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USUCAPIÃO
PRESUNÇÃO REGISTRAL
Sumário
I – A usucapião, sendo uma modalidade de prescrição, - aquisitiva - para ser eficaz, tenha de ser invocada por aquele a quem aproveita, pois integra uma excepção e, como tal, sujeita às regras do ónus da prova consignadas no n.º 2 do artº 342º do Cód, Civil. II – Tal invocação pode ser expressa ou tácita e será tácita quando a parte invoque todos os factos constitutivos da excepção e peça o reconhecimento do direito dela decorrente. III - A usucapião, ao contrário do registo, é “o título fundamental da aquisição de direitos, ela inutiliza por si todas as situações substantivas ou registais existentes”.
Texto Integral
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
Manuel Gil ………., Maria …………, Isabel Maria ……………….., Maria Teresa…………………, Maria da Conceição ………………., Maria do Carmo…………………., Manuel José……………………., Maria de Lourdes …………….., Maria Cacilda …………………. e Rosa Maria ………………………. intentaram no Tribunal Judicial da Comarca de Alcácer do Sal a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra Carlota……….., Maria Fernanda …………., Violante ……………, Júlia……………., Rosa ……………..
, Maria de Fátima………………., Fernando José…………………..Júlia Brites ………….., Maria Joana…………., Carlos João …………, Abel Eduardo…………………., Emília ……………..,Eduardo José………….., José Pedro …………., Francisca…………………, José Manuel……………., Carlos Alberto……………….. e António Manuel……………….., pedindo que se declarem os AA proprietários dos prédios que identificam na petição inicial, e os RR sejam condenados a reconhecer a propriedade dos seis primeiros AA. sobre a Herdade de Vale Sobrigo, com a área de 70,9500 ha, bem como a reconhecer a propriedade dos 7º, 8°, 9° e 10° AA sobre a Herdade de Franguins e Vale do Gaio, com a área de 839, 3250 ha, pedindo, também, que se condenem os RR a absterem-se da prática de quaisquer actos susceptíveis de ofender a posse ou a propriedade dos AA sobre as mencionadas Herdades, invocando para tanto os factos constantes na petição.
Foram apresentadas, contestação, réplica e tréplica tendo as partes, nelas defendido as suas posições, vindo aos autores a pedirem a ampliação do pedido inicialmente formulado, o que lhes foi deferido, solicitando que seja ordenada à Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal a anulação da descrição predial nº. 1381/221199 da freguesia do Torrão, correspondente ao prédio denominado "Herdade de vale Sobrigo", com a área de 208. 7500 ha, inscrito a favor dos RR.
A ré Carlota veio a falecer na pendência da causa tendo sido habilitados os seus sucessores que, também já eram réus na acção.
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Tramitado e julgado o processo em sede de 1ª instância foi proferida sentença que no que concerne ao seu dispositivo reza:
- Face a todo o exposto e às disposições legais citadas, julga-se a presente acção procedente por provada e, em consequência:
1 - Declara-se que Manuel Gil ………(e demais AA.)………… são os proprietários do prédio misto designado por Herdade de Vale Sobrigo, sito na freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal, com a área de setenta hectares, nove mil e quinhentos centiares, composto por cultura arvense, sobreiros e casa de habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob os nºs 4491 (fls. 85 do Livro 8-12), 4492 (fls. 15 verso do Livro 8-12) e 6874 (fls. 19 do Liivro B-16), o qual se encontrava inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. 1 ° da secção L da freguesia do Torrão antes do Proc. de Cadastro 10/97, que o eliminou;
2 - Declara-se que Manuel José………….., Maria de Lourdes………., Maria Cacilda…………… e Rosa Maria………….. são os proprietários do prédio rústico designado por Herdade de Franguins e Vale do Gaio, sito na freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal, com uma área de 839, 3250 ha, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1° da Secção MM1, por referência a data anterior à da decisão do mencionado Processo de Cadastro;
3 - Condenam-se os RR a reconhecer o declarado em 1. e 2;
4 - Condenam-se os RR a absterem-se de praticar quaisquer actos susceptíveis de ofender a posse ou a propriedade: dos AA sobre as Herdade de Vale Sobrigo e Franguins e Vale do Gaio.
5 - Ordena-se o cancelamento da inscrição a favor dos RR na Conservatória do Registo Predial de Alcácer da Sal do prédio denominado "Herdade de Vale Sobrigo", com área de 208,7500 hectares" composto de cultura arvense, oliveiras, montado de sobro e azinho, pinhal e parte urbana com a área de 70 m 2, confrontando do norte com Herdade de Vale Sobrigo, do sul Herdade de Franguins e Vale do Gaio, do nascente com terras de Daniel, do poente, e com Manuel Gil dos Reis Carneiro, descrito na referida Conservatória sob o nº.01381/221199, da freguesia do Torrão e inscrito na matriz urbana sob o art. 2 511, ambos da freguesia do Torrão.
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Inconformados com esta decisão, foi pelos réus Maria Fernanda Lameiro e Outros, interposto o presente recurso de apelação, os quais apresentaram as respectivas alegações, terminando os recorrentes por formularem as seguintes conclusões: 1. O facto 5° da base instrutória deverá ser dado como não provado. 2. Os factos 10º e 10°-A da base instrutória deverão ficar provados apenas que desde a década de 60 os autores que compõem a família Gil Carneiro trabalharam e exploraram directamente o prédio rústico designado por Herdade de Fraguins e Vale de Gaio, sito na freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal. 3. O facto 17° da base instrutória deverá ser dado como não provado. 4. O facto 36° da base instrutória deverá ser dado como provado. 5. O facto 37° da base instrutória deverá ser dado como provado, retirando-se a palavra “esporadicamente”. 6. O facto 38° da base instrutória deverá ser dado como provado. 7. O facto 39° da base instrutória deverá ser dado como “provado que os réus percorrem a herdade de jipe”. 8. Os actos de posse da família Gil Ferreira sobre 7O ha de Vale de Sobrigo são a colheita de alguns frutos — cortiça e azeitona; não há prova sobre os actos de posse da família Gil Carneiro até 1991 sobre a totalidade dos 839,3250ha de Fraguins e Vale de Gaio. Por isso, as conclusões da sentença, actos de posse desde a década de 1960 sobre as áreas alegadas pelos autores não são correctas. 9. A invocação de usucapião pode ser tácita ou expressa, sendo a invocação tácita possível quando o autor alegar factos “que clara e manifestamente integrem os respectivos elementos ou requisitos e revelem inequivocamente a sua intenção de fundamentar nela o seu direito”, uma vez que a “pessoa favorecida pela prescrição pode ter melindre em se aproveitar dela, exigindo, assim, que mostre a sua vontade de beneficiar da prescrição”. 