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SERVIDÃO DE PASSAGEM
Sumário
I - A servidão de passagem obtém o ponto de equilíbrio entre os interesses em confronto dos proprietários dos prédios envolvidos, por um lado, na satisfação das necessidades normais e previsíveis do prédio dominante e, por outro, assegurando que essa satisfação se faça com minimização dos prejuízos para o prédio serviente.
II – Nas servidões de pé e carro, o proprietário do prédio serviente está obrigado a suportar a passagem de e para o prédio dominante de pessoas e de viaturas, cedendo o espaço para tal necessário, mas não mais do que isso, designadamente para estacionamento; aceder da via pública ao prédio ou sair do prédio para a via pública é uma coisa, estacionar nas respectivas imediações em propriedade de terceiros é algo diverso.
III – Porém, a servidão de passagem de viaturas implica também o espaço necessário para a respectiva manobra de inversão de marcha, no caso de o prédio dominante não permitir a realização desta manobra.
Texto Integral
PROCESSO Nº 2550/06
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO
No Tribunal de … foi requerida por “A” e esposa “B” uma providência cautelar comum contra “C” e marido “D” com vista à adopção das medidas adequadas à remoção dos obstáculos colocados à utilização por eles do caminho de acesso a um prédio seu encravado em prédio dos Requeridos, designadamente a autorização judicial para que os Requerentes possam proceder aos trabalhos necessários para o desimpedirem o referido caminho de acesso ao seu prédio de qualquer obstáculo, podendo retirar os tubos metálicos e uma caixa de cimento colocados pelos Requeridos e que impedem a inversão de marcha dos veículos que se dirigem ao prédio dos Requerentes e reabrir os portões colocados pelos Requeridos nesse caminho de acesso e junto à Estrada Nacional … se, entretanto, os fecharem, abstendo-se os Requeridos de qualquer acto impeditivo, sob pena de, além de indemnização nos termos gerais, terem de pagar aos Requerentes uma indemnização compulsória que sugerem à razão de € 500 por dia.
Os Requeridos deduziram oposição ao decretamento de tal providência.
Produzida a prova e decidida a matéria de facto controvertida, foi proferida decisão, indeferindo a requerida providência, por alegadamente se não verificarem os respectivos requisitos.
Contra tal decisão se insurgem os Requerentes em agravo interposto no qual reclamam a revogação de tal decisão.
Os Requeridos contra-alegaram, em defesa da subsistência da mesma decisão.
Remetido o processo a esta Relação, após o exame preliminar, foram corridos os vistos legais, nada continuando a obstar ao conhecimento do recurso.
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos: 1. Os Requerentes são donos e legítimos possuidores do prédio misto localizado no sítio da …, freguesia e concelho de …, composto de pomar de citrinos, nespereiras e pessegueiros, com a área de 4.560 m2, onde se encontra implantada uma moradia com 3 compartimentos para habitação, com a área coberta de 90 m2 e descoberta de 390 m2, confrontando do Norte com …, do Sul com estrada e …, do Nascente com e do Poente com …, inscrito na matriz rústica sob o artigo 13 CR e na urbana sob o n° 2115 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° 02738/181289, onde está inscrita a seu favor pela inscrição G-3. 2. A Requerida é dona do prédio rústico localizado no sítio da …, denominado …, composto de terra com laranjeiras e outras árvores de fruto, que confina pelo Norte com Estrada Nacional, do Sul com Ribeira de …, herdeiros de … e …, Nascente com …, …, caminho e … e … e do Poente com herdeiros de … e …, inscrito na matriz anterior sob o artigo 14-CR e na actual sob o artigo 29 da Secção CR, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 36438, de onde foi desanexada uma parcela com a área de 600 m2 descrita sob o n° 39850. 3. Nesta parcela desanexada foi construído o prédio urbano, com R/C e 1º andar, pertença da Requerida, em cuja descrição passou a urbano. 4. Resulta das confrontações descritas nos registos prediais que o prédio dos Requerentes tem dois acessos. 5. O prédio dos Requerentes foi adquirido por compra numa cadeia de sucessivas transmissões. 