CONTRATO-PROMESSA
CÓDIGO DE SEABRA
SUCESSÃO
INCUMPRIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I – Celebrado um contrato promessa de compra e venda na vigência do Código de Seabra e tal como agora acontece, os direitos e obrigações dele decorrentes, transmitem-se por sucessão aos herdeiros da parte falecida, pelo que, em primeira linha, a obrigação indemnizatória decorrente do incumprimento do contrato é da herança, indiferentemente desta estar ou não partilhada, pois a partilha é res inter alius, relativamente ao terceiro, promitente comprador, sendo facto que é eficaz, apenas, entre os herdeiros.
II – Havendo partilha e tendo os herdeiros a quem coube a coisa objecto do contrato promessa alienado a mesma a terceiros, verifica-se incumprimento definitivo do contrato, sendo a partir de então os únicos responsáveis pelas respectivas consequências.
III – No domínio do Código de Seabra, a indemnização pelo incumprimento imputável ao promitente vendedor tinha como única medida, havendo sinal passado, o dobro do sinal, não podendo por isso pedir-se indemnização superior, ainda que desse incumprimento resultassem danos de maior monta.

Texto Integral

ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



Maria do Anjo................, Teodósio................. e Gertrudes....................., enquanto herdeiros de António Joaquim........................, intentaram a presente acção declarativa, na forma ordinária, contra …….., Maria da Conceição....................., Maria ......Martins....................., Gonçalo..............., Luís ..................., Ana Maria ..................., Cláudia.................., Mónica................. e Susana................., enquanto herdeiros de Artur................, pedindo a condenação destes a pagarem-lhes a quantia global de 77.293.029$00, acrescida de juros sobre a quantia de 5.723.863$00 pagos pelo Estado, e juros sobre o total da quantia reclamada à taxa de 10% ao ano desde a data da citação.
Invocaram para tanto diversos factos, em seu entender, susceptíveis de fundamentarem os pedidos deduzidos, nomeadamente e, em síntese, que os AA são herdeiros de António Gomes................, falecido a 20-2-1986, sendo os RR herdeiros de Artur Pessoa, igualmente falecido a 30-6-1981; que os falecidos haviam celebrado a 4-10-1962 um contrato-promessa de compra e venda incidente sobre o prédio rústico denominado Herdade do Monte Branco da Piedade, sito no Redondo (id. no art.3 da p.i.), comprometendo-se o Artur ………a vender tal prédio ao António pelo preço de 1.325.000$00, pagando logo este como sinal e princípio de pagamento 100.000$00 na data da assinatura da promessa recíproca; que o pagamento foi sendo feito ao longo dos anos, faltando pagar uma pequena parcela, quando em 1975 a Herdade foi ocupada no âmbito da Reforma Agrária, sendo depois expropriada pela portaria 470/76, de 02/08, não tendo entretanto a escritura chegado a realizar-se por tal motivo.
Sucedendo que a expropriação viria a ser derrogada por Portaria de 19/10/1989 e que, não obstante, Artur ……… e depois a sua mulher, Ivone ……, sempre terem demonstrado pretenderem honrar o compromisso relativo à venda da Herdade, após o falecimento de ambos. As três primeiras RR, herdeiras de Artur ……….., a quem por partilha o dito prédio foi adjudicado, em comum e sem determinação de parte, acabaram por vender o prédio a um terceiro por escritura datada de 02/06/1997, impossibilitando assim a concretização do referido contrato-promessa.
Entendem, por isso, os AA que os RR obtiveram à sua custa (do seu antecessor António) um enriquecimento sem causa correspondente às quantias pretensamente pagas relativas ao preço (indicadas no art.36 da p.i: 100.000$00 desde 4-10-62, 231.500$00 desde 4-11-62, 662.500$00 desde 4-4-63 e 331.500$00 desde 19-11-73), as quais equivalem com as respectivas correcções monetárias ao valor de 71.569.166$00 reclamados.
Para, além disso, reclamam também a importância de 5.723.863$00, acrescida de juros que rondam os 50%, que os RR receberam do Estado como indemnização pela expropriação, de acordo com o DL 199/88, de 31-5, por entenderem que a mesma lhes pertence.
Citados os Réus, vieram oferecer contestação invocando, a ilegitimidade de todos eles com excepção dos três primeiros, a prescrição dos alegados direitos dos autores, a resolução do aludido contrato-promessa por incumprimento culposo e definitivo do promitente-comprador desde Abril de 1975 quando notificado pelo promitente-vendedor para celebrar a escritura não o fez (sendo esta posição - de rescisão do dito contrato por o promitente-comprador não ter pago o remanescente da dívida e se ter recusado a celebrar a escritura definitiva em 1975 - conhecida dos AA há mais de 8 anos) e o abuso de direito estribado na pretensa conduta omissiva dos AA e do seu antecessor no sentido da concretização do negócio, a qual teria criado nos RR a convicção de que quaisquer eventuais direitos já não seriam exercidos, impugnando, também a generalidade dos factos invocados pelos AA.
Tramitado e julgado o processo em sede de 1ª instância, foi relegado para final o conhecimento das excepções de prescrição, resolução do contrato de promessa e abuso de direito, tendo após o julgamento da causa sido proferida decisão que no que se refere ao dispositivo reza:
a) Julgar improcedentes as excepções de prescrição, resolução do contrato-promessa e abuso de direito esgrimidas pelos RR;
b) Julgar a acção parcialmente procedente, condenando os RR a pagarem € 11.671,87 (2.340.000$00) aos Autores, acrescidos de juros à taxa supletiva legal desde a citação até efectivo pagamento, absolvendo-os de tudo o mais que vinha pedido.
