IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CASOS DE DÚVIDA SOBRE ALETRAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário


I- Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo;
II- Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
III- Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Correios, SA, veio instaurar a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros A, SA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 26.456,01, por força de um acidente de viação, causado por veículo segurado na R., que vitimou um funcionário da A., motivo pelo qual esta teve de suportar o custo das despesas médicas e hospitalares e o pagamento ao sinistrado de prestações com carácter retributivo, sem contrapartida de trabalho, peticionando a A. a condenação da R. no pagamento do montante global relativo a tais despesas e prestações.

A R. contestou, tendo invocado a exceção da nulidade do processo por ineptidão da petição inicial e tendo impugnado a factualidade alegada pela A., alegando que as lesões sofridas pelo funcionário da A., em consequência do sinistro, não justificavam uma incapacidade para o trabalho tão prolongada, concluindo, assim, pela improcedência da ação.

Realizou-se audiência prévia, tendo-se proferido despacho a julgar improcedente a exceção dilatória invocada pela R. e a convidar a A. a aperfeiçoar a petição inicial.

Na sequência de convite efetuado para o efeito, a A. apresentou petição inicial aperfeiçoada.

Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo ainda sido identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento.

Na sequência, por sentença de 17.04.2017, veio a julgar-se procedente a presente ação e, em consequência, foi a ré condenada a pagar à autora o montante de € 26.456,01, acrescido dos juros moratórios, à taxa legal, devidos desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Inconformada com o assim decidido, veio a ré Companhia de Seguros A, S.A. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

I. A ora Recorrente não pode conformar-se com a douta sentença recorrida, uma vez que esta não teve na devida conta a prova que foi trazida aos autos, e nomeadamente os documentos juntos e os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, e que determinaria a improcedência da ação.

II. Competia à Autora provar que a alegada incapacidade do sinistrado pelo período de 24.04.2013 até 03.06.2014 se deveu às sequelas resultantes das lesões sofridas no acidente de viação ocorrido a 22.04.2013, não tendo a Autora conseguido fazer essa prova.

III. Além disso, ainda que se entendesse que a ação devia proceder, o que não se espera, não pode aceitar-se que a contagem dos juros moratórios seja efetuada desde a data da citação, atenta a postura da Autora durante todo o processo.

IV. A ora Recorrente entende que a decisão de considerar os factos nºs 20, 21, 22, 23, 25 e 26 como provados não está de acordo com a prova produzida e antes devem ser dados como não provados e, portanto, constar dos Factos não Provados.

V. Acresce que, tendo em consideração a documentação junta e os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, devem ser julgados provados e aditados aos Factos Provados mais o que segue:

i) A Ré, antes da propositura da acção, solicitou a documentação clinica do sinistrado do D. à Autora, esta não satisfez esse pedido.

ii) Apesar de a Ré ter solicitado, não só antes da propositura da ação como no decurso da ação, a documentação clínica do sinistrado bem como os demais elementos, nomeadamente a documentação relativa os períodos de baixa, a Autora não a apresentou.

iii) A Autora, nos presentes autos, não atuou com a colaboração que lhe era exigível.

iv) O sinistrado, que já sofria de problemas da coluna, padece de uma doença degenerativa evolutiva da coluna cervical e lombar.

v) O sinistrado, antes do acidente, já tinha estado de baixa médica por problemas da coluna.

VI. Impõe-se a reapreciação da prova, nomeadamente a audição do depoimento do médico que tratou o sinistrado D., do depoimento do Dr. P. L., medico ortopedista e do depoimento do sinistrado D. bem como a análise relatório de urgência junto com a petição inicial, o relatório médico datado de 04.03.2016, junto pela Autora após o aperfeiçoamento da petição inicial, requerimento da Autora de 16.01.2017, no qual a Autora vem informar que não dispõe de quaisquer documentos relacionados com problemas de saúde do sinistrado D. e o despacho e requerimento da Ré e Autora constante da ata de julgamento de 02.02.2017, na qual a Autora refere que não tem qualquer documentação para além da que foi junta e que não possui qualquer registo de baixas médias anteriores à data que se discute nos autos.

