CRIME PARTICULAR
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PRAZO
Sumário

I – Sendo uma denunciante, num processo em que se queixou por ofensas à integridade física e por injúrias, admitida como assistente já depois de decorrido o prazo de 10 dias concedido no artº 68º, nº 2, e sem que se especifique que a admissão abrange os dois crimes, deve entender-se que apenas pode intervir relativamente ao crime de ofensas à integridade física, sendo irrelevante que no despacho respectivo se diga que o Ministério Público se pronunciou no sentido de deferimento apenas no que toca àquele crime e do indeferimento quanto ao crime de injúrias e bem assim que se tome posição sobre a natureza do prazo daquele artº 68º, nº 2, considerando-o como processual e não peremptório, ou seja, considerando tal prazo como não impeditivo da constituição de assistente.
II – Nestas circunstâncias, o recurso de tal despacho, no sentido de defender que o prazo em apreço tem natureza peremptória, não tem objecto, devendo ser rejeitado, uma vez que o despacho se mostra conforme com a pretensão do recorrente.

Do Voto de Vencido
III – Face à nova redacção dos artºs 246º, nº 4, 245º e 68º, nº 2 do Código de Processo Penal, não faz qualquer sentido permitir que a queixa se faça num certo momento e que a constituição de assistente se deixe para quando mais convier, ainda que dentro do prazo de queixa.
IV – Com efeito, com a entrada em vigor da referida Lei 48/2007, permanecendo intocado o n.º 4 do art.º 246.º, foram alterados os art.º 245.º e sobretudo o nº 2 do art.º 68.º e da sua conjugação deve tirar-se a consequência de que é com a “advertência” que se inicia o prazo, agora de dez dias, e compreendendo tal “advertência” a informação de obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
V – Desta forma, é eliminada a possibilidade de o prazo se iniciar sem que o denunciante fique esclarecido dos concretos passos a dar, para, durante os dez dias do prazo, poder concretizar a pretendida constituição de assistente.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães :

TRIBUNAL RECORRIDO :
Tribunal Judicial de Barcelos – 1.º Juízo Criminal (Inquérito 946/07.5GBBCL-B)

RECORRENTE :
Ministério Público

RECORRIDO :
Maria

OBJECTO :
Por despacho de 13/11/2007 proferido no processo em referência (fls. 42 e 43 do presente apenso) foi decidido admitir a requerente Maria a constituir-se nos autos como assistente.
Inconformado veio o M.P. interpor o presente recurso, dizendo expressamente que é da parte em que admite a constituição e intervenção como assistente de Maria pelo crime de injúria, apresentando para tal as seguintes conclusões:
1. O prazo estabelecido nos arts. 68.°, n.° 2, e 246.°, n.° 4, do CPP, é um prazo peremptório.
2. No caso em apreço o queixoso foi regular e pessoalmente notificado em 25/06/2007, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 246.°, n.° 4, do CPP, para em 8 dias se constituir assistente, dos procedimentos a observar e das respectivas consequências.
3. Porém o queixoso só em 03/10/2007, já depois de ter expirado o prazo estabelecido no art. 68.°, n.° 2, do CPP, é que requereu a sua constituição como assistente
4. In casu o assistente queixa-se por factos susceptíveis de integrarem a eventual prática dos crimes de ofensa à integridade física simples e injúria, previsto e punido pelo artigos 143.° e 181.° do CP.
5. Se relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples, crime de natureza semi-pública, é inquestionável a legitimidade e admissibilidade da constituição como assistente, por força das disposições conjugadas dos arts. 113.°, n.° 1, e 143.° do CP, e 68.°, n.°s 1, alíneas a) e b), 3, alínea a), 70.° e 519.° do CPP, já o mesmo não se poderá dizer quanto ao crime de injúria, por força do disposto no art. 68.°, n.° 2, do CPP.
6. No caso do crime particular, do crime de injúria, a constituição como assistente tem de ser indeferida por não ter sido requerida no prazo estabelecido nos arts. 246.°, n.° 4, e 68.°, n.° 2, do CPP, porque sendo um prazo peremptório, não tendo sido requerida a constituição como assistente nesse prazo, caducou o direito da queixosa/ofendida requerer a sua constituição como assistente, relativamente ao crime particular.
7. Por isso, o douto despacho recorrido ao admitir a constituição e intervenção da queixo­sa como assistente pelo crime de natureza particular, violou directamente o disposto nos arts. arts. 68.°, n.° 2, e 246.°, n.° 4, do CPP, e indirectamente os artigos 48.°, 49.°, 50.°, 283.°, n.° 3, 285.°, do CPP e 181.° e 188.° do CP, porquanto ao admitir a sua constituição como assistente, nesta parte, vai permitir que o assistente possa vir a deduzir uma acusação particular que de outro modo não poderia deduzir.
8. Motivo pelo qual deve ser revogado e em consequência indeferir-se a constituição como assistente da queixosa, na parte referente ao crime particular.
Contudo, V.s Ex.ªs decidindo sempre farão JUSTIÇA

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Admitido o recurso, ao mesmo a recorrida não respondeu.
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Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto seja julgado improcedente.
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Cumprido o disposto no art. 417 n.º 2 do C. P. Penal, não foi apresentada resposta.
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Efectuado exame preliminar e não havendo questões a decidir, colhidos os vistos, vieram os autos á conferência.
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Após mudança de relator, cumpre agora decidir.
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Conforme jurisprudência unânime, o objecto do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação por ele apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 412 ,n.º 2 do CPP.
E da conclusão extraída pela recorrente da motivação, resulta que a questão colocada é a de saber se o prazo consignado no art. 68 n.º 2 do C. P. Penal tem natureza peremptória, ou seja, saber se o ofendido pode ser admitido a constituir-se assistente mesmo depois de decorrido o prazo previsto no art. 68 n.º 2 do C. P. Penal.
Afigurasse-nos no entanto, que a questão suscitada pelo ilustre PGA no seu parecer, da rejeição do recurso por manifesta improcedência tem razão de ser.
Vejamos:

