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SOCIEDADES COMERCIAIS
SOCIEDADE POR QUOTAS
GERENTE
DESTITUIÇÃO
Sumário
I – A livre destituição de gerente prevista no artigo 257º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais tem a sua justificação na necessária confiança entre a sociedade e aqueles que gerem os seus destinos.
II – Porém, a sociedade só fica desvinculada do dever de indemnização, se houver justa causa.
III – Acaso a sociedade só tenha dois sócios, a apreciação de justa causa para a destituição do cargo de gerente dum dos sócios, tem que ser apreciada judicialmente, sob pena da sociedade ser responsável pelo montante indemnizatório.
IV – Não havendo indemnização contratualmente estipulada, a mesma será calculada de acordo com os princípios gerais da responsabilidade civil.
Texto Integral
PROCESSO Nº 480/05 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A” intentou contra “B” a presente acção com processo ordinário pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de Esc. 10.812.829$00 e juros moratórios quantia a que tem direito a título de indemnização devida pela sua destituição de gerente da Ré, sem justa causa.
A Ré contestou nos termos de fls. 74 e segs. concluindo pela improcedência da acção.
Foi proferido o despacho saneador e organizada a base instrutória com a selecção dos factos assentes e controvertidos, sem reclamação.
Realizada a audiência de julgamento, o tribunal respondeu à matéria de facto pela forma constante de fls. 422/424 que também não sofreu reclamação.
Foi, por fim, proferida a sentença de fls. 429 e segs. que julgando a acção parcialmente procedente condenou a Ré pagar ao A. a quantia de € 35.913,45 a título de indemnização pela destituição das funções de gerente e a quantia de € 4.987,98 a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescidas dos juros calculados sobre a primeira quantia desde a citação até integral pagamento e sobre a segunda desde a data da sentença até integral pagamento às sucessivas taxas de 7% e 4% ao ano (portarias 263/99 de 12/04 e 291/03 de 8/04).
Inconformada apelou a Ré alegando e formulando as seguintes conclusões:
A - Não há lugar a indemnização pela destituição de gerente sem justa causa se a gerência for gratuita.
B - O apelado não tinha direito a receber uma remuneração pelo exercício do cargo de gerente na apelante, porque a Assembleia Geral desta, em data anterior havia deliberado que a gerência daquele passaria a ser não remunerada como ficou provado. E
C - A destituição de gerente é acto lícito da sociedade e ao direito a indemnização por parte do gerente não se aplica o disposto no artº 496 do C.C., ou seja, não existe direito a uma indemnização por danos morais, ao contrário do que ficou decidido na douta sentença. Caso assim não se entenda ainda,
D - Existe contradição ou, no mínimo, obscuridade na decisão da matéria de facto, nomeadamente, entre os seguintes pontos da decisão da matéria de facto:
- É contraditório ter deixado provado que o “Autor exerceu as funções de gerente desde o início da gerência da Ré e até, pelo menos, 3/03/1998” e por outro lado que o A. continuou a prestar a sua actividade acima descrita (as funções de gerente) ao serviço da Ré e no interesse desta até, pelo menos, Janeiro de 1999.
- É contraditório ter deixado provado que o A. desde Janeiro de 1999 se encontra sem emprego e sem auferir qualquer outro provento e por outro lado, que o A. é sócio gerente da sociedade “C” desde 17/06/1983;
- Por fim, é contraditório ter deixado provado que o A. em … desenvolvia a actividade comercial nos termos do contrato que a “C” havia celebrado com a Ré e por outro lado considerar provado que essa actividade era ao serviço e em nome da Ré.
Estes pontos concretos da decisão da matéria de facto são essenciais para a decisão da matéria de direito, pelo que nos termos do artº 712 nº 4 do C.P.C. deve a decisão ser anulada e o processo remetido para novo julgamento.
E - Por último, o R. não fez prova de que a destituição tenha sido causa adequada da totalidade do prejuízo alegado porque foi destituído em Março de 1998 e apenas em Janeiro de 1999 alega ter deixado de ter outro emprego, o que quer dizer que entre a destituição e Janeiro de 1999, auferia proventos que lhe permitiram manter o seu nível de vida pelo que a destituição ocorrida em Março de 1998 não foi causa adequada da perda de proventos alegada.
F - A douta sentença recorrida violou o disposto no artº 257º nº 7 do Código das Sociedades Comerciais.