10. O acordão do S.T.J. de 10/4/1984, em que a sentença recorrida se apoia, consagra que: “Não se apreende de forma iniludível e clara no articulado no petitório que houvesse da parte do autor o intuito de, sequer subsidiariamente, invocar a usucapião como modo de aquisição da propriedade de (...) uma vez que partiu do princípio de que todos tinham sido adjudicados no (...) processo de inventário”; e o mesmo acórdão, não atendeu sequer à invocação expressa de usucapião em sede de alegações de direito. 11. Nos autos, os autores, nas suas alegações de direito, não só não invocaram nunca a usucapião, como alegaram que o prédio em causa nos autos não era o mesmo. 12. Os autores, inequivocamente, nestes autos, não quiseram invocar a usucapião, pois que fundamentaram a sua propriedade na aquisição derivada — sucessão. 13. Também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/12/2005, julga que estando invocada a aquisição derivada, não se pode inferir a invocação de aquisição originária da propriedade; é “despropositada” a conclusão de que estando nos autos os factos, o tribunal conheceria da excepção, como refere o acórdão do S.T.J. de 22/6/2005. 14. Aliás, a alegação dos autores nas suas alegações de direito, são de molde a dar por verificada a renúncia tácita à usucapião (nos termos dos artigos 1292° e 302° do Código Civil). 15. Ao conhecer da usucapião não invocada (tácita ou expressamente) a sentença recorrida, incorreu na nulidade da ai. d), do n.° 1 do artigo 668° do C.P.C.. 16. E tal conhecimento oficioso da usucapião na sentença, originou uma verdadeira decisão-surpresa, que, por não ter respeitado o contraditório dos réus, é violadora do artigo 3°, n.° 3 do C.P.C. e artigo 20° e 2° da Constituição da República Portuguesa. 17. Os pressupostos da usucapião são: - A posse; - Mantida por certo lapso de tempo; - À imagem do direito de propriedade; - Ao titular do direito que vai ser aniquilado lhe possa ser imputável a inércia de não ter reivindicado a restituição da coisa ao possuidor. 18. Para o apuramento da inércia do proprietário, é essencial apurar da publicidade da posse, uma vez que a usucapião só começa a correr após a publicidade da posse (Código Civil, artigo 1297°). 19. A posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados (Código Civil, artigo 1262°). 20. Este facto — essencial — não foi apurado em quesito próprio destinado a esse efeito. Apenas se apurou que os réus, que há largos anos não residem no Torrão, viram sempre a propriedade com ar de “abandonada”. 21. O facto de os autores terem registo sobre Vale Sobrigo de 1962, não chega para aferir da publicidade da posse relevante para a usucapião. 22. E aprova que levaram aos autos — empregados através dos quais exercem a posse, que não podem ser considerados, nem interessados, nem terceiros — nada trouxe sobre esse requisito de conhecimento dos interessados (ora réus). 23. Sem o conhecimento de quando é que efectivamente a posse dos autores para usucapião começou a correr - se é que já começou — não é possível apurar o decurso de tempo essencial para a verificação de usucapião. 24. Em Fraguins, apenas desde 1991 se apuram actos de posse eventualmente sobre os 839ha, prazo esse, que em 1999 se interrompeu, por virtude de acção judicial, pelo que nunca teria decorrido o prazo para a posse de boa fé (se de boa fé fosse... que também não se provou). 25. Por falta de elementos apurados da usucapião, a acção tem de ser julgada improcedente. 26. A não se entender assim, então amplie-se a base instrutória sobre os requisitos da publicidade e o de inércia imputável aos réus, a fim de aferir exactamente as datas de início de eventual usucapião. 27. Há abundante jurisprudência sobre a superioridade de presunção derivada do registo sobre a da posse, entre eles: Acs. S.T.J. de 28/5/2002, 3/2/2005, 4/4/2002 e 7/7/1999. 28. A doutrina — Antunes Varela, José Alberto González e Durval Ferreira — também pugnam pela superioridade da presunção da titularidade por registo anterior. 29. O artigo 1268°, n.º 1 Código Civil consagra tal doutrina e só pode ser interpretado como a posse (titulada ou não) não chega para ilidir a presunção de titularidade do registo anterior. Ou seja, a posse não é causal, nem presunção de justo título. 30. Apenas a usucapião — invocação da propriedade baseada na posse com certos pressupostos — é que pode ilidir tal presunção de titularidade do registo. 31. Por isso — e neste caso de registo anterior — havia que inequivocamente ter invocado a usucapião, a fim de que os réus não confiassem na presunção que legalmente o artigo 1268° lhes atribuía nestes autos. Ou seja, ainda que se considerasse que os autores invocavam a posse para justificar o título, a presunção dos autores só cederia perante a invocação de propriedade adquirida originariamente ou em data anterior ao seu registo. 32. O que não foi feito nos autos. 33. Por esse motivo, e não se mostrando nos autos: - Nem a usucapião invocada (tácita ou expressamente); - Nem verificados todos os requisitos dessa usucapião; a invocação ad hoc desse instituto pelo tribunal a quo violou o artigo 62° da Constituição (e os artigos 1308° e 1313° do Código Civil com ela conformes). 34. Nestes termos, a sentença recorrida deve: a) Ser alterada quanto às respostas que deu a alguns dos factos, nos termos do artigo 712° do C.P.C.; b) Ser declarada nula na parte que conhece de questão que não devia conhecer, nos termos do artigo 668°, n.° 1, al. d) do C.P.C.; c) Se se enetender que tal questão poderia ter sido conhecida, então considerar-se que foi violado o princípio do contraditório, consagrado no artigo 3°, n.° 3 do C.P.C. e constitucionalmente garantido nos artigos 20° e 2° da Constituição da República Portuguesa; d) Ser revogada, por ter sido cometido erro de julgamento, por não considerar a renúncia tácita de usucapião, verificada nas alegações de direito dos autores; e) Se, porventura, se considerar invocada a usucapião nos autos, ser revogada por se verificar a falta de alguns dos requisitos da usucapião, nomeadamente a publicidade de posse e o decurso do tempo; f) Subsidiariamente, e se assim se entender, seja alargada a base instrutória para inclusão de questões e produção de prova orientada para esta questão essencial no apuramento da usucapião; g) Ser revogada, por ter cometido erro de interpretação do artigo 1268° do Código Civil; h) ser revogada, por ser inconstitucional, violando — na falta de apuramento efectivo da usucapião — o direito de propriedade dos réus.
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Os recorridos contra alegaram pugnando pela manutenção do julgado.
O Mmo. Juiz a quo, pronunciou-se pela inexistência da arguida nulidade da sentença.
Estão colhidos os vistos legais.