É do seguinte teor o despacho recorrido:
“Nos presentes autos a denunciante Maria veio requerer a sua constituição como assistente.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de deferimento do requerido no que toca ao denunciado crime de ofensa à integridade física, p. p. pelo artigo 143.° do Código Penal, de natureza semi-pública e indeferimento no que concerne ao crime de injúria, p. p. pelo artigo 181.° do Código Penal, dado que a requerente só veio requerer a sua constituição como assistente em 03/10/2007, pelo que se mostra extemporâneo tal pedido.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 68.°, n.º 2, do Código de Processo Penal tratando-se de crime que dependa de acusação particular, o requerimento de constituição como assistente tem lugar no prazo de 10 dias, a contar da advertência referida no n.° 4 do artigo 246.°.
In casu, [a] requerente foi notificada para esse efeito, tendo vindo a requerer a sua intervenção nos autos como assistente, já depois de decorrido o respectivo prazo.
Não obstante, somos de entendimento que o aludido prazo não assume natureza extintiva desde de ainda não tenha decorrido o prazo de extinção do direito de queixa - cfr. artigo 115.° do Código Penal.
Ora, no caso concreto, dado que os factos alegadamente ocorreram em 23-06-2007, constata-se que à data em que foi apresentado o requerimento de constituição como assistente, ainda não tinham decorrido 6 meses desde a prática dos mesmos, pelo que a denunciante sempre poderia renovar a queixa e requerer a sua constituição como assistente, no que concerne ao aludido crime de natureza particular.
Neste sentido pode ver-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16-04-2007, proferido no âmbito do processo n.° 599/06.8PABCL, onde se refere que "Notificado o ofendido por crime particular para se constituir assistente, e não o fazendo, o decurso do prazo para tal efeito assinalado no artigo 68.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, não implica, necessariamente, que jamais o ofendido se possa constituir assistente. Parece-nos que, pelo menos, dentro do prazo em que ainda não se extinguiu o direito de queixa, artigo 115.° do Código Penal, ou no prazo máximo da prescrição, pressupondo que a queixa foi apresentada, o ofendido pode ainda desencadear a sua constituição como assistente por crime particular".
Conclui-se neste aresto que "O prazo previsto no artigo 68.°, n.° 2 do Código de Processo Penal não é um prazo peremptório substantivo de caducidade, mas um prazo processual e em princípio não peremptório. De outro modo o intérprete criava uma nova causa de extinção do procedimento criminal duplamente inconstitucional, pois substituí-se ao legislador na criação da norma afrontando a divisão de poderes, depois restringia de forma desproporcionada e efectiva o direito de acesso ao Tribunal do ofendido".
Decidindo
Pelo exposto, por se mostrar legalmente admissível, ter legitimidade para o efeito, estar em tempo, beneficia de apoio judiciário na modalidade de isenção de pagamento de taxa de justiça e advogado constituído, admito a requerente Maria a constituir­-­se nos autos como Assistente.”

