dois prédios tal como existe (art.3º);
      10- O Réu colocou diversos postes de cimento, ligados entre si por arames (art. 4º);
      11- Próximo da estrema entre os dois prédios e ao longo da respectiva linha, desenvolvendo-se no sentido Norte – Sul - (art. 5º);
      12- Os postes e os arames entre eles colocados situam-se para nascente do marco que divide os dois prédios, na confrontação poente-nascente (art. 6º);
      13- Marco esse do qual resulta, precisamente, que para nascente dele (para o lado direito de quem está virado para norte) o terreno pertence ao prédio dos autores (art. 7º);
      14- Os Autores instaram o réu para que tirasse os postes, o que este recusou a fazer, alegando que a área mencionada na caderneta do seu prédio era inferior à que medira no seu terreno (art. 8º);
      15- Os autores tinham, negociado a venda do prédio (art.9ª)
      16- A actuação do R com a colocação dos postes, fez gorar o negócio acordado (art. 10º);
      17- O R constatou que o seu prédio tinha menos área que a que constava da matriz (art. 14º);
      18- Contactou com o Autor no sentido de, no local, procederem à verificação de marcos (art. 15º);
      19- O topógrafo Samuel … procedeu à medição do terreno do R e à colocação de estacas (art. 16ª);
      20- Muito depois do levantamento cadastral, feito em 1965 ou 1966, foi aberto, no topo norte dos prédios dos autores e réus um caminho público que dá acesso à passagem de nível do caminho – de-ferro existente ali próximo (art. 18º) (doc. de fls. 25-31).

    9- O marco da estrema identificado com o nº 3 desapareceu do local (1º da BI);
    10- A linha que demarca a nascente o prédio dos autores tem, de acordo com o mapa cadastral a largura de 14 metros e a largura 12,50 metros entre o centro de cada ponto que define os marcos nºs 7 e 8, sendo esta última a distância entre tais marcos de acordo com as coordenadas dos mapas do Instituto Geográfico Português - Delegação de …- 3º da BI);
    11- A linha que demarca a nascente os prédios nºs 151 e 152 dos réus tem, no seu conjunto e de acordo com o mapa cadastral, a largura de 9 metros – 4º da BI);
    12- Os prédios nºs 151 e 152 dos réus têm a nascente a largura de 12,20 metros – (5º da BI);
    13- De acordo com o mapa cadastral o prédio dos autores tem uma área global de 2000m2 (8º da BI);
    14- Uma parte do prédio dos autores confronta a nordeste com o prédio dos réus – (9ªda BI).
Como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recurso (art. 684 nº 3 e 690 nº1 e 4 dop CPC).
No que concerne à nuliddade da sentença, a que alude a previsão do art. 668 nº1 al. e) do CPC, há que considerar o seguinte:
Os AA pretendem sobretudo através da presente acção a demarcação entre os prédios dos AA. e dos RR.
O facto de os AA especificarem o pedido no sentido de que o marco nº 7 do documento nº 1 situado no topo nascente da linha de estrema entre AA e RR seja deslocado para norte 3,20 mts, ficando a estrema nascente do prédio dos AA com largura, não colide com o consignado na decisão recorrida quando aí se determina que se proceda à demarcação através de uma linha divisória na parte em que os mesmos confinem entre si, de forma a que se atribua ao primeiro a área 1903,40 m2, ficando a largura do prédio inscrito na matriz sob o art. 153 com 14 metros a nascente e 12,50 m a poente e os prédios 151 e 152, onde deverão ser cravados marcos.
Esse segmento da decisão não extravasa o âmbito do pedido de demarcação, porquanto o que aí se consigna são os termos em que essa demarcação se deve mover.
Não existe, por isso, a apontada nulidade.

Apreciando agora o mérito da decisão recorrida: (objecto principal do recurso).

