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AJUDAS DE CUSTO
Sumário
1. Em matéria de ajudas de custo a presunção estabelecida no nº3 do art. 82º da LCT tem de ceder face à regra especial do art. 87º do mesmo diploma legal. 2. As ajudas de custo não constituem retribuição pois destinam-se a compensar ou reembolsar as despesas efectuadas pelo trabalhador com o seu transporte até ao local de trabalho e com a sua alimentação e alojamento enquanto está deslocado ao serviço da empresa. 3. Se o trabalhador se pretende fazer valer da excepção constante da parte final do art. 87º da LCT, terá de alegar e provar os factos susceptíveis de integrar aquela previsão, nomeadamente qual o montante que lhe sobrava depois de suportar aquelas despesas.
Texto Integral
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A. … intentou uma acção especial emergente de acidente de trabalho contra B. ( Seguradora) … e C. ( Entidade patronal) … pedindo que as rés sejam condenada:;; a pagar-lhe os seguintes valores:
- a título de ITA, o montante total de € 13.757,57, dos quais já se encontram pagos € 2.288,19;
- o capital de remição, correspondente à pensão anual e vitalícia no valor de C 1.827,60, com início em 21 de Janeiro de 2003;
- as despesas por si efectuadas com transportes;
- os juros legais sobre todas as quantias peticionadas desde o vencimento de cada quantia até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tanto e em síntese, que foi vítima dum acidente de trabalho ocorrido no dia 23 de Novembro de 2001, quando se encontrava ao serviço da segunda R, que consistiu em ter partido uma perna e de que lhe resultaram as incapacidades constantes dos autos e nomeadamente a IPP com 6,88% a partir da data da alta.
Alegou ainda que, à data do acidente, detinha a categoria profissional de carpinteiro, auferindo um salário base de € 450,00 x 14 meses, acrescido do subsídio de alimentação de € 3,77 x 22 dias por mês, a que acresciam quantias de montante variável mas regular, recebidas a título de ajudas de custo e trabalho suplementar, no total de €22,793,49 e de € 721,31, respectivamente e que perfaziam uma retribuição anual de € 37.948,48, que a sua entidade patronal não tinha transferido integralmente para a seguradora, pelo que será responsável pelas respectivas diferenças.
Citada a ré A. … veio esta contestar, alegando que o sinistrado constava do contrato de seguro com base no salário mensal de € 442,43 x 14 meses + 293,00 x 1 de horas extraordinárias, sendo por isso responsável apenas nesta medida. Alegou ainda que o autor ficou curado à data da alta sem qualquer desvalorização, concluindo assim pela sua absolvição do pedido.
Por seu turno a ré, patronal veio também contestar alegando que tinha transferido integralmente a sua responsabilidade pela ocorrência de acidentes de trabalho para a seguradora, pois as demais importâncias pagas ao autor reportavam-se apenas a despesas de deslocação, transportes, alimentação e alojamento, pelo que não têm natureza retributiva, concluindo também pela sua absolvição do pedido.
Designada audiência de julgamento foi depois proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, decidiu nos seguintes termos:
Fixar em 6,88% a incapacidade permanente parcial que afecta o autor.
Fixar em € 6.099,28 (seis mil, noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos) o capital de remição devido ao sinistrado, calculado com base na pensão anual total de € 312,43 cabendo daquele, à seguradora pagar € 5.347,55 (referente a vencimento e horas extraordinárias) e à entidade patronal € 751,73 (referente a subsídio de alimentação).
Condenar a ré C. …( entidade patronal) a pagar ao autor o montante total de € 332,15, a título de incapacidade temporária absoluta e incapacidade temporária parcial referente a:
- ITA- 143 dias = € 253,25;
- ITP de 5%- 22 dias = € 1,95;
- ITP de 15% - 197 dias = 2,53 x 70% x 155 x 197 = € 52,33
- ITP de 20% - 23 dias = 2,53 x 70% x 20% x 23 = € 8,15
- ITP de 30%- 31 dias = € 16,47.
Mais foram as RR condenadas nos juros legais contabilizados desde as datas dos respectivos vencimentos.