Diz o recorrente:
“No caso do crime particular, do crime de injúria, a constituição como assistente tem de ser indeferida por não ter sido requerida no prazo estabelecido nos arts. 246.°, n.° 4, e 68.°, n.° 2, do CPP, porque sendo um prazo peremptório, não tendo sido requerida a constituição como assistente nesse prazo, caducou o direito da queixosa/ofendida requerer a sua constituição como assistente, relativamente ao crime particular. Por isso, o douto despacho recorrido ao admitir a constituição e intervenção da queixo­sa como assistente pelo crime de natureza particular, violou directamente o disposto nos arts. arts. 68.°, n.° 2, e 246.°, n.° 4, do CPP, e indirectamente os artigos 48.°, 49.°, 50.°, 283.°, n.° 3, 285.°, do CPP e 181.° e 188.° do CP, porquanto ao admitir a sua constituição como assistente, nesta parte, vai permitir que o assistente possa vir a deduzir uma acusação particular que de outro modo não poderia deduzir. Motivo pelo qual deve ser revogado e em consequência indeferir-se a constituição como assistente da queixosa, na parte referente ao crime particular.”
Afigurasse-nos, no entanto, que tem razão o PGA quando diz que “o despacho criticado, no seu essencial, afinal é conforme com a pretensão do recorrente, não estando em desacordo com ele”.
Na verdade, no despacho recorrido não se diz que se admite como assistente a ofendida quanto ao crime de injúrias.
O que se diz é que “se admite como assistente”, sendo certo que “a denunciante veio requerer a sua constituição como assistente, e o Ministério Público se pronunciou no sentido de deferimento do requerido no que toca ao denunciado crime de ofensa à integridade física, p. p. pelo artigo 143.° do Código Penal, de natureza semi-pública e indeferimento no que concerne ao crime de injúria, p. p. pelo artigo 181.° do Código Penal, dado que a requerente só veio requerer a sua constituição como assistente em 03/10/2007, pelo que se mostra extemporâneo tal pedido”.
Também se diz que “no caso concreto, dado que os factos alegadamente ocorreram em 23-06-2007, constata-se que à data em que foi apresentado o requerimento de constituição como assistente, ainda não tinham decorrido 6 meses desde a prática dos mesmos, pelo que a denunciante sempre poderia renovar a queixa e requerer a sua constituição como assistente, no que concerne ao aludido crime de natureza particular”.
O que não quer significar que se admita como assistente quanto ao crime de injúria.
Vejamos o que diz o ilustre PGA no seu parecer, e que passamos a transcrever, em itálico, na parte que nos interessa:
Importa, antes de tudo, proceder à delimitação do recurso para dela se retirar a devida conclusão.
Parte o recorrente do princípio que o despacho posto em crise outorgou a assistência penal à ofendida Maria no que concerne ao crime de injúrias de que a mesma se queixou. Justamente por assim entender é que foi apresentado o recurso.
Questão é saber se do despacho criticado se pode e deve retirar a conclusão de que nele foi aquela Maria admitida como assistente quanto ao mencionado ilícito.
Com a ressalva de melhor e mais avisada opinião, não cremos que o despacho em causa tenha decidido na forma proposta pelo recorrente.
Se bem entendemos o que consta no citado despacho (certamente que uma aclaração poderia ter sido um caminho a trilhar) e no que tange ao crime de injúrias, o julgador apenas dá uma opinião sem tornar uma posição definitiva no caso.
O que o julgador expressa nesse despacho é a sua posição adversa à tese do M°P°. Esta, devidamente acobertada por oportuna e consistente jurisprudência da Relação do Porto, considera, efectivamente, que o prazo previsto no art. 68, n°2 do C. P. Penal reveste natureza peremptória.
O despacho criticado invoca jurisprudência desta casa, podendo, como é natural, ter-se socorrido de outra no mesmo sentido, curiosamente da referida Relação do Porto. Seja o caso o acórdão de 08/11/2006, proc. 0643505, relator António Gama.
Nele se escreveu: “Conexionada com esta questão está a de saber se o prazo de oito dias para a constituição do assistente a que alude o art. 68° n.º 2 do Código Processo Penal, é um prazo peremptório, pois daí derivam várias consequências. A nossa resposta, na ausência de norma expressa, é negativa, pois entendemos que esse prazo não é, pelo menos absolutamente, peremptório, nem definitivamente preclusivo, não originando necessariamente que após o seu decurso o acto não mais pode ser praticado.
Estamos assim em total desacordo com o entendimento seguido pelo Ministério Público e pelo Ex.mo juiz de instrução criminal.
Notificado o ofendido por crime particular para se constituir assistente, e não o fazendo, o decurso do prazo para tal efeito assinalado no art. 68° n.º 2 do Código Processo Penal, não implica, necessariamente, que jamais o ofendido se possa constituir assistente. Parece-nos que, pelo monos, dentro do prazo em que ainda se não extinguiu o direito do queixa, art. 115° do Código Penal, ou no máximo dentro do prazo da prescrição, pressupondo que a queixa foi apresentada, o ofendido pode ainda desencadear a sua constituição como assistente por crime particular.
A ratio do art.° 68º n.° 2 Código Processo Penal é obstar a que inutilmente se ponha a funcionar a máquina da investigação com os conhecidos custos. Assim sendo o prazo do art. 68° n. 2 do Código Processo Penal processual, não é peremptório no sentido do preclusivo. Não se constituindo o ofendido assistente num crime particular, falecendo ao Ministério Público legitimidade para o procedimento, ocorre como que uma suspensão da instância, não incompatível com o arquivamento: arquivamento provisório e não definitivo, pelo menos enquanto não se esgotar o prazo de apresentação da queixa (posição minimalista) ou enquanto não prescrever o procedimento, pressupondo que o ofendido apresentou queixa (posição maximalista).
De outro modo, por via da aplicação do art.° 68° n. °2 do Código Processo Penal criava-se, por via interpretativa, contra a vontade do legislador, uma nova causa de extinção do procedimento criminal, via vedada pela Constituição uma vez que se violava o sagrado princípio da divisão de poderes - criava-se uma norma cuja competência cabe ao poder legislativo - e limitava-se do mesmo passo e de modo desproporcionado e efectivo o acesso ao direito e aos tribunais que é reconhecido aos ofendidos, o que não é consentido pelo art. 20° da Constituição.
Neste enquadramento a repetição do pedido de constituição como assistente por parte da ofendida em 23.1.2006, endereçado ao Ex.rno juiz de instrução criminal, porque ainda dentro do prazo para apresentação do queixa é tempestiva e desencadeia necessariamente a obrigação da sua apreciação, pelo que, também por este prisma procede a pretensão da recorrente”.
O julgador, na forma acima exposta, coincidente com o saber deste último aresto, diverge do M°P° quanto à natureza do prazo, porém apenas circunscreve a questão sem contudo tomar posição sobre o pedido de constituição de assistente.
No despacho em causa, dá-se orientação sobre a dinâmica processual que o ofendido deveria assumir: “sempre poderia renovar a gueixa e requerer a sua constituição como assistente, no que concerne ao aludido crime de natureza particular”.
Ou seja, entende o julgador, quanto à questão da admissão como assistente e porque o prazo constante do art. 68, n°2 não possui natureza peremptória, que a denunciante teria de renovar a queixa, se estivesse ainda em tempo para tal, requerendo, então, a sua constituição como assistente.
Ao assim proceder, não decidiu o julgador a admissão como assistente da denunciante Maria quanto ao crime de injúrias. Opinou que para que isso pudesse acontecer tinha de renovar a queixa e requer a sua constituição como assistente. É o que resulta do que está escrito no despacho criticado. É, pelo menos, a leitura que fazemos e na qual acreditamos.
O processo relativamente ao crime de injúrias estava já arquivado pelo M°P° como resulta de fls. 24, por falta de legitimidade deste para o exercício da acção penal.
A constituição de assistente por tal ilícito, como resulta do despacho em causa, apenas poderia ocorrer através da renovação da queixa.
Determinando-se a admissão da requerente como assistente nos presentes autos e estatuindo o art. 68, n°3 que Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, “aceitando-o no estado em que se encontrar”, porque em causa estava apenas a assistência após a dedução da acusação, o deferimento da assistência estava confinado ao ilícito penal vertido na acusação. É este o limite do despacho acima referido.
Assim sendo, importa, pois, tomar a consequência devida.
O tema posto em evidência no recurso, afinal não foi objecto de decisão. Esta, afinal, perseguiu, no essencial, a posição perfilhada pelo M°P° - não admissão da denunciante como assistente quanto ao crime de injúrias. Estamos, portanto, diante duma situação de manifesta improcedência...”
E, mais adiante:
“Norteados por estas orientações, parece resultar claro que o M°P° está a impugnar algo que não foi objecto de decisão, está a bater-se por uma tese que foi contrariada no despacho criticado, mas apenas ponderado duma forma lateral ou marginal, sem que clara e objectivamente constituísse o pomo da discórdia.
A decisão final é, pois, favorável à pretensão do recorrente e porque lhe é favorável, então, o recurso não possui razão de ser. Um considerando da mesma, não é, notoriamente, a sua pedra angular. Apesar de o M°P° ter opinião diversa da do julgador sobre a natureza do prazo a que alude o art. 68, n°2 do C. P. Penal, certo é que no despacho se perfilhou a opinião de que para que a denunciante pudesse intervir em relação ao crime de injúrias como assistente teria de “renovar a queixa”. Ora, é situação que não se apresenta neste processo”.
E, vendo bem as coisas, na verdade é como o ilustre PGA refere, ou seja o magistrado do M.P.º na 1.ª instância recorre de um despacho que afinal, perseguiu, no essencial, a posição perfilhada pelo M°P° - não admissão da denunciante como assistente quanto ao crime de injúrias.
Só assim se pode entender a referência feita no despacho á posição que a ofendida Florinda poderia tomar, quando se diz “à data em que foi apresentado o requerimento de constituição como assistente, ainda não tinham decorrido 6 meses desde a prática dos mesmos, pelo que a denunciante sempre poderia renovar a queixa e requerer a sua constituição como assistente, no que concerne ao aludido crime de natureza particular”.
Se não vejamos.
- Em 25/06/2007 foi apresentada a denúncia criminal pela ofendida Maria contra a arguida Fernanda por injúrias e ofensas corporais (fls. 22).
- Em 25/06/2007 foi a ofendida notificada de que se tinha, obrigatoriamente, de constituir assistente quanto ao crime de natureza particular e no prazo de oito dias seguidos contados desde a notificação, sob pena de arquivamento no que diz respeito ao crime que reveste natureza partícula (fls. 23).
- Por despacho de 8/10/2007, o M.P.º deduziu acusação contra a arguida Fernanda pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143 n.º 1 do C. penal, e determinou o arquivamento dos autos, nessa parte, nos termos do art. 277 n.º 1 do CPP no que diz respeito ao crime de injúrias (fls. 24 a 27).
- A ofendida Maria, em 4/10/2007, veio requerer a sua constituição como assistente simplesmente, não reagindo ao despacho de arquivamento do M.P.º na parte acima referida.
- Em 13/11/2007 foi proferido o despacho recorrido.
- Por ofício de 11/02/2008 foram os interessados notificados nos termos e para os efeitos do art. 417 n.º 2 do C. P. Penal, nada tendo dito.
Por tudo isto estamos de acordo com o ilustre PGA quando defende que o magistrado do M.P.º na 1.ª instância recorre de um despacho que afinal, perseguiu, no essencial, a posição perfilhada pelo M°P° - não admissão da denunciante como assistente quanto ao crime de injúrias.
Recurso sem objecto, portanto.
Dispõe o art.º 420º nº 1) do C.P.P. que deve ser rejeitado o recurso sempre que for manifesta a sua improcedência, como tal se devendo entender as situações em que, considerada a factualidade apurada, a lei aplicada e a jurisprudência dos tribunais superiores, seja patente a sem razão do recorrente, desde logo através de um exame perfunctório aos factos, normas legais aplicáveis e jurisprudência corrente dos tribunais superiores – cfr. Simas Santos/Leal Henriques – "Recursos em Processo Penal" pág. 111. e Ac. do STJ de 2005/Out./20 in www.dgsi.pt.
Ora como vimos do decorrer dos autos a posição sustentada pelo recorrente não tem sustentação perante os factos acima descritos, sendo clara a inviabilidade do recurso.
***
DECISÃO :
Termos em que, em consequência do exposto e das disposições legais citadas, de harmonia com o preceituado nos art. 419, 420 n.º 1 e 3), e 428 do C.P.P. acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em rejeitar, por manifestamente improcedente, o recurso interposto, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
Sem tributação.
Notifique.
Guimarães, 10 de Julho de 2008.
***
VOTO DE VENCIDO
I.
1. No processo de inquérito NUIPC 946/07.5GBBCL, foi proferido, no 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, o despacho judicial de que, infra, reproduzimos a parte que, ora, interessa:

