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CITAÇÃO DE ESTRANGEIRO
CIDADÃO COMUNITÁRIO RESIDENTE NO ESTRANGEIRO
NECESSIDADE DE TRADUÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário
I - A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu que foi proposta contra ele uma determinada acção e se chama ao processo para se defender (artigo 228º, n.º 1 Código de Processo Civil). II - No caso de o citando residir ou ter a sede no estrangeiro, observar-se-á o que estiver previsto em tratados ou convenções internacionais e, na sua falta, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (artigo 247º, n.ºs 1 e 2). III – Sobre a citação no espaço comunitário rege o Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho da Europa. IV – Decorre do seu art. 8º, que com o pedido de citação ao estado membro não é obrigatório remeter a tradução da petição inicial e dos documentos. Esta é uma faculdade concedida aos requerentes. Porém o requerido, citando, tem o direito de exigir essa tradução e deve ser informado do mesmo pelo estado requerido. IV - Se houver recusa a citação não se completará ficando a cargo dos requerentes o ónus de promover a tradução.
Texto Integral
ACÓRDÃO
Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de Alcácer do Sal corre termos a Acção, com processo ordinário, nº 296/05.1TBASL, em que são autores, Maria Helena …………, Maria Fernanda ………………., Maria Celeste …………….. e Francisco……….., e réus, Município de Alcácer do Sal e Henry ……………., este residente em Amesterdão – Holanda.
Em 28-9-2005 o processo foi concluso ao Exmº Juiz com a seguinte informação:
“Com a informação que verifiquei agora que falta o verso do documento de fls. 59, tornando-se necessário o mesmo para enviar a carta rogatória com os documentos ao mandatário da parte para mandar proceder à sua tradução a fim de enviar esta às autoridades judiciais da Holanda para citação do réu ali residente, pelo que V. Exª ordenará o que tiver por conveniente”.
O Exmº Juiz proferiu então o seguinte despacho (fls. 132):
“Notifique os AA., para, em 10 dias, juntar aos autos a escritura pública de fls. 59/60 completa, devendo ainda, proceder à tradução da petição inicial e dos documentos que a acompanham, a expensas suas – art. 5º § 3 da Convenção de Haia – 1965.”
Em 7-11-2005 o processo foi de novo concluso ao Exmº Juiz com a seguinte informação:
“Com a informação a V. Exª de que foi enviada a carta rogatória com a respectiva petição inicial e os documentos juntos a esta, à mandatária dos autores, a fim de tais serem devidamente traduzidos. Acontece que foi enviada a este tribunal apenas a carta rogatória traduzida, não tendo vindo traduzidos a petição inicial e os respectivos documentos (agora juntos por linha), pelo que face ao exposto V. Exª ordenará o que tiver por conveniente.”
O Exmº Juiz proferiu então o seguinte despacho (fls. 166):
“ Renovo o despacho de fls. 132, tendo em conta que o Regulamento CE nº 1348/2000 de 29-5 (prevalecendo sobre a Convenção de Haia de 15-11-65) estabelece que a tradução dos actos judiciais cuja citação se requer é suportada pelo requerente (vd. Art. 5 nº2 do invocado regulamento. Notifique.)”
Os autores, notificados deste despacho, juntaram aos autos um requerimento em que manifestavam o seu desacordo sobre a necessidade de proceder à tradução da petição inicial e documentos anexos e concluíram o mesmo dizendo: “Em face do exposto, requer- -se muito respeitosamente a V. Exª se digne dar sem efeito o despacho de fls. 166 (e, consequentemente, o de fls. 132), ordenando a expedição da carta rogatória nos termos em que a mesma foi junta pelos autores. Caso não seja este o entendimento de V. Exª, e por mera cautela de patrocínio, interpõe-se desde já recurso …”.
O Exmº Juiz limitou-se a admitir o recurso.