Inconformado apelou o A que concluiu assim a sua alegação:
a) o apelante para além da remuneração base mensal de 442,44 euros, auferia também ajudas de custo de valor variável, mas em regra de montante mensal de 1000 euros que englobava o subsídio de alimentação;
b) Trata-se de quantias que eram pagas todos os meses;
c) Assim sendo, presume-se que se trata de retribuição, cabendo à R o ónus de provar que as mesmas se destinavam ao reembolso das despesas por si efectuadas, para além das normais, para poder executar o seu trabalho;
d) Como a R não logrou provar tais despesas não podem esses valores deixar de constituir retribuição;
e) Pois deve funcionar a presunção do artigo 82° nºs 2 e 3 da LCT.
Pede-se assim que estes valores constituam retribuição a atender para o cálculo dos direitos do trabalhador.
A R patronal alegou pugnando pela manutenção do decidido.
E subidos os autos a este Tribunal, mostram-se corridos os vistos legais, tendo o Ex.mo Magistrado do MP emitido doutro parecer no sentido da procedência do recurso.
É assim altura de decidir.
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Para tanto, temos que atender à seguinte factualidade, que não foi impugnada neste recurso:
2.1-0 autor trabalhava por conta da ré, Sociedade Construções Disbar Lda, sob as suas ordens, direcção, orientação e fiscalização.
2.2-No dia 23 de Novembro de 2001, pelas 9 horas, em Alqueva, quando se encontrava a fazer um muro e trabalhava com um berbequim, desequilibrou-se e caiu, tendo partido a perna direita.
2.3-Em consequência do acidente acima descrito, sofreu o autor as lesões descritas no auto de exame médico e relatório médico juntos aos autos e que são: apresenta actualmente rigidez do tornozelo direito devido a fractura do 1/3 distal da perna direita.
2.4-Apesar de clinicamente curado apresenta sequelas, designadamente tumefacção e dor, rigidez na flexão dorsal e na flexão plantar.
2.5-Tal lesão determinou-lhe, por sua vez, os seguintes períodos e graus de incapacidade temporária:
- ITA de 24 de Novembro de 2001 a 13 de Março de 2002;
- ITP de 20% de 14 de Março de 2002 a 5 de Abril de 2002;
- ITP de 15% de 6 de Abril de 2002 a 24 de Junho de 2002;
- ITP de 15% de 6 de Julho de 2002 a 24 de Setembro de 2002;
- ITA de 25 de Setembro de 2002 a 27 de Outubro de 2002;
- ITP de 30% de 28 de Outubro de 2002 a 27 de Novembro de 2002;
- ITP de 15% de 28 de Novembro de 2002 a 2 de Janeiro de 2003;
- ITP de 5% de 2 de Janeiro de 2003 a 24 de Janeiro de 2003;
- num total de 143 dias de ITA, 23 dias de ITP de 20%, 197 dias de ITP de 15%, 31 dias de ITP de 30% e 22 dias a 5%.
2.6- Vindo a ser considerado como curado a partir de 24 de Janeiro de 2003, data da alta, com uma IPP de 5,5%, atribuída pelo perito médico do tribunal, tendo posteriormente sido sujeito a Junta Médica que lhe atribuiu uma IPP de 6,88%.
2.7- O sinistrado auferia o salário base mensal de € 442,43, 14 meses por ano e ajudas de custo de valor variável.
2.8- Bem como subsídio de alimentação de € 3,77 x 22 dias por mês e 11 meses ano.
2.9- A entidade patronal tinha seguro para este tipo de acidentes na Ré B… pelo valor da remuneração de € 442,43 por 14 meses por ano e € 293 anuais de horas extraordinárias.
2.10 – Foram-lhe pagas de indemnização por incapacidade temporária e pela ré seguradora no montante total de € 2.288,19.
2.11- A Ré seguradora aceitou pagar as despesas de deslocação do sinistrado aos exames no montante de € 16,50.
2.12- O valor mensal do salário base era de € 442,43.
2.13- O autor recebia quantias relativas a ajudas de custo, de valor variável, em regra, de valor mensal igual ou superior a mil euros, que englobavam o subsídio de alimentação.
2.14- O autor costumava receber horas extraordinárias.
2.15- O autor nasceu em 5 de Março de 1975.
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E decidindo:
O apelante restringiu o objecto do recurso à questão das ajudas de custo, pretendendo que os montantes recebidos a este título integram o conceito de retribuição com base na qual se devem calcular os seus direitos emergentes do acidente de trabalho de que foi vítima.
Efectivamente uma das questões controvertidas que o tribunal recorrido teve que apreciar prendia-se com a determinação do quantitativo da retribuição auferida pelo sinistrado, a que se ligava a questão da determinação da entidade responsável dado que a seguradora apenas respondia até ao salário para si transferido que era € 442,43 x 14 meses/ ano a que acrescia o montante de € 293 anuais de horas extraordinárias.