« Nos presentes autos a denunciante Maria veio requerer a sua constituição como assistente.
« O Ministério Público pronunciou-se no sentido de deferimento do requerido no que toca ao denunciado crime de ofensa à integridade física, p. p. pelo artigo 143.° do Código Penal, de natureza semi-pública e indeferimento no que concerne ao crime de injúria, p. p. pelo artigo 181.° do Código Penal, dado que a requerente só veio requerer a sua constituição como assistente em 03/10/2007, pelo que se mostra extemporâneo tal pedido.
« Cumpre apreciar e decidir.
« Nos termos do artigo 68.°, n.º 2, do Código de Processo Penal tratando-se de crime que dependa de acusação particular, o requerimento de constituição como assistente tem lugar no prazo de 10 dias, a contar da advertência referida no n.° 4 do artigo 246.°.
« In casu, [a] requerente foi notificada para esse efeito, tendo vindo a requerer a sua intervenção nos autos como assistente, já depois de decorrido o respectivo prazo.
« Não obstante, somos de entendimento que o aludido prazo não assume natureza extintiva desde de ainda não tenha decorrido o prazo de extinção do direito de queixa - cfr. artigo 115.° do Código Penal.
« Ora, no caso concreto, dado que os factos alegadamente ocorreram em 23-06-2007, constata-se que à data em que foi apresentado o requerimento de constituição como assistente, ainda não tinham decorrido 6 meses desde a prática dos mesmos, pelo que a denunciante sempre poderia renovar a queixa e requerer a sua constituição como assistente, no que concerne ao aludido crime de natureza particular.
« Neste sentido pode ver-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16-04-2007, proferido no âmbito do processo n.° 599/06.8PABCL, onde se refere que "Notificado o ofendido por crime particular para se constituir assistente, e não o fazendo, o decurso do prazo para tal efeito assinalado no artigo 68.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, não implica, necessariamente, que jamais o ofendido se possa constituir assistente. Parece-nos que, pelo menos, dentro do prazo em que ainda não se extinguiu o direito de queixa, artigo 115.° do Código Penal, ou no prazo máximo da prescrição, pressupondo que a queixa foi apresentada, o ofendido pode ainda desencadear a sua constituição como assistente por crime particular".
« Conclui-se neste aresto que "O prazo previsto no artigo 68.°, n.° 2 do Código de Processo Penal não é um prazo peremptório substantivo de caducidade, mas um prazo processual e em princípio não peremptório. De outro modo o intérprete criava uma nova causa de extinção do procedimento criminal duplamente inconstitucional, pois substituí-se ao legislador na criação da norma afrontando a divisão de poderes, depois restringia de forma desproporcionada e efectiva o direito de acesso ao Tribunal do ofendido".
« Decidindo
« Pelo exposto, por se mostrar legalmente admissível, ter legitimidade para o efeito, estar em tempo, beneficia de apoio judiciário na modalidade de isenção de pagamento de taxa de justiça e advogado constituído, admito a requerente Maria Florinda Gomes da Silva a constituir­-­se nos autos como Assistente.
« (…)

2. Inconformado com esta decisão, o Ministério Público trouxe dela recurso para esta Relação.
Rematou a motivação do recurso que interpôs, com a formulação das seguintes conclusões:

« 1.° – O prazo estabelecido nos arts. 68.°, n.° 2, e 246.°, n.° 4, do CPP, é um prazo peremptório.
« 2.° – No caso em apreço o queixoso foi regular e pessoalmente notificado em 25/06/2007, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 246.°, n.° 4, do CPP, para em 8 dias se constituir assistente, dos procedimentos a observar e das respectivas consequências.
« 3.° – Porém o queixoso só em 03/10/2007, já depois de ter expirado o prazo estabelecido no art. 68.°, n.° 2, do CPP, é que requereu a sua constituição como assistente.
« 4.° – In casu o assistente queixa-se por factos susceptíveis de integrarem a eventual prática dos crimes de ofensa à integridade física simples e injúria, previsto e punido pelo artigos 143.° e 181.° do CP.
« 5.° – Se relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples, crime de natureza semi pública, é inquestionável a legitimidade e admissibilidade da constituição como assistente, por força das disposições conjugadas dos arts. 113.°, n.° 1, e 143.° do CP, e 68.°, n.°s 1, alíneas a) e b), 3, alínea a), 70.° e 519.° do CPP, já o mesmo não se poderá dizer quanto ao crime de injúria, por força do disposto no art. 68.°, n.° 2, do CPP.
« 6.° – No caso do crime particular, do crime de injúria, a constituição como assistente tem de ser indeferida por não ter sido requerida no prazo estabelecido nos arts. 246.°, n.° 4, e 68.°, n.° 2, do CPP, porque sendo um prazo peremptório, não tendo sido requerida a constituição como assistente nesse prazo, caducou o direito da queixosa / ofendida requerer a sua constituição como assistente, relativamente ao crime particular.
« 7.° – Por isso, o douto despacho recorrido ao admitir a constituição e intervenção da queixo­sa como assistente pelo crime de natureza particular, violou directamente o disposto nos arts. arts. 68.°, n.° 2, e 246.°, n.° 4, do CPP, e indirectamente os artigos 48.°, 49.°, 50.°, 283.°, n.° 3, 285.°, do CPP e 181.° e 188.° do CP, porquanto ao admitir a sua constituição como assistente, nesta parte, vai permitir que o assistente possa vir a deduzir uma acusação particular que de outro modo não poderia deduzir.
« 8.° – Motivo pelo qual deve ser revogado e em consequência indeferir-se a constituição como assistente da queixosa, na parte referente ao crime particular.