VII. Tanto a Autora como o sinistrado D. ocultaram da Ré e do Tribunal que foi diagnosticado ao sinistrado D. uma doença degenerativa crónica da coluna, que o impede de exercer a sua profissão habitual.

VIII. O sinistrado D., que prestou o seu depoimento sob juramento, em momento algum referiu que tinha sido recentemente presente a uma junta dos CORREIOS para obter a reforma por invalidez e que sofria de uma doença cronica evolutiva da coluna, tentando dar a ideia em tribunal de que as maleitas de que sofre a nível da coluna são devidas ao acidente de viação ocorrido em 2013.

IX. Este depoimento não merece qualquer credibilidade.

X. Por seu turno, a Autora, instada pela Ré, por diversas vezes, para vir juntar aos autos a documentação cínica do sinistrado D., sempre afirmou que nada possuía.

XI. Surpreendentemente, o médico que tratou o sinistrado D., que foi ouvido oficiosamente pelo Tribunal, declarou que o sinistrado D. sofre de uma doença grave da coluna, degenerativa, crónica e evolutiva e que o sinistrado D. lhe solicitou o relatório junto aos autos, datado de 04.03.2016 para o apresentar numa junta médica dos CORREIOS para obter a reforma.

XII. O médico que tratou o sinistrado referiu não conseguir estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente e a baixa médica pelo período de baixa alegado, face à doença de que o mesmo padecia e que nada tinha a ver com o acidente.

XIII. Em momento algum, o médico, Dr. V. C., referiu no seu depoimento que a sequelas do acidente determinaram ao sinistrado D. um período de incapacidade de 24.04.2013 até 03.06.2014.

XIV. Mais declarou que o relatório por si elaborado apenas refere que há nexo de causalidade entre a sintomatologia da coluna cervical e o acidente, sendo que, todos os outros problemas de que o sinistrado padece: discopatia com desidratação discal da L-4-L5 e L5-S1, radiculopatia crónica L5 e S1, meralgia parestésica à esquerda, claudicação neurogénica, estão excluídos do nexo.

XV. Também o médico, Dr. P. L., testemunha, que é ortopedista e especialista na avaliação de dano, referiu que, face ao constante da documentação junta aos autos pela Autora, é impossível estabelecer o nexo de causalidade entre o período de incapacidade alegado pela Autora e o acidente ocorrido em 2013.

XVI. E admitindo que existe nexo de causalidade entre a sintomatologia da coluna cervical e o acidente de viação descrito nos autos, apenas poderia determinar um período de baixa de cerca de 2/3 meses, nada justificando o período de incapacidade alegado pela Autora.

XVII. Tal como nada justifica os tratamentos efetuados, como fisioterapia, parafangos e cinesioterapia durante o período de um ano.

XVIII. O tribunal não pode condenar a ora Recorrente com base em suposições, pois a Autora não fez prova de que o período de incapacidade alegado foi devido ao acidente.

XIX. Salvo o devido respeito, que é muito, mal andou o tribunal em condenar a ora recorrente no pagamento da indemnização peticionada.

XX. Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida não teve na devida conta a prova produzida nem o direito aplicável, tendo violado o disposto nos arts. 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.

XXI. Deste modo, deve ser revogada a douta sentença recorrida, proferindo-se acórdão nos termos atrás expostos, julgando improcedente a ação.


*

A autora apresentou contra-alegações, tendo concluído pela improcedência do recurso de apelação apresentado, mantendo-se assim a decisão recorrida.

*

Após os vistos legais, cumpre decidir.

*

II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 698º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

Ø Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo (cfr. pontos IV. e V. das conclusões de alegação de recurso).

Ø Na sequência, saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à nova factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida, designadamente revogando-se a mesma e julgando-se improcedente a acção.


*

*


III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados

O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos (que por razões de sequência lógica de leitura se irão, por vezes, agrupar):

A) A A. é uma sociedade anónima cujo objeto consiste na prestação de serviço público de correios, no exercício de atividades complementares ou subsidiárias da anterior, bem como na prestação de serviços financeiros (1).

B) O Sr. D., nascido em 16-04-1955, é funcionário da A. desde 19-06-1984; onde desempenha funções de carteiro, com o número mecanográfico …; com o vencimento base de € 961,50, a que acrescem diuturnidades e subsídio de refeição (2, 3 e 4).