Na verdade, reclamando o A. valores remuneratórios muito mais altos, pois para além do salário de € 450,00 x 14 meses + 293,00 x 1 de horas extraordinárias, alegou que auferia também € 3,77 x 11 meses de subsídio de alimentação + € 12.500 anuais de ajudas de custo, pela diferença que houvesse teria que responder a entidade patronal, face ao disposto no artigo 37° nº 3 da LAT.
No entanto, argumentando a decisão recorrida que cabia ao autor provar os factos que poderiam levar a concluir que a quantia por si recebida a título de ajudas de custo, no montante mensal de cerca de mil euros, tinha carácter retributivo, prova que não logrou fazer, acabou por se concluir que tais montantes não integram o conceito de retribuição para cálculo das indemnizações e pensões que lhe são devidas pela ocorrência do acidente de que foi vítima.
Ora, é contra tal entendimento que reage o A neste recurso, apresentando em favor da sua pretensão os argumentos que a seguir se sintetizam:
a) auferia também ajudas de custo de valor variável, mas em regra de montante mensal de 1000 euros que englobava o subsídio de alimentação;
b) Trata-se de quantias que eram pagas todos os meses;
c) Assim sendo, presume-se que se trata de retribuição, cabendo à R o ónus de provar que as mesmas se destinavam ao reembolso das despesas por si efectuadas, para além das normais, para poder executar o seu trabalho;
d) Como a R não logrou provar tais despesas não podem esses valores deixar de constituir retribuição, pois deve funcionar a presunção do artigo 82° nºs 2 e 3 da LCT.
Assim se equacionando a questão a decidir neste recurso, vejamos então qual a solução a adoptar.
3.1------
Tendo o acidente dos autos ocorrido em 23 de Novembro de 2001, já lhe é aplicável a lei 100/97 de 13/9, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, por força do disposto no artigo 1 ° do DL n° 382-A/99 de 22 de Setembro.
Ora, a matéria da retribuição a atender em caso dum acidente de trabalho está regulada no seu artigo 26°, que estabelece as seguintes regras para se determinar o quantitativo da retribuição.
Assim e quanto às indemnizações devidas por incapacidade temporária, absoluta ou parcial, serão estas calculadas com base na retribuição diária, ou na 30º parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta represente a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado, conforme resulta do seu nº1.
Já quanto às pensões devidas por morte do sinistrado ou por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão as mesmas calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado, conforme estipula o seu n° 2.
Assim sendo, para compensar o trabalhador pelas perdas salariais resultantes dum acidente de trabalho de que tenha sido vítima, temos em qualquer dos casos que atender à retribuição por si auferida.
Ora, conforme resulta do nº 3 do preceito, constitui retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Donde resulta que o preceito remete para a LCT que vigorava ao tempo da ocorrência do acidente.
Assim sendo, só temos de considerar como retribuição aquilo que o trabalhador recebe como contrapartida do trabalho que presta à sua entidade patronal, conforme resulta do artigo 82° n° 1 da LCT, que ao tempo vigorava.
É certo que esta compreende a remuneração de base e outras prestações regularmente pagas ao trabalhador, presumindo-se até que todas as prestações da entidade patronal ao trabalhador constituem retribuição.
No entanto, as prestações regularmente recebidas só serão de considerar como retribuição se não se destinarem a compensar o sinistrado por custos aleatórios que teve de suportar por causa do trabalho.
Trata-se dum regime legal que definiu mais claramente em que consiste a retribuição a atender para reparar o acidente de trabalho, dado que o n° 3 do artigo 26° da lei actual, exclui expressamente do conceito de retribuição aqueles rendimentos do trabalhador que se destinam a compensá-lo de custos aleatórios que teve de suportar por causa do trabalho, exclusão que não constava da lei anterior.
No entanto, mesmo no domínio da vigência da LAT anterior, a jurisprudência já se orientava neste sentido, conforme se colhe da doutrina do acórdão de STJ de 8/3/95, in BMJ 445/379, orientação que já afastava do conceito de retribuição os valores recebidos pelo trabalhador e que são meramente compensatórios de despesas por si realizadas com deslocações ao serviço da entidade patronal.