3. Cumprido o disposto no art.º 411.º, n.º 6, do Código de Processo Penal (CPP) não foi apresentada resposta.
4. Admitido o recurso, nesta instância, o Ex.mo Procurador-geral adjunto (PGA) deu parecer no sentido de que o recurso deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente, por o despacho criticado, no seu objecto essencial, afinal, ser conforme com a pretensão do recorrente, não estando em desacordo com ele.
5. Realizado o exame preliminar, por não se verificar obstáculo ao conhecimento imediato do recurso e não ser caso de julgamento em decisão sumária nem em audiência, determinou-se que, uma vez colhidos os vistos legais, fossem os autos remetidos para julgamento em conferência, dos trabalhos desta tendo resultado o presente acórdão.


II.
1. Não concordando nós com a, hábil embora, posição do MP nesta instância, por se nos afigurar que a leitura que o MP na 1.ª instância fez do despacho recorrido corresponde, de facto, à intenção decisória da sua prolatora e que os termos em que o despacho foi redigido traduzem de forma razoavelmente clara tal intenção, temos que a questão em que o recurso se resume é a de saber se o decurso prazo de 10 dias do art.º 68.º, n.º 2, é extintivo do direito do queixoso a constituir-se assistente ou não.
2. Nós mesmos, em acórdão com o mesmo relator do presente (()- O acórdão de 2006/01/16, proferido no recurso n.º 971/05-1, ao que sabemos inédito. ), já tomamos posição sobre a questão, nos termos seguintes:

« «(…) o nosso entendimento da questão é o de que não pondo a lei restrições ao exercício do direito de queixa, dentro do prazo do art.º 115.º, n.º 1, do CP, a não ser na previsão do art.º 116.º, n.º 1, do CP, não há obstáculo a que a queixa por crime particular, que não foi complementada com a declaração exigida pelo art.º 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal (CPP) ou que, tendo-o sido, não deu lugar à constituição atempada do queixoso como assistente, no prazo de oito dias, do art.º 68.º, n.º 4, do CPP, possa ser renovada, desde que dentro do período de seis meses, do art.º 115.º, n.º 1, referido, por forma a dar-se cumprimento às ditas exigências legais.
« Esta doutrina encontra apoio, v. g., nas seguintes decisões:
« – Acórdão da Relação do Porto de 10 de Novembro de 1993, apud Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, Tomo V-1993, pág. 252 e s., sendo a seguinte a primeira proposição do sumário aí publicado:
« I – Se o ofendido de crime de natureza particular não declarar, na denúncia,, que pretende intervir no processo como assistente, pode fazê-lo posteriormente, por si ou por mandatário, quer espontaneamente, quer por sugestão do Ministério Público, desde que não tenha decorrido, ainda, o prazo de caducidade do direito de queixa.»
« Da fundamentação deste acórdão, consta, além do mais a seguinte passagem:
« A denúncia pode ser feita verbalmente ou por escrito, podendo o denunciante, na denúncia, declarar que pretende constituir-se assistente, declaração essa que é obrigatória tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular (cf., art.º 246.º, n.os 1 e 4, do Cód. Proc. Penal).
« Se, porém, denunciada uma infracção de natureza particular, o ofendido não tiver inscrito na denúncia a declaração de que pretende constituir-se assistente, quid juris? Em face da obrigatoriedade da declaração, a falta desta implicará que o processo não prossiga, mas já não a extinção do direito de queixa ou do procedimento criminal.
« Sendo assim, o queixoso terá a porta franqueada, se não tiver ainda decorrido o prazo de caducidade do direito de queixa (cf., art.º 112.º, n.º 1, do Cód. Penal), para apresentar nova denúncia, agora com observância daquela exigência legal; e nada impedirá, até por um princípio de economia processual, que venha ao processo, por sua própria iniciativa ou por convite da entidade que deveria presidir ao inquérito, corrigir a denúncia, completando-a por requerimento em que manifesta o propósito de se constituir assistente, com o que se evita que motivos puramente formais prevaleçam sobre o fundo. (...)»
« – Acórdão da Relação de Lisboa de 16 de Novembro de 1994, apud Colectânea de Jurisprudência, ano XIX, Tomo V-1994, pág. 151 e s., com o seguinte do sumário aí publicado:
« Não preclude o direito de constituição de assistente por crime particular a circunstância de o ofendido ter requerido a sua constituição e não ter pago a respectiva taxa de justiça, desde que o venha a fazer posteriormente, em tempo de exercer o direito de queixa.»
« Também na fundamentação deste acórdão se escreveu, com interesse para a questão que nos ocupa:
« Põe-se, por isso, a questão de saber se, tendo o queixoso já requerido a sua constituição como assistente e não tendo pago a taxa de justiça devida no prazo legal (art. 192º CCJ), isso não o terá impedido de, posteriormente, vir a ser admitido como tal, embora o seu pagamento haja sido feito, em prazo, mas depois de nova notificação, para o efeito, ordenada pelo M. P.
« Dir-se-á que não por se ter precludido o direito à sua admissão no processo como assistente.
« Só que a figura da preclusão, já relutante no domínio do processo civil (cf. Manuel de Andrade, in «Noções Elementares de Processo Civil», 354, ss; Chiovenda «Caso Julgado e Preclusão», in «Ensayos...» III), não opera bem aqui. Nada a impõe e tudo a afasta.
« Do que se trata, pois, é de inventar subrepticiamente uma causa de extinção do direito de queixa legalmente não prevista. Até proibida porque, sendo uma figura do direito adjectivo, se intromete no direito substantivo de queixa. Decerto é um meio (processual) a querer subrogar-se a um fim (criminal).
« Com efeito, o direito subjectivo de queixa por crime particular apenas se extingue pelo decurso do prazo de seis meses, a contar da data em que o seu titular teve conhecimento do facto e dos seus autores (artigos 111º,112º, nº 1, proémio, e 116º CP); (...)»
« E, finalmente,
« – O Acórdão da Relação do Porto de 25 de Outubro de 2000, apud Colectânea de Jurisprudência, ano XXV, Tomo IV-2000, pág. 236 e s., com o seguinte do sumário aí publicado:
« A queixosa de um crime particular, que se não constituiu assistente no prazo de 8 dias contados da apresentação da queixa, não perde o direito de o fazer se, no prazo de 6 meses estabelecido no artº 115º, nº 1, do CPP, apresentar nova queixa pelos mesmos factos e, no prazo de 8 dias subsequentes à apresentação da nova queixa, requerer para intervir no processo como assistente.»
« Também neste acórdão se argumentou o seguinte:
« Nos termos prevenidos no art.º 188º (corpo), do C. Penal, o procedimento criminal pelo crime em referência (injúria, do art.º 181, do C. Penal) depende de acusação particular.
« Dispõe, por sua vez, o art.º 50º, n.º 1, do C. P. Penal que, em tais casos, é necessário que o ofendido se queixe, que se constitua assistente e que deduza acusação particular (trata­-se dos chamados crimes particulares), condições de procedibilidade sem as quais o Mº Pº carece de legitimidade (cfr. art.º 48º, do C. P. Penal) para a promoção do proce­dimento criminal, na medida em que o estatuto processual deste (titular exclusivo da promoção do processo penal), independentemente da assistência do auxílio processualmente consentido ao ofendido (com particular relevo nos crimes particulares), é determinante para a sobrevivência do processo.
« Como assinala o Cons. Maia Gonçalves, no «Código de Processo Penal, Anotado», 1999, pág. 167, «subsistindo restrições ao exercício da acção penal por parte do M.º P.º, este carecerá de legitimidade, faltando uma condição de procedibilidade. Em tal caso, o M.º P.º deverá abster-se de continuar o procedimento criminal», até porque o inquérito deve ser arquivado nomeadamente quando for legalmente inadmissível o procedimento, visto o disposto no artº 277º, nº 1, última parte, do C. P. Penal.
« Questão é a de saber, no caso, se, corrido o prazo de 8 dias consignado no artº 68º, nº 2, do C. P. Penal, sem que a queixosa se haja constituído assistente, esta pode, com base em nova queixa pelos mesmos factos, ver reaberto esse prazo, ver renovada essa faculdade.
« Afigura-se que a resposta não pode deixar de ser positiva.
« Formulada a segunda queixa no prazo de seis meses estabelecido no art.º 115º, n.º 1, do C. P. Penal, eliminada a inobservância (verificada na primeira queixa apresentada) do disposto no citado n.º 2 do art.º 68º, nada se afigura obstar ao deferimento do pedido de constituição de assistente por parte da queixosa.
« De outro modo, seriam razões de forma a prevalecer, sem razão, sobre o fundo, sobre a possibilidade de a queixosa impulsionar, como é seu manifesto desejo e direito, o procedimento criminal contra o denunciado.»