Os autores juntaram as suas alegações de recurso, rematando as mesmas com as seguintes conclusões: 1.ª A presente acção foi intentada contra o Município de Alcácer do Sal e Henry ………………., este último residente em Noodermarkt, 14, 1015 A2, Amesterdão. 2.ª Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2004 “O direito adjectivo português de origem interna e internacional não exige que a citação de pessoas domiciliadas no estrangeiro por carta registada com aviso de recepção envolva a tradução da petição inicial, dos documentos que a acompanhem nem da nota de citação.” 3.ª No mesmo sentido se pronunciaram os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 27.03.2003. 4.ª Não obstante um dos citandos – o 2.º Agravado - residir fora do território português, os Agravantes não se encontram vinculados a traduzir a petição inicial e os documentos que a acompanham. 5.ª Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 8.º do Regulamento (CE) N.º 1348/2000 do Conselho de 29 de Maio de 2000, “A entidade requerida avisa o destinatário de que pode recusar a recepção do acto se este estiver redigido numa língua que não seja qualquer das seguintes: a) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou a notificação; ou b) Uma língua oficial do Estado-Membro de origem que o destinatário compreenda. 6.ª O doc.º n.º 12 junto com a petição inicial consiste numa escritura de compra e venda e dação em pagamento que foi outorgada pelo 2.º Agravado e se encontra redigida em língua portuguesa. 7.ª É perfeitamente legítimo presumir que o 2.º Agravado compreende perfeitamente a língua portuguesa. 8.ª Sendo o 2.º Agravado destinatário de uma citação no âmbito dos presentes autos, apenas poderá recusá-la, em alternativa, nas seguintes situações:
- Se a citação não estiver redigida em neerlandês (a língua oficial do Estado-Membro requerido);
- Se a citação não estiver redigida em português. 9.ª Sendo o português a língua oficial do Estado-Membro de origem (Portugal) e compreendendo o destinatário (o 2.º Agravado) o idioma em causa, existe base legal para que a petição inicial e os respectivos documentos sejam redigidos em língua portuguesa. 10.ª Se o 2.º Agravado interveio na escritura de compra e venda e dação em pagamento do imóvel objecto dos presentes autos, a qual se encontra redigida em língua portuguesa – não havendo qualquer evidência de que tenha havido intervenção de um intérprete – é forçoso concluir que compreende a língua oficial do nosso País. 11.ª Se o 2.º Agravado apreende perfeitamente o sentido da língua portuguesa, impõe-se reconhecer que se encontra preenchida a previsão contida na alínea b) do artigo 8.º do Regulamento (CE) N.º 1348/2000 do Conselho de 29 de Maio de 2000. 12.ª Não é legítimo ao 2.º Agravado recusar a recepção da citação, não existindo fundamento legal para impor à Agravante que diligencie pela tradução para neerlandês da petição inicial e documentos anexos.
Termos em que, se requer muito respeitosamente a V. Exas. se dignem conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e ordenar a sua substituição por outra que determine a expedição da carta rogatória com versão portuguesa da petição inicial e documentos anexos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resulta das disposições conjugadas dos arts. 690º, nº 1 e 684 nº3 do Cód. Proc. Civil – cfr. Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, nº 04B3876 e de 11/10/2005, nº 05B179, ambos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ.
Nesta conformidade, apreciando as conclusões do recorrente, uma única questão se coloca: a citação do réu estrangeiro, residente no estrangeiro (no caso na Holanda), necessita de ir acompanhada da tradução da petição inicial e documentos anexos para a língua do citando (?).
Vejamos:
Retira-se das certidões juntas ao presente recurso que a citação do cidadão holandês supra identificado ainda se encontra por fazer, pelo que a questão avançada na conclusão 12ª dos recorrentes é prematura e não foi abordada nos despachos recorridos.
A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu que foi proposta contra ele uma determinada acção e se chama ao processo para se defender (artigo 228º, n.º 1 Código de Processo Civil). A citação pode ser edital ou pessoal, sendo esta última feita, além do mais, pela entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, seu depósito, nos termos do nº5 do art. 237-A, ou certificação da recusa de recebimento, nos do nº3 do mesmo artigo (artigo 233º, n. nºs 1 e 2, al. a).
O acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, comunicando-se-lhe que fica citado para a acção a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo, vara e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição, bem como o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia (artigo 235º).
