JUROS DE MORA
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário


1. Face à nova redacção do art. 46º do CPC, introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8/3, que iniciou a sua vigência em 15/9/2003, mas apenas aplicável aos processos instaurados a partir dessa data, os juros de mora, à taxa legal, estão abrangidos pelo título executivo da obrigação dele constante.
2. Mesmo antes da referida alteração legislativa, a solução mais acertada da questão, face ao conjunto de elementos de interpretação derivados das respectivas normas do Código Civil, nomeadamente dos art. 805º e 806º, passava efectivamente por considerar que tratando-se de sentença condenatória no pagamento de uma determinada quantia pecuniária, a partir do momento do trânsito em julgado da sentença, a obrigação de juros de mora emergia da conjugação entre o teor da própria sentença e das aludidas normas.
Chambel Mourisco

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

A. … intentou acção executiva contra, B. … com vista à cobrança coerciva da quantia total de € 18.364,53, referente a juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos e a título de sanção pecuniária compulsória (sendo €10 759,47 referente a juros de mora e €7 605,06, referente a sanção pecuniária compulsória).
Para o efeito invocou o teor duas sentenças proferidas na acção declarativa principal, das quais resultam obrigações pecuniárias da executada, designadamente uma proferida a 19 de Fevereiro de 2002 e que condenou a executada a pagar ao exequente a quantia de € 5 856,55, a título de trabalho suplementar, prestado pelo autor nos anos de 1990, 1991 e 1992.
Sobre tal requerimento executivo recaiu despacho que o indeferiu liminar e parcialmente na parte respeitante aos peticionados juros de mora de € 10.759,47, prosseguindo quanto ao restante.
Inconformado com este despacho o exequente interpôs recurso de agravo tendo concluído:
1. Com a interposição do presente recurso impugna-se a matéria de direito através da qual o douto despacho ora recorrido, indeferiu liminar e parcialmente o requerimento executivo, o que se faz nos termos dos art. 678º, ambos do Código de Processo Civil.
2. A apreciação da matéria de direito feita pelo Tribunal, não obedeceu aos princípios processuais contidos no art. 46º nº2. do Código de Processo Civil, o que constitui uma violação desta norma.
3. De facto este diz: “ Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”.
4. Enquanto a decisão de que se recorre sustenta: “ Não pode o exequente, na presente execução, peticionar, como peticiona, o pagamento de juros, não dispondo de “ título para o efeito”.
5. Ora, é visível aqui uma contradição insanável.
6. O Tribunal não interpretou correctamente o disposto nos art. 804º; 805º e 806º do Código Civil e, por isso, acabou por violar, também, o disposto nesses preceitos legais;
7. A reforma do processo executivo, constante do DL nº 38/2003, de 8 de Março veio permitir, através da introdução do nº2 ao art. 46º do CPC (que antes não existia) que se considerem como abrangidos no título executivo, os juros de mora que dele não constem mas que correspondam à obrigação constante do título.
8. Existe, assim, uma contradição entre os fundamentos da decisão e o que decorre da aplicação da lei.
9. Pelo que deve ser modificada a decisão, passando a considerar-se deferido o requerimento executivo na sua totalidade.

