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RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
LITISCONSÓRCIO
PRESCRIÇÃO
Sumário
I – A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito. Se o acto não ocorrer no prazo de cinco dias por culpa não imputável ao requerente, decorrido tal prazo, a prescrição tem-se por interrompida.
II – Numa acção emergente de acidente de viação, em que não exista seguro valide e eficaz em relação a uma viatura, para assegurar a legitimidade passiva há que fazer intervir não só o Fundo de Garantia Automóvel, como o proprietário do veículo.
Texto Integral
PROCESSO Nº 83/07
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A”, com sede na Rua …, n° …, …, propôs, com pedido de citação prévia, acção declarativa de condenação, com processo sumário contra “B”, residente na ua …, …, “C”, residente na …, …, …, … e “D”, com sede na Av. …, n° …, …, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 7.824,39 € (depois corrigida para 8.657,76 €), com dedução quanto ao “D” da franquia legal, acrescida de juros desde a citação.
Alega, resumidamente que celebrou com a Herdade “E” um contrato de seguro automóvel referente à viatura JJ… a qual, conduzida por “F”, foi interveniente num acidente de viação ocorrido em 23.10.98 em que também intervieram os veículos de matrícula …AL, conduzido pelo réu “B” e propriedade do co-réu “C” …EI, conduzido por “G”, dele resultando danos neste Último, que a A. satisfez, além de ter pago à “H” danos provocados nas guardas de segurança sendo que o veículo causador do acidente, o …AL não tinha seguro válido.
Contestaram apenas o “D” e o R. “C” começando o primeiro por invocar a prescrição, na medida em que a sua notificação judicial com vista á respectiva interrupção ocorreu quando já havia decorrido o prazo de três anos a que alude o nº 1 do artº 498° do CC, e também na medida em que oco-réu “C” não foi judicialmente notificado para a interrupção, o que lhe aproveita, como mero garante da obrigação de indemnizar, impugnando depois os factos, concluindo pela improcedência da acção, e alegando o segundo não ser proprietário do veículo …AL desde 1996, concluindo também no sentido da improcedência.
A A. respondeu à matéria da excepção no sentido de não ter ocorrido a invocada prescrição.
Foi proferido o despacho saneador relegando para final o conhecimento da
excepção, após o que se procedeu à selecção dos factos e à organização da base instrutória.
Do saneador apelou o R. “D” quanto à parte em que não conheceu da prescrição baseada na não notificação judicial do co-réu “B” com vista à interrupção, recurso que, porém, foi recebido como agravo, com subida diferida, constando as respectivas alegações de fls. 204-206 as contra-alegações de fls. 231-239 e o despacho de sustentação de fls. 293.
Instruído o processo, teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida a decisão de fls. 327 - 329, sobre a matéria de facto.
Por fim, foi proferida a sentença, julgando a acção procedente quanto aos RR. “D” e “B”, que foram condenados no pedido, e improcedente quanto ao Réu “C”, que foi absolvido.
Mais uma vez inconformado, interpôs o “D” recurso de apelação, em cuja alegação manifesta interesse na apreciação do recurso de agravo do despacho saneador, pelo que se transcreverão de seguida as conclusões relativas a ambos os recursos:
Relativamente ao agravo:
- Tendo o sinistro ocorrido em 23 de Outubro de 1998, e o “D” notificado, por meio e notificação judicial avulsa com data de entrada em tribunal em 19 de Outubro de 2001, ocorreu tal notificação já passados 3 anos do prazo prescricional previsto no artº 498° do C. Civil, uma vez que não deu a referida notificação judicial entrada 5 dias antes do decurso do referido prazo.
- Por outro lado, não tendo a prescrição sido interrompida relativamente ao R. “B” (condutor do veículo alegadamente lesante), desde o sinistro até à data da instauração da presente acção decorreram 5 anos, 11 meses e 20 dias, portanto muito tempo depois do decurso daquele prazo prescricional.
- Como garante que é da obrigação de terceiro, porque não é responsável civil, aplicam-se-lhe, ainda que analogicamente, as normas substantivas civis relativas à garantia geral das obrigações – artºs. 601 e segs. do C.Civil.
- Nomeadamente, mutatis mutandis, o que vem expresso no artº 637° do C. Civil, quanto à possibilidade que o garante tem de opor ao credor os meios de defesa que, competindo ao responsável civil, não forem compatíveis (quer-se dizer incompatíveis) com a obrigação de garante.