6. Os Requerentes por si e antepossuidores, há mais de vinte anos que, ininterruptamente, na qualidade de donos exclusivos, vêm possuindo o prédio referido em 1. e usufruindo de todas as suas utilidades, designadamente, cultivando-o, habitando-o, recebendo e servindo os seus amigos e cliente, comendo e dormindo, colhendo os frutos, usando os caminhos próprios de acesso,perante toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse e sem usar de coacção física ou moral. 7. Durante o mesmo período, na convicção de usarem um direito próprio, têm utilizado os dois caminhos de acesso à Estrada Nacional n° …, um com o trajecto de Nascente/Poente e outro de Norte-Sul/Poente. 8. O caminho que tinha o traçado Nascente/Poente foi extinto, sem que os anteriores donos do prédio ora pertença dos Requerentes se tivessem oposto, ficando o acesso ao prédio destes pelo caminho Norte-Sul/Poente. 9. Este caminho tem iluminação pública. 10. O seu traçado é de leito fixo, com as medidas aproximadas de 117 metros de cumprimento e 4,40 metros de largura, vedado no lado Poente, onde confina com o prédio dos Requeridos, por uma rede de arame, pilares e 2 portões e por uma ribeira a Nascente, tendo na extremidade Poente a largura de 8,50, onde os Requerentes e outras pessoas que os visitam faziam as manobras de inversão do sentido de marcha, entre o muro do prédio urbano da Requerida e o portão a Sul do rústico da mesma Requerida, onde estes colocaram ferros/tubosmetálicos que o estreitam nessa extremidade Sul/Poente junto ao prédio dos Autores, onde se situa também a entrada para a parte Sul da propriedade da Requerida. 11. A Requerida e o seu marido, em Setembro de 2004, pavimentaram o caminho com cimento a quase todo o comprimento em cerca de 3,09 metros de largura média, colocaram um portão junto à Estrada Nacional n° … e, em Abril de 2005, os tubos metálicos na outra extremidade junto ao prédio dos Requerentes. 12. No dia 30 de Maio de 2006, os Requeridos construíram uma caixa em cimento com a altura de 49 cm por 52 cm de largura e 50 cm de comprimento no mesmo local, junto ao portão de entrada do prédio dos Requerentes e do local onde os veículos automóveis costumavam fazer a inversão do sentido de marcha. 13. Os Requerentes e quem visite o seu prédio não têm a possibilidade de fazerem a manobra de inversão do sentido junto ao seu portão de entrada, tendo de sair de marcha atrás até à Estrada Nacional n° …, a qual tem muito trânsito e visibilidade reduzida devido à existência de árvores frondosas junto à referida Estrada Nacional. 14. O fornecedor de gás do prédio dos Requerentes já lhes disse que se recusava a fazer os fornecimentos por não poder fazer a inversão do sentido de marcha. 15. Os Requeridos têm um portão cerrado para o seu prédio, colocaram duas placas junto à Estrada Nacional 124 dizendo … e, ultimamente, puseram mais duas placas dizendo "caminho privado". 16. Correu neste Tribunal Judicial de … o Processo n° 24/90 – 1ª secção, sob a forma de acção de demarcação, que a ora Requerida instaurou contra os anteriores proprietários do prédio pertencente actualmente aos Requerentes, tendo a acção sido julgada improcedente. 17. O caminho em causa sempre foi utilizado, além de outros vizinhos, pelos Requerentes e antepossuidores, para nele acederem ao seu prédio e inverterem o sentido da marcha. 18. Os portões que do prédio da Requerida deitam para o caminho em questão permanecem fechados. 19. O acesso ao prédio dos Requerentes é feito pelo referido caminho e não têm outro. 20. O referido caminho, em trilho certo, de terra batida primeiro e cimento depois, era utilizado também por outras pessoas. 21. Os Requeridos, ao cimentarem parte do referido caminho e ao colocarem ferros tubulares estreitaram o mesmo, impedindo as manobras de inversão do sentido de marcha e o cruzamento de dois veículos automóveis. 22. Os Requerentes têm aproveitado todas as vezes que os Requeridos ou o seu caseiro deixam abertos os referidos quatro tubos metálicos para aí fazerem as manobras de inversão de marcha. 23. Dois desses tubos móveis, com 5 metros de comprimento (2,5m+2,5m) e com alturas variáveis entre 38 cm e 66 cm (o terreno é inclinado) e com o comprimento de 2,5 m cada um, situados em frente ao portão dos Requeridos virados a Nascente, próximo do prédio dos Requerentes, abrem de par em par. 24. Tal como os outros dois tubos, na mesma linha Nascente/Poente daqueles, com 5,9 m de comprimento (2,95m+2,95m) e alturas que variam entre 49 cm e 54 cm. 25. Existe ainda outro tubo metálico, mais a Poente, mas fixo, na linha dos anteriores quando fechados, que vai na direcção do prédio dos Requerentes. 