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Apreciando e decidindo
Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual: 1. O prédio com o n° 6874 encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal como T1Herdade de Vale Sobrigo”, com suas pertenças, sita no lugar de seu nome, freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal, confrontando do norte com Albufeira, do sul com José Francisco Mucho e Fregueiros de Baixo e do nascente com Caniços e Valbom, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. 1° da secção L da freguesia do Torrão, encontrando-se edificada neste prédio uma parte urbana, composta de rés-do-chão com um compartimento com a área de 20 metros quadrados e encontra-se inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 951°, correspondente ao antigo artigo 1097° (al. A). 2. O prédio com o n° 4491 encontra-se descrito na mesma Conservatória como “Terra de semeadura sita em Vale Sobrigo”, confrontando do norte, sul e poente com Herdade da família Gil e do nascente com propriedade de Isidro Ramires, inscrito na respectiva matriz cadastral sob 1/6 do art. 1° da Secção L, freguesia do Torrão (al. B). 3. O prédio com o n° 4492 encontra-se descrito na mesma Conservatória como “Courela de terra sita em Vale Sobrigo”, confrontando do norte, sul, nascente e poente com propriedade da família Gil, inscrito na respectiva matriz cadastral sob 1/6 do art. 1° da secção L, freguesia do Torrão (al. C). 4. No dia 8 de Setembro de 1971 foi outorgada uma escritura de permuta entre o primeiro autor e suas irmãs, relativa aos prédios descritos sob os n°s 6874, 4491 e 4492 (al. D). 5. Em 28 de Fevereiro de 1998, a Repartição de Finanças de Alcácer do Sal visou a caderneta predial rústica referente ao artigo 1° da Secção L, da freguesia do Torrão e a caderneta predial urbana referente ao artigo 951° da mesma freguesia (al. E). 6. No dia 8 de Abril de 1998 foi outorgada uma escritura, mediante a qual os primeiro e segundo autores doaram a suas filhas, aqui terceira, quarta, quinta e sexta autoras, com reserva de usufruto vitalício para si, os prédios descritos sob os n°s 235, 351, 4491, 4492, 6874 e 6875 (al. F). 7. A essa escritura foi aposto, em 7 de Janeiro de 1999, um averbamento com o seguinte teor: “Nos termos do artigo 1320 do Código do Notariado, rectifica-se a presente escritura, no sentido de passar a constar que os prédios indicados nos números quatro, cinco e seis, descritos na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob os números quatro mil quatrocentos e noventa e um, quatro mil quatrocentos e noventa e dois e seis mil oitocentos e setenta e cinco, respectivamente, não podem ser objecto da presente doação, como por lapso se verificou, uma vez que os prédios indicados nos números quatro e cinco encontram-se inscritos, cada um, na respectiva matriz sob um sexto do artigo primeiro da secção L, freguesia do Torrão, existindo o prédio indicado no número três da presente escritura inscrito na totalidade desse mesmo artigo e quanto ao prédio indicado no número seis, o mesmo também se encontra inscrito sob metade do artigo matricial já averbada a favor de Álvaro Filipe Ferreira e, como tal, em pessoa diversa do doador, o que se comprova pelo teor das cadernetas prediais e pela certidão do teor do artigo matricial exibidas” (al. G). 8. A Herdade de Franguins e Vale do Gaio foi expropriada pelo Estado Português, tendo a expropriação sido derrogada em 1991, devolvendo-se a propriedade e posse da mesma aos autores que constituem a família Gil Carneiro (al. H). 9. A Herdade de Franguins e Vaie do Gaio encontrava-se, em 1923, descrita na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob o n° 913 — Herdade dos Fraguins de Baixo -, 72 - Herdade de Vaie de Gaio - e 430 — Herdade de Franguins de Cima, a favor de José Gil dos Reis Carneiro, e a partir de 1951 a favor de Manuel Gil dos Reis Carneiro (al. I). 10. Em 18 de Maio de 1998, os AA. que compreendem a família Gil Ferreira requereram junto da Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal registo de aquisição e usufruto a seu favor dos prédios descritos sob os n°s 235, 351, 4491, 4492, 6874 e 6875, através da apresentação n° 5 desse mesmo dia (al. J). 11. Por despacho de 29 de Maio de 1998, tal registo foi lavrado provisório por dúvidas (al. L). 12. De acordo com esse despacho, a Herdade de Vale Sobrigo encontrava-se descrita sob três descrições prediais (nos 4491, 4492 e 6874) e inscrita na matriz quanto a apenas um artigo matricial (artigo 1° da secção L, freguesia do Torrão) (al. M). 13. Os prédios descritos sob os n°s 4491 e 4492 encontravam-se inscritos na matriz sob 1/6 do artigo 10 da secção L, sendo esse um dos motivos pelo qual o registo de aquisição e de usufruto foi lavrado provisório por dúvidas (al. N). 14. Com vista a obter a conversão do registo provisório em definitivo, o primeiro autor tentou proceder à obtenção de um novo visto actualizado na caderneta predial referente ao prédio no 1 da secção L (Herdade de Vale Sobrigo) e na caderneta predial urbana da artigo 951°, ambos da freguesia do Torrão (al. O). 15. Em 18 de Novembro de 1998, os autores que formam a família Gil Ferreira requereram junto da Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sai a remoção das dúvidas da apresentação 5, de 18 de Maio de 1998 (al. P). 16. A Repartição de Finanças de Alcácer do Sal visou a caderneta predial urbana do artigo 951° em 18 de Novembro de 1998 (al. Q). 17. A mesma Repartição de Finanças informou o primeiro autor que não era possível visar a caderneta predial rústica referente ao artigo 1° da secção L, pois esse artigo matricial tinha sido eliminado ao abrigo do processo de cadastro n° 10/97, que correu os seus termos junto do Instituto Português de Cartografia e Cadastro (IPCC) (al. R). 18. Tal processo teve origem num requerimento apresentado pelos herdeiros de José Pedro Lameiro, aqui réus, em 24 de Janeiro de 1997 (al. S). 19. Nesse requerimento os RR. afirmam igualmente que o prédio tem uma área de 239,8000 hectares, confronta do norte com Herdade de Vaie Bom, a sul com Herdade de Franguins e Vaie do Gaio, a nascente com Herdade dos Carrascais e a poente com a barragem de Vale de Gaio (al. T). 20. O processo de cadastro n° 10/97 provocou as seguintes alterações e inovações matriciais: - eliminação do art. matricial rústico n° 1 da secção L, freguesia do Torrão (Herdade de Vale Sobrigo), com uma área de 70, 9500 hectares; - eliminação do art. matricial rústico no 1 da secção MM1, freguesia do Torrão (Herdade de Franguins e Vale do Gaio) com uma área de 839, 3250 hectares; - criação de um novo art. matricial, em nome dos herdeiros de José Pedro Lameiro, 1º RR, com o n° 55 da secção L, freguesia do Torrão, com a área de 208, 7500 hectares, passando este novo prédio a designar-se por Herdade do Vale Sobrigo (al. U) 21. Em 13 de Novembro de 1998, os 1º RR apresentaram na Repartição de Finanças de Alcácer do Sal uma declaração modelo 129, para a inscrição de um prédio urbano na matriz (al. V). 