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REVELIA
CONFISSÃO
ARRENDAMENTO URBANO
Sumário
- A revelia absoluta é inoperante, não funcionado a confissão a que se reporta o artigo 484º do C.P.C. - O contrato de arrendamento rural está sujeito a forma escrita, a qual apenas pode ser suprida pela exibição do recibo da renda que não por confissão ainda que expressa. - Nunca a confissão ficta poderia ter essa virtualidade, por a tanto se opor o disposto no nº 2 do artigo 364 do CC.
Texto Integral
Acordam na Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.
Maria… intentou a presente acção declarativa, de despejo, sob a forma de processo sumário contra "Firma, Lda." e Manuel… pedindo que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento e, em consequência, os réus condenados a entregar-lhe o locado livre e devoluto e bem assim que sejam todos os RR condenados solidariamente a pagarem-lhes as rendas vencidas e não pagas no montante de € 3.120,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação, e ainda as vincendas até entrega efectiva do locado, e bem assim a quantia de € 65,00 a título de despesas de condomínio não pagas.
Citados os RR., o segundo editalmente, cumprido o disposto no artigo 15 do C.P.C. não foi deduzida qualquer oposição.
O Mmº Juiz por sentença de 9/11/07 proferiu sentença decidindo nos seguintes termos;
1. Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, decide-se:
a) Absolver o réu Manuel … dos pedidos contra si formulados na presente acção;
b) declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a A. e a R. "Firma, Lda." e, em consequência, decreta-se o seu despejo da fracção autónoma melhore descrita em 1.1. dos factos provados, condenando-se a R a entregá-lo livre e devoluto de pessoas e bens à A., no prazo de 10 dias, a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença;
c) Condenar a referida Ré no pagamento à A. da quantia de €3.120,00 (três mil cento e vinte euros) a título de rendas vencidas e não pagas, relativas aos meses de Julho /05 a Julho/06 a e dois cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa de 4%, desde a data da citação até integral efectivo pagamento; e ainda no pagamento das rendas que entretanto se venceram e nas vincendas até entrega efectiva do locado; e no pagamento da quantia de €65 (sessenta e cinco euros) a título de despesas de condomínio não pagas.
…
Inconformada a autora apelou da sentença, deduzindo as seguintes conclusões:
1- Vem o presente recurso da douta sentença que julgou parcialmente precedente a acção interposta contra os Recorridos.
2- O Tribunal a quo reconheceu o incumprimento do contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente e a primeira Recorrida, não configurando o segundo Recorrido como interveniente a título pessoal no contrato em causa.
3- Sendo que os factos são conformados pelas partes, e que a falta de contestação implica a confissão dos ditames alegados na petição inicial, a participação do juiz nestas circunstâncias deverá ser a adaptação do direito aos mesmos factos.
4- Assim sendo, uma vez alegada a participação de Manuel … a título pessoal e na qualidade de arrendatário e não tendo havido oposição por parte dos Recorridos, a mesma não deverá ser feita pelo julgador.
5- Por outro lado, não estamos perante uma situação de actuação oficiosa por parte da MMa Juiz a quo, pois para isso ter-se-ia que considerar a denominação da posição contratual do segundo co-recorrido como representante da primeira co-recorrida como facto instrumental. Contudo, além de não delimitarmos este facto como instrumental (na medida em que é fulcral à procedência ou improcedência da causa), não foram preenchidos os pressupostos do artigo 264°/3, uma vez que os recorridos não manifestaram qualquer desejo do seu aproveitamento, nem foi dada a Recorrente possibilidade de contraditório (uma vez que estamos perante um processo onde não houve discussão). Deste modo exclui-se por completo a possibilidade de se encarar este aspecto processual como um facto instrumental.
6- Em suma, não pode a interpretação oficiosa da MMa Juiz a quo, prevalecer sobre vontade declarada das partes na conformação dos factos.
7- Isso seria uma violação expressa ao princípio do dispositivo, sedimentado e consagrada no plano legal, doutrinal e jurisprudencial.
8- Crê-se portanto que a douta sentença recorrida, além de violar o já citado princípio do dispositivo, viola igualmente de forma clara a estipulação prevista no art. 484° do CPCivil que determina, "que se o réu não contestar (...) consideram-se confessados os factos articulados pelo autor", pelo que deve ser revogada e substituída por outra que declare o 2° Co-Recorrido contraente a título pessoal do contrato de arrendamento comercial celebrado a 16 de Outubro de 2004 entre os Recorridos e Recorrente, com as demais consequências que aí advirão.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, há que conhecer dos recursos.