3. Mais recentemente, foi publicado o Acórdão da Relação de Guimarães de 23 de Abril de 2007 (() Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXII, Tomo II, 2007, pp. 291 e ss.) – no qual, aliás, se louva a Ex.ma prolatora da decisão recorrida – que, por seu turno, chama à colação alguns argumentos utilizados no Acórdão da Relação do Porto de 2006/11/08 (n.º convencional JTRP0003968) (() Este, citado sem indicação de lugar de publicação. ).
É o seguinte o sumário publica do referido acórdão da Relação de Guimarães:
I — O prazo previsto no art. 68°, n° 2, do Cód. Proc. Penal não é um prazo peremptório.
II — Por isso, sempre que, dentro do prazo do exercício da queixa, a pessoa com a faculdade de se constituir assistente apresente o respectivo requerimento, o Ministério Público mantém a legitimidade para prosseguir o inquérito.
Afigurando-se-nos como de destacar, na fundamentação do acórdão em referência, os passos que adiante transcrevemos:
O assistente, nos termos da lei, tem a posição de colaborador do Ministério Público, que é, sempre, o titular da acção penal, mesmo nos casos de procedimento dependente de acusação particular – art. 69°.

« Com vista a regular o modo como se acede à posição de assistente, a lei estabelece os respectivos trâmites.
« Desde logo, tratando-se de crime cujo procedimento dependa de acusação particular, a denúncia deve conter, obrigatoriamente, a declaração do propósito de constituição como assistente – art. 246°, n° 4. No mesmo preceito, estabelece-se que, neste caso, deve a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
« Trata-se, como é patente, de uma duplicação, de formalismos com a mesma finalidade, ou seja, a constituição de assistente nos casos de crime particular, de forma a assegurar a legitimidade de procedimento para o qual o M° P° a não tem – art. 50°.
« O que a lei pretende é, pois, que aqueles de quem depende a acusação particular assumam, em determinado tempo, a posição de colaboradores do Ministério Público.
« A lei não estabelece nenhuma sanção específica para a omissão de qualquer das duas obrigações, a não ser a da ilegitimidade, a conhecer a todo o tempo.
« (…)
« A falta de legitimidade do Ministério Público, no caso dos crimes particulares, tem um prazo contado, qual é do exercício da queixa e, por isso, sempre que, dentro desse prazo, o titular do direito de queixa accionar os meios para se constituir como assistente, mantém-se, ou retoma-se a legitimidade do Ministério Público.
« Por outras palavras, a legitimidade do Ministério Público está condicionada pelo prazo de que o ofendido dispõe: para accionar a denúncia e o mesmo ofendido, dentro desse mesmo prazo, tem a faculdade de se constituir como assistente.
« (….)
« Deve também dizer-se que se não compreenderia o simples não cumprimento do prazo para a constituição como assistente tivesse consequência tão severa como o arquivamento dos autos, quando é certo que tal omissão nem é catalogada como nulidade e, aliás, o denunciante poderia sempre renovar a queixa (e, como é óbvio, regularizar a sua constituição como assistente) se ainda estivesse dento prazo dos seis meses previstos para a queixa.
« E, se por acaso se entender que se trata de uma mera irregularidade (cfr. art. 118°, n°s 1 e 2), ela caberia na previsão do art.º 123° e assim, a inobservância de tal prazo até pode ser mandada reparar oficiosamente.
« * * *
« (…) veja-se o seguinte Acórdão: N° Convencional JTRP0003968: 08/11/06 (,,,)
« (…)
« Notificado o ofendido por crime particular para se constituir assistente, e não o fazendo, o decurso do prazo para tal efeito assinalado no art. 68°, n° 2, do Cód. Penal, não implica, necessariamente, que jamais o ofendido se possa constituir assistente.
« Parece-nos que, pelo menos, dentro do prazo em que ainda se não extinguiu o direito de queixa, art. 115 Cód. Penal, ou, no máximo, dentro do prazo de prescrição, pressupondo que a queixa foi apresentada, o ofendido pode ainda desencadear a sua constituição como assistente por crime particular.
« A ratio do art. 68°, n° 2, Cód. Proc. Penal é obstar a que inutilmente se ponha a funcionar "a máquina" da investigação. com os conhecidos custos. Assim sendo, o prazo do n° 2. do Cód. Proc. Penal processual, não é peremptório no sentido de preclusivo. Não se constituindo o ofendido, assistente num crime particular, falecendo ao Ministério Público legitimidade para o procedimento, ocorre como que uma suspensão da instância, não incompatível com o arquivamento: arquivamento provisório e não definitivo, pelo menos enquanto não se esgotar o prazo de apresentação de queixa (posição minimalista) ou enquanto não prescrever o procedimento, pressupondo que o ofendido apresentou queixa (posição maximalista).
« De outro modo, por via da aplicação do art. 68°, n° 2, do Cód. Proc. Penal, criava-se, por via interpretativa, contra a vontade do legislador, uma nova causa de extinção do procedimento criminal, via vedada pela Constituição uma vez que se violava o sagrado princípio da divisão de poderes – criava-se uma norma cuja competência cabe ao poder legislativo – e limitava-se do mesmo passo e de modo desproporcionado e efectivo o acesso ao direito e aos tribunais que é reconhecido aos ofendidos, o que não é consentido pelo art. 20° da Constituição.

