RENÚNCIA AO MANDATO
Sumário


I – Com a reforma do CPC de 1995, a renúncia ao mandato opera sempre os seus efeitos com a notificação ao mandante.
II - Após essa notificação, o mandatário cessa funções. Porém nos casos em que o patrocínio é obrigatório o mandante tem o ónus de, no prazo de 20 dias, constituir novo mandatário, sob pena de sendo a falta do A., se suspender a instância.
III -Os prazos que entretanto estiverem a decorrer suspendem-se durante esse período de 20 dias ou até à constituição de novo mandatário se ocorrer antes do decurso desse prazo.

Texto Integral


Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:




Recorrente:
Armando ………….
Recorridos:
Ana ……………… e Aliança UAP……………..


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Por requerimento de fls. 1007, a R. veio requerer que o recurso interposto pelo A., fosse julgado deserto, por extemporaneidade da apresentação das respectivas alegações.
Por despacho de fls. 1041 o Sr. Juiz, apreciando tal requerimento, julgou deserto o recurso de apelação interposto pelo A., por extemporaneidade das alegações, tendo argumentado nos seguintes termos:
« Relativamente aos efeitos quer da renúncia quer da revogação do mandato importa distinguir consoante o processo exige a constituição de advogado ou não.
Se se trata de uma causa em que não é obrigatória a constituição de advogado (cf. art. 32.°), a revogação e a renúncia produzem os seus efeitos a partir da notificação (n.º 2, 1ª parte, do art. 39.°), seguindo o processo os seus termos normais, com a parte a pleitear por si.
Se, ao invés, se tratar de processo no qual é obrigatória a constituição de advogado, a renúncia não produz os seus efeitos próprios até prazo máximo de 20 dias, contados da notificação: até ao termo do mencionad9 prazo, o mandatário renunciante terá de prosseguir com patrocínio do seu constituinte, se este entretanto não constitui novo mandatário.
E, como foi já superiormente decidido, a renúncia ao mandato em processo em que seja obrigatório o patrocínio por advogado só produz efeitos depois do mandante constituir novo advogado, continuando até esse momento o mandatário renunciante a representar a parte, sem se suspender a instância, o que só tem lugar, segundo a lei, no caso de falecimento do mandatário ou do seu impedimento para o exercício do cargo (Ac. de 30.3.1993: BMJ, 425.°-625).
I -O mandatário que vem aos autos renunciar ao seu mandato judicial não fica desonerado das obrigações decorrentes do seu cargo a partir do momento em que manifestou a vontade de renunciar.
II - Esta só produz efeitos a partir da data de junção ao processo da notificação prevista no nº 1 do art. 39º do cód. Proc. Civil, ou mais/arde, nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, em que a renúncia só produz efeitos depois de constituído novo mandatário pelo notificado mandante (Ac. STJ, de 10.5.1994: BMJ, 437, 452).
Desçamos ao caso dos autos.
Em 5/5/2004, foi expedida a notificação aos Srs. Mandatários versando o despacho que admitiu o recurso, considerando-se notificados no dia 10/5/2004.
O prazo para apresentação das alegações decorreu até 9/6/2004, podendo tal acto ser ainda praticado até ao terceiro dia útil subsequente, cfr. art. 145° 3 do Código de Processo Civil; isto é até dia 14/6/2004.
O Ilustre Mandatário do A. renunciou à procuração no dia 1/6/2004.
Que só veio a ser notificada ao mandante a 14/6/2004 (fls. 999).
O A. veio juntar procuração a favor do novo mandatário em 6/7/2004 (fls. 1012).
E apresentou as suas alegações de recurso em 8/7/2004 (fls. 1013).
Pelo que, e atenta a norma legal e a jurisprudência citadas, o Ilustre Mandatário renunciante só ficou dispensado das suas funções em 6/7/2004, data da constituição de novo Mandatário. Na verdade, sendo o presente, um processo em que é obrigatória a constituição de Mandatário, atento o valor da acção ademais, em fase de recurso, (cfr. art. 32° 1 a) e c) do Código de Processo Civil), a renúncia produz efeitos apenas a partir da constituição de novo Mandatário, (se a acção não vier a ser suspensa por falta de constituição de novo Mandatário no prazo do art. 39° 3).
Pelo que tem a R. razão, pois até ao dia 6/7/2004 o Mandatário renunciante manteve-se em funções, e nessa data há muito havia expirado o prazo estatuído no art.º 698°2.° do Código de Processo Civil para o A. apresentar as respectivas alegações pelo que o recurso ficou deserto…....»
Inconformado com o decidido veio o A. interpor o presente recurso de agravo, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:
