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LEGITIMIDADE DO ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
Sumário
A legitimidade do assistente para recorrer da medida da pena deve ser aferida face à relevância dos reflexos da decisão criminal nos seus interesses, e quando esses reflexos, pela sua própria natureza, não possam ser evitados por outro meio que se manifeste adequado.
Texto Integral
No Tribunal Judicial da Comarca de … corre o processo comum (tribunal singular) nº … em que é assistente P.
Nesses autos, foi proferido despacho, nos termos do art. 82º nº3, do CPP, que remeteu o demandante cível para os meios comuns, no que diz respeito ao pedido cível formulado.
O assistente interpôs recurso deste despacho, pugnando pela apreciação do pedido cível no processo penal respectivo.
Entretanto, no processo penal, foi proferida sentença condenatória do arguido, tendo-lhe sido aplicada pena de multa.
O assistente interpôs recurso da sentença penal relativamente à escolha e medida da pena.
Foi proferido despacho que não admitiu o recurso, por se entender que o recorrente não tem interesse concreto e próprio em agir, uma vez que o recurso se limita apenas às questões da escolha e da medida da pena.
É deste despacho que o assistente P. … reclama, nos termos do art.405º do Código de Processo Penal, tendo sustentado que tem interesse em agir para garantir o efeito útil do recurso que interpôs da decisão que remeteu o pedido cível, que deduziu, para os tribunais civis.
O Mmº Juiz “ a quo” manteve o despacho reclamado tendo mandado cumprir o disposto no art. 688º nº4 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4º do Código de Processo Penal, ordenando a subida dos autos a este Tribunal da Relação de Évora.
Uma vez que a reclamação se mostra instruída com todos os elementos relevantes para a sua decisão cumpre apreciar e decidir:
A questão que se discute na presente reclamação é tão só a de saber se o assistente tem ou não legitimidade para recorrer da escolha e da medida da pena.
Alguns dos aspectos da posição processual do assistente no que diz respeito aos recursos têm originado controvérsia na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, sendo um deles, precisamente, o que é equacionado na presente reclamação. No sentido de que o assistente pode sempre recorrer das decisões desfavoráveis, mesmo da medida da pena, temos os Acs. do STJ de 96/05/12, Proc. nº243/96 e de 97/04/09, CJ Acs. do STJ, V, 2, 172 e 177.
Por outro lado, optando por uma posição mais restritiva, o Conselheiro Maia Gonçalves [1] enquadrou a questão nos seguintes termos “ Cremos que a esta questão não pode ser dada resposta geral, e que deve ser apreciada caso a caso. Assim, o assistente poderá recorrer da medida da pena quando, no caso, tiver um interesse concreto e próprio em agir, por da medida da pena tirar um benefício, v.g. evitando a prescrição. Caso contrário, não lhe será dado recorrer.” Esta posição, que defende que o assistente não goza de um direito absoluto de recurso relativamente à pena, foi adoptada em vários acórdãos de que se cita a título de exemplo os Acs. do STJ de 95/11/22, CJ ACS. do STJ, III, 3, 240, de 97/01/15, CJ Acs. do STJ, V, 1, 188, de 97/04/09, CJ Acs. do STJ,V,2, 177 e de 97/11/06, CJ Acs. do S.T.J., V, 3, 231.
Também neste sentido o Ac. do Plenário das Secções Criminais do S.T.J. de 97/10/30, in DR, I ª série de 10/08/1999, fixou jurisprudência no sentido de que “ O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.”
Colocada a questão nestes termos, importa, desde logo, averiguar qual o real alcance da expressão “ de decisões contra eles proferidas”, utilizada pelo legislador na al. b) do nº1 do art. 401º do CPP. O prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 328, responde à questão afirmando que decisões proferidas contra o arguido são aquelas que lhe imponham uma pena e ainda as proferidas contra o que tiver requerido e que decisões proferidas contra o assistente são as decisões proferidas contra a posição que ele tenha sustentado no processo, mas é necessário entender esta posição em termos muito amplos. Para solucionar a questão parece-nos pertinente o disposto no art. 69º do CPP referente à posição processual e atribuições dos assistentes.