O Mmº Juiz no Tribunal “a quo” ordenou a subida dos autos a este Tribunal da Relação de Évora tendo mantido o despacho recorrido.
Neste Tribunal o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Foram colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
No presente recurso a única questão que se suscita consiste em saber se era ou não de indeferir o requerimento executivo na parte em peticionava juros de mora, contados desde o trânsito em julgado da sentença até ao efectivo pagamento da quantia exequenda, sendo certo que na sentença declarativa nada consta relativamente a esses juros.
O despacho recorrido para sustentar o indeferimento baseou-se, em síntese, na seguinte argumentação:
- Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva ( cfr. artº 45º do C.P.Civil).
- Tal equivale a dizer que o âmbito da acção executiva é delimitado pelo título executivo que o exequente pretende “fazer valer”, de tal forma que o respectivo pedido há-de harmonizar-se com o referido título.
- No título executivo invocado pelo exequente nada consta relativamente aos peticionados juros de mora;
- Sendo assim não pode o exequente, na presente a execução, peticionar, como peticiona, o pagamento de juros, não dispondo de “título” para o efeito (na parte respeitante aos juros o pedido excede os limites constantes do título executivo).
- Para serem devidos, impunha-se que no respectivo título executivo constasse tal “obrigação”, e não consta, e nem sequer deveria constar porque na acção declarativa não foram sequer peticionados.
No caso concreto como na acção declarativa não foram pedidos juros de mora, estes, e bem, não foram fixados na sentença condenatória.
Com a notificação da sentença foi a executada interpelada judicialmente para cumprir a obrigação, pelo que a partir data do trânsito em julgado da sentença ficou constituída em mora (art. 805º nº1 do CC).
Segundo o art. 804º nº1 do CC, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, sendo certo que nas obrigações pecuniárias, nos termos do art. 806º nº1 do CC, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Chegados a este ponto, importa pois averiguar se é necessário que conste da parte decisória da sentença condenatória a referência expressa aos juros de mora para que a mesma seja exequível quanto a estes.
Trata-se de uma questão que foi bastante controvertida na doutrina e na jurisprudência antes da redacção que foi introduzida ao art. 46 do Código de Processo Civil pelo art. 1º do DL nº 38/2003, de 8/3.
A jurisprudência e doutrina dominantes sustentavam que a falta de alusão, na sentença condenatória, à obrigação de juros moratórios retirava à mesma exequibilidade nessa parte.
Esta tese com claro pendor formal apoiava-se no disposto no art. 45º nº1 do CPC, que dispõe que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
Assim, o Ac. do STJ, de 19/1/84, in BMJ 333º/386, refere que não é de admitir a execução por quantia de juros vencidos e vincendos, a título de indemnização pela mora, não fundada em título exequível, quer no início quer no decurso da instância executiva.
Também no Ac. do mesmo tribunal de 9/11/95, in BMJ 451º/333, se defendeu que não constando do acórdão que serve de base à execução para o pagamento de quantia certa a condenação do executado no pagamento de juros moratórios existe, quanto a esse pedido, falta de título, pelo que não é admissível a execução por tal prestação.
Neste último acórdão acrescenta-se que o crédito de juros tem autonomia face à obrigação principal, pelo que, não constando da decisão, existe nessa medida, falta de título.
Na doutrina, Lebre de Freitas, em Acção Executiva, pág. 32, defendia que quando o título é uma sentença condenatória, que define o conteúdo do direito nos limites do pedido e constitui caso julgado nos limites da decisão não é admissível, com base nela, pedir juros, quando o objecto da condenação tenha consistido apenas numa obrigação de capital.
Em sentido contrário pronunciou-se o Ac. da Relação de Lisboa de 6 de Janeiro de 1988, CJ, Ano XIII, I, 151, no qual se defendeu que os juros devidos pela mora no pagamento da indemnização por factos ilícitos podem ser pedidos na execução da sentença crime respectiva, mesmo que eles dela não constem, por a sua exigibilidade resultar “ ope legis” do simples facto do não cumprimento atempado da obrigação de reparar o prejuízo causado.
A argumentação usada neste acórdão passa pela articulação das disposições do C.Civil constantes dos art. 798º, 804º nº1,805º e 806º, das quais emerge a obrigação de juros.
António Santos Abrantes Geraldes, em Maio de 2001, portanto antes das alterações introduzidas pelo DL nº 38/2003, de 8/3, elaborou um estudo sobre a questão que foi publicado na CJ – ACSTJ, Ano IX, I, pág. 55, sob o título “ Exequibilidade da sentença condenatória quanto aos juros de mora”, no qual critica a tese restritiva assumida pela doutrina e jurisprudência que apresenta como único argumento o teor literal do art. 45º nº1, do CPC, desligando-se por completo de outros elementos de interpretação.