22. Nessa declaração consta que o prédio urbano que os réus pretendem inscrever na matriz tem as seguintes características: -confronta do norte com Herdade de Vale Sobrigo, do sul com Herdade de Franguins e Vale do Gaio, do nascente com Herdade de Franguins e Vale do Gaio, do poente com barragem Vale do Gaio; - tem uma área de 70 m2 - é composto de rés-do-chão com 2 divisões e 1 arrecadação de alfaias - foi construída por volta de 1920, não tendo sofrido quaisquer obras ou benfeitorias; - está em mau estado de conservação (al. X) 23. Em 18 de Novembro de 1998, os autores que formam a família Gil Ferreira apresentaram na Repartição de Finanças uma reclamação contra as alterações e inovações cadastrais introduzidas pelo processo de cadastro n° 10/97, a qual foi enviada para a Direcção Distrital de Finanças de Setúbal. (al. Z); 24. O IPCC proferiu um despacho no âmbito desse processo com o seguinte teor: “Propomos que se arquive o processo sem qualquer resolução uma vez que se trata de uma situação litigiosa sobre a propriedade, sendo o IPCC incompetente em razão da matéria para decidir; tal situação deverá ser dirimida em local apropriado conforme ofício n° 986 de 17 de Fevereiro de 1999 do IPCC” (al. AA). 25. O primeiro A. foi notificado deste despacho em 3 de Janeiro de 2000 (al. BB). 26. Os RR procederam à descrição e inscrição a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal de um prédio denominado “Herdade de Vale Sobrigo”, com a área de 208,7500 hectares, composto de cultura arvense, oliveiras, montado de sobro e azinho, pinhal e parte urbana com a área de 70 m2, confrontando do norte com Herdade de Vale Sobrigo, do sul Herdade de Franguins e Vale do Gaio, do nascente com terras de Daniel, do poente com Manuel Gil dos Reis Carneiro, descrito na referida Conservatória sob o n° 01381/221199, da freguesia do Torrão e inscrito na matriz urbana sob o art. 2 511, ambos da freguesia do Torrão (al.CC). 27. O prédio n° 7659 encontra-se descrito a fis. 20 do Livro B-16 da Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal como Courela do Vale Sobrigo, com suas pertenças, sita no lugar do seu nome, freguesia do Torrão, deste concelho, a confrontar de norte com herdeiros de Valbom, sul com prédio da herança de Manuel Gil dos Reis Dias de Carvalho Ferreira, nascente com terras que foram de José Pedro Laleiro e poente com Dr. Francisco Pinheiro Guimarães, inscrito na respectiva matriz cadastral rústica sob 1/2 do art. 40, secção L (al. DD). 28. O prédio n° 6875 encontra-se descrito a fls. 47 v° do Livro B-18 da Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal como prédio rústico com a área de 7 3000 hectares, composto por quatro olivais, sito em Vaie Sobrigo, freguesia do Torrão, a confrontar do norte com herdade de Vaie de Médico, sul com a de Fraguins, nascente com herdeiros de António Pedro Lameiro e de poente com Joaquim Ferreira, inscrito na respectiva matriz cadastral rústica sob os art. 7°, 8°, 9° e 10°, secção L (al. EE). 29. Em 15 de Outubro de 1973 foi emitida certidão pela Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal, de acordo com a qual, a folhas 2, do livro B-7, sob o n° 2349 se encontra a descrição predial do seguinte teor: “Prédio rústico. Uma courela de terra de semeadura, em Vale Sobrigo, limites da freguesia do Torrão, confina do norte com Herdade de Vale Bom, sul com a dos Fraguins, nascente com terras do Daniel e poente com terras de Manuel José Gil dos Reis Carneiro.” (al. FF) 30. Dessa certidão consta ainda que “com referência ao mesmo prédio a inscrição de transmissão em vigor, se acha efectuada a folhas cento e vinte, verso, do livro G - três, sob o número dois mil quatrocentos e vinte e um, do seguinte teor: (...) Fica definitivamente inscrita a favor de José Pedro Lameiro, do Torrão, a transmissão do domínio útil do prédio número dois mil trezentos e quarenta e nove (...) que arrematou em hasta pública perante o Juiz Ordinário do julgado do Torrão (...) em vinte e cinco de Março de mil oitocentos e oitenta e oito (...) apresentada pelo arrematante, em dezanove de Agosto de mil oitocentos e noventa e dois (...)“ (al. GG). 31. Em 29 de Novembro de 1988, Júlia Bárbara Inocêncio Lameiro Pinto, na qualidade de herdeira, requereu à Repartição de Finanças de Sesimbra que certificasse se por falecimento de José Pedro Lameiro, ocorrido em 29 de Março de 1958, foi instaurado o competente processo de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações e se se encontra assegurado o mesmo relativamente à “(1º) Propriedade rústica, denominada Vale Sobrigo, situada na freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Saí, a confrontar de norte com herdade de Vale Bom, sul com a Herdade de Fraguins, nascente com Inácio Rodrigues Pereira e poente com Álvaro Filipe Ferreira, inscrita na respectiva matriz sob os artigos 5 a 18 e 50 a 52 da Secção L” (al. HH). 32. Em 3 de Agosto de 1999, pela mesma Júlia Pinto foi apresentada na Repartição de Finanças de Sesimbra uma relação de bens adicional, da qual consta, como verba n° 3, “Um prédio urbano, sito no Vale Sobrigo, freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal, composto por casa de habitação com 70 m2, confronta de norte com herdade de Vale Sobrigo, a sul e nascente com Herdade de Franguins e Vale do Gaio, e a poente com barragem do Vale do gaio, omisso na matriz, mas participado em nome de José Pedro Lameiro (herança de) em 18.11.98 (al. II). 33. Dessa relação de bens adicional consta ainda a alteração da verba n° 1, passando a mesma a constar como “Um prédio rústico, sito no Vaie Sobrigo, freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sai, inscrito na matriz sob o art. 55 da secção L (al. JJ). 34. Pelo menos desde a década de 1960, os AA utilizaram a Herdade do Vale Sobrigo para a agricultura (facto 5°). 35. Usufruíram dos seus frutos (facto 6°). 36. O 1º A. pagou a C.A. relativa ao art. 1, Secção L, respeitante ao ano de 1997, ao art. urbano 00951, respeitante ao ano de 2000, e que se encontrava inscrita para pagamento a CA respeitante ao art. 1, secção L, em nome do 10 A., nos anos de 90 e 95 (facto 7°). 37. Contratou homens para trabalharem as terras da herdade (facto 8°). 38. Os AA que compõem a família Gil Carneiro trabalharam e exploraram directamente o prédio rústico designado por Herdade de Franguins e Vale do Gaio, sito na freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal, com a área de 839, 3250 ha, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1° da Secção MM1 (facto 10º, rectificado em acta, fls. 1396). 39. Fizeram-no por si e seus antecessores pelo menos desde a década de 60, facto que foi interrompido nos termos do circunstancialismo a que se alude na ai. H) (facto 10°- A, rectificado em acta, fis. 1396). 40. O prédio rústico com uma área de 839, 3250 hectares encontrava-se inscrito na matriz a favor de Manuel Gil dos Reis Carneiro (facto 12°). 41. No requerimento referido em S), os RR pediam a “rectificação da matriz predial rústica da freguesia do Torrão” relativamente a um prédio de que alegam ser proprietários, juntando para esse efeito uma certidão do registo predial desse mesmo prédio (facto 13°). 42. O processo de cadastro n° 10/97 provocou a criação de um novo art. matricial rústico, em nome de Manuel Gil dos Reis Carneiro, com o n° 4 da secção MM1, freguesia do Torrão, com uma área de 701, 5250 hectares, continuando o prédio a designar-se por Herdade de Franguins e Vale de Gaio (facto 14°). 43. Nem os AA que compreendem a família Gil Ferreira nem os que formam a família Gil Carneiro foram ouvidos ou notificados no âmbito do processo de cadastro n° 10/97 (facto 15°). 44. A Herdade de Vale Sobrigo passou a estar descrita na Conservatória do Registo Predial apenas quanto à descrição n° 6 874, fls. 19 do Livro B-16, a que corresponde a descrição actual n° 01256/181198 (facto 16°). 45. A parcela rústica (art. 1° da Secção L), após a sua eliminação da matriz, foi atribuída aos RR (facto 17°). 46. José Pedro Lameiro era também conhecido por José Galego ou José do Vale Sobrigo (facto 22°). 