Está assente que estamos perante uma acção de demarcação, que visa estabelecer a linha divisória entre os prédios dos AA. e dos RR.
A acção de demarcação é uma acção declarativa e não constitutiva.
Destina-se a tornar objectivo o direito estatuído nos arts. 1353 e 1354 do CC, ou seja, a afastar a incerteza sobre as extremas dos prédios (Prof. A. Reis in “ Processos Especiais II, p.14).
Efectivamente, a demarcação não é feita com base no direito de propriedade no respectivo processo, mas em conformidade com os títulos de cada um dos interessados e, na falta de títulos, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o resultado de outros meios de prova (art. 1354 nº 1 do citado Código).
Embora conexa com o direito das coisas, a acção de demarcação não é uma acção real, mas pessoal. A qualidade de proprietário que o autor invoca para pedir e obter a demarcação é apenas condição da sua legitimidade (cfr. Ac. STJ 6/5/69, BMJ, 187,71).
E sendo assim, acompanhamos a sentença recorrida quando aí se refere que na presente acção não se apreciará a titularidade e o reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 153, uma vez que tal questão extravasa a finalidade da acção de demarcação.
Também acolhemos a sentença quando conclui que, no caso em apreço, concorrem todos os pressupostos da acção de demarcação.
E sendo assim, importa saber o modo de proceder à demarcação aqui em causa.
Estabelece o art. 1354 nº1 do CC ”A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova”.
Depois o nº 2 do citado normativo estatui: “Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais”.
E o nº 3 acrescenta “se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se – á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um”
Como bem se observa na sentença recorrida, o litígio circunscreve-se do seguinte modo: os autores alegam que, no lado nascente, o prédio que lhes pertence deveria ter 14 (catorze) metros, enquanto os prédios pertencentes aos réus – inscritos na matriz sob os artigos 151 e 152 – têm actualmente 12,20 m (doze metros e vinte centímetros), quando deveria ter apenas 9 m. Concluem os autores que existe um triângulo de terreno com área de 163,7 m2 que lhes pertence e que os réus consideram como fazendo parte dos seus prédios.
Não existindo prova aquisitiva (título) quanto ao referido triângulo de terreno, porque como se refere na sentença recorrida, tal matéria não pode ser solucionada na base das descrições registrais feitas em sede da Conservatória de Registo Predial, há que apurar a existência de outros títulos.
As inscrições matriciais, quer as descrições feitas na Conservatória do Registo Predial, não constituem título suficiente para efeito da acção de demarcação (cfr. neste sentido o citado Ac. Rel. Coimbra de 9/3/99 CJ, 1999, tomo II, pag. 14), porque são a maior parte das vezes promovidas através de declarações dos próprios interessados.
A sentença para fundamentar a decisão, baseou-se no levantamento cadastral feito pelo Instituto Geográfico Português, que atribui ao terreno dos autores, do lado nascente, uma área de 14 metros e aos prédios dos réus uma área de 9 metros. (cfr. factos indicados sob os nºs 10 e 11 da sentença recorrida).
Esse levantamento cadastral feito pela referida entidade, há mais de 30 anos, constitui de facto um título suficiente para efeito da acção da demarcação, dada a segurança que imprime pelo facto de ser elaborado sobre os terrenos, através de meios científicos.
Portanto, existindo esses títulos, que são suficientes, não há que recorrer a outros meios de prova. É o que resulta expressamente do citado art. 1354 nº 1 do CC.
Não está aqui, em sede de acção de demarcação, em causa a posse e o direito de propriedade reconhecido no processo nº 370/99 do 2º Juízo do Tribunal de …
Efectivamente, a decisão tomada nesta acção de demarcação não forma caso julgado no que respeita à propriedade dos prédios demarcados, porque, como se disse, a acção é declarativa e não constitutiva. (cfr. neste sentido Ac.. Rel. Coimbra, 11/10/1983, CJ, 1983, tomo I, p.28).
Improcedem, deste modo, as conclusões dos recorrentes.

III- Decisão:
Nestes termos e considerando o exposto, os Juízes desta Relação acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Évora, 17.03.05