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CEMITÉRIO
TÚMULOS
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
Sumário
- O terreno destinado a sepulturas perpétuas e jazigos cujo uso e fruição é atribuído aos particulares mediante concessão, tem em vista exclusivamente os fins a que o cemitério se destina, está sujeita às diversas normas que regulam a sua utilização e não perde a natureza de coisa pública do domínio do Município ou Freguesia. - Sobre tais terrenos do domínio público das respectivas autarquias, não podem constituir-se direitos dos particulares com base na posse, instituto de direito privado. - O título constitutivo que concede tal utilização privativa, implica a constituição de direitos de índole administrativa. Os poderes de fruição por este direito conferidos ao respectivo titular, o concessionário, não são susceptíveis de gerar posse em termos do direito privado, sendo insusceptível a aquisição originária de direitos de natureza privada com base nela.
Texto Integral
Acordam na Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.
1-MARIA …, viúva, residente na Rua…, da cidade e comarca de Braga, e outros, Intentaram a presente acção com a forma de processo sumário contra;
1- AUGUSTA…, casada, residente em… comarca de Vieira do Minho, e outros.
Pedem que seja declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre os 4 jazigos referidos nos artigos 1º a 3º da p.i. e serem os RR. condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos turbadores da posse e propriedade dos AA…
Invocam que Manuel…adquiriu terreno destinado a três sepulturas perpétuas, uma das quais possuía dois covais, no cemitério paroquial de Rossas. Em 31 de Outubro de 1951, por escritura pública foi declarado como único e universal herdeiro daquele o seu sobrinho Fernandes. Este faleceu em 23 de Outubro de 1951, no estado de casado, no regime de separação de bens, com Maria … tendo-lhe sucedido como herdeiros Francisco...; Maria…Palmira…e,. Manuel…. Por óbito de Fernandes correu, no Tribunal Judicial de Vieira do Minho, processo de inventário, mas por lapso as sepulturas não foram relacionadas, nem partilhadas. As sepulturas passaram àqueles por via sucessória. A estes sucederam, com excepção de Maria…, sucederam os restantes AA. Invocam ainda aquisição originária.
Os RR. arrogam-se proprietários do 3º jazigo.
Os RR. contestaram invocando a nulidade da escritura de 51, alegando em seu favor a aquisição da sepultura do lado esquerdo.
Por sentença de 17/1/2007 o Mmº juiz proferiu saneador sentença decidindo:
“…- absolvo os Réus da instância quanto ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos AA. sobre os quatro jazigos/sepulturas fundado em aquisição por via sucessória;
- absolvo os Réus da instância no que toca à sua condenação a absterem-se da prática de actos turbadores da propriedade dos AA.
- Nos termos e pelos fundamentos expostos, absolvo AA. e RR. do pedido quanto ao peticionado reconhecimento de direito de posse e de propriedade fundados em usucapião e absolvo os RR. do pedido formulado na alínea b) da petição inicial, ou seja, no que toca à sua condenação a absterem-se da prática de actos turbadores da posse e propriedade dos AA. fundadas em usucapião.”
Inconformados com o decidido os AA. Interpuseram recurso de apelação admitido com efeito devolutivo.