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Desta decisão foi interposto pelos autores recurso de apelação pedindo a revogação da decisão, terminando os recorrentes por formularem as seguintes conclusões:
A- A falta de cumprimento do contrato prometido é da responsabilidade dos ora Apelados.
B- Ao contrato dos autos aplica-se o Código de Seabra, e como consequência está o faltoso obrigado a indemnizar o outro contraente por perdas e danos.
C- O preço da venda foi integralmente realizado pelo promitente comprador.
D- A falta de cumprimento do contrato obriga os faltosos a indemnizar o outro contraente de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.
E- E estão os Apelados enquanto herdeiros do promitente vendedor a restituir aos ora Apelantes todas as quantias e respectivos juros com que se locupletaram à custa do promitente comprador.
F- A importância da indemnização corresponde ao preço pago acrescido da respectiva correcção monetária até à presente data.
G- O valor da indemnização pago por expropriação do imóvel pertence e deve ser pago aos ora Apelantes uma vez que o preço do prédio já se encontrava liquidado e era o promitente comprador quem o explorava à data da expropriação.
H- Os Apelados devem restituir todas as quantias com que se locupletaram à custa dos Apelantes.
1- A sentença recorrida viola o disposto nos art°s 1548° do Código de Seabra bem como os art°s 473°e segs do C. Civil.
J- Os promitentes vendedores sempre aceitaram a prorrogação do prazo de pagamento do preço da propriedade.
K- Os promitentes vendedores sempre consideraram, no âmbito do processo de reserva e indemnização de Reforma Agrária que a herdade do MONTE BRANCO pertencia e era propriedade de António Gomes.
L- Os Apelados deverão indemnizar os Apelantes na medida do seu enriquecimento.
M- Os Apelantes só tiveram conhecimento da venda da propriedade e da identidade dos Apelados em finais de Maio de 2001.
Também, da decisão foi interposto, pela ré Cláudia …………, recurso de apelação pedindo a revogação da decisão, terminando a recorrente por formular as seguintes conclusões:
1. Existem lacunas na aplicação do Direito aos Factos considerados provados, que se revela necessário corrigir, nomeadamente:
2. Desde logo, quanto à consideração do conhecimento que os AA tiveram em
1993 e 1992, da existência de venda do imóvel e da identidade dos vendedores, respectivamente,
3. O que gerou a Prescrição do Direito que invocam a ser indemnizados por enriquecimento sem causa, cujo prazo é de três anos (Art° 482°, Cód. Civil).
4. Foi também patentemente provado em Audiência, que a Recorrente desconhecia em absoluto os factos em análise.
5. Daí que os AA tenham reclamado das três primeiras co-RR (e não da ora Recorrente) o pagamento da indemnização pela venda a um terceiro.
6. A condenação da co-ré. recorrente é, pelo menos, espúria, face à sua cabal falta de Culpa,
7. Que decore quer dos documentos juntos aos Autos, quer dos depoimentos prestados em Audiência,
8. Pelo menos os das testemunhas Francisco António Carriço e João Manuel Marques Martins Fernandes, conforme transcrição parcial que se fez supra e que,
9. Constituem prova a renovar o que se peticiona.
10. Também quanto ao Direito, se entende que a respectiva subsunção aos factos provados, foi efectuada de modo imperfeito pois,
11. A Recorrente desconhecia os factos, quer porque era muito jovem quando do falecimento de Artur Pessoa e da Partilha que foi feita por suas Tias, atribuindo às três, exclusivamente, a propriedade do Monte Branco,
12. Quer porque sempre viveu à margem das mesmas, razão pela qual não fez sequer parte do núcleo de pessoas (constituído pelas suas demais co-rés.), que declararam incumprido o Contrato-Promessa, conforme consta do Quesito 18° da Base Instrutória e foi dado como provado.
13. A sua Culpa na ocorrência da Venda e, bem assim, diga-se, em todas as ocorrências, é flagrante. Ora,
14. Constituindo a devolução do sinal dobrado, uma autêntica e verdadeira consagração do direito/dever de indemnização,
15. E inexistindo Culpa da Recorrente, em todo este processo,
16. Fácil será constatar que a mesma deveria ter sido pura e simplesmente Absolvida nos presentes Autos.
Os outros réus, por sua fez, vieram, também, interpor recurso subordinado, pedindo a sua absolvição do pedido, terminando por formular as seguintes conclusões:
A. Faltou pagar ao promitente-comprador uma parte do preço, sendo certo que (i) este deveria estar integralmente pago até 4 de Outubro de 1965, (ii) a escritura só seria outorgada depois de estar integralmente efectuado o pagamento do preço e (iii) o prazo de pagamento do remanescente do preço só podia ser prorrogado pelo promitente-vendedor.
B. A cabeça de casal declarou no processo de inventário que considerava o contrato-promessa definitivamente incumprido, do que foi dado conhecimento aos AA que ali se pronunciaram sobre o facto, em requerimento de 10 de Fevereiro de 1992, sendo certo que no dia 8 de Janeiro de 1993, na conferência de interessados, no âmbito do processo de inventário para além do M° Juiz, do representante do Ministério Público, do Escrivão do processo, e dos RR., estiveram também presentes os três Autores, acompanhados do seu Advogado de então, tendo tido conhecimento presencial da posição dos AA relativamente ao contrato-promessa, uma vez que sentiram a necessidade de declarar que consideravam em vigor o contrato-promessa.
C. Na conferência de interessados, o imóvel foi adjudicado em comum e em partes iguais às três RR: Maria Natália......................, Maria da Conceição ……………… e Maria Natália……………….. Pessoa.