4. Toda esta elaboração teorética à roda dos efeitos de um prazo legal acaba, apesar da posição por nós já uma vez assumida e que acima transcrevemos, por se nos afigurar como um tanto excessiva, quer nos propósitos, quer nas conclusões.
A nosso ver, a hesitação jurisprudencial relativa ao comando legal do n.º 2 do art.º 68.º do CPP fundava-se, mais do que no teor deste artigo, na sua articulação com o disposto no n.º 4 do art.º 246.º do CPP, sendo, ainda, de considerar o disposto no art.º 245.º do mesmo diploma legal. E dizemos fundava-se, por termos na ideia a conformação dos referidos dispositivos legais nas versões respectivas anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (L 48/2007).
Constava então dos mesmos:

«Artigo 68.º
(Assistente)
(…)
2. Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular. o requerimento tem lugar no prazo de oito dias a contar da declaração referida no art.º 246.º, n.º 4.
(…)»
«Artigo 246.º
(Forma e conteúdo da denúncia)
(…)
4. O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
(…)»
«Artigo 245.º
(Denúncia a entidade incompetente para o procedimento)
A denúncia feita a entidade diversa do Ministério Público é transmitida a este no mais curto prazo

Pois bem, o mecanismo processual que se gerava na articulação dos normativos acabados de citar, tinha implícitas zonas de opacidade entre a apresentação da denúncia, a remessa desta ao MP – quando a denúncia, como ocorre na maioria dos casos, não fosse feita perante ele – e o preciso momento em que ao denunciante era feita a advertência do n.º 4 do art.º 246.º – que podia não coincidir com a apresentação da denúncia, se esta, como chegou a ocorrer, fosse apresentada sem a competente declaração de intenção de constituição de assistente –, que tornavam não impossível que, quando o denunciante chegasse a estar em condições de se constituir assistente – quando por mais não fosse, por chegar a ter a imprescindível informação dobre os procedimentos a observar – o prazo para tal já ter sido ultrapassado. E a possibilidade de tal ocorrer, aliada à impossibilidade de fazer uma interpretação das citadas normas que as concatenasse de forma a evitar as negativíssimas consequências éticas dessa hipótese, estiveram na génese, se bem pensamos, do pensamento que abriu a porta à renovação da queixa no prazo legal da sua realização, como forma subliminar de assegurar que o direito do queixoso não pudesse ficar inviabilizado, por uma deficiência da própria lei. Nessa medida, tal pensamento foi meritório, porque se decantou pela salvaguarda do essencial.
Mas hoje as coisas são diferentes.
Com a entrada em vigor da referida Lei 48/2007, o n.º 4 do art.º 246.º do CPP permaneceu intocado. Mas o art.º 245.º e sobretudo o n.º 2 do art.º 68.º do CPP, foram alterados passando a ficar com as seguintes redacções:
«Artigo 245.º
(Denúncia a entidade incompetente para o procedimento)
A denúncia feita a entidade diversa do Ministério Público é transmitida a este no mais curto prazo, que não pode exceder dez dias

«Artigo 68.º
(Assistente)
(…)
2. Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular. o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no art.º 246.º, n.º 4.