47. Existem marcos com a letra G (facto 23°). 48. Os marcos com a letra “G” referem-se aos marcos distintivos das propriedades do autor Manuel Gil dos Reis Carneiro Dias de Carvalho Ferreira, mais conhecido por Manuel Gil (facto 24º). 49. Todas as propriedades deste encontram-se delimitadas com marcos com a letra “G”, idênticos aos existentes na Herdade de Vale Sobrigo (facto 25°) 50. Em 25 de Março de 1888 o prédio foi adquirido por José Pedro Lameiro, em autos de arrematação judicial (facto 27º). 51. E por este registado pela primeira vez (facto 28°) 52. José Pedro Lameiro arrendou e posteriormente instaurou um processo de execução por rendas em 1911, contra António Alves, relativas a um prédio situado em Vale Sobrigo (facto 29°). 53. José Pedro Lameiro viveu e faleceu em Sesimbra. (facto 30º). 54. Deixando na Herdade um encarregado, o qual, até 1958, se deslocava periodicamente a Sesimbra, a fim de lhe prestar contas da administração da Herdade (facto 31°). 55. Até à morte do mencionado Maldonado, este prestou contas da propriedade a José Pedro Lameiro (facto 32°). 56. Desde pelo menos desde a década de 1960 e até hoje os AA retiram periodicamente a cortiça da propriedade (facto 34°). 57. Alguns dos RR foram esporadicamente à propriedade nos últimos anos (facto 37º). 58. Quando aí se deslocaram, os RR não tiveram a oposição dos AA ou de quaisquer outras pessoas (facto 40º). 59. Em 20 de Dezembro do 1999, foi celebrado um contrato de comodato e arrendamento da Herdade de Vale Sobrigo entre os RR e Pedro António Esteves Nunes Rodrigues (facto 42°). 60. Em 27 de Dezembro de 1999 foi celebrado contrato-promessa de compra e venda da herdade entre os RR e Algarve Alimentar — Importação e Exportação, Lda. (facto 43°). 61. A Herdade de Vale Sobrigo consta actualmente do n° 1 381 da Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal e encontra-se inscrita na matriz sob o art. 550, Secção L, da freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal (facto 44°). 62. A descrição 6 874 foi efectuada em 1962 e a descrição predial registada a favor de José Pedro Lameiro em 1892 (facto 45º).
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Tudo visto e analisado, tendo por base as provas existentes e em atenção o direito aplicável, cumpre decidir, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º todos do Cód. Proc. Civil.
Assim, sinteticamente, são as seguintes as questões que importa apreciar: 1ª - Do alegado erro de julgamento na apreciação da prova com relevância nas respostas dadas aos quesitos 5º, 10º, 10º A, 17º, 36º, 37º, 38º e 39º da Base Instrutória. 2ª – Da alegada ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão recorrida por se ter alicerçado na figura jurídica da usucapião, a qual segundo os recorrentes, não terá sido invocada, nem expressa nem tacitamente, pelos autores. 3ª – Da alegada falta de todos os pressupostos legalmente exigidos para que opere a usucapião e incorrecta interpretação dos efeitos da posse. 4ª – Inconstitucionalidade da decisão por violação do artº 62º da CRP.
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a) - Conhecendo da 1ª questão
Os recorrentes vêm pôr em causa a matéria de facto, requerendo a alteração da mesma ao abrigo do disposto no artigo 712º n.º 1 do C.P.C., indicando, em concreto, os quesitos 5º, 10º, 10º A, 17º, 36º, 37º, 38º e 39º da base instrutória que deviam receber e ser objecto de resposta diferente da que se fixou na 1ª Instância, afirmando que dos documentos juntos aos autos e especialmente dos depoimentos testemunhais, impunha-se decisão diversa, ou seja, de julgar provados na totalidade os factos descritos nos quesitos 36º (Os réus apenas não foram à herdade na época de 74/75?), 38º (E aí fazem encontros?), de julgar não provados os quesitos 5º (A família Gil Ferreira sempre e até á presente data utilizou a herdade para a agricultura?), 17º (A parcela rústica (artigo 1º da secção L), após a eliminação da matriz, foi atribuída aos réus?) e só parcialmente provados ou com diferente redacção os quesitos 10º (Os autores que compõem a família Gil Carneiro são os actuais proprietários e possuidores do prédio rústico designado por Herdade de Franguins e Vale de Gaio, sito na freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal, com uma área de 839,3250 hectares, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1º da secção MM1?), 10ºA (Desde há mais de cem anos?) 37º (Durante os outros anos os réus sempre se deslocaram à herdade?), e 39º (E, percorreram-na de jeep e de mota).
Nos termos do n.º 1 do citado artigo 712º do CPC “A decisão do Tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos da prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida”.
Efectivamente, nos presentes autos houve gravação dos depoimentos prestados e, por isso, os ora recorrentes podiam impugnar, com base neles, bem como em documentos juntos aos autos, a decisão da matéria de facto, seguindo, naturalmente as regras impostas pelo citado art.° 690º - A do Cód. Proc. Civil, o que efectivamente aconteceu.
Não obstante afirmar-se que o registo de prova produzido em audiência tem por fim assegurar um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, a realidade, como todos sabemos, é bem diferente, já que “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”. [1]
Os recorrentes põem em causa a objectividade de apreciação dos factos materiais que o Mº Juiz a quo manteve como razão da sua convicção/decisão, designadamente a testemunhal, não obstante o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador consignada na lei – art.º 655º do C.P.C.
Ao tribunal de 2ª instância não é lícito subverter o princípio da livre apreciação da prova devendo, tão só, circunscrever-se a apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição, face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos e, a partir deles procurar saber se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a prova testemunhal e os outros elementos objectivos neles constantes, pode exibir perante si, sendo certo, que se impõe ao julgador que indique “os fundamentos suficientes para que, através da regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade d(aquel)a convicção sobre o julgamento de facto como provado ou não provado”. [2]
Assim, a constatação de erro de julgamento no âmbito da matéria de facto, impõe que se tenha chegado à conclusão que a formação da decisão devia ter sido em sentido inverso daquele em que se julgou, emergindo “de um juízo conclusivo de desconformidade inelutável e objectivamente injustificável entre, de um lado, o sentido em que o julgador se pronunciou sobre a realidade de um facto relevante e, de outro lado, a própria natureza doas coisas”. [3]
No caso em apreço, no que se refere aos pontos da matéria que os recorrentes pretendem modificação, diremos, desde já, que as respostas à matéria de facto se mostram devidamente fundamentadas, com apreciação crítica dos vários depoimentos e documentos, não denotando, nem arbitrariedade nem discricionariedade – v. fls. 1854 a 1872 dos autos.
Da análise global e integral dos depoimentos testemunhais, após audição das gravações [4] conexionados com a análise crítica dos documentos juntos aos autos, entendemos que tais elementos probatórios não consentem as pretendidas modificações, pois, deles não se pode retirar a conclusão de ter havido erro de julgamento, por parte do julgador a quo, erro esse traduzido na desconformidade flagrante entre os elementos probatórios e a decisão.
E, sendo esses elementos, no caso em apreço, de carácter essencialmente testemunhal, deve dar-se posição de primazia, relativamente à apreciação da credibilidade dos depoimentos e dos outros elementos probatórios, ao julgador a quo, que deteve a possibilidade de ouvir perante si os relatos das pessoas inquiridas, [5] de confrontar os seus depoimentos com os outros elementos existentes nos autos, isto não obstante a valoração diferente que possa ser dada aos mesmos por terceiros, nomeadamente pelos ora recorrentes, que lhes possibilita chegar a conclusões divergentes das do julgador a quo.
Não podemos olvidar o que é dito por quem, em sede de audiência de julgamento, denotando toda a atenção e mostrando-se interventivo com o intuito de ser esclarecido, [6] analisou criticamente as provas segundo o seu prudente e livre arbítrio, conforme a lei lhe faculta. Na sustentação sobre as respostas o juiz a quo mostra-se convincente quanto à certeza da sua decisão sobre estes pontos factuais em análise.
Não vislumbramos razões para pôr em causa a sua objectividade na apreciação da prova, designadamente quanto aos factos em que se invoca ter havido erro na apreciação da prova.
De salientar até que, no que concerne à matéria vertida nos quesitos 10º e 10º A, relativas às áreas do terreno, o tribunal para além dos depoimentos testemunhais deu credibilidade aos documentos constantes a fls. 78, 80 308 a 312 e 1798 e 1811, pelo que nada haverá a censurar. O mesmo se diga do facto constante no quesito 17º, cuja convicção assentou exclusivamente na prova documental constante a fls. 84 a 95 e 1812 a 1813, sendo, por isso, irrelevante que nenhuma testemunha dos autores tivesse sido indicada ao quesito ou sobre ele não tivesse incidido prova testemunhal.
Em suma, diremos que mostrando-se as respostas, de cujos factos foi posta em causa a sua não demonstração, devidamente fundamentadas, não se revelando arbitrárias nem discricionárias, estando em conformidade com o que resulta da prova registada em áudio, bem como da prova documental, entendemos não proceder a qualquer modificação da factualidade que vem dada como provada e não provada, improcedendo, por tal, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
Nestes termos, nesta parte, haverá o recurso que improceder.
b) – Conhecendo da 2ª questão Alegam os recorrentes que os autores não fundamentaram, nem expressa nem implicitamente, o direito a que se arrogam e pretendem ver reconhecido nesta acção, no instituto da usucapião e como tal, o mesmo não podia ser tomado em consideração para dirimir o litígio sob pena de se proferir uma decisão surpresa, para a qual as partes não estavam alertadas, nem sonhavam que pudesse ocorrer.
Não há dúvida que os autores, nas peças processuais apresentadas no processo nunca, nelas, fizeram menção expressa de quererem utilizar o aludido instituto da usucapião para fazerem valer o seu direito.
Ou seja, expressamente, nunca chamaram à colação tal figura jurídica, [7] sendo certo que o artº 303º do C. C. (aplicável à usucapião por força do artº 1292º do mesmo Código), impõe que a prescrição, para ser eficaz, tenha de ser invocada por aquele a quem aproveita, no caso em apreço os demandantes, por estarmos perante prescrição aquisitiva que integra uma excepção e, como tal, sujeita às regras do ónus da prova consignadas no n.º 2 do artº 342º do Cód, Civil.
Mas, temos para nós, não obstante o facto de expressamente não terem alegado a usucapião, os autores, implicitamente quiseram fazê-lo, [8] conforme decorre de alguns factos por si articulados, que integram os respectivos requisitos, aos quais não se lhe pode atribuir outro sentido, tendo referenciado a posse pública e pacífica e o decurso de certo lapso de tempo e concluído por peticionarem o reconhecimento do direito de propriedade sobre os prédios em causa e a condenação dos réus “a absterem-se de praticar quaisquer actos susceptíveis de ofender a posse ou a propriedade dos autores sobre a Herdade de Vale Sobrigo e Franguins e Vale do Gaio”. [9] .
Os autores que constituem a família Gil Ferreira fundamentam a sua pretensão no facto de serem proprietários e possuidores da Herdade de Vale Sobrigo e, para o efeito, alegaram:
- que a propriedade sobre o referido prédio adveio para o 1º autor e suas irmãs em Maio de 1962, na sequência da sucessão aberta por óbito de seu pai Manuel Gil dos Reis dias de Carvalho Ferreira, tendo aquele, em 08/09/1971, através de escritura de permuta celebrada com as suas irmãs, reunido a propriedade plena do referido prédio, o qual, em 08/04/1998, foi doado pelo 1º e 2ª autores às 3ª e 6ª autoras, ficando aqueles com o usufruto vitalício do mesmo. (arts. 1.1.1., 1.1.4., 1.1.15. e 1.1.10. da Petição Inicial);
- que a referida propriedade sempre foi legitimamente explorada pela família Gil Ferreira e, posteriormente, pelo pai do 1º autor, Manuel Gil dos Reis Dias de Carvalho Ferreira, alegando, no art. 1.1.7. da petição que:
“1.1.7. Desde sempre, e até à presente data, a Família Gil Ferreira:
1.1.7.1. Sempre exerceu de forma pública, pacífica, plena e ininterruptamente a posse da Herdade de Vale Sobrigo:
1.1.7.2. utilizou a Herdade para a agricultura;
1.1.7.3. usufruiu dos seus frutos;
1.1.7.4. pagou os respectivos impostos;
1.1.7.5. contratou homens para trabalharem as terras da Herdade.”
Os Apelados que constituem a família Gil Carneiro fundamentam, igualmente, a sua pretensão no facto de serem proprietários e possuidores da Herdade de Franguins e Vale do Gaio — propriedade que lhes adveio na sucessão aberta por óbito do seu pai e sogro, Manuel Gil dos Reis Carneiro, e que foi expropriada pelo Estado em 1975, tendo sido devolvida, após derrogação da expropriação em Abril de 1991 (artº 1.2.1 a 1.2.5 da petição).
- que “efectivamente, conforme os autores alegam em sede e p. i., as suas propriedades sempre foram trabalhadas e exploradas pelos autores, desde há mais de 100 anos, sempre tendo sido os autores que efectuaram o pagamento da contribuição autárquica desses mesmos prédios e também como já foi referido na p. i., os réus nunca tiveram a posse da propriedade reivindicada, nem nunca praticaram qualquer acto demonstrativo do direito de propriedade que alegam possuir” (artºs 14º e 15º da réplica constante de fls 341 a 345 e artºs 27º e 28º da réplica constante a fls. 502 a 509), matéria esta consignada nos quesitos 10º, 10º-A e 10º-B da Base Instrutória.
Assim, não restam dúvidas que os autores para além de outros fundamentos, invocam, em seu benefício, exercer a posse, dos terrenos reivindicados durante um certo período temporal, que naturalmente conduz à sua usucapibilidade.
Não se podendo perfilhar do entendimento dos recorrentes, que pelo facto de expressamente os autores não terem invocado a usucapião nas suas alegações de direito, terão renunciado à sua invocação, não pretendendo, assim, em caso algum beneficiar de tal instituto.