D. Após a derrogação da portaria expropriativa, em 1989, não houve qualquer prorrogação, nem manifestação de qualquer interesse no sentido da prorrogação, expressa ou tácita, explícita ou implícita, do prazo do pagamento do remanescente do preço, faculdade esta que cabia exclusivamente ao promitente- vendedor, sendo certo que a marcação da escritura dependia do pagamento prévio da totalidade do preço.
E. A posição transmitida, primeiro, pela cabeça de casal e depois confirmada, presencialmente e perante o respectivo Advogado, aos AA., em conferência de interessados, configura uma verdadeira e própria resolução do contrato por incumprimento do promitente-comprador (artigo 436.° e 808.°-1 do Código Civil), encontrando-se, assim, o contrato-promessa, resolvido, por incumprimento definitivo e culposo do promitente-comprador desde, pelo menos, Janeiro de 1993, com a consequência da perda do sinal por parte do promitente-comprador (cfr. artigo 1548.° do Código de Seabra, aqui aplicável).
F. Esta resolução por incumprimento do promitente-comprador configura uma excepção peremptória que, nos termos do artigo 493°-3 do C.P.C., importa a absolvição total do pedido, e, por isso, e desde logo com este fundamento, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e absolvendo-se os RR do pedido.
G. Mas, ainda que não fosse julgada procedente esta, sempre teria de se considerar que o exercício do direito que, pela presente acção, os AA. vieram efectivar, seria, em qualquer caso ilegítimo, nos termos do artigo 334° do Código Civil, por os respectivos titulares excederem manifestamente os limites impostos pela boa fé.
H. Desde 1989, quando foi devolvida a propriedade, até 1997, quando a mesma foi vendida a terceiro, passaram 8 (oito) anos sem que os AA tivessem oferecido o pagamento do remanescente do preço, nem, consequentemente, tentado promover a celebração da escritura.
1. Em 1992 e no início de 1993, os AA tiveram conhecimento da posição dos RR, particularmente das RR a quem, por partilha, foi adjudicado o bem, no sentido da não vigência do contrato-promessa, para além de terem sabido da identidade dos RR.
J. Entre inícios de 1993 e Junho de 1997, data em que o prédio foi vendido a terceiro, passaram mais de 4 (quatro) anos (a título de exemplo, 4 anos é o prazo de prescrição das obrigações fiscais), sem que, nesse período, os AA tivessem tido qualquer iniciativa, tendo, aliás, só vindo a dar sinal de si em 2001.
K. Como defende MENEZES CORDEIRO, há suppressio quando uma posição jurídica, não tendo sido exercida durante certo tempo, não mais possa sê-lo por, de outra forma, se atentar contra a boa fé, pois, ao não exercer o seu direito, o sujeito iria facultar ao agente uma situação de confiança em que tal exercício não mais teria lugar: ao actuar subitamente, ele iria contrariar a sua primeira inacção, defrontando a confiança.
L. Ora, o que sucede aqui é que, pelo menos, a partir de inícios de 1993, os AA, que já se encontravam acompanhados por Advogado, intervieram em inventário judicial dos RR, sabiam que os RR entendiam que o contrato-promessa já não os vinculava, sabiam que os RR não tinham qualquer intenção de celebrar, com eles, a escritura, sabiam também que tinham de oferecer, imediatamente, o pagamento do remanescente do preço e sabiam, igualmente, a identidade dos RR.
M. O que seria expectável que os AA tivessem feito era, logo em 1992, ou, pelo menos, em princípios de 1993, terem oferecido — ou tentado oferecer — o pagamento do remanescente do preço e promovido — ou tentado promover — a realização da escritura e, ainda em 1993, perante a posição assumida pelos RR, terem submetido a questão a Tribunal.
N. Todavia, nada fizeram. Passou 1993. Passou 1994. Passou 1995. Passou 1996. E só em Junho de 1997, as RR procederam à venda do prédio.
O. O abuso do direito configura uma excepção peremptória que, nos termos do artigo 493°-3 do C.P.C., importa a absolvição total do pedido, por isso, e também com este fundamento, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e absolvendo-se os RR do pedido.
P. Em qualquer caso, e sempre à cautela e sem conceder, a sentença considerou (cfr. fis. 665) que o contrato-promessa se mantinha “latente no momento em que as herdeiras do promitente-vendedor a quem o prédio coube por partilha o venderam a terceiro, violando de forma manifesta o dito contrato-promessa e impossibilitando de vez qualquer possibilidade do seu cumprimento”.
Q. Embora, como já se referiu, não se conceda que tenha havido violação do contrato-promessa por parte dos RR, a verdade é que, na lógica da sentença, a alegada violação do contrato-promessa teria resultado exclusivamente da venda a terceiro, a qual responsabiliza, exclusivamente, as RR Maria Natália......................, Maria da Conceição ……………., Maria Natália …………….. Pessoa, e não os demais RR, aos quais o imóvel já tinha deixado de dizer respeito.
R. Segundo o artigo 2119.° do Código Civil, “feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos”, pelo que os eventuais direitos e obrigações do contrato-promessa transmitiram-se, apenas, àquelas três RR, e não aos restantes RR, os quais não assumiram a posição de promitente-vendedor no contrato- promessa, não havendo, assim, quaisquer obrigações no âmbito do mesmo, cujo alegado incumprimento lhes pudesse ser imputável, pelo que teriam de ser, necessariamente e em qualquer caso, absolvidos do pedido .
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Os réus contra alegaram, concluindo por pedir que não fosse dado provimento ao recurso interposto pelos autores.
Mostram-se apostos os vistos legais.