O A. contra-alegou nos termos de fls. 490 e segs. concluindo pela confirmação da sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como é sabido, são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o âmbito do recurso pelo que apenas abrange as questões nelas contidas (artºs 684 nº 3 e 690 nº 1 do C.P.C.)
Do que delas decorre, verifica-se que são as seguintes as questões a decidir:
- Se ocorre contradição ou obscuridade na matéria de facto
- Se assiste ao A. o direito à indemnização decorrente da invocada destituição com justa causa, e bem assim pelos danos morais.
* São os seguintes os factos que foram tidos por provados na 1ª instância:
1 - A Ré é uma sociedade comercial por quotas que foi constituída por escritura pública em 29 de Abril de 1992, encontrando-se matriculada no Registo Comercial de … sob o nº 03001.
2 - A Ré tem por objecto social o aluguer de automóveis sem condutor, turismo, compra e venda de veículos automóveis novos e usados, acessórios e seus derivados, motorizados.
3 - A Ré, na data da propositura da acção tinha apenas dois sócios, um deles o autor, com uma quota no valor de 6.000.000$00 (30% do capital social) e o outro “D” com uma quota no valor de 14.000.000$00 (70% do capital social).
4 - Na cláusula 5ª do pacto social foi estipulado que a “gerência da sociedade, dispensada de caução e com ou sem remuneração, conforme vier a ser acordado em assembleia geral, pertence a todos os sócios que desde já ficam nomeados gerentes”.
5 - Além dos dois sócios, era também gerente da sociedade, desde 4/07/1995, “E”, que é pai do sócio “D”.
6 - O A. exerceu as funções de gerente desde o início da existência da Ré - 29/04/1992 - e até, pelo menos 3/03/1998.
7 - A actividade do autor como gerente consistia na administração dos assuntos correntes, nomeadamente, assinando toda a documentação como cheques, talões de depósitos para bancos, letras comerciais e aceites, mapas de vencimentos para a segurança social, notificações de tribunais, acordos, quitações em acordos, documentos de compra de viaturas, documentos para a Direcção Geral dos Transportes Terrestres, para a concessão de licenças, depósitos de dinheiros da sociedade e toda a documentação para notários e documentação a ser reconhecida na qualidade de gerente entre outras.
8 - Procedia ainda à colocação de anúncios para selecção de pessoal, procedia a essa selecção e admissão de novos funcionários para a Ré e procedia ao acompanhamento inicial dos mesmos, bem como efectuava tarefas em sede de atendimento de clientes, nomeadamente preenchimento de contratos para aluguer de viaturas, transferência de viaturas, entrega destas aos clientes, prestação de assistência às viaturas transportando-as às respectivas revisões periódicas e deslocações para reparações quando avariadas e substituição das mesmas.
9 - Elaborava toda a documentação necessária à abertura das filiais, contactos com as entidades que cederam as instalações, preparação das mesmas, nomeadamente a do … em 1995.
10 - Lançou o negócio de rent-a-car para a Ré no … onde conseguiu atingir uma grande quota de mercado nos anos de 1995 a 1997.
11 - Na região da sede da Ré o A. conseguiu lançar e desenvolver a actividade da Ré logo no início, em 1992, actividade que manteve intensa e diária até 1997.
12 - O A. na qualidade de gerente auferia um vencimento de 150.000$00 mensais.
13 - E um subsídio de alimentação no valor de 20.000$00 mensais.
14 - E ajudas de custo no valor de 4.500$00 mensais.
15 - O sócio “D” convocou uma Assembleia Geral a realizar dia 11/02/1998, com a seguinte ordem de trabalhos:
- autorização ao sócio “A” para o exercício de actividade concorrente com a sociedade.
- situação da gerência de “A”.
- alteração do pacto social.
- discussão de assuntos relacionados com alguns clientes.
16 - Para o A. foi enviada carta registada com A/R convocando-o para a mencionada assembleia, não tendo essa carta sido entregue ao destinatário por o carteiro não o ter encontrado na sua residência e posteriormente não ter sido reclamada na estação dos correios.
17 - Essa assembleia (doc. de fls. 93) veio a realizar-se apenas com a presença do sócio “D” que decidiu não apreciar os pontos nºs 1, 3 e 4 da ordem de trabalhos, deliberando deixar o sócio ora A. de ter direito a remuneração.
18 - Em 13/02/1998, o sócio “D” convocou uma Assembleia Geral da Ré, a realizar em 3/03/1998, com a seguinte ordem de trabalhos:
- Destituição do sócio “A” da gerência da sociedade.