26. O furgão de matrícula SM sofreu danos na chapa e pintura, ao tentar a manobra de inversão do sentido de marcha, tendo roçado pelos pilares, paredes e ferros que ladeiam o caminho. 27. Tais ferros ou tubos metálicos foram colocados pelos Requeridos para impedirem o estacionamento de veículos e as manobras de inversão do sentido de marcha nesse local. 28. Os Requeridos ou o caseiro a seu mando têm mantido os referidos tubos metálicos praticamente sempre fechados. 29. Os transportadores do fornecedor de gás e que carregam para casa dos Requerentes as bilhas de gás em camionetas de carga quebraram os farolins de pisca-pisca no local em causa, por não lhes ser possível fazer a inversão do sentido de marcha. 30. Pessoas há que têm deixado os veículos automóveis em que se fazem transportar estacionados na cidade e, após atravessarem a Estrada Nacional, vão com as crianças a pé até à casa dos Requerentes. 31. A casa dos Requerentes é isolada e, para guarda da mesma, têm um cão grande arraçado de pastor alemão. 32. O cão tem de estar fechado e para isso existe, no interior do prédio dos Requerentes, um portão que, sendo aberto, se corre o risco de fugir, sendo perigoso para quem o animal não conhece. 33. Esse portão só é aberto por quem conhece o cão, depois de o prender. 34. Esse portão fica na linha da parede Norte da casa dos Requerentes. 35. Para se poder fazer qualquer manobra de inversão de marcha dentro do prédio rústico dos Requerentes, há que entrar no prédio após a abertura do portão exterior, abrir depois, o portão interior, prender o cão, curvar em ângulo recto à esquerda ao chegar ao portão da garagem dos mesmos e imediatamente, curvar novamente 90° à direita, inverter o sentido da marcha, curvar de novo em ângulo recto à esquerda e, imediatamente, curvar outra vez em ângulo recto à direita, fechar o portão interior, soltar o cão e encerrar o portão exterior. 36. A caixa de cimento referida em 12. destina-se a fazer a derivação do fornecimento de água para rega de um pomar de citrinos que se encontra plantado na propriedade dos Requeridos. 37. O sistema de rega foi feito em tubos de polietileno, material sensível e pouco flexível que não pode apanhar sol, pelo que a caixa só poderia ser construída naquele local, uma vez que a mudança de cota (nível) de alimentação ocorre precisamente naquele local; a caixa de derivação serve para alimentar 10.000 gotejadores ligando a estação de bombagem, filtragem e adubação. 38. É possível efectuar a inversão do sentido de marcha dentro do logradouro do prédio dos Requerentes. 39. Os ferros tubulares foram colocados há cerca de 2 anos para impedir o estacionamento das viaturas dos Requerentes e das suas visitas que estacionavam as suas viaturas em frente aos armazéns dos Requeridos, impedindo a circulação de máquinas e tractores agrícolas.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 684º nº 3 e 690° nº 1 CPC); daí a conveniência da sua transcrição: 1 - O único caminho de acesso ao prédio dos requerentes não poderá ser cerceado unilateral, intermitente, nem definitivamente pelos requeridos. 2 - Verificam-se in casu os requisitos legais da providência cautelar não especificada, designadamente a provável existência do direito ameaçado e o fundado receio de que os requeridos causem antes de proferida a decisão de mérito lesão grave e dificilmente reparável a tal direito. 3 - Esta providência cautelar deve ser aplicada sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito. Foram violados os artigos 381 nº 1 e 387° nº 1 do CPC e art. 1550° do CC.
Apreciando:
Os requerentes pretendiam autorização judicial para a realização dos trabalhos necessários à remoção dos obstáculos colocados pelos requeridos no caminho de acesso ao prédio daqueles, designadamente para retirar os tubos metálicos e a caixa de cimento junto ao portão do prédio dos requeridos que alegadamente o estreitaram e para reabrir os portões colocados pelos requeridos junto da EN … se estes entretanto os fecharam e ainda a intimação dos requeridos para se absterem de qualquer acto impeditivo da passagem dos requeridos.
Está em causa o exercício de uma servidão de passagem por prédio dos requeridos a favor de prédio dos requerentes.