- Assim, tendo ocorrido prescrição relativamente ao réu “B”aproveita o “D” dessa prescrição nos mesmos termos.
- Relativamente a esta prescrição ocorreu omissão de pronúncia, uma vez que o Mmo Juiz a quo não decidiu da procedência ou improcedência da excepção.
- Deve, pois o saneador ser julgado nulo, nos termos do art° 668° n° 1, al. d).
Relativamente à apelação:
1 – “D” não é responsável civil, sendo apenas mero garante da indemnização nos casos previstos no artº 21 ° do Dec-Lei nº 52/85 de 31 de Dezembro.
2 - Nesta medida, o “D” está na mesma situação em relação aos responsáveis civis que o fiador em relação ao devedor principal.
3 - E, assim, encontrando-se o direito da A. prescrito relativamente a um dos responsáveis civis, com os quais, obrigatoriamente, tem o “D” de estar acompanhado, conforme prescreve o artº 29° n° 6 daquele Dec. Lei, sob pena de ilegitimidade, também se encontra prescrito relativamente ao “D”.
4 - É que, nesta matéria, deve ser aplicada, por se tratar de situação análoga, à regra prevista no artO 637° relativa à fiança.
5 - Nestes termos, pode o “D” opor à A. os meios de defesa que competiriam ao R, “B”, invocando por si a prescrição.
6 - Encontrando-se prescrita quanto ao responsável civil, e porque o “D” dele não pode estar desacompanhado, sob pena de preterição do litisconsórcio necessário passivo, deve a acção considerar-se prescrita também contra o “D”, sendo este absolvido do pedido.
7 - A acção foi inicialmente proposta contra o “D”, o condutor e proprietário mas, no decurso da acção, o R. “C”, que nela figurava enquanto proprietário do veículo, veio a alegar e provar que não tinha essa qualidade, tendo o veículo sido vendido a “I” e, posteriormente, a “J”.
8 - A A., na posse dessa informação, sempre deveria ter feito intervir o actual proprietário, o que não fez, com vista a assegurar o pressuposto da legitimidade, que, no caso dos autos, apenas estava completo com a presença do “D” e responsável civil, sendo que este engloba o condutor e proprietário do veículo sem seguro válido e eficaz, conforme prescreve o artº 29° do Dec. Lei n° 522/85.
9 – “D” foi assim condenado, apenas solidariamente com o condutor do veículo, faltando o proprietário.
10 - Ora, dada a exigência da presença do proprietário na presente acção, em virtude do litisconsórcio necessário passivo, uma vez que também este é responsável civil, nenhuma outra consequência pode haver, a não ser a de que o “D” é parte ilegítima na presente acção.
A A. contra-alegou, quer no agravo, quer na apelação, pugnando pela improcedência dos recursos.
Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento dos recursos, cumpre apreciar e decidir.
Na douta sentença foi considerada provada a seguinte factualidade.
1 - A Autora, no exercício da sua actividade seguradora celebrou com Herdade “E”, um contrato de seguro do ramo automóvel, referente à viatura de matrícula JJ, com a apólice n° … (A).
2 - A citada apólice cobria, em caso do acidente, o pagamento dos danos ocasionados a terceiros e no referido veículo, designadamente choque, colisão e/ou capotamento.
3 - No dia 23.10.98, pelas 18 horas, na A2, ao Km …, concelho de …, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiros com as matrículas jj (Ford Orion), AL (Alfa Romeo) e EI (Mitsubishi Canter).
4 - O veículo AL era conduzido pelo co-réu “B”, o JJ era conduzido por “F” e o EI era conduzido por “G”.
5 - À data do acidente, o veículo AL não beneficiava de qualquer seguro válido e eficaz que transferisse a responsabilidade civil por danos causados a terceiros em consequência de acidente de viação, no qual fosse interveniente e causador o dito AL.
6 - O local do acidente era caracterizado por duas filas de trânsito.
7 - Todos os veículos circulavam no sentido Sul-Norte.
8 - O veículo JJ circulava na fila da esquerda (atento o seu sentido de marcha).
9 - O veículo EI circulava na fila da direita.
10 - O AL utilizou a berma esquerda para ultrapassar o JJ.
11 - O AL embateu no JJ e empurrou-o na parte lateral esquerda deste último.
12 - O JJ com a força do embate é arrastado e empurrado pelo AL para o lado direito (fila da direita).