19 - Para o A. foi enviada carta registada com A/R convocando-o para a mencionada assembleia, não tendo essa carta sido entregue ao destinatário por o carteiro não o ter encontrado na sua residência e posteriormente não ter sido reclamada na estação dos correios.
20 - Na data marcada para a realização da assembleia compareceu apenas o sócio “D” que deliberou destituir o ora A. das funções de gerência.
21 - O A. tem como habilitações literárias a 4ª classe.
22 - Em 17/06/1983 o A. adquiriu uma quota no valor de 50.000$00 na sociedade “F”, sociedade esta que em 15/05/1992 alterou a denominação para “G”, alterando o objecto para “gestão de negócios, seguros e publicidade, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esse fim, projectos, importação e exportação, compra e venda de automóveis e representações”.
23 - Actualmente o A. já não é sócio da sociedade Ré, por a sua quota ter sido transmitida em processo executivo.
24 - O A. continuou a prestar a sua actividade acima descrita ao serviço da Ré e no interesse desta até, pelo menos Janeiro de 1999.
25 - Altura em que foi expulso das instalações da Ré com agressões e ameaças à sua integridade física se ali voltasse a comparecer.
26 - A partir de meados de 1998 a Ré, através do sócio maioritário, deixou de entregar ao A. documentos para assinar e deu ordens aos funcionários daquela para não entregarem ao A. quaisquer documentos.
27 - Nem do A. receberem ou cumprirem qualquer ordem ou instrução.
28 - Desde Janeiro de 1999 que o A. se encontra sem emprego e sem auferir qualquer outro provento.
29 - Não tendo conseguido arranjar outro emprego ainda que com remuneração inferior.
30 - O A. pediu um empréstimo a um familiar e a amigos.
31 - O afastamento da sociedade que o A. sofreu, que culminou com a sua destituição, a proibição de entrar nas instalações e ter deixado de auferir os seus proventos causou ao A. desgaste, humilhação e desconsiderações pessoais.
32 - Que lhe causaram prostração, desgosto e depressão.
33 - O A. é sócio gerente da sociedade “C” desde 17/06/1983.
34 - Esta sociedade tem como objecto social “gestão de negócios, seguros e publicidade, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos”.
35 - Entre a Ré e a “C” foi, em 28/10/1996 e com a duração até 1/11/1997 com possibilidade de renovação, celebrado o acordo constante de fls. 86 a 89 segundo o qual a primeira concedia à segunda poderes para celebrar contratos de aluguer de automóveis sem condutor na área do distrito de … e seus limítrofes, pondo à disposição da segunda, viaturas para serem locadas.
36 - A “B”, em 27/10/97 comunicou à “C” que não procederia à renovação do contrato com efeitos a partir de 1/11/97.
37 - Em Junho de 1998 o estabelecimento que o réu tinha arrendado em … passou a estar identificado com a insígnia da sociedade “H”.
38 - O A. exerceu actividade em … ao serviço e em nome da Ré e o estabelecimento de … era considerado uma filial desta.
39 - Na região da sede da Ré, o A. desenvolveu a actividade desta, diariamente, até 1997.
Estes os factos.
Não tendo impugnado a decisão da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, vem a Ré apelante invocar a verificação de contradição e obscuridade nessa decisão quanto aos pontos de facto que indica, o que se impõe conhecer desde já, uma vez que da solução dada a tal questão dependerá o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso, que poderão ficar prejudicadas.
Assim:
Pretende a apelante que existe contradição ou, no mínimo, obscuridade na decisão da matéria de facto porquanto:
Na alínea F) da especificação foi dado como assente que “O autor exerceu as funções de gerente da sociedade desde o início da existência da Ré - 29/04/1992 e até pelo menos Junho de 1996”.
Por sua vez no ponto 6 dos factos declarados provados na sentença recorrida a Exmª Juíza, ao reproduzir a referida alínea F) da especificação fez constar que “O autor exerceu as funções de gerente da sociedade desde o início da existência da Ré - 29/04/1992 e até pelo menos, 3/03/1998”.
Por outro lado, quesitando-se no artº 1º da base instrutória se “O A. continuou a prestar a sua actividade acima descrita ao serviço da Ré e no interesse deste até, pelo menos, Janeiro de 1999?” o tribunal respondeu: “Provado”.
Impõe-se esclarecer, antes de mais, que a especificação tem uma mera função instrumental dentro da marcha ou sequência processual e não deve, portanto, passar além disso, designadamente, interferir com o final e definitivo poder do juiz sentenciador de fixar os factos provados nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 659 do CPC, tendo em conta “os factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados”.