C) Sempre tendo contribuído, mensalmente, para a CGA (5);

D) No dia 22 de Abril de 2013, cerca das 15 horas e 30 minutos, na Rua de …, em Guimarães, D., conduzia um veículo motorizado (motociclo), a si pertencente, marca Keeway, de matrícula IG; realizando o serviço de distribuição de correio ao domicílio, durante o seu horário de trabalho (6, 7 e 8).

E) Naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, o dito D. circulava, em cima do seu motociclo, na hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha, no sentido Brito – Estrada Nacional 206 (9 e 10).

F) Por sua vez, o veículo ligeiro, propriedade da sociedade Fabrica de Malhas F., S.A., marca Rover RT 45, com a matrícula QX, circulava na Estrada Nacional 206, em sentido contrário ao do dito motociclo (11).

G) Quando ambos os ditos veículos chegavam a um cruzamento existente na dita Rua de …, o veículo de matrícula QX, pretendendo entrar na Av. …, virou à esquerda e invadiu a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o dito motociclo (12);

H) O que fez de forma inadvertida, sem qualquer sinal ou aviso (13);

I) Atravessando-se na hemi-faixa de rodagem por onde circulava tal motociclo; motivo pelo qual ocorreu a colisão entre a parte lateral direita do veículo de matrícula QX e a parte frontal do referido motociclo (14 e 15);

J) Originando a queda imediata deste e do seu condutor (16).

K) A responsabilidade pelos danos causados a terceiros pelo veículo automóvel de matrícula QX, encontrava-se, à data do sinistro, transferida para a aqui R., pela apólice de seguro n.º … (17).

L) Da colisão e da queda sofrida pelo condutor do motociclo resultaram, para este, ferimentos, tendo sido assistido no Centro Hospitalar (18).

M) Como consequência do embate, o condutor do motociclo sofreu as seguintes lesões:

i) cervicalgia;

ii) contusão da região posterior do tronco;

ii) e contusão do joelho (19).

N) Em 5 de Junho de 2013, o condutor do motociclo iniciou tratamentos de fisioterapia, para recuperar das ditas lesões por si sofridas (20).

O) O condutor do motociclo teve de recorrer a consultas de ortopedia e de medicina física e reabilitação (21);

P) Bem como a sessões de cinesioterapia, parafangos e massagens manuais (22).

Q) Por força das ditas lesões sofridas, designadamente na coluna cervical, o condutor do motociclo esteve em situação de incapacidade temporária absoluta para o exercício do trabalho desde 22-04-2013 até 03-06-2014 (data da alta médica) (23).

R) O condutor do motociclo, em 24-04-2013, foi assistido pelo médico Dr. V. C., que assentou a data das consultas em que avaliou o estado clínico do trabalhador (24).

S) Tendo sido o aludido período de I.T.A mencionado no boletim de acompanhamento médico, o que foi assinado pelo Presidente da Junta Médica (25 e 26).

T) Durante o período de tempo em que esteve em situação de I.T.A., a A. suportou o pagamento, ao trabalhador, de prestações com carácter retributivo (vencimento mensal, incluindo diuturnidades e subsídios), sem contrapartida de trabalho, no valor total de € 24.965,86 (vinte e quatro mil novecentos e sessenta e cinco euros e oitenta e seis cêntimos) (27).

U) A A. suportou, a título de despesas médicas e hospitalares, com o tratamento, assistência e recuperação do trabalhador sinistrado, o pagamento de € 1.490,15 (mil quatrocentos e noventa euros e quinze cêntimos) (28).

Factos não provados

Não se registaram quaisquer factos não provados.

IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A principal questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso apresentadas, refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida.

Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.

Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação.

Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que “ Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “(…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso).

Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.

Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).

Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Assim, como salienta Abrantes Geraldes(1), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”. (2)

Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior.

Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos. (3)

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.

No caso em apreço, a recorrente cumprindo os apontados requisitos formais, pretende a alteração da factualidade dada como assente e não assente, de modo que a factualidade aludida nos nºs 20, 21, 22, 23, 25 e 26 [acima elencados nas als. N), O), P), Q) e S)] dos factos dados como provados passe a constar como “factos não provados”.