Apreciando e decidindo

Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual:
Os A.A. são os únicos e universais herdeiros de António Joaquim........................, falecido em 20 de Fevereiro de 1986.
Os R.R. são os herdeiros de Artur................, falecido em 30 de Junho de 1981, sendo Maria Natália ………….., Gonçalo ……………. e Luís Ricardo…………… por representação de José Francisco…………., falecido em 16 de Março de 1989.
Por acordo celebrado em 4 de Outubro de 1962, Artur………… prometeu vender a António Silva e este prometeu comprar, pelo preço de 1.325.000$00, o prédio rústico denominado Herdade do Monte Branco da Piedade, sito na freguesia e concelho de Redondo, com a área de 111,9750 ha, inscrito na matriz cadastral sob o nº.1 da secção K e sob o artigo 1406 da matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial do Redondo sob o nº.2569, a fls.93 do Livro B-7, actualmente sob a ficha 1455/230394 – Redondo.
Como sinal e princípio de pagamento, António pagou a Artur ……………. 100.000$00, em 4 de Outubro de 1962.
Em 4 de Novembro de 1962, António entregou 231.250$00 a Artur Pessoa.
O prazo de pagamento do remanescente do preço poderia ser prorrogado por Artur Pessoa.
No ano de 1975, na sequência do processo de reforma agrária no Alentejo, a Herdade do Monte Branco foi ocupada por trabalhadores agrícolas e expropriada pela Portaria nº.470/76, de 2 de Agosto.
Em 13.02.1979 Artur................ declarou aos serviços regionais de Agricultura do Alentejo que vendera a António Gomes................ a Herdade do Monte Branco.
Em 25 de Agosto de 1976, Artur Pessoa declarou aos serviços regionais do Ministério de Agricultura não pretender a Herdade do Monte Branco.
Em 15 de Janeiro de 1986, Ivone.............. requereu ao Ministro da Agricultura a derrogação da portaria de expropriação relativamente à Herdade do Monte Branco, por pretender honrar o compromisso assumido pelo falecido Artur ………. com António Gomes................ de celebrar escritura de venda definitiva.
A Portaria que expropriou a Herdade do Monte Branco foi derrogada pela Portaria publicada no D.R. II série, de 19.10.1989.
Maria Natália ……….., Maria da Conceição…………. e Maria Natália ……………… Pessoa, a quem a Herdade do Monte Branco pertencia em comum e partes iguais, por escritura notarial lavrada no 5º- Cartório Notarial de Lisboa em 02 de Junho de 1997, venderam a mesma a Duarte Nuno ………….., pelo preço de 47.500.000$00.
Os R.R. receberam do Estado Português o montante de 5.723.863$00 a título de indemnização pela expropriação, acrescida de juros.
António Gomes................ era rendeiro de Artur Pessoa desde 15 de Agosto de 1957.
A caderneta predial da Herdade do Monte Branco foi enviada a António Gomes por Artur Pessoa, juntamente com a carta datada de 19 de Novembro de 1973.
Em 7 de Abril de 1975, Artur Pessoa instou António para a realização da escritura de compra e venda, através da carta junta à p.i. como doc. 6.
Artur Pessoa enviou a António Gomes................, em 17 de Julho de 1963, 19 de Novembro de 1973 e 7 de Abril de 1975, as cartas juntas como documentos 4, 5 e 6 da petição inicial, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
Artur Pessoa foi casado com Ivone.............. (doc. de fls.450).
Teor do documento de fls.440.
Em 4 de Outubro de 1962, António Gomes entregou a Artur Pessoa, por conta do montante referido em C-, uma letra de câmbio no montante de 662.500$00, com vencimento a 4 de Abril de 1963.
Ao longo de mais de 10 anos, António Gomes aceitou múltiplas letras – que foi pagando parcialmente e substituindo por outras nos montantes que iam ficando em dívida – e entregou vários cheques a Artur Pessoa, alguns sem provisão, tudo com vista ao pagamento do preço da Herdade do Monte Branco negociada entre os dois.
Do preço relativo à compra e venda da Herdade do Monte Branco faltaram pagar 155.000$00.
António Gomes explorou a Herdade do Monte Branco até à data da ocupação.
Fê-lo nas qualidades de rendeiro e promitente-comprador da Herdade.
Os A.A. souberam da identidade dos R.R. pelo menos desde inícios de 1993.
O preço acordado deveria estar integralmente pago até 4 de Outubro de 1965.
A caderneta referida em O- foi enviada para efeitos de pagamento de sisa e marcação de escritura, a realizar logo que se mostrasse integralmente pago o preço.
A não celebração da escritura por António Gomes prejudicava Artur Pessoa, já que, continuando o prédio em seu nome, poderia contribuir para que outras Herdades que tinha no Alentejo lhe fossem também expropriadas.
A cabeça de casal Maria Natália...................... declarou no processo de inventário que considerava o contrato-promessa aqui em causa definitivamente incumprido, do que foi dado conhecimento aos AA que ali se pronunciaram sobre o facto, em requerimento de 10/Fevereiro/1992, tal qual se extrai da certidão junta aos autos (fls.222 a 228).
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Tudo visto e analisado, tendo por base as provas existentes e em atenção o direito aplicável, cumpre decidir, sendo certo que o objecto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º todos do Cód. Proc. Civil.
Sendo interpostos dois recursos independentes e um subordinado iremos primeiramente conhecer do recurso interposto pela ré Cláudia, já que no âmbito do mesmo se invoca ter operado prescrição do direito dos autores, seguidamente conhecer-se á do recurso interposto pelos autores e, posteriormente do recurso subordinado interposto pelos outros réus.

A) RECURSO DA RÉ CLÁUDIA ……….
No que concerne ao recurso da ré Cláudia, o mesmo, circunscreve-se, no essencial, à apreciação das seguintes questões:
– Saber se, como defende, operou a prescrição do direito de indemnização dos autores, alicerçado na figura do enriquecimento sem causa.
– Saber se, como defende, não lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade em termos indemnizatórios por desconhecimento dos factos relacionados com o contrato em questão, aliada ao facto de, não ter sido por culpa sua, que o contrato prometido não se converteu em definitivo.