A providência cautelar foi indeferida por falta de prova do fundado receio de lesão grave ou de difícil reparação do direito de passagem dos requerentes bem como do periculum in mora.
No presente agravo os requerentes impugnam tal entendimento.
Ora, não pode afirmar-se que a construção da caixa de cimento junto ao portão do prédio dos requerentes (integrada na derivação do fornecimento de água integrada no sistema de rega do prédio dos requerentes) e a colocação dos tubos metálicos em certos troços do caminho (para impedir o estacionamento de viaturas dos requerentes e de pessoas que os visitavam em frente de armazéns dos requeridos), se bem que determinassem um estreitamento da via, impedisse a passagem de viaturas.
Impediam ou dificultavam, sim, o cruzamento e as manobras de inversão de marcha das viaturas que se dirigiam de e para o prédio dos requerentes, mas, pelo menos esta última manobra - inversão de marcha - poderia ser efectuada utilizando o logradouro do prédio destes.
Por outro lado, o portão colocado pelos requeridos junto da EN …, este sim se fechado e sem possibilidade de ser aberto pelos requerentes, é impeditivo da servidão de passagem pelos requerentes.
Com efeito, a servidão predial é o encargo imposto num prédio , chamado dominante, em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferentes, designado por serviente (art. 1543° CC).
Implica, pois, uma restrição ao gozo pleno do direito de propriedade deste
último, na medida em que algumas das utilidades deste têm que ser sacrificadas em favor do prédio dominante; é, assim, essencial à constituição de uma servidão que dela resulte alguma vantagem para o prédio dominante, ou seja, um proveito efectivo por via de um prédio serviente, que até pode consistir em mero aumento do valor por via do proporcionar de maior comodidade.
Entre as servidões inclui-se a constituída em benefício de um prédio encravado, segundo a qual os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública nem condições que lhes permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos (n.º 1) e, por outro, gozar de igual faculdade o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio (n. ° 2).
Prevê-se assim, o encrave predial absoluto e o relativo, ou seja, por um lado, o prédio que não tem qualquer comunicação com a via pública, e o que dispõe de insuficiente comunicação, isto é, só possível através da realização de obras de custo desproporcionado com os lucros ou vantagens derivados da sua exploração.
Em causa neste processo está o exercício da conhecida servidão de passagem de pé e/ou carro sobre um determinado prédio para aceder à via pública.
Importa, pois, determinar o respectivo conteúdo, ou seja, o conjunto dos direitos e deveres dela decorrentes quer para o dono do prédio dominante, quer para o dono do prédio serviente.
Como regra geral, na ausência - como sucede no caso em apreço - do título constitutivo, o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação e, em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, a servidão deve entender-se por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente (art. 1565° nº 1 e 2 CC).
O princípio normativo subjacente às servidões aponta nestes dois sentidos e obtém o ponto de equilíbrio entre os interesses em confronto dos proprietários dos prédios envolvidos, por um lado, na satisfação das necessidades normais e previsíveis do prédio dominante e, por outro, assegurando que essa satisfação se faça com minimização dos prejuízos para o prédio serviente.
Assim, o princípio geral orientador das obrigações de contenção que recaem sobre o proprietário do prédio serviente é nada fazer que embarace o exercício da servidão (aliquid non facere vel pati); de outro modo, a regra normativa rectora das obrigações que impendem sobre o proprietário do prédio dominante é o exercício civiliter da servidão pela maneira menos prejudicial ao prédio serviente.
Significa isto que, nas servidões de pé e carro - como é suposto ser a dos presentes autos - o proprietário deste prédio está obrigado a suportar a passagem de e para o prédio dominante de pessoas e de viaturas ligeiras e pesadas, cedendo o espaço para tal necessário, mas não mais do que isso, designadamente para estacionamento; aceder da via pública ao prédio ou sair do prédio para a via pública é uma coisa, estacionar nas respectivas imediações em propriedade de terceiros é algo diverso.
Por outro lado, a servidão de passagem de viaturas implica também o espaço necessário para a respectiva manobra de inversão de marcha, mas no caso de o prédio dominante não permitir a realização desta manobra; de outro modo, a saída de veículos teria que processar-se em marcha atrás numa extensão que porventura comprometeria a sua segurança e comodidade, sem justificação plausível; a servidão é de passagem de e para o prédio e, subjacente à utilização aí de viaturas, está a respectiva circulação em marcha normal para a frente e não em marcha atrás ...