Nada impede, pois, que o juiz ao proferir a sentença altere o rol de factos da especificação, eliminando o que lá não deveria constar, modificando o sentido ou a extensão dos especificados (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 27/09/2001, Rev. 2424/01, www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bol53civel.html; Lebre de Freitas, “Acção Declarativa Comum, Coimbra Ed. 2000 p.171/173).
Foi o que sucedeu, in casu, quando a Exmª juíza na sentença alterou a data constante da alínea F) da especificação de “Junho de 1996” para “3/03/1998”, de acordo, aliás, com o documento de fls. 48 dos autos e alínea T) da especificação (e ponto 18 dos f.p.), isto é, considerando a data da assembleia geral em que o A. foi destituído das funções de gerente.
E no que se refere à alegada contradição entre este facto (ponto 6 dos f.p.) e o constante da resposta ao quesito 1º (ponto 24 dos f. p.), não tem razão a apelante.
Com efeito, o que se consigna no ponto 6 dos f. p. é que “o autor exerceu as funções de gerente da sociedade desde o início da existência da Ré - 29/04/1992 e até pelo menos 3 de Março de 1998”, o que é bem diferente do facto consignado no ponto 24 de que “O A. continuou a prestar a sua actividade acima descrita ao serviço da Ré e no interesse deste até, pelo menos, Janeiro de 1999”. Isto é, o que aqui se dá como provado é que o A. apelado, não obstante ter sido destituído da gerência, continuou a prestar a sua actividade acima descrita ao serviço da Ré e no seu interesse até, pelo menos, Janeiro de 1999.
Por outro lado, também nenhuma contradição se vislumbra entre o facto constante da resposta ao quesito 5º da base instrutória (ponto 28 dos f.p.) “Desde Janeiro de 1999 que o A. se encontra sem emprego e sem auferir qualquer outro provento” com o facto declarado provado no ponto 33 dos f. p (resp. quesito 10º) de que “O A. é sócio gerente da sociedade “C”desde 17/06/1983” a qual “tem como objecto social a gestão de negócios, seguros e publicidade, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos” (ponto 34 dos f.p.) .
É que, se por um lado o acordo celebrado entre esta sociedade e a Ré especificado no ponto 35 dos f. p. “em 28/10/96 e com duração até 1/11/97, com possibilidade de renovação segundo o qual a primeira concedia à segunda poderes para celebrar contratos de aluguer de automóveis sem condutor na área do distrito de … e seus limítrofes, pondo à disposição da segunda viaturas para serem locadas” não foi renovado a partir de 27/10/97 (ponto 36 dos f. p.), verifica-se, por outro, que o estabelecimento arrendado em … onde o A. exercia a sua actividade, a partir de Junho de 1998 passou a estar identificado com a insígnia da sociedade “H” o que indicia que a “C” já ali não exerce actividade (de acordo, aliás, com a declaração de cessação de actividade constante do documento de fls. 171/172).
De todo o modo, sempre o facto provado de que o A. era gerente da sociedade “C”, não importa, só por si, a conclusão de que ele auferia qualquer vencimento ou lucros dessa actividade., o que também não ficou provado.
No que respeita à alegada contradição entre o facto dado como provado no ponto 35 dos f. p. e o ponto 38, se bem que nenhum interesse tenha para a decisão da causa, sempre se dirá que ela deriva dos termos do contrato celebrado entre a Ré e a apelada sendo que, segundo consta da fundamentação a este quesito, até o próprio gerente da Ré apelante, “nas suas declarações se referiu às instalações de … com «delegação de …”.
Improcedem, pois, nos termos expostos as conclusões da alegação da apelante no que concerne à alegada verificação de contradições na decisão de facto.
Posto isto, e não tendo sido impugnada a decisão de facto, não obstante a prova ter sido gravada, tem-se por assente a matéria dela constante.
Assim e passando agora a conhecer das questões de direito:
Sob a epígrafe “Destituição de gerentes” estabelece o artº 257 do Código das Sociedades Comerciais:
“1 -Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes. 5 - Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro; 7 - Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado”.
O nº 1 do artº 257 ao prever que “os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes” estabelece a livre revogabilidade, por acto unilateral da sociedade, da manutenção do mandato de gerência, o que tem a sua justificação na necessária confiança entre a sociedade e aqueles que gerem os seus destinos. Todavia, para acautelar os direitos do gerente, a sociedade só fica desvinculada do dever de indemnizar se justificar que houve justa causa. Esta é a ideia que resulta do nº 7 do mesmo artigo ao prescrever que “não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos” (cfr. Ac. do STJ de 10/02/2000, BMJ 494, 353).
