ARRENDAMENTO URBANO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ARRENDAMENTO
Sumário

a. Com o NRAU, vigente desde 2006.06.26, a resolução do contrato de locação passou a poder ser feita judicialmente ou extrajudicialmente (cfr. art. 1047º CC); e a resolução extrajudicial, por via de simples comunicação ao arrendatário (cfr. art. 1084º-nº1), a efectivar-se nos termos do art. 9º-nº7 da Lei 6/2006, passou a ter lugar apenas nos limitados casos do art. 1083ºnº3, ex vi art. 1084º-nº2 CC.
b. Se o arrendatário, citado, não puser fim à mora, nos termos do nº 3 do art. 1084º CC, nem entregue o imóvel, o senhorio terá que recorrer à acção executiva.
No caso de o senhorio utilizar a acção de despejo, em vez de se socorrer do procedimento extrajudicial, a falta de tal notificação não configura uma excepção dilatória.

Texto Integral

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I –

INTRODUÇÃO

1. Aos 2008.01.01, J... FERREIRA e mulher M... FERREIRA fizeram intentar acção declarativa de condenação, com processo comum, na forma sumária, contra A... LAURANS.

2. Propuseram-se obter sentença que:

a) declarasse a resolução do contrato de arrendamento comercial com os RR.; e
b) condenasse esta a:
- entregar o locado e
- pagar as quantias de 947,40 €, por rendas vencidas, e 473,40 €, por indemnização, no total de 1.421,20 €, para além das que entretanto se vencessem, com juros de mora desde a citação.

3. Houve contestação no sentido da improcedência do pedido.

4. Saneada a causa, foi lançada decisão que absolveu a R. da instância.

5. Inconformados, dela apelaram os AA., tendo apresentado leque conclusivo.
A R. pugnou pela confirmação do julgado.

6. Cumpre apreciar e decidir.


II –

FUNDAMENTOS FÁCTICOS

Ainda que inexpressivamente (o que não deixa de censurar-se, desde já), pressente-se referida a seguinte materialidade, não questionada e, por isso, fixada:

1. Aos 2005.04.11, Á... Ferreira e mulher M... FERREIRA celebraram com A... LAURANS contrato de arrendamento comercial, de duração limitada, por quinze anos, tendo como objecto uma loja, sita na Rua D. Diogo de Sousa, nº 90, r/c, inscrita na matriz predial urbana, da freguesia da Sé, Braga, sob o nº 599, destinada ao comércio de vestuário, acessórios de moda, sapatos, rendas, bijuterias e afins ligados à moda, pela renda mensal de 300 €, que se vencia no primeiro dia útil de cada mês, a ser paga por transferência bancária.
2. Na actualidade, o valor da renda mensal é de 315,80 €.
3. Aos 2008.01.01, os AA. fizeram intentar, na qualidade de senhorios, acção declarativa de condenação, com processo comum, na forma sumária, contra a locatária.
4. Pediram, além do mais, a resolução de contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento das rendas a partir de Novembro de 2007.
5. Na sua contestação, a R. invocou a excepção dilatória inominada da falta de interesse em agir, pedindo a sua absolvição da instância e sustentando que, peticionada a falta de pagamento de rendas, se impunha aos AA. a resolução do contrato por via extrajudicial.
6. Em 26 de Junho de 2006, entrou em vigor a Lei 6/2006, de 26 de Fevereiro (Novo Regime do Arrendamento Urbano - NRAU), ­que revogou o D.L. 32l-B/1990, de 15 de Outubro.

III –

FUNDAMENTOS JURÍDICOS

1.

As censuras apresentadas à sentença centram-se no seguinte:

- à face do NRAU, o senhorio não está inibido de recorrer à via judicial, em alternativa à extrajudicial.

Da respectiva bondade discorda totalmente a Apelada.

2.

a)

Inquestionavelmente, o contrato de arrendamento em causa foi outorgado na vigência do anterior RAU, aprovado pelo DL. 321-B/90 de 15.10, com todas as alterações subsequentes.

Entretanto, a Lei nº 6/2006, de 27.02, designada por NRAU revogou aquele conjunto normativo, repondo, em sede própria, no Código Civil, a parte substantiva, com as correspondentes secções e subsecções, conferindo nova redacção a diversos artigos, e republicando o Capítulo IV, do Título II, do Livro II do mencionado código, relativo ao contrato de locação.

A disciplina processual de arrendamento urbano, no que se refere à extinção da relação, além de integrar as normas relativas à execução para entrega de coisa imóvel arrendada (arts. 930º-B a 930º-E CPC), passou a integrar, também, as normas processuais introduzidas pelo último diploma (L. 6/2006), em matéria de acção de despejo e formação de novos títulos executivos.