Factos considerados provados no tribunal “ a quo”:
1. A A. é dona e legítima possuidora de uma fracção autónoma id. pela letra "H", correspondente ao 3° andar esquerdo, destinada a escritório, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua S. Pedro, n°42, freguesia de Viana do Castelo (Santa Maria Maior), Viana do Castelo, descrito na CRP sob o n° 00652 / Viana do castelo (Santa Maria Maior) - Frac. H. 2. Por documento particular datado de 16/10/2004, a A. deu de arrendamento à 1ª co-ré a supra descrita fracção autónoma, para escritório, pelo prazo de um ano, automaticamente prorrogável nos termos da lei, com início no dia 1de Novembro de 2004 e mediante a renda mensal de € 240, a ser paga até ao dia 8 do mês a que disser respeito, por depósito bancário em conta a indicar pela senhoria, numa entidade bancária de Viana do Castelo.
3. De acordo com o ajustado, a renda seria sempre actualizada segundo o índice estipulado por lei, excepção feita ao primeiro ano de vigência do contrato, tendo relativamente a este período a A. prescindido dos valores correspondentes à actualização.
4. A renda actualmente em vigor mantém-se na quantia de €240.
5. Ficou ainda ajustado que os arrendatários poderiam efectuar no local arrendado as obras necessárias ou úteis ao exercício da sua actividade, as quais uma vez feitas não obrigavam a senhoria ao pagamento de qualquer indemnização, nem conferiam aos arrendatários o exercício do direito de retenção.
6. Alem das cláusulas supra referidas, ficou ainda acordado entre A. e RR que as despesas de condomínio eram por conta dos inquilinos.
7. As rendas foram pagas até Junho de 2005, sendo que todas as rendas vencidas a partir do mês de Julho de 2005 encontram-se por pagar.
8. A A. reclamou o pagamento das rendas em atraso aos réus que contudo não as pagaram.
9. Não foram pagas igualmente as despesas de condomínio relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2005, e Janeiro a Julho de 2006, no montante global de € 65.
Factos não provados.
A A. celebrou com o 2° co-réu, a título pessoal e na qualidade de arrendatário, o contrato descrito em 2. dos factos provados.
*
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
A questão colocada prende-se com saber se deve considerar-se assente por confissão o facto relativo à participação do segundo réu como outorgante no contrato, e se ocorre violação do princípio do dispositivo.
Da motivação consta.
A convicção do Tribunal assentou na análise do documento de fls.10/11 junto pela própria A. e que constitui a redução a escrito particular do contrato de arrendamento e do qual se extrai que o 2° co-réu só interveio não como contraente, a título pessoal, mas "na qualidade de representante da “Firma, Lda.", esta sim como "segunda outorgante e inquilina". Relativamente aos restantes factos na falta de oposição da 1ª co-ré.
Refira-se desde já que contrariamente ao que parece ser o entendimento da recorrente o julgador não utilizou qualquer facto não alegado pelas partes, muito menos essencial. O que fez foi desconsiderar um facto alegado pela autora, a participação do segundo réu como outorgante no invocado contrato.
Mas ao assim proceder terá sido violado o princípio do dispositivo?
É o que passaremos a ver, pois tal questão prende-se com a apreciação da questão da verificação ou não de confissão por falta de contestação – confissão ficta.
Quanto a esta a resposta é simples, como aliás resulta da decisão, na parte que antecede a fixação dos factos, a revelia do segundo réu é inoperante – sem efeitos quanto á composição do litígio –, nos termos do artigo 485, al b) do CPC, por se tratar de revelia absoluta. O réu foi citado editalmente (artigo 233 do CPC ) e não juntou procuração a mandatário judicial ( artigo 484, 1 do CPC). Como expressamente estatui o corpo do artigo 485 do CPC em tal caso não funciona a revelia, não devendo considerar-se confessados os factos invocados pelo autor.
A justificação de tal regime prende-se com as razões que subjazem à revelia operante. Esta assenta na inactividade do réu que como que é considerada uma contestação tácita de aceitação dos termos da demanda na sua dimensão fáctica. A operância resulta ainda de um acto “dispositivo” da parte consistente na omissão voluntária do direito à defesa, relevado por força da cominação e em violação ou inobservância do ónus de contestar. O regime apresenta clara semelhança com o disposto no artigo 490º do CPC – ónus de impugnação especificada.