Tal disposição legal é do seguinte teor: 1. Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei. 2. Compete em especial aos assistentes: a) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias; b) Deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza; c) Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.
Da leitura destas disposições legais parece que a legitimidade do assistente para recorrer pressupõe uma decisão que o afecte, uma decisão contra ele proferida, o que traduz uma efectiva limitação ao direito de recorrer, porventura ditada como refere Germano Marques da Silva pela preocupação de evitar que o assistente, subvertendo a razão da sua intervenção de colaborador da justiça, use o processo para se desforçar. [2]
Como se refere no citado Acórdão do STJ de 30/10/1997, “ O processo penal não pode ser entendido como um corpo fechado em que as suas decisões não importem reflexos noutros campos do direito que não os estritamente penais (reflexos a manifestarem-se no próprio processo em curso, mas em matéria não penal, ou em processo de outra natureza).”
Assim, quando o decidido por força do caso julgado penal tenha reflexos que possam afectar os interesses do assistente, nomeadamente em sede de atribuição e graduação da culpa, tem de lhe ser reconhecido o direito de recorrer.
Este afectar de interesses para justificar o reconhecimento do interesse em agir e consequentemente o direito ao recurso tem de ser concreto e do próprio.
Assim, o assistente, ao recorrer, tem de demonstrar um real e verdadeiro interesse em agir de todo alheio à “ vindicta privada”.
Por outro lado, parece-me que só se devem considerar relevantes os reflexos da decisão criminal nos interesses do assistente quando, esses reflexos, pela sua própria natureza, não possam ser evitados por outro meio que se manifeste adequado.
No caso concreto, o assistente interpôs recurso da sentença penal, relativamente à escolha e medida da pena, invocando que tem interesse em agir, para garantir o efeito útil do recurso interposto da decisão que o remeteu para os tribunais civis.
Para sustentar a sua tese, cita um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/05/2001 [3] , no qual se defende que: ” Não pode conhecer-se, no processo crime, de pedido de indemnização cível nele formulado, quando o julgamento relativo à matéria crime tiver entretanto sido concluído, com prolacção da respectiva decisão (não obstante o Tribunal Superior ter, em recurso interlocutório, em separado considerado inadequada a remessa das partes para os meios cíveis, finalizando-se entretanto, antes da baixa deste recurso, o julgamento crime)”.
Verifica-se assim que o assistente pretende, apenas, com o seu recurso obviar a uma solução que pode levar a que o seu pedido cível venha a ser apreciado pelos tribunais civis, mesmo que o recurso intercalar seja provido.
O assistente não tem assim qualquer interesse no resultado do recurso que pretende interpor da sentença proferida no processo penal, não retirando qualquer benefício da eventual alteração da pena aplicada.
A utilização do recurso visa apenas impedir o trânsito em julgado da sentença penal para que não venha, eventualmente, a ser adoptada a posição jurisprudencial referida.
Neste quadro, não me parece que seja de tutelar o interesse do assistente, tanto mais que a questão está colocada num plano hipotético e existem outros meios para a defesa dos seus interesses.
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a reclamação apresentada pelo assistente.
Custas a cargo do reclamante, fixando a Taxa de Justiça em três UC, nos termos dos art. 16º nº1 e 18º nº 3 do Código das Custas Judiciais. ( Processado e revisto pelo subscritor, Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora, que assina e rubrica as restantes folhas).
Évora, 2007/02/13
Chambel Mourisco
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[1] Código de Processo Penal anotado, no comentário ao art. 401º. [2] Obra citada vol. III, pág. 332. [3] JTRL00032590, em www.dgsi.pt.