13 - Indo embater com a lateral direita na frente do lado esquerdo do EI e com a frente nas guardas de segurança situadas no lado direito da A2.
14 - O JJ depois de embater no EI embateu com a lateral esquerda no separador central.
15 - O EI com a força do embate do JJ foi projectado para a direita e embateu com a frente e lateral direita nas guardas de segurança situadas no lado direito da A2.
16 - Do acidente resultaram danos no veículo EI no valor de 1.113.050$00 que a Autora pagou.
17 - A Autora pagou 275.000$00 pela privação do veículo EI desde a data do acidente até 05.01.99.
18 - A Autora pagou em 29.01.99. 167.076$00 pela privação do veículo EI de 06.01.99 até 22.01.99.
19 - A Autora pagou à “H” 180.000$00 por danos provocados nas guardas de segurança da A2.
20 -O condutor do veículo segurado na Autora (JJ) conduzia o mesmo por conta e no interesse da Herdade “E”.
21 - Em 22 de Junho de 1996, o Réu “C” comprou a “I”, representante da “K” em …, um veículo de matrícula GS.
22 - Pelo preço de 9.263.000$00.
23 - O Réu “C” deu à troca a viatura que possuía, …, matrícula AL.
24 - A viatura AL foi vendida a “J”.
25 - O Réu “C” apenas teve conhecimento de tal acidente através da carta que lhe foi enviada pelo “D” em 29 de Março de 1999.
26 - O Réu “C” respondeu por carta registada com aviso de recepção enviada em 08.04.99, recebida pelo “D” em 09.04.99, onde assinaladamente se escreveu "( ... ) AL foi vendido ( ... ) a “I” em 08 de Julho de 1996 ( ... )"
27 - A autora teve conhecimento do sinistro em 26.10.98.
28 - A Autora teve conhecimento de que o veículo AL não era portador de seguro em 23.11.98.
Vejamos então.
Como se alcança das conclusões da alegação que, como se sabe e resulta dos artºs 684° nº 3 e 690° n° 1 delimitam o âmbito do recurso, o apelante não põe em causa a sentença quando julgou improcedente a excepção de prescrição, no que lhe diz respeito, nem no que se refere à culpa na produção do acidente e à condenação nela proferida.
O que pretende é que, a montante, se considere que a prescrição operou no que respeita ao réu condutor do veículo, “B” e que, na qualidade de mero garante da obrigação de indemnizar, tal prescrição lhe aproveita por, em seu entender poder, usar dos mesmos meios de defesa que cabem ao fiador, nos termos do art° 637° do C. Civil.
Constatando-se que, quer no agravo, quer na apelação, se discute esta questão, contexto em que aquele perdeu a sua autonomia, unificar-se-á o seu conhecimento na apelação, em que também será naturalmente abordada a questão da sua ilegitimidade por estar desacompanhado do proprietário do veículo.
E sendo embora certo que, face às disposições conjugadas dos artºs 288° e 510° do C. P. Civil, a ordem por que deveriam ser conhecidas as referidas questões dava prioridade à invocada ilegitimidade, por isso que se trata de um pressuposto processual, também certo nos parece que, no caso em apreço, se deva começar pela prescrição na medida em que a eventual conclusão no sentido de esta efectivamente se verificar retiraria qualquer efeito útil à absolvição da instância decorrente da ilegitimidade, designadamente para os efeitos do artº 269° do mesmo diploma. Ou seja, pressuposta a procedência da excepção de ilegitimidade nos termos em que é arguida, a autora, ao usar da faculdade conferida por este último preceito, a de chamar a intervir o proprietário do veículo, corria o risco de ver as suas pretensões soçobrar em virtude de uma previamente invocada excepção peremptória.
Assim dando-se prioridade ao conhecimento da excepção de prescrição, diga-se desde já que a análise da pretensão do apelante pressupõe que antes se indague sobre se o R. “B” poderia invocar a prescrição, pois que só em face de uma eventual resposta afirmativa a esta questão, se colocará a necessidade de ponderar se a mesma lhe aproveitaria, o que, de todo o modo, sempre passaria pela análise da natureza jurídica da sua responsabilidade (devedor solidário ou mero garante).
Deparamos, então, com o seguinte quadro:
Estando no domínio da responsabilidade civil extracontratual, rege, no caso, o n° 1 do artº 498 do C. Civil, nos termos do qual o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
No presente caso, a Autora, teve conhecimento do acidente em 26.10.98.
Por força do contrato de seguro que celebrou com a proprietária do veículo JJ, que abrangia os danos causados no mesmo, procedeu ao respectivo pagamento.
Tendo concluído, porém, que a culpa na produção do acidente cabia ao condutor do veículo AL, tem de considerar-se, como aliás, se considera na douta sentença, e o apelante não põe em causa no recurso, que tomou conhecimento do direito a ver-se reembolsada do que veio a pagar na mesma data em que teve conhecimento do acidente.
Assente, assim, que o prazo prescricional se deve contar a partir de 26.10.98, a acção deveria, em princípio ser proposta até 26.10.2001.
Reza porém os nºs 1 e 2 do artº 323° do C.Civil que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito e que se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias.
E é precisamente a interrupção da prescrição que a A. invoca na sua resposta à excepção, e que se terá concretizado com a notificação judicial avulsa que dirigiu contra o réu condutor e contra o apelante.
Estando apenas em causa, como se disse, o R. “B”, que, como já se viu, uma vez citado, não contestou, nem de qualquer forma interveio nos autos; constata-se (doc. da folha seguinte à 39, que não se encontra numerada, até a fls.48) que, em 19 de Outubro de 2001, a A. fez dar entrada no Tribunal Judicial de …, a uma notificação Judicial avulsa, àquele dirigida, dando-o como residente na Rua …, n° …, … - ---, em que claramente lhe manifesta (art 9°) o propósito de contra ele exercer o direito à indemnização pelos prejuízos emergentes do acidente e que, em 24 de Outubro de 2001, o referido tribunal exarou certidão negativa "em virtude de termos verificado que não se encontrava ninguém naquela morada e termos sido informados por uma vizinha do requerido que o mesmo não reside ali há mais de um ano (. . .)".
Portanto, tendo em conta que a prescrição operava a partir de 26.10.2001, a A. requereu a notificação judicial com a antecedência necessária a que a mesma fosse efectuada ainda antes do decurso de prazo prescricional, mesmo que o tribunal, no seu cumprimento, esgotasse os cinco dias a que alude o nº 2 do citado artº 323°. É certo que naquela data de 19 de Outubro de 2001 o requerimento foi endereçado por fax e que o original veio a dar entrada em 22 de Outubro de 2001. Mas a verdade é que o tribunal quis concretizar a citação logo em 24 do mesmo mês, portanto, dois dias antes do decurso do prazo prescricional, o que se frustrou porque o réu não residia nessa morada.
De notar, porém, que esta morada era seguramente a única de que a A. dispunha, pois é a que consta da participação do acidente junto a fls. 9-12, e que tem de presumir-se fornecida pelo próprio Réu “B”, posto que, como também consta de tal participação, esteve presente perante a autoridade que a elaborou, tanto que ali mesmo deu a sua versão sobre como acidente ocorreu.
Acresce que tendo a A. indicado a mesma morada na petição desta acção, a primeira tentativa da sua citação, através de solicitador, frustrou-se, por este ter sido informado de que o réu cumpria pena em determinado estabelecimento prisional, do que é lícito concluir que colheu tal informação no lugar onde a mesma deveria ter tido lugar, e com o qual o réu continuava a manter ligação a pontos de ali se saber da sua situação prisional.
Tudo para concluir que a notificação não se fez por causa não imputável à Autora e que tudo se passa como se tivesse sido feita na data em que o tribunal a tentou, ou seja, em 24 de Outubro de 2001, em que deve considerar-se interrompida a prescrição. É que, a entender-se o contrário, como bem observa a A. nas suas alegações, estaria esta sujeita a continuar "ad aeternum" a tentar localizar o réu para o notificar, acrescentando nós que seria chocante que este se pudesse eximir às suas responsabilidades, através da prescrição, mediante o fácil expediente de se tornar não localizável (v. neste sentido, o acórdão do STJ de 18 de Janeiro de 1979, in BMJ, nº 283º, pag. 340, precisamente num caso em que o citando mudou de residência sem disso dar conhecimento).
Impondo-se, assim, concluir que não podia o R. “B” invocar a prescrição, também deste meio de defesa se não podia aproveitar o apelante.
Aqui chegados, resta então analisar a questão da ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio necessário a que alude o artº 29° do já citado Dec. Lei n° 522/85.
De notar que a questão só veio a suscitar-se em virtude de, na sequência da produção de prova, se ter demonstrado que o réu “C” já tinha alienado o veículo antes da data do acidente, contexto em que veio a ser absolvido do pedido. Ficou assim o apelante condenado sem que tenha intervindo no processo aquela que já então era proprietária do referido veículo, sobre quem recaía a obrigação de segurar. E a verdade é que o referido réu disso deu conta na sua contestação, em resultado do que, embora alegando desconhecimento, poderia a A. à cautela, ter deduzido o inerente chamamento para intervenção. Não o tendo feito, nem se tendo suscitado ao Mmo Juiz qualquer necessidade de se pronunciar a esse respeito, nomeadamente face ao que dispõe a al. a) do n° 1 do artº 508° do C. P. Civil, o processo correu, até à sentença, a coberto da proclamação tabelar, feita no saneador, da legitimidade das partes.
Chegados à sentença, perante a inevitabilidade da absolvição do réu “C”, a
questão não foi minimamente abordada, como deveria ter sido, face ao que dispõe o nº 1 do artº 660° do C. P. Civil.
Cabe, pois, fazê-lo agora.
Nos termos do referido preceito, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artº 288°, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância segundo a ordem imposta pela sua procedência lógica. Trata-se, obviamente, dos casos em que o conhecimento de tais questões foi relegado para esta fase processual, por necessidade de produção de prova e daqueles em que as mesmas só então se suscitem.
Porém, no que respeita às excepções dilatórias, como é o caso da ilegitimidade das partes, as mesmas, nos termos do nº 3 do artº 288°, ainda que não sanadas, não darão lugar à absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa partes.
Terá pois de indagar-se se, no caso presente, o litisconsórcio necessário, cuja preterição conduz em princípio à absolvição da instância, se destina a tutelar exclusivamente o interesse da A, caso em que, beneficiando de uma decisão de mérito que integralmente lhe é favorável, estaria arredada tal absolvição, ou, também, o interesse do apelante, caso em que o referido preceito já não terá aplicação.
Entende-se que se destina a tutelar os interesses de ambos.
Com efeito, aderindo ao entendimento expresso no acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Janeiro de 2002 in CJ, 2002, Tomo 1, pag. 10-12, a propósito da natureza da responsabilidade do “D”, de acordo com o qual não é um mero garante, pois antes estaremos perante um caso de "solidariedade imprópria", "imperfeita", "impura" na medida em que, externamente, a responsabilidade dos obrigados é solidária, podendo o lesado exigir de qualquer deles a satisfação total do seu crédito, só funcionando a sub-rogação a favor do “D” quando é este a satisfazê-lo, tem de concluir-se que, neste último caso, tem o “D” todo o interesse em que o caso julgado vincule os demais co-obrigados (condutor e proprietário do veículo), por forma a dispor de um título executivo que lhe permita efectivar a subrogação. Ou seja, a exigência de litisconsórcio necessário do artº 29 daquele Dec. Lei, não se justificará, nomeadamente no que respeita ao obrigado a segurar, e na expressão do citado acórdão, por uma postura de "mero oficiante de corpo presente" mas antes pela necessidade de, desde logo, ficar vinculado, pela sentença, para que o “D” não tenha de o demandar autonomamente para lhe impor o direito em que se concretiza a sub-rogação.
Daí que a ausência da lide do obrigado a segurar, não possa deixar de conduzir à ilegitimidade do “D”, como aliás decorre expressamente do preceito acabado de citar. E, em bom rigor, a mesma conclusão seria de extrair quanto ao R. condutor, já condenado, posto que a preterição de litisconsórcio conduz à ilegitimidade de todos os demandados, desde que desacompanhados de quem também devesse estar com eles no lado passivo da lide.
Porém, no caso sub judice, tendo presente que, nos termos conjugados do disposto nos nºs 1 e 2 do já citado artº 269° C. P. Civil, pode a Autora, no prazo ali fixado, chamar o proprietário do veículo a intervir, assim se renovando a instância, não se justifica que a decisão sobre a excepção em causa abranja o referido réu relativamente ao qual, estando já na lide, não faria sentido um novo chamamento.
Por todo o exposto e sem prejuízo da faculdade prevista no artº 269° do C. P. Civil, julgam a apelação improcedente no que tange à excepção de caducidade e procedente no que respeita à arguida ilegitimidade do “D” que, consequentemente, absolvem da instância.
Custas pelo apelante e pela apelada em partes iguais.
Évora, 10 de Maio de 2007