E relativamente ao ónus da prova sempre cumprirá à sociedade demonstrar a existência da justa causa, como facto extintivo ou impeditivo do direito de indemnização, como tem sido orientação maioritária do STJ.
Ora, no caso de sociedade constituída por apenas dois sócios, pretendendo a sociedade destituir o gerente com fundamento em justa causa terá que propor a necessária acção em tribunal, como resulta expressamente do nº 2 do artº em apreço.
Mas nada obsta que nestas sociedades, a destituição da gerência não possa ser deliberada, sem invocação de qualquer fundamento.
Com efeito, neste caso, ela é possível mas dá lugar a indemnização ao gerente destituído, como aceita a doutrina em geral.
Como se refere no Ac. do STJ de 4/12/96, do confronto entre os nºs 1, 5 e 7 do artº 257 do C.S.C. resulta que, mesmo nas sociedades com apenas dois sócios, a destituição da gerência pode ser deliberada, em princípio por maioria simples; só na hipótese de invocação de justa causa é que se mostra necessário o recurso à acção judicial; e, se destituição tiver lugar por deliberação, não pode ser invocada justa causa e o gerente tem direito a indemnização - BMJ 462, 441.
Essa liberdade da sociedade justifica-se pela necessidade de uma relação de confiança com os seus gerentes e a obrigação de indemnização apresenta-se como contrapartida desse direito e compensação pelos prejuízos resultantes da quebra do mandato conferido aos gerentes; como salienta Raul Ventura, a destituição “ou é fundada em justa causa ou sujeita a sociedade a uma indemnização” e “a destituição do gerente satisfaz o interesse da sociedade” mas “não implica o completo sacrifício dos interesses pessoais do gerente” (Sociedade por Quotas, vol. III, págs. 104 e 118) - cfr. Ac. do STJ de 1/06/99, BMJ 488, 361.
E não havendo indemnização contratual estipulada o gerente destituído sem ocorrência de justa causa tem, em conformidade com os princípios gerais da responsabilidade civil, o direito a ser indemnizado pelos prejuízos correspondentes aos proventos esperados e aos danos morais, designadamente quando seja atingido na sua dignidade pessoal e profissional, prejuízos que lhe incumbe provar - Neste sentido conferir Acs. do STJ de 20/01/99, BMJ 483, 177 e de 27/10/94, CJSTJ, T.III, p. 112; da R.P. de 11/11/2003, e da R.C. de 09/02/99, acessíveis na Internet em www.dgsi.pt.
Ora, voltando agora ao caso dos autos, verifica-se que a Ré, constituída apenas por dois sócios, deliberou em 3/3/1998, a destituição de gerente do A., estando apenas presente o outro sócio, sem invocar qualquer fundamento.
Assim, e na economia de tudo o que vem exposto, ficou a Ré constituída na obrigação de indemnizar o A. pelos prejuízos que lhe causou.
E a tal não obsta, como pretende a apelada, o facto de ter deliberado, nos mesmos termos, em assembleia geral realizada dias antes (11/02/98), que o sócio, ora A./apelado, deixava de ter direito a remuneração pois o direito à indemnização pelos prejuízos sofridos deriva da deliberação de destituição ad nutum.
A não ser assim, sairia frustrado o objectivo da lei pois para a sociedade se eximir ao pagamento da indemnização devida pela destituição de gerente sem justa causa, bastava-lhe, uns dias antes, deliberar com a presença de um único sócio, que o gerente deixava de ser remunerado ...!
Ora, face à factualidade provada (quer relativamente aos danos patrimoniais sofridos quer aos não patrimoniais - o afastamento da sociedade Ré e nomeadamente o deixar de auferir os seus proventos não conseguindo arranjar outro emprego, ainda que de remuneração inferior causou ao A. desgaste, humilhação e desconsideração pessoais, que lhe causaram prostração, desgosto e depressão) e ao disposto no nº 7 do artº 257 do C.S.C., dúvidas não restam que assiste ao A. apelado o direito à indemnização nos termos fixados na sentença, isto é, à quantia de € 35.913,45 (€ 748,20 (150.000$00) x 12 meses x 4 anos) e bem assim à quantia de € 4.987,98 a título de danos morais.
Improcedem, pois, in totum, as conclusões da alegação da apelante, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.
DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelada.