DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
DESPACHO DE CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
RECURSO
Sumário


É irrecorrível o despacho de convite ao aperfeiçoamento dos articulados, seja ele proferido imediatamente após os articulados ou proferido no decurso da audiência preliminar.

Texto Integral

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I. No decurso da audiência preliminar a que alude o artº 508º-A do CPC, realizada, no âmbito dos autos da acção de impugnação de despedimento colectivo, a correr termos no Tribunal do Trabalho de …, sob o nº …, proferiu a Mª Juiz o seguinte despacho:
Atento o disposto no art.o 508°-A/l, al. c), do Código de Processo Civil, aplicável "ex vi", do preceituado no art.° 160°/1, do Código de Processo do Trabalho, e uma vez que subsistem insuficiências na exposição da matéria de facto que cumpre sejam dilucidadas em ordem à prolação de uma decisão conscienciosa, convido os Autores a esclarecer os seguintes pontos:
a) por que forma se operou a transmissão do estabelecimento a que aludem nos arts. 5° e 9°, da petição inicial;
b) elencarem, de forma discriminada, as quantias que, no seu ver, lhes são devidas em razão do alegado nos art.os 11°, 12° e 24°, da petição inicial, qual o seu fundamento e respectivos cálculos, uma vez que tal se não depreende das tabelas juntas;
c) elencarem, igualmente e de forma descriminada, quais os factos integradores de cada uma das suas causas de pedir e pedidos;
d) por que forma foi realizada a comunicação a que aludem no art.o 16°, da petição inicial;
e) finalmente, elencarem, de forma discriminada e em separado, aquela que é matéria de facto daquela que é a matéria de direito, designadamente, quais os normativos cuja aplicação, "in casu", releva para efeito das pretensões que deduzem.
De igual modo e pelo mesmo fundamento, convido a Ré a documentar os factos que alega sob os arts.os 26° e 27°, da contestação e, bem assim, os que alega sob os art.os 30º e 31º, da mesma peça processual, acaso os contratos de trabalho aí mencionados tenham sido reduzidos a escrito. Mais deverá a Ré especificar, em concreto, que actos se compreendem nas funções a que alude no art.° 44°, da contestação.”
Inconformada, interpôs recurso a Ré …, recurso esse que não foi admitido.
De novo inconformada, reclamou a reclamou a Recorrente, nos termos do artº 688º do CPC, pugnando pela admissão do recurso.
Mantido o despacho reclamado, cumpre decidir.
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II. Para indeferir o recurso louvou-se a Mª Juiz na seguinte fundamentação:
“A fls. 343 e ss., dos presentes autos, recorreu a Ré do despacho que, proferido em sede de audiência preliminar, convidou as partes a suprir insuficiências na exposição da matéria de facto, suprimento esse que ordenou o Tribunal com fundamento no art.° 508°-A/1, al. c), do Código de Processo Civil, aplicável "ex vi", do preceituado no art.° 160°/1, do Código de Processo de Trabalho.
Tal como se extrai do art.° 160°/1, do Código de Processo do Trabalho, junto o relatório e documentos a que se referem os artigos que antecedem o citado art.° 160º, é convocada audiência preliminar, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 508°-A, do Código de Processo Civil, sendo que, aquando da realização desta, o Tribunal pode convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto (cfr., al. c), do nº 1, do art.° 508°-A, do Código de Processo Civil).
Do despacho que a tanto convide as partes não é admissível recurso, tal como se extrai do disposto no art.º 508°/6, do Código de Processo Civil. Na verdade, se é certo que o despacho proferido o foi em momento processual posterior ao regulado no art.° 508°, do Código de Processo Civil, não menos certo é que o despacho proferido se destina exactamente à mesma finalidade, pelo que, por maioria de razão, a conclusão quanto à impossibilidade de recurso mantém plena aplicação (com efeito, mal se compreenderia que o despacho de convite ao aperfeiçoamento proferido no momento a que alude o art.° 508°, do Código de Processo Civil, não admitisse recurso, e que o despacho, com a mesma finalidade, mas proferido no momento processual a que alude o art.° 508°-A, do Código de Processo Civil, já tanto admitisse).
Nesta conformidade, e ao abrigo das disposições conjuga das dos arts.o 5080/6, 508°-A, do Código de Processo Civil, e art.° 160º/1, do Código de Processo do Trabalho, julgo legalmente inadmissível o recurso de agravo interposto pela Ré e, consequentemente, não o admito.”
    Contra este entendimento insurge-se, porém, a Reclamante, alicerçando-se na seguinte argumentação:
    «1. Os autos de processo à margem referenciados, são de processo especial de impugnacão de despedimento colectivo, nos termos do art. 156.º e ss. do Código de Processo de Trabalho.
    2. Após entrada da petição inicial, embora incorrectamente, teve lugar a realização da audiência de partes, prevista no n.º 2, do art. 54º e art.º 55º do Código de Processo de Trabalho.
    3. Sem qualquer outro acto judicial prévio, passando-se por cima da fase pré-saneadora, foi agendada audiência preliminar, no decurso da qual, foram as partes notificadas do despacho inominado de fls .... o qual o tribunal a quo apelida (só) agora de convite ao aperfeiçoamento.
    4. A R. interpôs em devido tempo recurso de agravo de tal despacho, o qual o tribunal à quo recusou receber, alegando a sua irrecorribilidade, com fundamento no nº 6 do art. 508.º do Código de Processo Civil, situação da qual, a recorrente discorda por completo.
    5. Com vista à conclusão pela recorribilidade ou irrecorribilidade do despacho em apreço, à que analisar a conformidade do respectivo conteúdo com a denominação que lhe é agora atribuída, a sua tempestividade, assim como a legalidade do comando que com ele se pretende imputar à R
    Quanto ao conteúdo:
    6. O despacho de aperfeiçoamento, encontra previsão legal nos art. 27.º e 54.º do C.P.T. (referindo-se o primeiro apenas a factos que possam interessar à decisão da causa e o segundo apenas à p.i.), assim como no art. 61.° do mesmo diploma legal, o qual remete para o art. 508.° do C.P.C., aqui aplicável ex vi.
    7. Segundo este último dispositivo legal, o despacho de aperfeiçoamento, destina-se, entre outras finalidades, a convidar as partes ao aperfeiçoamento dos respectivos articulados, quando:
    - padeçam de vícios e irregularidades.
    - careçam de requisitos legais.
    - a parte não tenha apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
    - se pretenda suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
    8. Segundo a melhor doutrina e jurisprudência, o despacho de aperfeiçoamento terá duas modalidades distintas e ocorrerá por:
    - falta de requisitos legais da petição – petição deficiente.
    - deficiências que afectem a compreensão da petição – petição obscura.
    9. Sendo o seu objectivo, impedir que o conhecimento do mérito da causa ou a justa composição do litígio, sejam prejudicadas por razões de forma, relacionadas com a falta de requisitos externos dos articulados, com a falta de documentos que necessariamente devam instruir a acção ou por último, com a deficiente ou insuficiente articulação/exposição da matéria de facto.
    10. Ou seja, tem como finalidade, convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, com vista ao suprimento de irregularidades ou obscuridades, que impeçam o prosseguimento da acção.
    11. Ora, conforme resulta dos autos, o articulado da R, não padece de vícios ou irregularidades, não carece de requisitos legais, a R não deixou de apresentar documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa, ou sequer se demonstra necessário suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada na contestação.
    12. Conforme resulta do despacho proferido, a R. foi notificada para "especificar em concreto, que actos se compreendem nas funções a que alude o art. 44º. o da contestação, documentar os factos que alega sob os artigos 26.º e 27º do mesmo articulado e, bem assim, os que alega sob os arts.º 30.° e 31.º. da mesma peça processual".
    13. As razões de discordância da R. para com o referido despacho, entre outras, prendem-se com o facto de lhe ter sido feito convite para fazer a junção de documentação sobre factos cuja prova não lhe compete, assim como, para especificar outros que são do conhecimento geral.
    14. Quanto aos factos que se compreendem nas actividades referidas no art. 44.º da contestação, de armazenagem, transporte e logística, são factos de conhecimento geral, encontrando-se tais actividades explicitadas nas diversas revistas da especialidade, assim como em centenas de páginas de Internet.
    15. Sendo estes, factos notórios ou do conhecimento geral, que não carecem de alegação ou sequer de prova, nos termos do disposto no n.o 1 do art. 514." do C.P. C.
    16. Já quanto à documentação dos factos alegados nos artigos 26.°, 27.°, 30 e 31.º da contestação, será necessário, primeiro, verificar se a documentação requerida é constituída por documentos essenciais ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa, segundo, a quem cabe o ónus da respectiva junção.
    17. No artigo 26.º da contestação, refere-se um documento, que estará na posse da indicada sociedade …, a quem a sociedade A… terá dirigido a alegada denúncia do contrato de prestação de serviços que com ele mantinha e ao qual, a R não tem acesso.
    18. No art. 27.º da contestação, referem-se documentos de um concurso de adjudicação, que deverão estar na posse da sociedade que o adjudicou, aos quais, a R também não tem acesso.
    19. Já nos artigos 30.º e 31 do mesmo articulado, faz-se referência a um alegado contrato de trabalho, celebrado entre a R e os AA., que poderá ou não, ter sido reduzido a escrito.
    20. Logo, todos os mencionados documentos, referem-se, exclusivamente a factos constitutivos dos direitos invocados pelos AA e destinar-se-iam, na generalidade, caso fossem juntos aos autos, a fazer prova dos factos por estes alegados.
    21. Acresce ainda, que tais documentos não possuem características enunciadas no n.o 2 do art. 508.º, do C.P.C., visto não serem documentos essenciais ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
    22. O principio básico de processo civil, quanto ao ónus da prova, determina que a quem reclama um direito, compete a alegação dos factos constitutivos do mesmo, assim como a respectiva prova, constituindo a documentação que à R. foi requerida, documentos que interessam aos AA. e não à defesa.
    23. A repartição do ónus da prova, faz-se, entre nós, nos termos dos artigos 515.° e 516.º do C.P.C., de acordo com a natureza dos factos, cabendo aos AA, o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, sendo evidente que se estes nada provarem, a R. não precisa de provar coisa alguma sobre esse tipo de factos.
    24. À R caberia apenas a prova dos factos impeditivos ou que obstem à produção dos efeitos que os AA. reconduzem aos factos constitutivos, mas só terá de o fazer, primeiro, se porventura o quiser fazer, segundo, quando entender existir a possibilidade de os autores virem a conseguir fazer prova dos direito invocados, terceiro, tendo para o efeito, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento.
    25. Ao ónus da prova, contrapõe-se a contra-prova, ou seja, sempre que uma parte apresenta prova de um facto, deve a outra parte, se assim o entender, fazer prova dos factos que o destroem, no entanto, o que é evidente, é que não há contra-prova sem prova.
    26. Os documentos que a R. foi convidada a juntar, constituem, todos eles, prova dos direitos alegados pelos AA., sendo a eles e não à R. a quem compete fazer prova dos respectivos factos constitutivos.
    27. Pelo que, atendendo ao aspecto programático do convite dirigido à R. conclui-se existir disparidade esse despacho e o disposto no n.º 2 e 3 do art. 508.° do C.P.C.
    28. Sendo evidente que esse conteúdo, não tem qualquer correspondência com a denominação que lhe é atribuída pelo Tribunal a quo, consistindo num convite para oferecimento de matéria probatório sobre factos cuja prova incumbe aos AA., caso queiram ter provimento no seu pedido, demonstrando-se por essa via, ilegal e altamente lesivo dos direitos da R., não sendo por isso mesmo, processualmente inadmissível.
    29. Acresce que, a omissão na p.i. de factos ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito dos autores, não integra excepção dilatória nem falta de pressuposto processual ou sequer constitui requisito indispensável à precedência ou prosseguimento da acção de impugnação de despedimento colectivo, ditando, apenas, a absolvição do pedido e nessa situação é mais que justo que a parte que não faz a prova que lhe compete sofra as consequência da sua actuação, sendo assim plenamente aplicáveis os princípios do dispositivo, da auto responsabilidade das partes e da preclusão.

    Quanto à tempestividade:
    30. Determina o art. 508.° do C.P.C., que findos os articulados, os juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a providenciar pelo suprimentos das excepções dilatórias convidando as partes ao aperfeiçoamento dos seus articulados, nos termos dos números 2 e 3 do mesmo preceito legal.
    31. Tal despacho, segundo o mesmo dispositivo legal, terá lugar findos os articulados, na fase processual correntemente denominada de pré-saneador, na qual, por norma, ocorre o primeiro contacto físico com o processo por parte do julgador.
    32. Conforme resulta do despacho em apreço, este foi preferido na sequência da audiência preliminar, já em momento processual posterior ao previsto pelo referido preceito, pelo que há que aquilatar da sua tempestividade e da possibilidade de ser proferido nessa fase processual.
    33. É inequívoco que o art, 508.° do C.P.C., determina que o despacho convidando ao de aperfeiçoamento, terá lugar findos os articulados, pelo que, dúvidas não restam que foi proferido intempestivamente e para lá da fase processual respectiva.
    34. Resta apenas verificar, se a audiência preliminar do art. 508.o-A., do Código de Processo Civil comporta esse tipo de despacho.
    35. Por ter lugar em momento processual posterior, a audiência preliminar, tem já um cariz prático completamente diferente, talvês porque o legislador, ao elaborar o preceito legal terá deprendido que nessa fase, o julgador, se teria já debruçado sobre o processo suprindo impedimentos, irregularidades, deficiências e obscuridades impeditivas do prosseguimento da acção.
    36. Por isso mesmo, a audiência preliminar, não se destina já à prolação de qualquer convite ao aperfeiçoamento dos articulados, mas sim, à discussão oral da posição das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio e ao suprimento de insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tomem patentes no decurso do debate oral.
    37. A audiência preliminar visa sanear e sempre que for caso disso, decidir o processo, tendo sido erigida na tramitação processual, como pólo aglutinador de todas as medidas organizativas do processo traduzindo a instituição de um amplo espaço de debate aberto entre as partes, seus mandatário e tribunal, de forma a que os contornos da causa, nas suas diversas vertentes de facto e de direito, fiquem concertados e exaustivamente delineados, seguindo-se a fixação comparticipada da base instrutória, com a virtualidade da reclamação e decisão imediata das respectivas questões, assim se delimitando o objecto futuro da audiência de discussão e julgamento.
    38. Analisado o art. 508.o-A, do C.P.C., dúvidas não restam, que nesta fase processual não existe já lugar para despacho de aperfeiçoamento, pelo menos, com o conteúdo e abrangência prevista nos números 1 e 2 do art. 508.º do mesmo diploma.
    39. Interpretando literalmente o referido preceito, o que com ele se pretende, é já uma discussão ou debate oral das insuficiências ou imprecisões da matéria assim como das posições das partes, e não a elaboração de mais uma peça escrita, o que segundo nos parece, colide com o objectivo programático do preceito em causa.
    40. Aliás, não se compreenderia, que passada a fase do pré-saneador, se admitisse a repetição dessa mesma fase processual, como não se compreende, que caso o legislador pretendesse prever a irrecorribilidade de qualquer despacho saído da audiência preliminar se esquecesse de o fazer, como não se esqueceu de a prever a propósito do art. 508.º do C.P.C., no respectivo n.º 6.
    41. Concluindo, parece-nos que a irrecorribilidade prevista no n.º 6 do art. 508.°, a propósito do despacho de convite ao aperfeiçoamento dos articulados, não é extensiva a qualquer despacho proferido da sequência/decurso da audiência preliminar.
    42. Estamos assim, perante um despacho cujo conteúdo programático não se equipara ao do despacho de convite ao aperfeiçoamento dos articulados, visto que, conforme analisámos supra, o seu conteúdo diverge da previsão legal estatuída nos números 1 e 2 do referido dispositivo legal, além de ter sido proferido intempestivamente e relação ao número um do mesmo artigo.
    43. Logo, embora assim denominado pelo Tribunal a quo, não estamos já perante um despacho de aperfeiçoamento, mas sim perante um qualquer outro e normal despacho, ao qual não se ap1íca a regra da irrecorribilidade prevista no n.º 6 do art. 508.°, do C.P.C., tendo cabimento legal o recurso de agravo dele interposto, não podendo o mesmo ser indeferido.

    Vejamos qual das teses em confronto deve prevalecer.
Liminarmente, dir-se-á que extravasam o âmbito da presente reclamação as questões de saber se “o articulado da R não padece de vícios ou irregularidades, não carece de requisitos legais, se a R não deixou de apresentar documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa, ou sequer se demonstra necessário suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada na contestação”, questões essas que a Reclamante trata sob a epígrafe “quanto ao conteúdo [do despacho recorrido]”.
É que tais questões inscrevem-se naqueloutra questão da procedência ou improcedência do recurso, sendo certo que o recorrente apenas pode lançar mão da reclamação prevista no artº 688º para reagir contra o despacho que não admita a apelação, a revista ou o agravo e bem assim contra o despacho que retenha o recurso.
Concluir pela admissibilidade de um recurso a partir da (pretensa) ilegalidade do despacho recorrido é confundir admissibilidade e procedência do recurso, realidades distintas.
Na verdade a argumentação pela recorrente aduzida (a propósito do “conteúdo” do despacho recorrido) é tributária da questão da procedência do recurso, não podendo ser chamada à colação em sede de admissibilidade do recurso.
Tal argumentação poderia (eventualmente) fundamentar a procedência ou a improcedência ou manifesta improcedência do recurso, mas é irrelevante para decidir da questão da admissibilidade do recurso.
Admissibilidade e procedência do recurso são questões autónomas, distintas e sucessivas, lógica e cronologicamente. Em sede de decisão sobre a admissibilidade do recurso há apenas que indagar se se verificam os respectivos pressupostos. Concluindo-se pela admissibilidade do recurso é que então (e só então) se coloca a questão da procedência do recurso, competindo, porém, ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer dessa questão. A questão da admissibilidade do recurso surge, assim, a montante da questão da sua procedência.
Enfim, hic et nunc, sublinhe-se, está apenas em causa decidir se o recurso é ou não admissível, expurgando-se, por isso, de consideração as referidas questões que, no fundo, se reconduzem à questão da legalidade ou ilegalidade do despacho recorrido, tributária da questão da procedência ou improcedência do recurso.
É inquestionável que não cabe recurso do despacho que convide a suprir irregularidades ou insuficiências dos articulados. Di-lo, apertis verbis, o artº 508º, nº 6, do CPC.
Sustenta, porém, a reclamante, em substância, que a regra da irrecorribilidade consagrada no nº 6 daquele artigo é apenas aplicável ao despacho de convite ao aperfeiçoamento proferido imediatamente após os articulados, “na fase processual correntemente denominada de pré-saneador, na qual, por norma, ocorre o primeiro contacto físico com o processo por parte do julgador.” Assim, “proferido na sequência da audiência preliminar, já em momento processual posterior ao previsto pelo referido preceito”, há que concluir pela intempestividade e impossibilidade legal de tal despacho ser proferido nessa fase processual.
Sendo assim, o que está em causa não é a recorribilidade, mas a tempestividade do despacho posto em crise, seja porque proferido para “lá da fase processual respectiva” seja porque a audiência preliminar a que alude o artº 508º-A não “comporta esse tipo de despacho”.
É que, proferido “na fase processual correntemente denominada de pré-saneador” ou no decurso da audiência preliminar, tal despacho não muda de natureza. E o que releva para decidir da recorribilidade ou irrecorribilidade de uma decisão não é o momento em que é proferida, mas a sua natureza.
E o meio legal para reagir contra a alegada extemporaneidade do despacho recorrido não é o recurso.
Aliás, o artº 27º, al. b), do CPT comete ao juiz o dever de, até à audiência de discussão e julgamento,”convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova”.
Como se decidiu no Ac. desta Relação, de 27JUN89 [1] , “a al. c) do artº 29º do CPT [correspondente ao cit. artº 27º, al. b)] “contempla não uma mera faculdade concedida ao juiz mas sim um verdadeiro dever jurídico de intervenção de forma a forçar as partes a trazerem ao processo os factos necessários à prolação da sentença de modo a que a justiça real se sobreponha à justiça processual.”
Por outro lado, a audiência preliminar destina-se, entre outros fins, a “suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate” (cit. artº 508º-A, nº 1, al. c).
Não faria sentido que o despacho de convite ao aperfeiçoamento dos articulados fosse irrecorrível se proferido “findos os articulados” e já fosse recorrível se proferido em sede de audiência preliminar, sendo certo que é idêntica a finalidade em ambas as situações: impedir que o conhecimento do mérito da causa ou a justa composição do litígio sejam prejudicados por razões de pura forma, quer por falta de requisitos externos dos articulados, quer por falta de documentos que necessariamente devam instruir a acção, quer por deficiente, insuficiente ou imprecisa exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
De resto, o último segmento do normativo da al. c) do nº 1 do artº 508º-A (“que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate”) corrobora este entendimento.
Ao consagrar a regra da irrecorribilidade do despacho de convite ao aperfeiçoamento dos articulados o legislador pôs termo à questão da admissibilidade ou inadmissibilidade de recurso do despacho de aperfeiçoamento, largamente debatida na doutrina e na jurisprudência, a propósito do artº 477º do CPC, entretanto revogado pelo DL n.º 329-A/95, de 12DEZ, cujas situações contempladas no seu n.º 1 correspondem ás previstas nos nºs 2 e 3 do actual artº 508º, com as seguintes diferenças (irrelevantes, in casu): no artº 477º o convite apenas podia ser feito ao autor e só para completar ou corrigir a petição inicial e o convite consubstanciava um despacho de aperfeiçoamento não vinculado; nos nºs 2 e 3 do actual artº 508º o convite pode ter como destinatário qualquer das partes e qualquer dos articulados pode ser completado ou corrigido e, por outro lado, o convite do juiz desdobra-se num despacho vinculado de aperfeiçoamento (nº 2) e num despacho não vinculado de aperfeiçoamento (nº 3).
Com efeito, previam-se no cit. artº 477º duas situações distintas: haver obstáculo legal ao recebimento da petição por falta de requisitos legais ou por não vir acompanhada de determinados documentos; não haver obstáculo legal ao recebimento, mas a petição apresentar deficiências susceptíveis de comprometer o êxito da acção.
As consequências da não aquiescência do autor ao convite que lhe era feito pelo juiz eram diferentes num e noutro caso: não recebimento da petição, no primeiro caso; no segundo caso, se o autor não apresentasse nova petição no prazo assinalado no despacho de convite, o juiz teria de ordenar a citação do réu, não podendo já, com esse fundamento, indeferir liminarmente a petição [2] .
Na vigência do artº 477º, debruçando-se sobre a questão da recorribilidade do despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição, na primeira das apontadas situações, escreveu Jacinto Rodrigues Bastos [3] : “Cremos que o despacho de convite é irrecorrível. Não se trata ainda de uma decisão definitiva quanto à relação processual; o juiz, notando determinada irregularidade na petição, que poderá conduzir à sua recusa, dá ao autor a possibilidade de evitar esta, corrigindo a deficiência; mas o juízo que emite não é ainda decisório e nada impede que o autor, sem fazer a correcção, consiga, dentro do prazo estipulado, convencer o juiz de que a irregularidade é aparente, ou de que a falta não existe. Do despacho de recusa é que cabe recurso, nos termos gerais.”
Também Castro Mendes [4] ensina: “Há decisões que se destinam necessariamente a ser substituídas por outras ou nelas integradas, ou pelo menos podem sê-lo se as partes o solicitarem.
A lei então somente permite o recurso da decisão substituta ou absorvente; as primeiras são irrecorríveis como não definitivas.”
O mesmo entendimento perfilham Lopes Cardoso [5] e Aníbal de Castro [6] para quem o despacho ordenando o aperfeiçoamento da petição deficiente “é irrecorrível, não apenas por conter-se no âmbito de uma opção legal mas, sobretudo, porque não é definitivo quanto ao destino da acção”. No mesmo sentido decidiu o Ac. da RC, de 8MAI79 [7] , in CJ, ano IV-1979, p. 876.
Desta linha de pensamento afasta-se, porém., Anselmo de Castro [8] , dizendo que a solução que lhe “parece preferível é a da aplicação do regime do indeferimento liminar, dada a perfeita equivalência da decisão de não recebimento da petição com a do indeferimento. Apenas uma diferença extrínseca, para o caso sem relevo, as separa: a de num caso o suprimento do vício se fazer posteriormente à rejeição da petição, e no outro previamente a essa rejeição.
A não se conceder ao autor tutela igual à concedida para o indeferimento liminar, viriam a criar-se, por via de despachos de não recebimento, causas extralegais de indeferimento liminar.” No mesmo sentido decidiu o Ac. da RC, de 19ABR72 [9] , in BMJ, 216-93.
Em anotação ao artº 482º do CPC, na redacção originária, correspondente ao artº 477º, escreve o Prof. Alberto dos Reis [10] : “Já se pretendeu ver faculdade discricionária na que o artº 482º concede ao juiz: convidar o autor a completar ou a corrigir a petição inicial. Não pode aceitar-se tal ponto de vista. A leitura do texto legal mostra claramente que o exercício dessa faculdade está sujeito a limites, pelo que cabe recurso do uso ilegal que o juiz faça do referido poder”.
A questão está hoje resolvida legislativamente no nº 6 do cit. artº 508º: “Não cabe recurso do despacho que convide a suprir irregularidades ou insuficiências dos articulados”, seja ele proferido logo após os articulados ou proferido no âmbito da audiência preliminar, uma vez que, repete-se, o despacho não muda de natureza e a finalidade é a mesma em ambos os casos.

III. Face ao exposto, na improcedência da reclamação, confirma-se o despacho reclamado.
Custas pela reclamante, fixando-se em 5 UCs a taxa de justiça.
Évora, 26 de Junho de 2006.
(Elaborado e integralmente revisto pelo signatário).

(Manuel Cipriano Nabais)




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[1] In BMJ, 388-622.
[2] Cfr., A. dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, p. 60.
[3] Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 35.
[4] Direito Processual Civil, 1980, pp, 44 e ss.
[5] Código de Processo Civil, p. 319.
[6] Impugnação das Decisões Judiciais, pp. 31/32.
[7] “O despacho proferido ao abrigo do artº 477º do CPC, convidando o autor a apresentar nova petição, não impõe à parte um dever jurídico a cujo incumprimento corresponda sanção; não é, por isso, de conhecer o recurso dele interposto”
[8] Lições de Processo Civil, 1970, pp 330/331
[9] “São equivalentes o despacho de indeferimento liminar - artº 474º do CPC - e o que convida o autor a completar ou corrigir a petição inicial - artº 477º, n.º 1, do mesmo diploma -, pelo que também deve ser admissível recurso de agravo deste último despacho.”
[10] Código de processo Civil Anotado, vol. V, p. 255. Cfr. também Comentário, vol. 3º, p. 61.