Ambos assentam no princípio do dispositivo e têm indelével inspiração no “princípio da colaboração/dever de colaboração” com o tribunal para realização da justiça – arts 264º, n. 1 e 266º do CPC.
Ora, na revelia absoluta é impossível garantir que o réu teve efectivo conhecimento da causa que contra si pende, pelo que não pode afirmar-se que o acto omissivo corresponda a um acto de disposição relativamente ao processo por parte do citado editalmente, não se justificando aquelas gravosas consequências.
Assim sendo, não pode considerar-se confessado o facto alegado em “4” da P.I. na parte que respeita a este réu.
Veja-se ainda o regime do artº 485º, d) do CPC e 364º, nº 2 do CC, nos termos do qual, ainda que operante, dada a exigência de prova escrita, sempre no caso presente a confissão ficta seria inoperante, porquanto do contrasto escrito junto aos autos não resulta – não consta – o indicado réu como outorgante.
O contrato em apreço está sujeito a forma escrita conforme artigo 7, do RAU (DL. 321-B/90 de 15/10) devendo ser celebrado por escrito, sendo que a inobservância de tal forma só pode ser suprida pela exibição do recibo da renda e por parte do arrendatário.
“ O advérbio “só”, constante do n.º 3, consubstancia uma medida excepcional que restringe a prova do contrato verbal unicamente ao recibo, afastando os termos gerais do n.º 2 do art. 364.º do C.C, pelo que não pode ser considerada prova por confissão expressa, judicial ou extrajudicial”, como se refere no Ac. do STJ de 19/12/06, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 06P3363.
A exigência de escrito (ainda que por recibo) é formalidade ad substantiam – Ac. STJ de 6/4/06, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 06B336, de 27/6/06, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 1111/06; RC de 2/5/00, www.dgsi.pt/jtrc, processo n. 672/00.
É o que resulta aliás do artigo 220º, do C.Civil que determina que a forma legalmente prescrita é necessária para a substância do negócio, salvo previsão expressa de outro tipo de sanção.
A forma escrita que constitua formalidade substancial não pode ser colmatada por confissão ainda que expressa – artigo 364, 2 do CC a contrário.
E de todo o modo, nunca a confissão ficta poderia ter essa virtualidade, por a tanto se opor o disposto no nº 2 do artigo 364 do CC.
São duas realidades distintas. Enquanto a confissão expressa consiste numa “declaração de ciência de sentido positivo (de reconhecimento da realidade de um facto), enquanto a admissão consiste num acto de vontade no sentido neutro no plano da realidade” – Lebre de Freitas, A confissão no Direito Probatório, Coimbra Ed., pág. 473.
Como referem Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra ed., pág. 528,
“ São, realmente, inegáveis as diferenças substanciais existentes entre a confissão (seja ela expressa ou tácita, no sentido rigoroso das expressões: art. 217.°, l, do Cód. Civil) e os casos denominados de confissão tácita ou presumida.
A diferença intrínseca existente entre os dois tipos de situações transparece, aliás, na própria terminologia da lei, quer quando se afirma no artigo 490.°, 1, que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados especificadamente, quer mesmo quando, no artigo 484.°, ao definir-se" o traçado essencial da revelia, se diz que “se consideram confessados os factos articulados pelo autor.
A expressão «consideram-se», usada nos dois textos legais, revela de modo inequívoco o acento injuntivo, determinativo, ordenatório, do pensamento da lei. Este carácter Injuntivo das duas disposições legais não procede evidentemente, da declaração de vontade do próprio confitente, que está subjacente à declaração de ciência encarnada na confissão, mas do fim autónomo de disciplina do processo a que essas disposições se encontram adstritas.
Há, com efeito, por detrás dos artigos 484.°, 490.°, 491.° e 505.°, o firme propósito de estimular o réu a contestar…”
Do que vem de referir-se resulta por outro que não obstante ter sido indicada prova testemunhal, bem andou o Mmº juiz ao proferir decisão, porquanto sobre o aludido ponto factual relativo à identidade de um dos pretensos outorgantes no contrato (elementos essencial deste), não poderia ser produzida prova testemunhal – artigo 393 e 394 do CC.
Improcede consequentemente a apelação.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação confirmando a sentença recorrida.