Conclusões da apelação:
A-) Entende o Mto Juiz "a quo" que os jazigos/sepulturas, por que se tratam de terrenos do domínio público e em consequência inalienáveis, só são transmissíveis por sucessão "mortis causa" ou por transmissão "inter vivos", mas nunca adquiridos por via da usucapião;
B-) É nosso entendimento que tem que se distinguir duas questões completamente diferentes. Uma, o cemitério em si mesmo, esse sim fora do comércio jurídico, pois consubstancia uma área integrante do domínio público, e inalienável, outra bem diferente, o conjunto individualizado dos talhões que o integram, os quais são objecto de comércio jurídico, pois são vendidos pelas Câmaras Municipais e pelas Juntas de Freguesia, a particulares, os quais tanto os podem manter na sua posse e propriedade, como aliená-los a terceiros interessados;
C-) A propriedade sobre os jazigos/sepulturas, porque em muitos casos têm origem em gerações passadas, não existindo documentos de aquisição das mesmas, só por via possessória se consegue comprovar, desde logo, pelos cadáveres que neles se encontram depositados e bem assim, pela conservação que neles foi sendo efectuado ao longo dos anos;
D-) É verdade também, que os talhões em causa possuem uma função restrita, dado que apenas podem ser utilizados pelos seus proprietários para a inumação de cadáveres;
E-) É porém certo que tratando-se, como se tratam de sepulturas perpétuas, não é lícito e nem legitima às respectivas entidades apropriarem-se delas, a não ser nos casos de abandono por tempo prolongado;
F-) Na falta de outro título, é necessário demonstrar que num determinado jazigo/sepultura se encontram depositados cadáveres de determinada linhagem e que, ao longo dos tempos sempre foi cuidado, conservado e mantido pelas gerações de sucessíveis;
G-) O Mto Juiz "a quo" considerou que existe erro na forma de processo, sendo que a forma adequada no que respeita à transmissão dos bens por "mortis causa", é o Inventário;
H-) Dos elementos dos autos decorre com clareza que os proprietários da sepultura em causa são os AA.;
I-) Dos documentos juntos aos autos decorre que Manuel Joaquim Pereira de Barros, adquiriu em 6 de Junho de 1896, terreno destinado a três sepulturas perpétuas, uma das quais possuía dois covais, sitas no 1° quarteirão poente, na via central, com os n°s 16, 17, 18, no cemitério paroquial de Rossas. Tratam-se pois de quatro jazigos;
J-) Em 31 de Outubro de 1951, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Vieira do Minho, foi declarado como único e universal herdeiro do dito Manuel Barros, o seu sobrinho, Ezequiel Fernandes;
L-) Foi posteriormente junto também aos autos, o testamento do dito Manuel Barros, que instituiu como único e universal herdeiro o dito seu sobrinho, tendo ficado com o usufruto sua mulher Clemência Mendes Barca;
M-) Com a morte de Clemência Mendes Barca extinguiu-se o usufruto, ficando aquele Ezequiel Fernandes, proprietário exclusivo dos bens do dito Manuel Barros, e em consequência dos quatro jazigos;
N-) Sucederam àquele Ezequiel Fernandes, que era casado com separação de bens, com Maria de Jesus Machado Carneiro, os seguintes herdeiros: Francisco Machado Fernandes, Maria Celeste Machado Carneiro Fernandes, Clemência Palmira Machado Fernandes e um filho ilegítimo, mas perfilhado pelo de cujus, Manuel Rodrigues;
O-) Dos filhos de Ezequiel Fernandes, apenas é viva a Maria Celeste Machado Carneiro, e no estado de viúva, sendo que a Francisco Machado Fernandes, sucederam os 1° a 5° co-AA, a Clemência Fernandes, sucederam os 7° a 17° co-AA, e a Manuel Rodrigues os 18° a 19° co-AA;
P-) São pois estes co-AA. os donos e legítimos proprietários dos quatro jazigos, os quais os adquiriram por via sucessória, ou por sucessão "mortis causa";
Q-) E tal é absolutamente claro pelos documentos que se encontram juntos aos autos, os quais infirmam por completo a tese dos RR., e sustentam de forma cabal a tese dos AÃ.;
R-) Ao invés do que sustenta o Mto Juiz "a quo", não se afigura necessário recorrer ao processo de Inventário, pois resulta absolutamente demonstrada a propriedade dos AÃ., sobre os ditos 4 jazigos;
S-) Ao invés do constante da douta sentença recorrida, deveria o Mto Juiz "a quo" ter proferido sentença que declarasse e reconhecesse o direito de propriedade dos AÃ. sobre os 4 jazigos referidos nos artigos 1° a 3° da p.i;.
T-) A douta sentença recorrida violou entre outras as normas insertas nos artigos 199°, n° l, 201°, n° 2, 288°, alínea b), 494°, alínea b), todos do C.P.C..
Sem contra-alegações.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
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Factualidade com interessa para a decisão:
1. Manuel…, morador que foi no lugar de Celeiro, da freguesia de Rossas, desta comarca de Vieira do Minho, adquiriu em 6 de Junho de 1896, terreno destinado a 3 sepulturas perpétuas, uma das quais possuía dois covais, sitas no 1º quarteirão poente, na via central, com os nºs …, no cemitério paroquial de Rossas, cfr. docs. 1 e 2 que ora se juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.
2. E ainda em vida ordenou que o terreno supra referido fosse vedado por umas grades em ferro.
3. Passando deste modo o terreno vedado a englobar 4 jazigos,
4. E num deles foi sepultado após a sua morte, o que sucedeu em 4 de Outubro de 1918.
5. Em 31 de Outubro de 1951 foi lavrada escritura pública no cartório Notarial de Vieira do Minho, na qual foi declarado ser único e universal herdeiro do falecido Manuel, o seu sobrinho Fernandes, Cfr. Doc. de fls. 19ss.
6. Os AA. Alegam ser herdeiros deste Fernandes, relativamente ao qual correu processo de inventário, mas no qual por lapso não foram relacionadas as sepulturas.
7. Os RR. na contestação alegam a nulidade desta escritura invocando que o Fernandes tinha um irmão… de que referem ser netos, tendo já falecido este a esposa e seu filho pai dos réus.
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Conhecendo dos recursos:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Os recorrentes colocam duas questões.
- Aquisição da propriedade sobre as sepulturas por usucapião.
- Do erro na forma de processo relativamente ao pedido de reconhecimento da propriedade.
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Aquisição da propriedade sobre as sepulturas por usucapião.
O Mmº juiz entendeu que o direito à propriedade sobre terrenos de cemitérios não pode ser adquirido por usucapião, ao contrário do que em recurso se sustenta.
Importa saber se os terrenos (talhões) das sepulturas e jazigos são coisa pública ou particular.
O “direito mortuário” português tem o seu assento entre outros nos Decretos n.º 44220, de 3/3/62 (com alteração pelo Dec. 45864, Dec. 463/71 de 2/11, D.L. 875/76 de 20/12 e D.L. 168/2006 de 16/8.), Dec. n.º 48770, de 18/12/68 que fixa os modelos de regulamentos dos cemitérios entretanto elaborados, Dec. 411/98 de 30/12, DL. 274/82, de 14/7.
Sobre cemitérios dispõe o artigo 49º do C. Adm. no seu número 4 que compete às câmaras municipais o estabelecimento e administração de cemitérios na sede do Conselho. Por sua vez o artigo 253º, n. 11 estabelece idênticas atribuições para a Junta de Freguesia.
Sobre o carácter dos cemitérios escreve Marcelo Caetano no Manual de Direito Administrativo, Vol II, Almedina, 10º Ed. 3ª reimp., pág. 919: “… Não há texto legal que expressamente declare a dominialidade dos cemitérios e a doutrina, sobretudo estrangeira, discute o carácter deles.
Parecemos, porém, que os cemitérios municipais e paroquiais são bens do domínio público, porquanto : a) são objecto de propriedade de uma autarquia local; b) são destinados à inumação dos cadáveres de todos os indivíduos que falecerem na circunscrição, não sendo lícita a recusa da sepultura fora dos casos especiais previstos na lei; c) é livre o acesso de todos ao campo santo.
Possuem pois o índice evidente de utilidade pública: o uso directo e imediato do público. É aliás o que resulta do artigo 48.°, in fine, da Constituição….”
Foi este o entendimento que a jurisprudência foi acolhendo, como já Marcelo Caetano nos dá nota, no mesmo local, nota 3. A natureza pública resulta da afectação do cemitério à utilidade pública exclusiva para que existe, como refere Vítor Lopes Dias, em “cemitérios Jazigos e Sepulturas”, 1963, pág. 333, a que não são alheias preocupações de higiene e salubridade a que a inumação dos cadáveres deve obedecer. Sobre a natureza pública do cemitério vd. Ac. STJ de 9/2/06, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 06B202; TC (trib. Conflitos) 8/7/03, www.dgsi.pt/jsta, processo nº 010/02; STA de 7/3/89, www.dgsi.pt/jsta, processo nº 026036; STA de 6/3/02, www.dgsi.pt/jsta, processo nº 046143.
A recorrente defende que uma coisa é o cemitério, integrado no domínio público e por isso inalienável, e outra os talhões que são objecto de comércio jurídico, sendo vendidos a particulares que os podem manter na sua posse e propriedade.
Importa pois surpreender qual a natureza do direito dos particulares no que respeita às sepulturas e jazigos.
Dispõe o artigo 27.º do D.L. 100/84 de 29/3:
1 - Compete à junta de freguesia:
… l) Conceder terrenos nos cemitérios sob administração da freguesia para jazigos e sepulturas perpétuas;
m) Declarar prescritos a favor da freguesia, nos termos da lei e após publicação de avisos, os jazigos, mausoléus ou outras obras instaladas nos cemitérios sob administração da freguesia, quando não sejam conhecidos os proprietários ou relativamente aos quais se mostre que, após notificação judicial, se mantém, de forma inequívoca e duradoura, desinteresse na sua conservação e manutenção;
Artigo 51.º da mesma lei na redacção da L. 18/91 de 12/6:
… 4 - Compete ainda à câmara municipal:
…
b) Declarar prescritos a favor do município, nos termos e prazos fixados na lei geral e após publicação de avisos, os jazigos, mausoléus ou outras obras instaladas nos cemitérios municipais, quando não sejam conhecidos os seus proprietários ou relativamente aos quais se mostre que, após notificação judicial, se mantém, de forma inequívoca e duradoura, desinteresse na sua conservação e manutenção; ...
Artigo 53.º da mesma, na redacção da L. 18/91 de 12/6:
… 1 - Compete ao presidente da câmara municipal:
…
2 - Compete ainda ao presidente da câmara municipal:
…
n) Conceder terrenos nos cemitérios municipais para jazigos e sepulturas perpétuas;
Tais concessões regem-se pelos regulamentos dos cemitérios elaborados pelas entidades que os possuem e administram.
Nos termos do artigo 29 do Dec. 44220, devem as câmaras ou juntas elaborar regulamentos abrangendo designadamente a matéria relativa a concessões de terrenos para sepulturas perpétuas e jazigos particulares, uso e fruição de sepulturas perpétuas e jazigos, destino das sepulturas perpétuas e jazigos abandonados.
O Dec. 48770 de 22/11/68 estabelece os modelos a que devem obedecer tais regulamentos. Nos artigos 33 e seguintes dos modelos alude-se às formalidades da concessão de terrenos, designadamente para sepulturas perpétuas. O artigo 36º refere que a concessão será titulada por alvará. Os artigos 37ss referem-se aos direitos e deveres dos concessionários.
Não se trata consequentemente de uma venda de terreno efectuada pela entidade possuidora e administradora do cemitério ao particular, mas antes de uma concessão de uso privativo, tendo em vista a utilização privativa de determinada parcela de terreno (vulgarmente designado talhão), mediante um título constitutivo que pode ser um acto ou um negocio jurídico bilateral (contrato de concessão de uso privativo do domínio publico, que é nos termos do artigo 9 do Decreto-Lei n. 129/84, de 27/4, um contrato administrativo).
A utilização assim permitida tem em vista exclusivamente os fins a que o cemitério se destina e está sujeita às diversas normas que regulam a sua utilização – como as já referidas do artigo 37 ss do modelo de regulamento.
O título constitutivo que concede tal utilização privativa perpétua, implica a constituição de direitos de índole administrativa sobre as parcelas abrangidas. Marcelo Caetano, obra citada, pág. 940 refere o direito “ a possuir privativamente e in perpetuum o terreno de uma sepultura ou para a construção de um jazigo”, e justifica assim o seu entendimento:
“… nos parece que, sendo impossível a constituição de direitos reais privados sobre coisas sujeitas à propriedade pública, não há na cedência do terreno para sepultura perpétua ou jazigo outra coisa mais senão a concessão de uso privativo sobre uma parte da coisa pública. Essa concessão admite-se com carácter perpétuo por influência de sentimentos de piedade que levam o legislador a garantir a situação jurídica por ela Criada, mesmo em caso de desafectação do cemitério e transferências, para outro lugar, onde o antigo concessionário adquire direito a novo terreno (Dec. de 20 de Setembro de 1836, art. 18.°). Mas nem por isso deixam tais concessões de existir sob a potencial influência do interesse público geral. Tais concessões entram no património dos concessionários e são transmissíveis em vida ou por morte, nos termos das leis administrativa…”
Tratar-se-á de um direito real de natureza administrativa – Vd. Ac. RG de 25/5/05, www.dgsi.pt/jtrg, processo nº 987/05-1, Vítor Lopes Dias, Cemitérios, Jazigos e Sepulturas, pág. 365 ss.; RP de www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 0251136. Abandonada se encontra a doutrina acolhida no assento do STJ de 14/12/37, sumariada em WWW.dgsi.pt/jstj, processo nº 049140, que no dizer de Marcelo Caetano, obra ref. pág. 941, se encontra caducado.
Tendo tal direito natureza administrativa, os poderes por ele conferidos ao respectivo titular, o concessionário, não são susceptíveis de gerar posse em termos do direito privado, não podendo o mesmo ser adquirido por via de usucapião. Ac. RP de 18/3/99, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 9951037; Ac. RP de 18/11/96, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 9650585; Ac. RP de 25/9/97, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 9730759 e RG de 25/5/05, www.dgsi.pt/jtrg, processo nº 987/05-1, onde se refere que “ sendo coisas públicas e, por isso, inalienáveis, imprescritíveis e não oneráveis, as sepulturas e os jazigos não são susceptíveis de serem adquiridas por usucapião, pois que quaisquer que sejam os actos de posse e o tempo da sua duração sobre o terreno cemiterial não concedido, deles jamais pode resultar a constituição de um direito de propriedade pelos particulares”
A lei é bem clara quanto a tal ponto. Em lado algum se prevê a possibilidade de constituição de tal direito real administrativo por via de “aquisição originária”. Tanto assim que, ocorrendo abandono pelo respectivo concessionário, prevê a lei a sua prescrição em favor da entidade possuidora do cemitério (o município ou a freguesia).
Como meio de aquisição, além do próprio acto ou contrato de concessão, esta, a concessão - que não um inexistente direito de propriedade -, é transmissível mortis-causa e por acto entre vivos. Quanto a esta forma de transmissão há mesmo algumas opiniões dissonantes, sendo contudo admitida pela maioria da doutrina e jurisprudência, mas sempre com sujeição aos condicionalismos próprios do direito administrativo – a transmissão entre vivos deve obedecer ao que sobre o assunto estipulam os regulamentos respectivos. Victor Lopes Dias, obra ref., pag. 391ss, dá nota de que as transmissões entre vivos estão sujeitos a consentimento da entidade administradora, ainda que genérica (por disposição do regulamento). Alguns regulamentos proíbem de todo tal tipo de transmissão como na mesma obra e dá nota. Vd. ainda STA de 6/3/02, www.dgsi.pt/jsta, processo nº 046143.
Improcede consequentemente nesta parte e pelos fundamentos exposto a pretensão da recorrente.
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Do erro na forma de processo relativamente ao pedido de reconhecimento da propriedade.
O erro da forma de processo consiste na utilização indevida de determinada forma geral ou especial de processo.
A lei processual põe ao dispor dos cidadãos determinadas formas processuais, talhadas em função de determinadas pretensões que em juízo se pretende fazer valer.
Dispõe o artigo 460 do CPC que o processo pode ser comum ou especial, aplicando-se este último a todos os casos expressamente designados na lei, e aquele aos casos a que não corresponda processo especial.
A questão do erro decide-se pois em face do pedido formulado, da pretensão deduzida pelo autor, tal como definido no artigo 498, nº 3 do CPC.
Para se aferir da correcção da forma escolhida, pouco importa a concludência ou não da alegação que sustenta o pedido, a apreciação dessa alegação é questão de fundo que não interfere com a forma processual. Igualmente irreleva a circunstância de os fundamentos serem inadequados à pretensão deduzida. Importa o que se pede, não o que se podia ou devia ter pedido.
Deve indagar-se se à pretensão formulada corresponde alguma forma especial de processo, prevista no CPC ou em legislação avulsa, não correspondendo, verifica-se se foi escolhida a forma comum adequada – artº 461 ss. do CPC.
O erro na forma de processo importa nos termos do artigo 199 do CPC a anulação dos actos que não possam ser aproveitados para a forma estabelecida na lei, devendo o juiz mandar seguir, sempre que possível, a forma legalmente prescrita, com o aproveitamento dos actos já praticados, desde que não se traduzam em diminuição das garantias do réu, e a realização dos actos estritamente necessários ao normal prosseguimento da instância.
O erro importará absolvição do réu da instância, nos casos em que não possa aproveitar-se o petitório – artigos 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do Cód. Proc. Civil.
No caso presente os autores formulam pedido no sentido de que seja declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre os 4 jazigos referidos nos artigos 1º a 3º da p.i., serem os RR. condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos turbadores da posse e propriedade dos AA. Não formulam qualquer pedido tendo em vista por termo a comunhão hereditária ou a relacionação dos bens que constituem objecto de sucessão – artº 1326 do CPC.
A forma processual é adequada ao pedido formulado.
A situação volver-se-á eventualmente numa improcedência por inconcludência do alegado relativamente ao pedido formulado. Isto quer porque do alegado não pode concluir-se pela existência de um direito de propriedade (antes de um direito real administrativo decorrente da concessão tal como atrás referido); como ainda porque os autores não alegam factos demonstrativos da aquisição do pretenso direito de propriedade sobre os jazigos - e estamos a excluir a alegação relativa à aquisição originária pelas razões acima expostas-. Resulta do alegado que tal direito não foi validamente partilhado, mantendo-se consequentemente em comunhão, que é coisa distinta da propriedade. Vem referenciado pelos autores que os jazigos não foram levados ao inventário a que se procedeu. Se não foram devem ser - artigo 1395 do CPC.
Só após a partilha se efectiva o direito por parte dos herdeiros sobre os bens em causa – e nunca o de “propriedade”.
Nem seria possível reconhecer o direito, porquanto nem sequer vem indicada a quota-parte de cada um na invocada compropriedade, limitando-se os AA. a referir no artº 17º da P.I., serem donos “nas respectivas quotas”, sem outra concretização.
Mas tal questão extravase do recurso, pelo que aqui se deixa referido apenas a reflexão.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso procedente em parte, revogando-se a decisão recorrida na parte em que absolve os RR. da instância, devendo os autos prosseguir na forma escolhida quanto a tais pedidos, prolatando-se nova decisão quando de acordo com a respectiva tramitação e as pertinentes normas legais se entenda encontrar-se o processo em condições de ser julgado.
No mais confirma-se a decisão.