A recorrente defende, no essencial, que não é de atribuir qualquer credibilidade ao depoimento do sinistrado D., designadamente ao tentar dar a ideia que as maleitas de que sofre a nível da coluna são devidas ao acidente de viação em causa; que do depoimento da testemunha Dr. V. C. foi possível apurar que o sinistrado sofre de doença grave da coluna degenerativa, crónica e evolutiva e não foi possível estabelecer qualquer nexo de causalidade entre o acidente e a baixa médica pelo período de baixa alegado, face à doença de que o mesmo padecia; e, por último do depoimento da testemunha Dr. P. L. resulta que é impossível estabelecer nexo de causalidade entre o período de incapacidade alegado pela autora e o acidente em apreço e, admitindo nexo de causalidade entre a sintomatologia da coluna cervical e o acidente de viação, apenas poderia determinar um período de baixa de cerca de 2/3 meses, nada justificando o período de incapacidade alegado pela autora.

Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pela recorrente, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.

Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (4), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.

Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.

Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada.

Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (5), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil.(6)

De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil).

Como refere Miguel Teixeira de Sousa (7), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.”

Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz da 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha.

Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.

Deste modo, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (8)

Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. (9)

Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pela recorrente.

O tribunal a quo considerou como provado a apontada factualidade ora impugnada [pontos 20, 21, 22, 23, 25 e 26, elencados supra nas als. N), O), P), Q) e S)], salientando, para o efeito, designadamente o seguinte:

(…) Relativamente à factualidade constante dos pontos 20. a 22. dos factos provados, a decisão baseou-se no teor do documento de fls. 21 a 33, onde vêm discriminados os tratamentos realizados pelo Sr. D., sendo certo que o relatório médico de fls. 109 igualmente faz referência aos tratamentos médicos a que o sinistrado foi submetido, por forma a debelar as lesões de que ficou a padecer. Tal factualidade foi, ainda, no geral, confirmada pelas testemunhas D. e V. C., que confirmaram que aquele se submeteu a tais tratamentos médicos.

A decisão, quanto à factualidade constante do ponto 23. dos factos provados, baseou-se, além do mais, no teor da documentação de fls. 21 a 33, que demonstra que o Sr. D. frequentou consultas médicas e realizou os ditos tratamentos médicos desde 24/04/2013 até 21/05/2014.

Do teor do boletim de acompanhamento médico de fls. 37 e 38 resulta que o sinistrado esteve em situação de incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente, sendo que a alta médica lhe foi concedida em 03/06/2014.

O dito período de incapacidade temporária absoluta vem ainda mencionado nas declarações emitidas pela Sr.ª T. C. (que trabalha na Gestão Social e de Beneficiários da A.) e pelo Sr. F. T. (quadro superior da A.), constantes de fls. 39 e 40 e 45 e 46, respectivamente, confirmadas pelos mesmos no decurso dos seus depoimentos. A declaração de fls. 44, emitida por uma funcionária da A., igualmente faz referência àquele período de incapacidade temporária absoluta.

No que à dita factualidade respeita, importa referir que a testemunha P. A., médico ortopedista que presta serviços para a aqui R., defendeu que, tendo em consideração as lesões apresentadas pelo sinistrado, o período de incapacidade temporária absoluta nunca poderia ultrapassar os dois/três meses, sendo que os problemas lombares apresentados pelo sinistrado já existiam antes do sinistro, apenas admitindo a existência de nexo causal entre tal sinistro e os danos apresentados pelo sinistrado na cervical, podendo do sinistro ter resultado para o sinistrado uma raquialgia cervical, a qual, porém, nunca poderia determinar um ano de baixa médica.

Por sua vez, a testemunha V. C., em consonância com o teor do relatório médico de fls. 109, esclareceu que o sinistrado tem uma doença degenerativa evolutiva da coluna, a qual poderia eventualmente existir antes do sinistro. Porém, ainda que tal doença existisse antes do sinistro, a mesma poderia ter sido agravada pelo embate, determinando a incapacidade do sinistrado para trabalhar, sendo certo que, antes do embate, o sinistrado estava em condições de desempenhar as suas funções e, depois do embate, ficou incapacitado, pelo menos pelo período de tempo acima aludido, de o fazer.

No confronto entre aquelas duas versões, apresentadas pelos ditos médicos ortopedistas, o tribunal não poderia deixar de atribuir prevalência à versão apresentada pela testemunha V. C., consonante com o teor do relatório médico de fls. 109, já que este acompanhou directamente e examinou o sinistrado, enquanto a testemunha P. A. nunca chegou a ter qualquer contacto com o sinistrado, tendo baseado todo o seu depoimento somente no teor dos documentos juntos aos autos.

Importa referir que, do teor dos ditos elementos probatórios, o tribunal não ficou com dúvidas de que o sinistrado poderia, em data anterior ao sinistro, apresentar já uma doença degenerativa da coluna cervical e da lombar. Porém, igualmente não ficou o tribunal com dúvidas de que tal eventual doença degenerativa nunca seria, àquela data, impeditiva de o sinistrado exercer as suas funções de carteiro, desde logo porque, nessa data, este vinha exercendo normalmente tais funções. Sucede que, após a ocorrência do dito acidente, o funcionário da A., por força das lesões que sofreu, que, inclusivamente, poderão ter determinado o agravamento daquelas eventuais patologias degenerativas (sobretudo na cervical), ficou, até à data em que lhe foi concedida alta, incapacitado de exercer tais funções. Isso mesmo foi confirmado pelo Sr. D., que referiu que, efectivamente, antes do sinistro, lhe havia sido diagnosticado um problema na zona lombar (desconhecendo, no entanto, qualquer problema na coluna cervical), sendo que, porém, só depois do sinistro passou a sofrer de dores intensas, sobretudo na zona cervical, que anteriormente nunca havia sentido, que o incapacitavam de exercer as suas funções.

(…) Assim sendo, tendo em consideração o teor dos documentos acima aludidos, conjugados com as declarações prestadas pelas testemunhas D., V. C., T. C. e F. T., não ficou o tribunal com dúvidas de que as lesões sofridas por aquele na sequência do dito sinistro, designadamente as incidentes na coluna cervical, determinaram a sua incapacidade temporária absoluta para o exercício do trabalho desde a data desse sinistro (22-04-2013) até à data da alta médica (03-06-2014).

A factualidade constante dos pontos 24. a 26. dos factos provados, confirmada pelas testemunhas D. e V. C., vem igualmente confirmada pelo teor da documentação de fls. 21 a 33, 37, 38 e 110.

Analisámos a prova produzida, em especial os depoimentos das apontadas testemunhas D. (sinistrado no acidente em apreço), Dr. P. L. (médico ortopedista que presta serviços à ré seguradora) e Dr. V. C. (médico ortopedista que acompanhou a situação clínica do sinistrado D.), assim como toda a prova documental junta, em especial o teor dos documentos de fls. 20 a 33, 37 e 38 e 109 e 110, e da mesma não foi possível, de facto, concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente aos pontos de facto impugnados.

Como é fácil de ver, a exposição dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir pela verificação da factualidade ora impugnada pela recorrente é bastante completa e exaustiva, seguindo sempre um raciocínio bastante completo e estruturado.

Não temos, pois, dúvidas que o sinistrado D. sofreu lesões do acidente em causa nos autos, mormente as quais se mostram retratadas no episódio de urgência hospitalar, que constitui documento de fls. 20, o que igualmente não é posto em causa nesta fase.

Em resultado das mesmas lesões, em especial do traumatismo cervical verificado, o sinistrado teve-se necessariamente que submeter a tratamentos médicos, designadamente na área de fisioterapia, o que foi confirmado pelo depoimento da testemunha Dr. V. C. que o acompanhou logo após a ocorrência do sinistro (cfr. ainda docs. de fls. 21 a 33).

Repare-se que esta mesma testemunha confirmou que o sinistrado apresentava dores cervicais, designadamente no pescoço, na sequência do acidente, atribuindo necessário e direto nexo de causalidade entre o acidente e a sintomatologia atribuída à coluna cervical, não obstante referir abertamente que o sinistrado sofria de doença crónica evolutiva da coluna cervical (confirmando ainda o teor do relatório por si elaborado e que constitui doc. de fls. 109).