«A- Ao prazo de 30 dias para apresentação das alegações referentes ao recurso de apelação interposto pelo Autor acresce o prazo de 10 dias por estar em causa a reapreciação da prova gravada - cfr. n.º 2 conjugado com o 0..0 6 do artigo 698.0 do C.P.C. e Ac. do TRC de 30- 11 -2004. votado por unanimidade no âmbito do processo 3026/2004 que aqui se junta como doc.1
B-Assim, o último dia sem multa para apresentação das referidas alegações não era o dia 09.06.2004 mas sim o dia 19.06.2004.
C- Não obstante, em 17.06.2004 - dois dias antes do fim do prazo para apresentação das alegações- o Autor foi notificado da renúncia à procuração por parte do seu mandatário, despacho esse onde se pode ler que a renúncia produz efeitos com a presente notificação e que o Autor dispõe de 20 dias para constituir novo mandatário.
D - Este despacho proferido no processo transitou e tem a força de caso julgado formal.
E - No 19° dia dos 20 dias que o Autor dispunha para constituir mandatário, fê-lo.
F - No dia 06.07.2004 foi junto aos autos nova procuração outorgada a favor do novo mandatário do Autor.
G - Desde a notificação ao Autor da renúncia até à constituição de novo mandatário, ou seja, de 17.06.2004 a 06.07.2004, o prazo para apresentação das alegações esteve suspenso - cfr. n.s02 e 3 do artigo 39.° do C.P.C. e Ac. do STJ de 06-03-2002. votado com unanimidade, no âmbito do processo 02S337 cujo sumário aqui se junta como doc.2.
H - Desse prazo para apresentação das alegações restavam dois dias (vide o ponto B e ponto C destas conclusões) que foram aproveitados pelo Autor, tendo este apresentado as suas alegações em 08.07.2004, dentro do prazo legal para o efeitos e sem necessidade de recorrer às faculdades previstas nos n.os 5 e 6 do artigo 145.° do C.P.C.
I - O despacho em apreço:
i - olvidou o preceituado no n.o 6 do artigo 698.° do C.P.C. ao não considerar a dilação do prazo para apresentação das alegações por mais 10 dias, que resulta directamente da lei sem qualquer ónus de referência para o Recorrente - v. Doc..I.
ii - considerou, ao arrepio da nova redacção do artigo 39.0 do C.P.C. que a renúncia produzia os seus efeitos com a constituição de novo mandatário quando a mesma produz os seus efeitos com a sua notificação ao mandante - vide n.o 2 e 3 do artigo 39.0 do C.P.C. em vigor e doc.2.
iii - contrariou o entendimento perfilhado em despacho anterior proferido nos autos e notificado ao Autor em 17.06.2004.
iv - refere, assim, uma lei que não está em vigor e invoca Acórdãos proferidos antes da Reforma de 1995/96 do Processo Civil que alterou a redacção do artigo 39.0 do C.P.C.
v - vai contra o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-03­2002, votado por unanimidade, no processo 02S337 - v. doc.2.
J - Pelo que não deve o recurso de apelação ser julgado deserto, dado ser tempestiva a apresentação das respectivas alegações.
Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, nos termos das conclusões formuladas, devendo o despacho recorrido ser revogado.
Consequentemente, deve ser considerada tempestiva a apresentação das alegações do recurso de apelação interposto pelo Autor e este não deserto, ordenando-se a sua remessa ao Tribunal da Relação de Évora para ser conhecido e apreciado».
Não houve contra-alegações.
O sr. Juiz sustentou e manteve o despacho recorrido.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1] , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [2] , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Das conclusões de recurso decorre que as questões a apreciar com vista ao apuramento da (in)tempestividade das alegações, consistem em saber
1- se os efeitos da renúncia ao mandato, no caso de patrocínio obrigatório, se produzem apenas após a notificação do mandante;
2- se após tal notificação, os prazos em curso se suspendem, até constituição de novo mandatário, desde que esta ocorra nos vinte dias fixados no art.º 39º n.º 3 do CPC.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
Dos factos

Com interesse para a decisão do recurso estão assentes os seguintes factos:
O A. interpôs recurso de apelação da sentença.
Em 5/5/2004, foi expedida a notificação, aos Srs. Mandatários, do despacho que admitiu o recurso como apelação.
A prova testemunhal produzida na audiência de julgamento foi gravada.
Tal despacho considera-se notificados no dia 10/5/2004.
O Ilustre Mandatário do A. renunciou à procuração no dia 1/6/2004.
A notificação da renúncia foi expedida para a morada do mandante em 14/6/2004 (fls. 999) e recebida por este em 17/6/04 (cfr. aviso de recepção).
O A. veio juntar procuração a favor do novo mandatário em 6/7/2004 (fls. 1012).
E apresentou as suas alegações de recurso em 8/7/2004 (fls. 1013).
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O Direito