Conhecendo da 1ª questão
A questão da prescrição do invocado direito indemnizatório dos autores foi exaustivamente tratada na sentença sob recurso, aí se concluindo que a prescrição não havia operado.
A ora apelante, tendo por alicerce do direito a que os autores se arrogam a figura do enriquecimento sem causa, defende que a prescrição operou. Pensamos não ser de dar razão á recorrente, até porque, como infra se sustentará, o direito de indemnização a reconhecer aos autores não emerge de enriquecimento sem causa, mas sim, de causa determinada, o facto de, com a venda do imóvel a terceiro, se ter obstaculizado, definitivamente, a possibilidade de cumprimento do contrato de promessa de compra e venda.
No âmbito do enriquecimento sem causa e de acordo com o disposto no artº 482º do Cód. Civil vigente o prazo de prescrição é de três anos a partir do momento em que o credor teve conhecimento do enriquecimento, isto é do seu direito e do responsável, sendo de vinte anos a partir do momento da verificação do enriquecimento, independentemente, portanto de qualquer conhecimento. [1] Assim, mesmo não se provando que os autores só tiveram conhecimento da venda do bem em causa, efectuada a terceiros, em Maio de 2001 (resposta negativa ao quesito 10º), não se pode concluir o contrário, ou seja, que tiveram conhecimento da mesma na data da sua realização (02/07/1997) pelo que, há que atender, tão somente, ao momento da verificação do enriquecimento contando o prazo de vinte anos a partir daí. Merece pois, a nossa aprovação a posição defendida pelo Mmo. Juiz a quo de não considerar prescrito o direito, sendo de realçar, no que se refere á prescrição alegada no âmbito do direito alicerçado na figura do enriquecimento sem causa, o que se escreveu, «A “causa” ou a falta dela propiciadora do pretenso enriquecimento colocam-na os AA na violação contratual de 2-6-97 (venda do prédio a terceiro), só a partir de tal data correndo o prazo de exercício do respectivo potencial direito. Logo importa concluir que tão pouco se verifica ter decorrido o prazo da prescrição ordinária a tal direito respeitante (estribado em potencial enriquecimento sem causa) ou sequer o prazo específico de três anos…».
Nestes termos, improcede, nesta parte, a apelação.

Conhecendo da 2ª questão

A apelante Cláudia insurge-se pelo facto de ter sido co-responsabilizada pelo pagamento da indemnização arbitrada aos autores, uma vez que não tomou conhecimento do contrato de promessa nem deu causa ao seu não cumprimento, apesar de ser herdeira de Artur pessoa.
Será de dar razão à apelante, já que, a mesma não teve intervenção no contrato, não lhe foi adjudicado em partilha o bem que após esta outros co-herdeiros venderam, parecendo nada evidenciar ter havido culpa da sua parte?
Vejamos então! Muito embora a questão não possa ser encarada simplesmente nessa perspectiva.
Decorre do artº 412º do Cód. Civil vigente que as obrigações emergentes do contrato de promessa transmitem-se aos sucessores das partes, a menos que sejam exclusivamente pessoais, entendimento este, que já vinha a ser perfilhado na vigência do Código Civil de 1867 (Código de Seabra), [2] pelo que, em primeira linha, a obrigação indemnizatória decorrente do incumprimento do contrato é da herança, indiferentemente desta estar ou não partilhada, pois a partilha é res inter alius, relativamente ao terceiro, promitente comprador, sendo facto que é eficaz, apenas, entre os herdeiros.
No caso em apreço desconhecemos se todos os herdeiros, designadamente a recorrente, estariam ou não dispostos a cumprir a promessa contratual outorgada pelo de cujus, pois, apenas se constacta que existiu partilha de bens, na qual se englobava o imóvel objecto da promessa, tendo os herdeiros, que não a recorrente, a quem o mesmo coube por força da partilha, procedido à sua venda a terceiro, impossibilitando, assim, definitivamente o cumprimento do contrato de promessa. Assim, não obstante não sabermos, à priori, das intenções de cumprimento do contrato objecto da promessa, temos que reconhecer que após a realização da venda do bem a terceiro, pelos herdeiros a quem coube em partilha, podemos afirmar, peremptoriamente, que independentemente das intenções de todos os herdeiros acerca do cumprimento do contrato, o mesmo se haverá que considerar incumprido definitivamente por culpa dos réus Maria Natália…………, Maria da Conceição …………. e Maria Natália …………Vasconcelos sendo irrelevante a partir do momento em que se consumou a venda as intenções, quer anteriores, quer posteriores, dos demais herdeiros do promitente vendedor.
Como no caso dos autos, não se está perante uma pretensão solicitando o cumprimento contratual mas, tão só, exigindo indemnização pelo incumprimento, haverá que reconhecer que essa obrigação emerge de facto devido exclusivamente a culpa das supra citadas rés, vendedoras, pelo que, apenas, a elas deve ser imposto o dever de indemnizar o promitente comprador. [3]
Todavia, tal não obstaculiza a que nas relações entre herdeiros, decorrentes da herança aberta por óbito do promitente vendedor, possa haver direito a ressarcimento inerente ao valor das quotas partes, de uns para com os outros, uma vez que a indemnização, reconhecida aos autores, no âmbito dos autos comporta duas vertentes, a devolução do sinal recebido e o pagamento de outro tanto do sinal, sendo que, relativamente a esta vertente só as rés vendedores se podem considerar únicas responsáveis, sendo alheios os demais herdeiros. Mas relativamente à primeira vertente, uma vez que os quantitativos entregues a título de sinal enriqueceram o património deixado pelo promitente comprador a restituição de tal quantia, apenas, por parte, das aludidas herdeiras vendedoras traduz o cumprimento duma obrigação, não própria, mas conjunta a todos o herdeiros.
Nestes termos, haverá que reconhecer a procedência do recurso interposto pela ré Cláudia, o qual aproveita aos restantes réus, não intervenientes na venda, por força do disposto no artº 683º do Cód. Proc. Civil, aliado, também ao facto de tal questão ter sido por eles suscitada no recurso subordinado por si interposto.