Por sua vez, a testemunha D. também confirmou que, em 2011, havia estado de baixa por alguns meses, em resultado de dores lombares, sendo certo, porém, que depois retomou normalmente ao seu trabalho habitual nos CORREIOS, tendo vindo a sofrer o acidente em causa, quando se encontrava ao serviço da autora, e do qual resultaram dores, que se mantiveram.

O tribunal recorrido deu credibilidade ao depoimento desta testemunha. Da demais prova produzida também nada nos permite concluir pela falta de credibilidade dessa mesma testemunha.

Na verdade, do próprio depoimento da testemunha Dr. P. L., apresentada pela ré e que presta serviços à ré, cuja credibilidade a ré sobrevaloriza em detrimentos do seu outro colega Dr. V. C., resulta que o mesmo aceita o apontado nexo de causalidade entre as lesões sofridas pelo sinistrado na coluna cervical (contusão cervical), em resultado do referido acidente, somente pondo em causa o tratamento que se lhe seguiu, em sua opinião demasiado longo para as lesões em causa, sendo certo que igualmente nunca acompanhou de perto a evolução clínica do sinistrado, após o acidente (nunca sequer contactou com o sinistrado) – contrariamente ao que aconteceu com o Dr. V. C. –, referindo, porém, por diversas, que não sabe descrever qual o processo de tratamento fisioterapêutico a que o mesmo se sujeitou e de que não possui conhecimentos nessa área, designadamente afirmando “não sou fisiatra…”.

Realce-se, mais uma vez, que o tribunal a quo valorizou corretamente todos estes depoimentos e documentação designadamente concluindo que:

“ (…) o tribunal não ficou com dúvidas de que o sinistrado poderia, em data anterior ao sinistro, apresentar já uma doença degenerativa da coluna cervical e da lombar. Porém, igualmente não ficou o tribunal com dúvidas de que tal eventual doença degenerativa nunca seria, àquela data, impeditiva de o sinistrado exercer as suas funções de carteiro, desde logo porque, nessa data, este vinha exercendo normalmente tais funções. Sucede que, após a ocorrência do dito acidente, o funcionário da A., por força das lesões que sofreu, que, inclusivamente, poderão ter determinado o agravamento daquelas eventuais patologias degenerativas (sobretudo na cervical), ficou, até à data em que lhe foi concedida alta, incapacitado de exercer tais funções”.

Pelo exposto, analisada toda a prova, e nos termos sobreditos, consideramos ser de manter a factualidade incluída nos referidos pontos 20, 21, 22, 23, 25 e 26 da matéria de facto dada como provada [cfr. als. N), O), P), Q) e S)].

Por último, cumpre dizer que a factualidade que a ré recorrente pretende ver incluída na relação de factos dados como provados mostra-se claramente conclusiva, sem especial interesse para a decisão da causa [cfr. conclusão V. pontos i) e ii) e iii)]; sendo certo ainda que a restante matéria [cfr. pontos iv) e v)] não foi sequer alegada pela ré no decurso do processo e poderá unicamente relevar no âmbito da motivação da decisão sobre a matéria de facto, o que, aliás, foi realizado pelo Tribunal a quo, como acima salientámos.

Daqui resulta, em suma, que este tribunal ad quem não possui qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, que se mostra inalterável, face à prova produzida.

Deverá pois, soçobrar integralmente a pretensão da recorrente, mantendo-se totalmente inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.


*

B) Da nova fundamentação de direito (conhecimento prejudicado)

Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, na sua totalidade, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, a qual, porém, se mantém inalterada, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil.

Termos em que, improcede na sua totalidade a apelação em presença.


*

V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a sentença recorrida.

Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).


*

*

Guimarães, 04.10.2017

*


Relator António José Saúde Barroca Penha

Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha

Des. José Manuel Alves Flores


*

*


Relator António José Saúde Barroca Penha

1. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, pág. 164.
2. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165.
3. Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166.
4. Ob. citada, págs. 274 e 277.
5. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 569, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.”
6. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil.
7. Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
8. Vide, neste sentido, por todos, Acs. do STJ de 03.11.2009, proc. n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. n.º 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609.