O art. 26º-nº1 NRAU definiu que “os contratos celebrados na vigência do Regime de Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL. 321-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes”, que versam sobre matérias de natureza substantiva; e o art. 59º-nº 1 estatuíu que “o NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”. Aqueloutro preceito está perfeitamente conjugado com o disposto no art. 12º-nºs 1 e 2, 2ª parte, CC.

À face do anterior RAU, a resolução do contrato de arrendamento tinha sempre de ser decretada judicialmente (cfr. arts. 63º-nº2 e 1047º CC); daí decorria excluída a resolução do contrato de locação (cfr. art. 432º CC), em que a resolução não estava sujeita a qualquer forma, bastando-se com a mera declaração de uma das partes à outra para que os seus efeitos se produzissem (cfr. art. 436º-nº1 CC), tendo de socorrer-se da acção de despejo (arts. 55º e sgs. RAU).

Com a entrada em vigor do NRAU (2006.06.26), o regime modificou-se substancialmente: a resolução do contrato de locação passou a poder ser feita judicialmente ou extrajudicialmente (cfr. art. 1047º CC); e a resolução extrajudicial, por via de simples comunicação ao arrendatário (cfr. art. 1084º-nº1), a efectivar-se nos termos do art. 9º-nº7 da Lei 6/2006, apenas pode ter lugar nos limitados casos do art. 1083ºnº3, ex vi art. 1084º-nº2 CC.

b)

A decisão sindicada partiu da certeza da imperatividade da regra da resolução pela via extrajudicial, acolhendo a invocação da correspondente excepção dilatória inominada como de acordo com o espírito do legislador e interpretando a seu bel prazer o segmento doutrinal.

O que seguramente se não formou foi corrente doutrinal e muito menos jurisprudencial maioritária que suportasse aquele limitado entendimento.

Em 2ª instância, cremos melhor fundamentados, por perfeitamente consonantes com o novo conjunto legislativo criado, de entre muitos outros (boa parte dos quais só propugnam a responsabilização de custas por parte do locador), os arestos desta Relação, de 2007.111.29, do Porto, de 2008.01.31 2008.04.17 e 2008.05.20, de Lisboa, de 2007.05.24 e de Coimbra, de 2008.04.15.

Acompanhando em bloco o primeiro deles, transcrevemo-lo na parte relevante:

“Entendemos que não por diversas razões.

Desde logo, a citação para a presente acção reveste a mesma formalidade, que a notificação prevista no n.º 7 do artigo 9º do NRAU, e esta interpelação não exclui a efectuada através da citação.

Atento o disposto nos citados artigos 1047º e 1084º, n.º1, não pode deixar de considerar-se que a notificação extrajudicial é uma opção com vista à concretização da resolução, que pode surtir o efeito visado pelo senhorio.

Se o arrendatário puser fim à mora, nos termos do n.º 3 do artigo 1084º, a resolução fica sem efeito.

Caso o não faça e não entregue o imóvel, o senhorio terá que recorrer à acção executiva.

Mas se no caso, o senhorio utilizar a acção de despejo em vez de se socorrer do procedimento extrajudicial, a falta de tal notificação não pode funcionar como pressuposto processual, nem configurar uma excepção dilatória que obste a que o tribunal conheça do pedido, e conduza à absolvição da instância.

É que a notificação extrajudicial pode não conduzir a qualquer resultado prático, nem ser possível efectuá-la, como parece ser o caso dos autos, uma vez que é desconhecido o paradeiro dos primeiros réus, que, aliás, ainda não foram citados para a acção, por se ter frustrado a citação pessoal.

Por outro lado, no caso, a acção é também instaurada contra o fiador (segundo réu), e o pedido vai para além da resolução do contrato, e pagamento das rendas.

E no que respeita ao fiador a notificação extrajudicial, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 1084º, não produz quaisquer efeitos.

Ora, não fazia qualquer sentido, até por razões de economia processual, que o senhorio fosse obrigado a instaurar duas acções, ou a utilizar dois procedimentos judiciais diferentes.

E para a hipótese de a notificação não surtir qualquer efeito, sempre o senhorio terá que recorrer à via judicial, através da acção executiva.

Quando muito, a falta da notificação extrajudicial, nos casos em que a mesma é possível, poderá fazer incorrer o senhorio que se utilizou indevidamente da acção declarativa, no pagamento de custas.

E por isso, não se vê justificação para atribuir à falta de notificação extrajudicial a natureza de excepção dilatória inominada, que obste a que, proposta acção declarativa, o tribunal aprecie o pedido.”

IV –

DECISÃO

É por isso que, em nome do Povo:

1. revogamos a sentença e

2. impomos a baixa do processo à 1ª instância, para que aí prossiga os seus trâmites normais, até prolação de sentença final.

Custas pela parte que, a final, sucumbir.

Guimarães, 2008.07.10,