Donde resulta que a reparação dum acidente de trabalho tem como finalidade compensar o trabalhador, ou os seus familiares no caso de acidente mortal, pela redução ou perda do rendimento do trabalho que o sinistro ocasionou ao trabalhador com a limitação ou destruição da sua capacidade produtiva, abrangendo-se neste rendimento o conjunto de valores regularmente recebidos pelo trabalhador e que constituam contrapartida do trabalho.
Trata-se portanto dum conceito de retribuição que reforça a ideia da correspectividade destes rendimentos pela prestação de trabalho, face à exclusão dos rendimentos compensatórios de custos do trabalhador que a parte final do preceito contém.
E assim sendo, esta questão transporta-nos para a problemática da definição das importâncias compensatórias de despesas suportadas pelo trabalhador, tais como ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço da entidade patronal.
Ora, o regime do artigo 87° da LCT considera que estes rendimentos recebidos pelo trabalhador a estes títulos não constituem retribuição, pois que se destinam a compensá-lo ou reembolsá-lo de despesas que teve de realizar por causa do trabalho.
Só assim não será quando estas compensações excedem as despesas suportadas, pois conforme resulta da parte final do preceito, a parte excedente dessas despesas deverá considerar-se retribuição, no caso de se tratar de deslocações frequentes.
Ou seja, em princípio estes valores não constituem retribuição dada a sua natureza compensatória de despesas suportadas pelo trabalhador.
No entanto, a parte desses valores que excedem as despesas suportadas já constituirão retribuição se se tratar de deslocações frequentes, pois nestes casos já se pode ver nestes rendimentos uma ideia de contrapartida do trabalho.
Por isso e face à regularidade do seu recebimento resultante da frequência e carácter continuado dessas deslocações, já é razoável que se considere que constituem valores recebidos pelo trabalhador como correspectivo do trabalho.
E neste excedente constituirão portanto uma verdadeira retribuição.
3.2-----
Vejamos agora o caso concreto para determinarmos se os valores pretendidos pelo trabalhador constituirão retribuição conforme este advoga.
Ora, o sinistrado auferia o salário base mensal de € 442,43, 14 meses por ano e ajudas de custo de valor variável, em regra, de valor mensal igualou superior a mil euros e que englobavam o subsídio de alimentação, que era do montante diário de € 3,77x 22 dias por mês e 11 meses por ano.
Por outro lado, colhe-se dos autos que o A. estava deslocado em Alqueva, tendo a sua residência em Vila Verde, Braga, e estando a sua entidade patronal sedeada em Viana do Castelo.
Por isso, e dado que estava deslocado, havia uma razão objectiva para a R lhe pagar ajudas de custo.
Assim sendo, e tratando-se de ajudas de custo era ao A que competia provar que estes valores excediam os custos resultantes da sua deslocação, conforme resulta do artigo 87° da LCT, pois em princípio as ajudas de custo não constituem retribuição, conforme já vimos.
Com efeito, se o trabalhador se pretende valer da excepção constante da parte final daquele preceito, será ele quem terá de alegar e provar os factos susceptíveis de integrar aquela previsão e nomeadamente qual o montante que lhe sobrava depois de suportar aquelas despesas.
Não podemos assim deixar de concordar com a decisão recorrida que considerou que estas quantias recebidas pelo A. a título de ajudas de custo não constituem retribuição, pois as importâncias recebidas a título de ajudas de custo representam, na sua própria essência, uma compensação ou reembolso pelas despesas que o trabalhador é obrigado a custear com o seu próprio transporte até ao local de trabalho e com a sua alimentação e alojamento enquanto está deslocado ao serviço da empresa, não visando portanto, o pagamento de trabalho prestado.
Tratando-se por isso, de valores correspondentes a ajudas de custo e não provando o A qual o montante que lhe sobrava depois de satisfeitas as despesas, efectivamente suportadas o seu transporte, alimentação e alojamento, não podem considerar-se retribuição, conforme resulta dos artigos 87º da LCT e 26º nº1 da Lei 100/97.
E assim sendo, improcedem todos os argumentos do apelante, pois não nos podemos socorrer da presunção do nº3 do art. 82º da LCT, dado que havendo a regra especial do art. 87º era ao trabalhador que competia alegar e provar que estas verbas recebidas como ajudas de custo não se destinavam a pagar as despesas que tinha de suportar por estar deslocado em Alqueva.
Por isso, só nos resta confirmar o julgado.
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Termos em que se acorda nesta secção social em negar provimento ao recurso confirmando-se a sentença apelada.
Sem custas, dada a isenção de que goza o sinistrado.