B) – RECURSO DOS AUTORES
No que concerne ao recurso dos autores, cujo conhecimento iremos fazer de seguida, o mesmo, circunscreve-se, no essencial, à apreciação das seguintes questões:
– Saber se, como defendem os autores, foi paga a totalidade do preço da venda do imóvel, objecto da promessa de compra e venda;
– Saber se o incumprimento do contrato prometido é da responsabilidade dos réus e, se a eventual indemnização, a arbitrar aos autores, deverá ser alicerçada em enriquecimento sem causa.
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Conhecendo da 1ª questão
Sustentam os autores que no âmbito do contrato de promessa em questão o preço da venda foi integralmente realizado pelo promitente-comprador (conclusão C). No entanto, não referem no âmbito das suas conclusões qualquer circunstancialismo factual, decorrente das perguntas formuladas na base instrutória e consequente resposta, que entendam ter sido incorrectamente julgado no que se refere à matéria de facto. Pois, não põem em causa as respostas dadas aos quesitos 6º e 13º pelas quais se concluiu que “do preço relativo à compra e venda da Herdade do Monte Branco faltaram pagar 155 000$00”.
Assim, não tendo sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A do Cód. Proc. Civil, a decisão referente à matéria de facto, entendemos não poder fazer uso do disposto no n.º 1 do artigo 712º do mesmo Código com vista à alteração da matéria de facto, designadamente, no que se refere á que consta das respostas dadas aos referidos quesitos, pelo que, se tem de considerar como assente o facto do preço não se considerar pago na sua totalidade.

Conhecendo da 2ª questão
Sustentam os recorrentes que perante os factos e os comandos legais aplicáveis, impunha-se decisão diversa, ou seja, no âmbito da procedência da acção o pagamento de uma indemnização correspondente ao preço pago acrescido da respectiva correcção monetária.
As partes estão de acordo que ao caso em apreço se aplicam as normas substantivas consignadas no anterior Código Civil, conhecido por Código de Seabra, entendimento que é de corroborar.
Na sentença sob censura defendeu-se que o contrato de promessa celebrado em 04/10/1962, por Artur Pessoa e António Silva, entretanto falecidos, mantinha plena validade e eficácia, no momento em que as herdeiras do promitente vendedor, a quem o prédio coube em partilha, o venderam terceiro, impossibilitando, por tal facto, de vez, o seu cumprimento, o que legalmente impõe a obrigação de indemnizar, no caso, os herdeiros do promitente comprador que assumiram a posição contratual do falecido, o que efectivamente aconteceu. No entanto, estes, ora autores, estão em desacordo com a indemnização que lhes foi arbitrada. Defendem, que a indemnização deve corresponder ao preço pago acrescido da respectiva correcção monetária até á data, por entenderem não ser a devolução do sinal em dobro a única indemnização exigível à luz do Código de Seabra.
Em nosso entendimento não é de perfilhar esta posição, mas sim a expendida pelo julgador a quo. Dispõe o artº 1548º do Cód. de Seabra que o contrato de promessa de compra e venda é regulado nos termos gerais dos contratos “com a diferença, porém, de que, se houver sinal passado, considerando-se como tal qualquer quantia recebida pelo promitente vendedor, a perda dele ou a sua restituição em dobro valerá como compensação de perdas e danos”. Daqui decorre o carácter excepcional da indemnização por perdas e danos no âmbito do contrato de promessa de compra venda à luz do Código de Seabra, pois, “havendo sinal passado, como garantia de cumprimento…se for o promitente-comprador que não cumpre perde o sinal; se o não cumprimento provém do promitente vendedor, a lei obriga-o a restituir o sinal em dobro. Por esta forma fixa a lei a indemnização de perdas e danos devida pelo facto do não cumprimento imputável a um ou a outro dos contraentes”. [4]
Os autores, apelantes propugnam que nesta indemnização por perdas e danos se incluam, também, valores referentes a correcção monetária e juros, chamando à colação a figura do enriquecimento sem causa a que alude o artº 473º do Código Civil vigente transpondo princípios referenciados nos artº 676º, 706º, 707º e 709º todos do Cód. de Seabra, que a seu ver relevam na atribuição indemnizatória por perdas e danos.
Tendo como referência o princípio geral do enriquecimento sem causa consignado no artº 473º do Cód. Civil, a doutrina e a jurisprudência [5] é pacífica na exigência da verificação simultânea, pelo menos, dos seguintes requisitos:
- Existência de um enriquecimento;
- Falta de causa que o justifique (porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a tido inicialmente, entretanto a haja perdido);
- Que esse enriquecimento seja obtido à custa de quem pretende a restituição;
- Que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.
Constatamos que nos termos em que foi formulada a pretensão por parte dos autores, tais requisitos que se encontram elencados, não se verificam em simultaneidade, já que, o instituto jurídico do enriquecimento sem causa, assume natureza residual só podendo ser reconhecido, na falta de outro meio, quer seja invocado no âmbito de pedido principal e único ou como pedido subsidiário, não se podendo, assim, reconhecer o direito e arbitrar indemnização alicerçada no instituto do enriquecimento sem causa.
No que concerne à solicitada correcção monetária, nada haverá, também, a censurar na decisão em apreço.
A obrigação do pagamento do sinal em dobro constitui dívida pecuniária, sujeita ao princípio nominalista constante do art.º 550º do Cód. Civil vigente e à aplicação do regime do seu art. 806º, no caso de mora. [6]

"O montante da prestação é uma soma de dinheiro fixada ab origine (leia-se desde a resolução do contrato) e não em momento posterior (à constituição da obrigação), próximo do cumprimento.
Pelo que não chega a verificar-se o fenómeno da substituição ou sub-rogação do primitivo objecto - uma utilidade diversa do dinheiro, como acontece na indemnização com a reparação do dano - por quantidade monetária que represente o equivalente no momento da liquidação.
Logo, se a prestação in solutione e in obligatione é (nominalmente) a mesma, a obrigação de restituição do sinal ou o seu pagamento em dobro não pode qualificar-se como dívida de valor.
Diferentemente do comum da obrigação de indemnização - dívida de valor convertida em obrigação pecuniária por ulterior fixação (convencional ou judicial) do seu montante em dinheiro, - a restituição do sinal ou seu pagamento em dobro tem por objecto directo e primitivo uma soma de dinheiro, determinado com base em critério certo, seguro e cómodo, o critério do quantum recebido a título de sinal e da sua multiplicação por dois ". [7]

Também, no que concerne à indemnização que foi paga aos proprietários do prédio objecto do contrato de compra e venda, no âmbito do processo de expropriação e à qual o autores se arrogam o direito (alusão efectuada na conclusão G), entendemos não existir qualquer fundamento para sustentar a sua posição, uma vez que, ao contrário do que sustentam, não está demonstrado que já tivessem pago a totalidade do prédio e por esse facto se pudessem intitular seus proprietários e, como tal, não sendo os seus legítimos proprietários, nunca a indemnização lhes podia ser paga ou arbitrada, já que a lei a atribui, apenas, as proprietários de prédios alvo de expropriação que no caso dos autos eram os hora réus, enquanto herdeiros do falecido proprietário.
Acresce, que não seria justo onerar com correcção monetária a indemnização devida por perdas e danos ao promitente comprador, quando este, também, assumiu uma situação de passividade perante o “adiar” da celebração do contrato prometido, não constando que tivesse exigido a imposição de qualquer prazo para a sua celebração, só vindo exigir o pagamento da indemnização em 2001 após ter tido conhecimento da venda do bem a terceiros o que determinou a impossibilidade definitiva do cumprimento do contrato.
Nestes termos, não se mostram violados as disposições constantes dos artºs 1548º do Cód. Seabra e 473º do Código Civil vigente, havendo a apelação dos autores que improceder.

C) – RECURSO (subordinado) DOS RÉUS.
No que concerne ao recurso dos réus, o mesmo, circunscreve-se, no essencial, à apreciação das seguintes questões:
– Alegada resolução do contrato de promessa de compra e venda por incumprimento do promitente-comprador.
– Alegada existência de abuso de direito na instauração da presente acção por parte dos autores.
– Saber se, aos réus não intervenientes na venda a terceiro do imóvel objecto do contrato de promessa, lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade em termos indemnizatórios pela não celebração do contrato prometido.

Conhecendo da 1ª questão
Sustentam os réus que a posição transmitida pela cabeça de casal no âmbito do processo de inventário a que se procedeu por óbito do promitente vendedor, configura uma verdadeira e própria resolução do contrato por incumprimento definitivo e culposo do promitente-comprador, desde Janeiro de 1993.
A questão da resolução do contrato de promessa por incumprimento do promitente comprador foi abordada na decisão sob censura, aí se sustentando ser “ilegal e ineficaz a declaração da autora Maria Natália...................... efectuada no processo de inventário em que considerava o contrato de promessa aqui em causa definitivamente incumprido”.
Temos que concordar que para se reconhecer o contrato definitivamente incumprido por parte do promitente-comprador necessário se torna que esteja fixado um prazo para o cumprimento da obrigação ou que por qualquer outra razão o credor perca o interesse objectivo na conclusão do contrato prometido.
Não obstante no contrato em apreço se fazer referência que depois de 04/10/65 (data em que o preço acordado deveria ser integralmente pago) qualquer dos outorgantes pode exigir do outro a outorga da escritura definitiva de compra e venda, notificando-o do dia e hora e Secretaria Notarial em que deve comparecer para esse fim, o certo é, que tal nunca foi exigido quer por uma parte quer pela outra, sendo que o prazo de pagamento veio a ser prorrogado pelo promitente vendedor.
Assim nenhuma das partes, (incluindo os herdeiros que sucederam aos primitivos outorgantes entretanto falecidos) quiseram, perante a alegada mora no cumprimento, invocar perante as respectivas contrapartes a perda do interesse na prestação, ou impôr o cumprimento da prestação dentro de um prazo que considerassem razoável, sob pena de, devido à mora, se ter a obrigação como definitivamente não cumprida. [8]
Em nosso entendimento não existiu da parte da apelante a interpelação cominatória exigida pelo art.º 801º n.º 1 do Cód. Civil vigente ou do artº 711º do Código de Seabra, aplicável ex-vi do disposto no artº 1548º deste aludido Código. Para que tal acontecesse, haveria tal interpelação que conter uma intimidação para o cumprimento e a fixação de um prazo peremptório para realização da prestação, bem como a comunicação de que a obrigação se teria definitivamente por não cumprida se não se verificasse o cumprimento dentro desse prazo. Tal interpelação de forma nenhuma se pode considerar contida na declaração expressa, no processo de inventário a que se procedeu por óbito do promitente vendedor, pela cabeça de casal, cujo conteúdo não foi aceite pelos autores, que sempre se dispuseram a cumprir o contrato prometido alegando já terem pago a totalidade do preço.
Nestes termos haverá, nesta parte, a apelação que improceder.