A citação por via postal é feita por carta registada com aviso de recepção, de modelos oficialmente aprovados e, no caso de se tratar de sociedade, a dirigir para a respectiva sede ou local onde funciona normalmente a administração (artigo 236º, n.º 1).
No caso de o citando residir ou ter a sede no estrangeiro, observar-se-á o que estiver previsto em tratados ou convenções internacionais e, na sua falta, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (artigo 247º, n.ºs 1 e 2).
Ora para o caso em apreço, releva do direito interno de origem internacional, o Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho da Europa.
Este diploma, constituiu mais uma prossecução do objectivo da Comunidade e da União de manter e desenvolver a liberdade, a segurança, a justiça e a livre circulação de pessoas no espaço da Comunidade. Entendendo que o bom funcionamento do mercado interno exige que se melhore e torne mais rápida a transmissão entre os Estados-Membros de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial para efeitos de citação e notificação.
Assim, no seu preâmbulo, o Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho da Europa, defende que a sua eficácia passa por limitar possibilidade de recusar a citação ou notificação dos actos a situações excepcionais (8) e que a fim de defender os interesses do destinatário, a citação ou a notificação deverá ser realizada na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deve ser cumprida ou em uma outra língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreenda (10).
Ora esta última premissa, bastante abrangente, acabou por ser espelhada nos artigos 4º a 8º do Regulamento e possibilitar ao requerente do país de origem a transmissão do acto na sua própria língua, correndo o risco de destinatário recusar a recepção do acto.
Os despachos recorridos parecem terem feito alguma confusão entre a necessidade de tradução na língua oficial do país requerido dos formulários que o próprio regulamento traz em anexo e a necessidade de tradução do conteúdo do próprio acto.
Efectivamente o art. 4º nº3 do Regulamento (CE) nº 1348/2000 ao referir que o acto a transmitir deve ser acompanhado de um pedido, de acordo com o formulário constante do anexo, refere expressamente que “… O formulário deve ser preenchido na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, no caso de neste existirem várias línguas oficiais, na língua oficial ou em uma das línguas oficiais do local em que deve ser efectuada a citação ou a notificação, ou ainda em uma outra língua que o Estado-Membro requerido tenha indicado poder aceitar. …”
Mas, como decorre da norma do art. 5º do mesmo Regulamento, tal exigência não é extensiva, num primeiro momento, ao acto a transmitir. Essa exigência constitui tão só um direito do destinatário do acto que, nos termos do art. 8º do mesmo diploma legal, pode exercer, ficando a entidade requerida com o ónus de o alertar para aquele exercício.
No caso dos autos, os autores, ora recorrentes, mostraram estar dispostos a correr o risco da recusa, pelo réu, de receber o acto em língua portuguesa. Mas mesmo que não tivessem mostrado tal predisposição, a exigência feita nos despachos recorridos é excessiva face ao que dispõe o art. 5º do Regulamento.
Alegam os recorrentes que o réu Henry interveio numa escritura celebrada em Portugal, em língua portuguesa, o que faz presumir que aquele percebe o português.
Perante a citada norma do art. 8º do Regulamento, esta alegação não tem qualquer relevância jurídica. Ela apenas pode relevar e relevou para o convencimento dos recorrentes de que o réu não irá recusar o acto, arriscando por isso a transmissão do acto em língua portuguesa, como a lei lhe permite (art. 5º nº1 do Regulamento).
Por tudo o que foi dito, a citação do réu deverá seguir seus termos apenas em obediência ao que dispõe o art. 4º do Regulamento (CE) nº 1348/2000, mediante a informação aos autores de que o destinatário pode recusar a recepção do acto conforme dispõe o art. 5º do mesmo diploma legal.
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao agravo e revogar os despachos proferidos a fls. 132 e 166, que deverão ser substituídos por outro que ordene a citação ao R. Henry …………. com cumprimento do disposto nos arts. 4º e 5º do Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho da Europa.
Sem custas
(Texto escrito e revisto pela relatora, que assina e rubrica as restantes folhas)
Évora, 18-1-07
Relatora: Des. Assunção Raimundo
1º Adjunto: Des. Sérgio Abrantes Mendes
2º Adjunto: 2º Adjunto: Des. Luis Mata Ribeiro