A interpretação e aplicação da lei aos factos assentes, na óptica das partes, não vincula o julgador, conforme decorre do disposto no artº 644º do Cód. Proc. Civil, o essencial é que tenham sido alegados e provados os factos caracterizadores da prescrição aquisitiva, para que o julgador na sua liberdade de subsunção dos factos ao direito aplicável, possa chegar à conclusão de ter operado a usucapião.
No caso em apreço o julgador a quo entendeu estarem preenchidos os requisitos da aquisição da propriedade por usucapião. Nenhuma censura haverá a fazer-lhe pelo facto de ter entendido estar alegado, implicitamente, o circunstancialismo factual inerente a tal instituto, bem como, com base nele retirar daí, as consequências, que em seu entender, seriam as adequadas, não existindo, por tal, nulidade da sentença traduzida no excesso de pronúncia pelo conhecimento de questões que lhe estavam vedadas.
Também, por tal facto, não se poderá aceitar, o entendimento dos recorrentes, que estamos perante uma “decisão surpresa” em violação expressa ao disposto no artº 3º do Cód. Proc. Civil por o julgador não ter possibilitado aos réus o exercício do contraditório no que se refere à usucapião não expressamente invocada.
Se é certo que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo do todo o processo, o princípio do contraditório de modo a que se possa obstar à prolação de decisão surpresa, baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes, não podemos esquecer a autoresponsabilidade das partes, de forma a dispensar-se a sua audição, “sempre que agindo com a diligência devida, devessem, por sua vez, ter-se espontaneamente pronunciado sobre tais questões, por ser razoável, no plano técnico-jurídico, contar com o conhecimento de certa questão ou com determinado enquadramento ou qualificação jurídica”. [10]
Os réus, não obstante a não invocação expressa pelos autores da usucapião, perante o circunstancialismo factual por estes carreado para os autos, relativo à posse e ao seu exercício ao longo do tempo (que aqueles, até infirmaram, sustentando que a posse sempre foi sua), aliado ao facto de na base instrutória prevalecerem os factos relativos a essa realidade e, em sede de audiência de julgamento as perguntas e respectivos depoimento incidirem essencialmente nessa problemática, não podiam descorar essa evidência. Aliás, como não descoraram e consideraram-na como enquadrável, quer em termos de facto, quer em termos de direito, conforme resulta da leitura das suas alegações de direito, perante o tribunal a quo, datadas de 23/02/2006 em que defendem não poder operar a prescrição aquisitiva. [11]
Não existiu, assim, violação do princípio aludido no artº 3º do Cód. Proc. Civil, bem como dos artº 2º e 20º da CRP que visam assegurar uma tutela jurisdicional efectiva, perspectivada na vertente da existência de um processo equitativo em que relevam o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer as provas, controlar as provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas.
Nestes termos, haverá nesta parte, também o recurso que improceder.
c) – Conhecendo da 3ª questão Os apelantes defendem que mesmo que se considerasse ter sido a usucapião invocada tacitamente, sempre se haveria de ter reconhecido, não se encontrarem verificados todos os elementos conducentes à aquisição por usucapião.
Antes do mais haverá a clarificar que não podemos aceitar a perspectiva dos apelantes no que concerne à prova testemunhal apresentada pelos autores, que leva considera haver testemunhas de “primeira” e testemunhas de “segunda”.
Não é pelo facto das testemunhas serem empregados ou terem trabalhado por conta dos autores ou de sociedades das quais estes foram ou são sócios, que se haverá de não dar crédito ao seu depoimento e se reconhecer que “representam a parte” e, por tal, se concluir, que os respectivos depoimentos, “não poderão fazer alguma fé quanto à publicidade da posse”. A imparcialidade e a credibilidade dos depoimentos, não pode assentar nas premissas a que os apelantes se referem, mas tão só na honestidade do depoente seja ou tenha sido ele empregado da parte que o indicou, sendo que essa sindicância deverá ser feita pelo julgador inicialmente, no momento da inquirição e, posteriormente, no da fundamentação das respostas à matéria de facto e não em momento posterior no âmbito da apreciação da questão de direito.
Os apelantes defendem que não se fez prova de que a posse exercida pelos autores tenha sido pública.
Na sentença sob censura diz-se:
“Do complexo fáctico assente retira-se que os AA agricultaram a Herdade de Vale Sobrigo retirando dela os frutos, contratando trabalhadores, pelo menos desde 1960 até hoje, o que permite concluir inexoravelmentee que o fizeram de forma pública e pacífica durante cerca de 40 anos" A contratação de trabalhadores para agricultar uma Herdade, ao longo de 40 anos, é um acto visível por todos e, portanto, público e pacífico, porque reiterado ao longo deste tempo. Acresce que a propriedade se encontra demarcada com marcos com a letra G, os quais se referem aos marcos distintivos das propriedades do A. Manuel Gil dos Reis Carneiro Dias de carvalho Ferreira, mais conhecido por Manuel Gil, sendo que todas as propriedades deste se encontram delimitadas com marcos idênticos aos existentes na Herdade de Vale Sobrigo [3.1.47, 3.1.48 e 3.1.49]. Aqueles conceitos genéricos encontram-se, assim, preenchidos por esta factualidade.
Ora, a primeira condição para haver usucapião é a de que haja posse - pacífica e pública (cfr. conceitos nos art. 1261° e 1262° do CC).
Diz-se público o facto praticado de modo que por todos poderia ser conhecido, maxime, através do registo (que no caso se concretizou). Diz-se pacífica a posse que foi adquirida sem violência.
Face ao exposto, temos por certo que a posse dos AA., por si e pelo seu antecessor, é boa para usucapir.”
Não podemos deixar de concordar com este entendimento. A posse é pública quando se exerça de modo a poder ser conhecida pelos interessados (artº 1262º do Cód. Civil), só se devendo considerar oculta, quando isso não sucede, pressupondo esta “um comportamento tendente a esconder o objecto sobre que incide ou os actos em que se traduz” mas independentemente dessa intenção “é ainda necessário que os actos possessórios sejam praticados em termos que não possibilitem o seu conhecimento pelos interessados” . [12]
No caso do autos, em que estão em causa terrenos para uso agrícola, os actos de posse invocados e provados pelos autores, constantes dos factos referenciados sob os n.ºs 8, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 47, 48, 49 e 56, foram praticados, como não podia deixar de ser, à luz do dia, pelo que, reconhecidamente, têm de ser públicos e cognoscíveis por toda a gente que tivesse contacto com as propriedades em causa, designadamente dos réus, os quais só por inércia da sua parte não poderiam ter conhecimento de tal realidade.
Assim, não podemos deixar de reconhecer, como, também reconheceu a decisão sob censura, que estamos perante actos de posse pública e pacífica e como tal idóneos para conduzirem à usucapião, mesmo na pior das hipóteses no que respeita aos prazos estabelecidos (artºs.1294º a 1296º do Cód. Civil), sendo que no que se refere à Herdade de Franguins e Vale do Gaio, ao contrário do que defendem os apelantes (conclusão 24ª), os actos de posse ocorrem pelo menos desde a década de 60, com o agricultar directo da terra, não obstante a interrupção forçada pelo processo de expropriação ocorrido em 1975 e que se prolongou até 1991, altura, em que de novo, puderam continuar a agricultá-la.