Conhecendo da 2ª questão
Invocam os réus em seu benefício a figura do abuso de direito, sustentando que os autores ao intentarem a presente acção excederam manifestamente os limites impostos pela boa fé, uma vez que a partir, pelo menos, do ano de 1993, tiveram conhecimento de que eles, réus, entendiam que o contrato de promessa já os não vinculava e não exigiram destes qualquer indemnização, só o vindo a fazer com a instauração da presente acção em 2001.
Na decisão sob recurso considerou-se não existir abuso de direito por parte dos autores, sendo esse, também o nosso entendimento.
Os réus alicerçam a sua posição relativamente à existência de abuso de direito na figura da suppressio, ou seja, na situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante certo lapso de tempo, não possa mais sê- -lo por, de outra forma, se contrariar a boa fé. [9]
Não nos parece que o comportamento do autores ao longo do tempo, até à data da instauração da acção configure uma situação que, quer em termos objectivos, quer em termos subjectivos, possa ser entendida como aceitação da não titularidade do direito ou de renúncia ao seu exercício. Por outro lado, também não há demonstração inequívoca que da parte dos réus, havia uma confiança interiorizada de que o direito, invocado na presente acção por parte dos autores, não mais seria feito valer, até por tal exercício apresentar uma grave injustiça. [10]
Não podemos olvidar que todo o desenrolar contratual foi espaçado no tempo, sem imposições rígidas de cumprimento, por qualquer das partes, certamente devido, inicialmente, às boas relações entre os primitivos contraentes, posteriormente ao facto de ter existido nacionalização da propriedade e, após a desnacionalização, ao facto de existirem processos de sucessão e partilha de bens dos primitivos contraentes que haviam falecido.
O facto dos autores em 1993, acompanhados por advogado terem intervindo no inventário judicial a que se procedeu por óbito do promitente vendedor e, aí, a cabeça de casal ter afirmado que entendia que o contrato de promessa se achava definitivamente incumprido por parte dos autores, afirmação esta não aceite por estes, sem que de imediato fosse instaurada acção, não pode assumir a relevância que os réus lhe atribuem, até porque, o prédio continuou na sua propriedade, podendo, por tal, em qualquer altura ser possível desbloquear a situação e proceder-se ao cumprimento do contrato ou negociar-se uma indemnização pelo eventual não cumprimento. A impossibilidade real e definitiva do cumprimento só ocorreu com a venda, do bem em causa, a terceiros, em Junho de 1997, pelo que só a partir desta data a “inércia” dos autores na não exigência do seu direito no âmbito judicial poderá e deverá assumir relevância.
Mas, dos factos assentes, e muita embora a venda tenha ocorrido em Junho de 1997 e acção tenha sido intentada em 2001, não resulta claro e inequívoco qualquer comportamento dos autores que fizesse crer que não pretendiam exercer o direito a que se arrogam nos presentes autos. Pois, não obstante não terem provado, como alegaram, que só tiveram conhecimento a venda do imóvel em Maio de 2001, também não resultou assente, qualquer outra data concreta em que tal conhecimento ocorreu, não relevando, por si só, a data da escritura por não ter sido dado conhecimento de tal acto aos autores, sendo certo que, esse facto seria importante, para aferir, por um lado, da sua vontade de não exercício do direito, e por outro, da confiança que os réus já tinham que esse direito não seria jamais exercido.
E a realidade é que, no caso dos autos, o decurso do tempo não pode servir de critério determinante para aferir da existência de abuso de direito uma vez que, como bem se refere na sentença sob censura, se “nem o promitente-comprador, nem os seus herdeiros, chegaram a pagar o remanescente do preço em falta ou exigiram a outorga da escritura, não deixa de ser verdade que tão pouco o promitente-vendedor e muito menos os seus herdeiros alguma vez tal exigiram de forma clara e definitiva, e estavam tão obrigados quanto os primeiros ao cumprimento do acordado e à correcta colaboração com vista a tal fim, tal qual lhes ditava o princípio da boa fé.”
Não se mostra, assim, verificada qualquer situação de abuso de direito, a que alude o artº 334º do Código Civil, pelo que, também, nesta parte, a apelação haverá que improceder.

Conhecendo da 3ª questão
Defendem os réus, no âmbito do recurso, que só as rés alienantes do imóvel em causa nos autos devem ser responsabilizadas pelo pagamento de indemnização aos autores, já que, sendo-lhe o bem adjudicado em partilhas, foram elas com a sua conduta que tornaram impossível definitivamente o cumprimento do contrato de promessa.
Pensamos ser esta a tese a perfilhar, conforme já explicitámos supra, quando do conhecimento da 2ª questão do recurso interposto pela ré Cláudia, sendo, por tal, com base nos fundamentos aí expressos de, nesta parte, conceder procedência à apelação.
DECISÂO
Pelo exposto, nos termos supra citados decide-se:
a) – Julgar improcedente a apelação interposta pelos autores.
b) – Julgar procedente o recurso interposto pela ré Cláudia e, parcialmente procedente o recurso interposto pelos outros réus, e consequentemente, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou os réus Gonçalo..............., Luís ..................., Ana Maria ..................., Cláudia.................., Mónica................. e Susana................., a pagarem indemnização aos autores, absolvendo-se, assim, os mesmos, do pedido, mantendo-se, apenas, a condenação das rés Maria Natália......................, Maria da Conceição....................., Maria ......Martins....................., a pagarem aos autores a quantia de € 11 671,87, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
Custas pelos Autores e pelas Rés Maria Natália …….., Maria da Conceição e Maria Natália ……M…..

Évora, 02/11/2006

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Mata Ribeiro
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Sílvio Teixeira de Sousa
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Mário Serrano




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[1] - v. Menezes Cordeiro in Obrigações, 1980, 2º, 65.
[2] - v. Ana Prata in O Contrato de Promessa e o seu Regime Civil , Almedina 2001, 592.
[3] - v. VAZ SERRA in RLJ 111º, 105; AC STJ de 02/06/1977 in BMJ, 268º, 211.
[4] - v. Antunes Varela in Noções fundamentais de Direito Civil, 1950, Coimbra Editora, vol. I, 466.
[5] - Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, 454 e seg. ; A. Varela in Das Obrigações em Geral, 8ª edição, vol. I, 484 e seg., Moitinho de Almeida in Enriquecimento sem Causa, Coimbra 1996, 45; Ac. STJ de 14/05/1996 in Col. Jur. 2º, 71.
[6] - Ac. S.T.J. de 30-6-98, Col. Ac. S.T.J, 2º, 145).
[7] - v. Calvão da Silva in Sinal e Contrato-Promessa, 8ª ed., 96.
[8] - Não consta, que os réus, alguma vez, tenham interpelado os autores no sentido destes procederem ao pagamento do remanescente do preço que entendiam estar em falta ou, que os convocassem para realização da escritura do contrato definitivo, sob pena de se considerar o contrato definitivamente incumprido por culpa dos promitentes compradores.
[9] - v. Menezes Cordeiro in Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, 2001 797.
[10] - Os autores encontram-se desembolsados da quantia paga a título sede sinal que corresponde a mais de 88% do preço total acordado para o contrato prometido.