Por outro lado, o alargamento da nesga de terra utilizada na servidão para permitir o cruzamento de viaturas pressupõe a respectiva necessidade e esta, por seu lado, uma certa intensidade de tráfego de entrada e saída de viaturas no prédio dominante; a justificação do alargamento está na frequência de cruzamento de viaturas e as complicações que tal manobra acarreta para os respectivos condutores, o que in casu não resulta da matéria de facto apurada.
Nada impede a demarcação e delimitação por qualquer dos proprietários envolvidos na servidão (o do prédio serviente ou o dominante) do espaço afecto à servidão do restante prédio, desde que respeitado seja o lugar do exercício da servidão, ou seja, a sua largura em toda a extensão para permitir a passagem de viaturas (ligeiras e pesadas).
A obrigação de non facere que impende sobre o proprietário do prédio serviente tendente a assegurar o exercício da servidão será, todavia, claramente violada se na ligação da nesga de terra que constitui o lugar de passagem da servidão à via pública for colocado um portão cujas chaves estão na disponibilidade exclusiva daqueles.
Não estando em causa o seu direito de vedar o acesso ao seu prédio, tal direito há-de ser conciliado com o direito dos proprietários do prédio dominante por forma a permitir a este o uso e exercício da servidão; e a solução de tal problema é facultar a este uma chave do dito portão, o que, a não ser feito, legitimará a autorização para a remoção de tal obstáculo, por via da acção directa.
Em suma: dos actos elencados pelos requerentes como constituindo obstáculo ao exercício do seu direito de servidão, apenas o portão ligando o acesso à EN … pode impedir tal exercício se, porventura, não for facultada aqueles uma chave do mesmo.
Com efeito, a manobra de inversão de marcha não tem necessariamente que ser efectuada no espaço dos requeridos pois que pode ser efectuada no logradouro do prédios dos requerentes e não foi demonstrado ou indiciado que os tubos metálicos colocados em troços do caminho de acesso impeçam ou dificultem a circulação normal de viaturas.
Contrariamente à 1ª instância, é nosso entendimento que se verificam os requisitos do decretamento da providência cautelar não especificada, relativamente ao referido portão, pois que por justificado temos o receio dos requerentes de que, por via do encerramento de tal portão, lhes seja, em qualquer altura, impedido o acesso ao seu prédio, não sendo a demora no reconhecimento e definição daquele direito compatível com a subsistência da violação daquele direito, cuja protecção cautelar, por isso, se impõe; estão, pois, reunidos os requisitos do decretamento da providência cautelar comum, a saber: a summaria cognitio da situação de facto, a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o receio de lesão grave ou dificilmente reparável ao direito na pendência da discussão judicial da questão (periculum in mora).
Logo, a providência cautelar não deveria ter sido decretada com o âmbito pretendido pelos requerentes, pois que dos obstáculos invocados, como se disse, não se consideram como tais, os tubos metálicos nem a caixa de cimento, enquanto não forem impeditivos da circulação de viaturas automóveis ligeiras e pesadas e uma vez que a inversão de marcha destas pode ser efectuada no logradouro do prédio dos requerentes, logo, sem necessidade de utilização do prédio dos requeridos, mas com um âmbito restrito ao portão junto à EN … (nos termos dos art.s 381° nº 1 e 387° nº 1 CPC).
O provimento do agravo será, pois, parcial.
Vale também aqui o princípio geral constante do art. 392° nº 3 CPC, segundo o qual o tribunal não está adstrito às providências concretamente requeridas.
Assim, a peticionada autorização judicial para reabrir os referidos portões, se fechados pelos requeridos - que deve entender-se como autorização para arrombamento - tem como óbvio pressuposto a indisponibilidade pelos requerentes de uma chave dos ditos portões.
Daí que se entenda como providência adequada a evitar os prejuízos causados a intimação dos requeridos para entregarem aos requerentes uma chave dos ditos portões.
ACÓRDÃO
Nesta conformidade, acorda-se nesta Relação em conceder provimento parcial ao agravo e, revogando a decisão recorrida, deferir parcialmente a providência cautelar no que aos portões concerne, intimando os requeridos a entregarem aos requerentes uma chave dos portões que colocaram junto à EN …
Custas pelos requerentes e requeridos, na proporção de metade.
Évora e Tribunal da Relação, 01.02.2007