Temos, assim, em consequência, que é com a “advertência” que se inicia o prazo, agora de dez dias, para a constituição de assistente, e compreendendo tal “advertência” a informação de obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar, é eliminada a possibilidade de o prazo se iniciar sem que o denunciante fique esclarecido dos concretos passos a dar, para, durante os dez dias do prazo, poder concretizar a pretendida constituição de assistente.
Por outro lado, estando, agora, a discricionariedade do OPC, no que respeita à transmissão da denúncia ao MP, ficado limitada ao prazo de dez dias, isso impõe­-lhe, no curto prazo, uma programação da tramitação dos autos mais apertada, que lhe torna mais fácil concretizar junto do denunciante os procedimentos a executar para se constituir assistente. E se essa indicação de procedimento não viabilizar que o denunciante possa, de facto, utilizar todos e qualquer dos dias do prazo assinado para a prossecução do referido fim – ainda que, apenas, por, pontualmente, a mesma não se mostrar executável, na pratica, sem culpa do denunciante –, ficará este em condições de invocar “justo impedimento” perante o tribunal e habilitar este, pelo conhecimento de que fica dotado dos específicos pontos de não ajustamento do processado ao cumprimento do prazo em causa, a decidir a questão pela via processual “normal” desse incidente.
Isto para se concluir que a lei é hoje muito mais perfeita e clara na definição do mecanismo da denúncia dos crimes particulares e na salvaguarda dos direitos dos denunciantes.
Ora, ubi comoda ibi incomoda, e se por um lado é imprescindível que os direitos sejam objecto de efectiva tutela, por outro não é necessário estender essa tutela para além do fim do próprio direito.
No nosso entender a exigência de constituição de assistente prende-se menos com a legitimidade do MP para a acção penal do que com a legitimidade do próprio lesado para suscitar essa acção. Temos para nós que, se o que estivesse em causa fosse a legitimidade do MP o legislador teria encontrado meios mais expeditos de lha conferir e retirar, sem necessidade de a vincular à alea da acção de terceiros.
Os crimes particulares, pela sua natureza, tutelam áreas da acção humana em que a natureza subsidiária do direito penal se reforça, a ponto de o estado se desinteressar de, por si só, perseguir e punir certas acções. Deixa à subjectividade do ofendido que seja ela a definir – certamente de acordo com a sua própria sensibilidade – a importância da acção, do ponto de vista da sua censurabilidade penal.
Ora, por assim ser e para evitar um uso inconsiderado de uma faculdade que, aos olhos da comunidade, serve eminentemente um interesse individual, a lei associa-lhe dois ónus, que faz impender sobre o ofendido e conjuga numa unidade: o de se queixar, afectando ao juízo sobre a gravidade da lesão a incomodidade do abandono da inércia, e o de se constituir assistente, no que o vincula a um esforço económico moderador e à garantia de que o impulso processual dado na queixa não resulta de uma emoção passageira e se projectará numa actividade futura consequente. Com isto assegura-se que as queixas não proliferam ao acaso de caprichos, dá-se seriedade aos processos e, com eles, aos próprios bens jurídicos tutelados – pense-se na honra, por exemplo – e poupa-se o próprio esforço comunitário a um pára-arranca processual desconexo, fatigante …e caro.
Sendo assim, como pensamos que é, é necessário que a queixa e a constituição de assistente revistam uma proximidade complementar e unificadora. Permitir que a queixa se faça agora e que a constituição de assistente se deixe para quando mais convier, não faz qualquer sentido. Por isso compreende-se muito bem que o legislador tenha optado por um prazo curto, de dez dias, para que, feita a queixa, se complemente a mesma com a constituição de assistente. E note-se que, se num prazo dilatado de seis meses, que é o de que dispõe para fazer a queixa, certo ofendido se compenetra de que a lesão é tão importante que justifica que ele se queixe, o prazo de dez dias que lhe é dado para que se constitua assistente é realmente adequado, porque o que é verdadeiramente importante – queixar-se – já está decidido, relevando a constituição de assistente da mera prática de actos materiais consequentes com essa decisão. Como também é ajustado aos fins do instituto, que se o mesmo ofendido não utiliza o prazo legal para se constituir assistente, deixe de poder fazê-lo, inutilizando a queixa apresentada. Esta é a regra, em processo penal para a generalidade dos prazos que impendem sobre as partes. E não vale a pena falar-se, pensamos nós, a este propósito, de se criar por via processual uma nova causa de extinção do procedimento criminal. Não é disso que se trata. São inúmeros os actos – alguns de transcendente importância – que as partes deixam de poder praticar se o não fizerem no prazo que a lei lhes assinala para tal efeito. Não é possível ordenar de forma minimamente coerente um processo judicial se assim não for. O ponto é que as regras de procedimento e as sanções associadas aos incumprimentos estejam claramente estabelecidas na lei. E neste caso, em nosso entender, agora estão.
Quanto à natureza do prazo, que diz a lei?
Dispõe o art.º 145.º do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável, ex vi do disposto no artigo 4.º do CPP e, ainda, do art.º 104.º, n.º 1, do CPP, que «o prazo é dilatório ou peremptório». E segundo os n.os 2 e 3 do mesmo artigo, «o prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo» e «o decurso de um prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto».
Não sendo, manifestamente, o prazo do art.º 68.º, n.º 2, um prazo dilatório não há como não considerar que se trata de um prazo peremptório.
Aliás, a bater certo com este raciocínio, o art.º 107.º, n.º 2, do CPP dispõe:

«Artigo 107.º
(Renúncia ao decurso e prática de acto fora de prazo)
(…)
2. Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior (() - Trata-se da «autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar» ) a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove o justo impedimento
Não há, assim, prazos de actos a praticar pelos interessados, em processo penal, que fujam ao regime estabelecido nesta artigo. Todos os prazos das “partes” que não sejam dilatórios são peremptórios.
Para se defender um regime diferente do do art.º 107.º, n.º 2, para o prazo do art.º 68.º, n.º 2, do CPP, teria de entender-se que o artigo se refere a um género de natureza diversa da de “prazo”, a outra coisa. Mas como é isso possível quando é a própria lei que utiliza a expressão «no prazo de dez dias» e se sabe que a interpretação da lei não consente um afastamento da sua letra que não mantenha um mínimo de correspondência com ela?
Por outro lado, a ideia de que a lei processual penal contém prazos não peremptórios ou meramente ordenadores só é verdadeira para os prazos daqueles actos que são praticados por dever funcional e no interesse de terceiros (por regra, actos do tribunal, de intervenientes incidentais nos autos, como, v. g. os peritos, ou de instituições que colaboram com o Tribunal, v. g., o Instituto de Reinserção Social (IRS) que são praticados no interesse do próprio processo e dos interessados nele – arguido, vítima, demandantes, demandados –, mas não por estes.
Mas mesmo os prazos destes actos, que são praticados por dever de ofício e que não podem deixar de o ser, por que deles depende o próprio processo estruturalmente, nunca são meramente indicativos. Ao seu incumprimento estão sempre associadas sanções, sejam elas de natureza penal, disciplinar ou, simplesmente pecuniária. Como tal, esta ideia de um prazo desligado de qualquer consequência, não é conforme nem com a lei expressa , nem com as linhas mestras orientadoras do próprio ordenamento processual penal.
Para finalizar, não aceitamos, também, a ideia de que a impossibilitação da constituição de assistente pelo esgotamento do prazo legal para tal acarreta a preclusão do direito de queixa. Não é verdade. Inutiliza-o, mas não preclude o seu exercício, porque o direito já foi exercido na liberdade que a lei garante ao seu exercício. Outros institutos há que inutilizam, extinguindo-o, o exercício de um direito, como a desistência de queixa, por exemplo. E se é verdade que a desistência corresponde a uma acção e a não constituição de assistente corresponde a uma omissão, não pode negar-se que esta é tão livre quanto aquela.
Acresce que o princípio que podemos retirar do nosso processo penal é o da irrepetibilidade dos actos processuais, enquanto não houver uma determinação judicial nesse sentido, normalmente precedida de anulação do acto que se manda repetir. Por norma os actos praticados geram consequências jurídicas, de sentido positivo ou negativo, que na forma que lhes corresponde tendem a estabilizar-se.
Por tudo o que vai dito e sem necessidade de mais extensa fundamentação, entendemos que o recurso deve proceder.
III.
Termos em que,
Acordaria em dar provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, mais determinado o indeferimento da requerida constituição de assistente de Maria, quanto ao crime de injúria
Ricardo Silva