Desse estudo, de carácter abrangente no que diz respeito à interpretação das disposições legais com interesse para a resolução da questão, salientam-se as seguintes ideias mestras:
- O art. 46º al. b) e c) do CPC, reportando-se a títulos executivos desprovidos da solenidade que rodeia as sentenças condenatórias, confere exequibilidade aos documentos de cujo conteúdo resulte a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, pelo que o recurso supletivo às normas reguladoras da mora no cumprimento suporta, com o necessário grau de segurança e de certeza, a extensão da exequibilidade aos juros de mora;
- Nenhum motivo existe para atribuir a uma sentença condenatória um âmbito de exequibilidade mais restrito do que o estabelecido para outros documentos, uma vez que a solenidade que rodeia a sua emissão garante com o grau de suficiência bastante os requisitos da certeza e da segurança que o devem acompanhar;
- Também não existe motivo algum para privilegiar as sentenças proferidas em acção constitutiva, extraindo delas uma eficácia executiva quanto a obrigações implícitas, ao mesmo tempo que é negada em situações em que a constituição e a quantificação da obrigação são mais evidentes e em que as divergências são de mais difícil verificação;
O referido autor, enquadrando a questão nos termos referidos, parece não ter dúvidas que, de acordo com o direito que na altura vigorava, não era necessário que constasse da parte decisória da sentença condenatória a referência expressa aos juros de mora para que a mesma fosse exequível quanto a estes. Apesar desta sua posição, termina pugnando por uma intervenção legislativa no sentido de clarificar a questão, prevendo expressamente a extensão da eficácia executiva aos juros de mora tanto nos títulos judiciais como nos extrajudiciais.
A tão desejada intervenção legislativa teve lugar com a publicação do DL nº 38/2003, de 8 de Março, que introduziu nova redacção à al. c) do nº1 do art. 46º do CPC, e aditou a esta disposição legal o nº2.
Este novo nº2, que clarificou a questão, estabelece que “ consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”.
Em anotação ao referido art. 46º do CPC, Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, em Comentário ao CPC, Vol. I, Almedina, pág. 84, escreve que o DL nº 38/03 aditou o nº2 deste artigo, ampliando o âmbito do título executivo, de modo a considerar nele compreendidos – qualquer que seja a sua natureza – os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, sendo, deste modo, possível ao exequente requerer a execução de tais juros moratórios – mas já não dos juros convencionais – mesmo quando o título executivo ( judicial ou extrajudicial) seja omisso quanto à respectiva obrigação acessória, decorrente directa e automaticamente da Lei.
Abílo Neto, no seu Código de Processo Civil anotado, 18ª edição, Ediforum, Edições Jurídicas Ldª, pág.109, refere que a introdução do actual nº2 ao art.46º do CPC, que considera abrangidos pelo título executivo os juros de mora à taxa legal da obrigação dele constante, põe termo a uma jurisprudência uniforme anterior.
Temos assim, que face à nova redacção do art. 46º do CPC, introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8/3, que iniciou a sua vigência em 15/9/2003, mas apenas aplicável aos processos instaurados a partir dessa data, os juros de mora, à taxa legal, estão abrangidos pelo título executivo da obrigação dele constante.
De qualquer forma, em nosso entender, mesmo antes da referida alteração legislativa, a solução mais acertada da questão, face ao conjunto de elementos de interpretação derivados das respectivas normas do Código Civil, nomeadamente dos art. 805º e 806º, passava efectivamente por considerar que tratando-se de sentença condenatória no pagamento de uma determinada quantia pecuniária, a partir do momento do trânsito em julgado da sentença, a obrigação de juros de mora emergia da conjugação entre o teor da própria sentença e das aludidas normas.
No caso concreto dos autos, tendo a execução sido requerida em 5/5/2004, e considerando o acima referido, parece-nos que nada obstava ao deferimento do requerimento executivo na parte respeitante aos peticionados juros de mora vencidos a partir da data do trânsito em julgado da sentença.

Por todo o exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, e em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que defira o requerimento executivo na parte respeitante ao peticionados juros de mora vencidos a partir da data do trânsito em julgado da sentença.
Sem custas.

(Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas).

Évora, 2005/11/8

Chambel Mourisco
Gonçalves Rocha
Baptista Coelho