Não obstante a reconhecida usucapibilidade haverá que apreciar, como sustentam os apelantes, se há colisão de direitos derivados do registo e da posse chamando á colação o disposto no artº 1268º n.º 1 do Cód. Civil em que se estipula que “o possuidor goza de presunção de titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse,” donde se deduz que existindo conflito de presunções, nomeadamente entre registo e posse, deve dar-se prevalência, em princípio, à que resultar do facto mais antigo.
No caso em apreço, remontando a posse dos autores à década de 60 e beneficiando os réus de registo anterior a essa data, por aplicação do citado normativo a presunção de que aqueles gozam cederia perante a presunção decorrente o registo.
Mas a questão não pode ser vista, tão só, tendo em conta as realidades posse e registo, as quais só assumiriam relevância determinante para aplicação do citado artº 1268º, se a posse, desde o seu início, fosse insuficiente para aquisição por usucapião, o que não é o caso, como atrás concluiu.
Haverá que ter-se em conta, que a posse do direito de propriedade, dotada de certas características e mantida durante lapso de tempo determinado pela lei conduz à aquisição do direito a cujo exercício corresponde a actuação (usucapião) – artº 1287º do Cód. Civil. [13]
Por seu turno o registo predial tem normalmente efeitos presuntivos e só excepcionalmente efeitos constitutivos, [14] pelo que, o titular de um direito alicerçado no registo poderá ver-lhe aposta a aquisição da propriedade pela usucapião que destrói qualquer presunção iuris tantum como a derivada do registo, já que a publicidade decorrente da usucapião, baseada em posse com determinadas características supera a registal. [15]
A usucapião, ao contrário do registo, é “o título fundamental da aquisição de direitos, ela inutiliza por si todas as situações substantivas ou registais existentes” podendo o que consta no registo passar ”à frente dos títulos substantivos existentes, mas nada pode contra a usucapião”, [16] sendo este também o entendimento uniforme na jurisprudência, [17] ou seja, de que a presunção de propriedade derivada do artº 7º do Cód. Reg. Predial é ilidível, cedendo, como tal perante a prova da usucapião do direito.
Assim, não estamos perante uma situação de colisão de presunções em que seria aplicável o artº 1268º do Cód. Civil, mas perante uma realidade consubstanciada na forma originária de aquisição da propriedade – a usucapião, havendo que dar prevalência a esta.
Nestes termos, também, nesta parte, improcedem as conclusões dos recorrentes.
d) – Conhecendo da 4ª questão
Defendem os apelantes que o julgador a quo ao decidir “aplicar a usucapião – não invocada “ pelos autores que determinou a perda do direito de propriedade por parte dos réus, configura uma violação do direito de propriedade privada garantido constitucionalmente no artº 62º da CRP.
Como supra se deixou dito, não consideramos ter existido uma aplicação do instituto da usucapião “ad hoc”, mas sim na sequência da sua invocação implícita efectuada pelos autores, pelo que não se poderá sustentar uma violação do direito de propriedade privada nos termos em que a constituição o reconhece.
No âmbito do direito de propriedade assume relevância, por um lado a liberdade de aquisição de bens, e por outro o direito de não ser privado deles. Quanto a esta realidade, ela não goza de protecção constitucional em termos absolutos, prevendo-se, assim, várias figuras de desapropriação forçada por acto de autoridade pública, nomeadamente a expropriação. Mas, no caso em apreço, temos que reconhecer que estamos perante um exercício de direito legítimo, legalmente reconhecido e a que não obsta o ordenamento constitucional.
A usucapião resulta de disposições genéricas do ordenamento, destinadas, a conseguir a harmonização de direitos potencialmente conflituantes, não se podendo considerar arbitrário reconhecer a propriedade no âmbito de tal instituto, àqueles que demonstraram ter sobre os imóveis, situações de facto, que enquadradas legalmente lhe atribuem direitos de forma originária em contraposição aos alegados direitos que os réus alegavam deter, mas que não lograram demonstrar.
Nestes termos, improcedem, também nesta parte, as conclusões dos apelantes, não se mostrando violado o disposto no artº 62º da CRP, bem como os artºs 1308º e 1313º do Cód. Civil.
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Improcedendo, assim, todas as conclusões dos recorrentes, haverá que julgar-se improcedente a apelação.
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DECISÂO Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e consequentemente, confirmar a sentença recorrida. Custas pelos apelantes.
Évora, 20/03/2007
_______________________________________________________ Mata Ribeiro
________________________________________________________ Sílvio Teixeira de Sousa
________________________________________________________ Mário Serrano
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[1] - Preâmbulo do Dec. Lei 39/95 de 15/02. [2] - Cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Cód. Proc. Civil, 1997, 348. [3] - cfr. Desembargador Pereira Batista em muitos acórdãos desta Relação, nomeadamente, Apelação. n.º 1027/04.1 [4] - A gravação encontra-se em boas condições de audição, não obstante o sistema áudio ter captado interferências de transmissões efectuadas por forças de autoridade, conforme se pode constatar, quando prestavam depoimento as testemunhas António João de Jesus, José Inácio Pereira e João Francisco Pinto. [5] - “Existem aspectos comportamentais ou reacções do depoente que apenas são percepcionados, aprendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia”- v. Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil II, Almedina, 4ª edição, 266. [6] - Tal resulta da audição da prova gravada, pela qual se constata que a Mma. Juíza que presidiu á audiência sempre procurou inteirar-se da realidade, tentando colher dos depoimentos de cada testemunha as informações adequadas à boa decisão da matéria de facto. [7] - A palavra “usucapião” nunca foi por eles mencionada. [8] - “a invocação da usucapião pode ser implícita ou tácita, desde que se aleguem os factos e os requisitos que revelem inequivocamente a intenção de nela se fundamentar o pretenso direito de propriedade” – Ac. do STJ de 19/10/2004 in www.dgsi.pt no processo n.º 04A2988. [9] - “Se os factos conducentes á usucapião forem articulados no processo pelo interessado, é porque este quer com toda a probabilidade (até prova em contrário) aproveitar-se dos efeitos dela” – Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado , 1984, 71. [10] - Pereira Batista in Reforma do Processo Civil – Princípios Fundamentais, 1997, 39. [11] - “a posse durante certo tempo tem valor no nosso direito e até poderá levar à aquisição do direito - usucapião - mas com respeito dos títulos e da posse anterior…- ou seja, a mera posse por si não vale o título.” [12] - Pires de LIMA e A. Varela, ob. cit. 24 e 25 [13] - v. Meneses cordeiro in Direitos Reais, 1978, 2º vol. 610. [14] - Caso da hipoteca. [15] - v. Meneses Cordeiro, ob. cit. 199. [16] - v. Oliveira Ascensão, in Direitos Reais, 393 e 413 [17] - v. Ac. STJ de 03/02/1999 na revista 1127/98, de 27/06/2002 na revista 1644/02, de 12/04/2005 e de 06/07/2005 in www.dgsi.pt, respectivamente, nos processos n.ºs 05A4787 e 04B1862.