No tocante á primeira questão, importa analisar o regime da renúncia do mandato forense. Nesta matéria rege o art.º 39º do CPC, que dispõe o seguinte:
«1. A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas, tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.
2. Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no nº 3.
3. Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado.»
Na redacção anterior à reforma de 1995, o nº 2 do mesmo preceito dispunha que «os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da data da junção ao processo da certidão da notificação, salvo nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, porque nestes a renúncia só produz efeito depois de constituído novo mandatário. "
Do confronto destas disposições decorre uma clara diferença de regimes. Na vigência da lei antiga, a renúncia, nos casos de patrocínio obrigatório, só produzia efeitos a partir da constituição de novo mandatário, podendo se houvesse demora ser fixado prazo para o efeito (n.º 3 do preceito) e decorrido este, só então o mandatário renunciante, cessava funções. Ao abrigo da lei nova, a renúncia produz os seus efeitos a partir da sua notificação ao mandante.
A nova lei já não distingue os processos de constituição obrigatória de advogado e os outros, para efeitos de renúncia. Agora, a renúncia opera sempre os seus efeitos com a notificação ao mandante. Após essa notificação, o mandatário cessa funções. Porém nos casos em que o patrocínio é obrigatório o mandante tem o ónus de, no prazo de 20 dias, constituir novo mandatário, sob pena de sendo a falta do A., como é o caso, se suspender a instância. Os prazos que entretanto estiverem a decorrer suspendem-se durante esse período de 20 dias ou mesmo antes, se a constituição do novo mandatário se verificar antes do decurso do mesmo.
Assim, no caso dos autos o mandato cessou, com a notificação da renúncia que se efectivou em 17/6/04.
Vejamos agora se ainda estava em curso o prazo para apresentação das alegações ou se já se encontrava esgotado e consequentemente precludido o direito de praticar o acto.
Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 698º do CPC, o prazo para oferecimento das alegações é de trinta dias, contados da notificação do despacho que admitiu o recurso. Tal prazo será porém acrescido de 10 dias se o recurso visar a reapreciação da prova gravada (n.º 6 do art.º 698º do CPC). O objecto do recurso, como acima se disse, é definido pelas alegações e conclusões. Portanto só em presença destas (já que a lei não impõe a indicação do objecto no requerimento de interposição do recurso) se poderá saber se o mesmo visa ou não a reapreciação da prova gravada em audiência e consequentemente apurar, em concreto, se o recorrente beneficia ou não do prazo alargado previsto no n.º 6 do artº 698 do CPC.
Das alegações apresentadas resulta que a apelação visa também a reapreciação da prova gravada pelo que o prazo para a sua apresentação seria de 40 dias e não de 30 como se considerou no despacho recorrido.
No caso “sub judicio” o despacho de admissão do recurso foi notificado ao mandatário do recorrente em 10/05/04. Assim o prazo “normal” para apresentação das alegações terminava em 9/6/04 e o acrescido terminava 10 dias depois ou seja, em 19/06/04. Como se viu a renúncia foi notificada ao mandante/recorrente em 17/06/04, e consequentemente o prazo para apresentação das alegações que estava em curso suspendeu-se, faltando então dois dias para o seu termo, sem prejuízo do acréscimo decorrente da aplicação do disposto no art.º 145º do CPC (prática de acto fora de prazo com pagamento de multa).
Em 06/07/2004 o Autor juntou procuração outorgada a favor da sua nova mandatária ( portanto, dentro do prazo dos 20 dias, mais precisamente, no 19° dia desses 20 dias) e em 08/07/2004 o Autor apresentou as suas alegações de recurso, ou seja, nos dois dias que restavam do prazo de 40 dias de que dispunha.
Fê-lo, portanto, dentro do prazo legal para o efeito.
Assim não podemos deixar de reconhecer inteira razão ao recorrente, quando defende que a apresentação das alegações ocorreu dentro do prazo legal e consequentemente são tempestivas e não extemporâneas, como se decidiu.
Concluindo
Deste modo e pelo exposto concede-se provimento ao agravo e consequentemente revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, onde se ordene o prosseguimento dos autos e consequentemente a subida dos mesmos a este Tribunal para apreciação da apelação.
Custas a cargo do vencido a final.
Registe e notifique.
Évora, em 28 de Junho de 2005.

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( Bernardo Domingos – Relator)

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( Pedro Antunes – 1º Adjunto)

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(Sérgio Abrantes Mendes– 2º Adjunto)




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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado.
Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida.
Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil).
Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa -1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra - 2000, págs. 103 e segs.
[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.