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PODER DISCRICIONÁRIO
Sumário
1. O despacho que indeferiu o requerimento do arguido na parte em que requeria que a contagem do prazo previsto no nº1 do art. 411º do C.P.P. se iniciasse apenas a partir da notificação para a entrega das cópias das gravações e que considerou que existia uma causa de justo impedimento que obstava à prática atempada do acto, concedendo uma prorrogação do prazo para a interposição de recurso de cinco dias, não pode ser considerada uma decisão que ordenou um acto dependente da livre resolução do tribunal. 2. A esta tomada de posição está subjacente uma interpretação do art. 411º do C.P.P. e do art. 146º do C.P.C., que afecta directamente os direitos e interesses do arguido, nomeadamente o direito de interpor recurso.
Texto Integral
No Tribunal Judicial da Comarca de … correm termos uns autos de processo comum (tribunal colectivo) com o nº…., em que é arguido N….
Nesses autos foi proferido acórdão que condenou o arguido, tendo este sido notificado do mesmo em 28/12/2006. [1]
Em 21/12/2006, o arguido, através do seu defensor, veio manifestar vontade de recorrer do referido acórdão tendo requerido cópias das gravações da prova produzida em audiência, para impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto. Mais requereu que a contagem do prazo previsto nº nº1 do art. 411º do CPP se inicie a partir da notificação para a entrega das cópias das gravações.
O Mmº Juiz proferiu o seguinte despacho: “ Processe e entregue cópias das gravações efectuadas, conforme requerido. * Considerando que o prazo para interposição de recurso, a que alude o art. 411º nº1 do Código Penal, termina antes de serem entregues as supra referidas cópias das gravações, entende-se que existe uma causa de justo impedimento que obsta à prática atempada do acto. Contudo, tal circunstância determina tão-só a prorrogação do prazo legalmente previsto, e não o seu reinício, como pretende o arguido (cfr. art.146º nº1 e 3 do CPC). Com efeito, o arguido e o seu Ilustre mandatário estiveram presentes na audiência de julgamento, tendo, nessa medida, conhecimento directo de toda a prova produzida, sendo que a falta das gravações apenas obstará ao cumprimento do disposto no art. 412º, nº4 do Código de Processo Penal. Face ao exposto, e ao abrigo das disposições legais supra citadas, defiro parcialmente o requerido, concedendo uma prorrogação do prazo para interposição de recurso por cinco dias, a contar após a data em que o ilustre mandatário do arguido se considere notificado da entrega das cópias das gravações e do presente despacho.”
O arguido veio interpor recurso deste despacho para este Tribunal da Relação de Évora.
O Mmº Juiz não admitiu o recurso com o fundamento que o referido despacho era irrecorrível nos termos do art. 400º nº1, al. b) do CPP.
É deste despacho que o arguido reclama nos termos do art. 405º do CPP, defendendo que o despacho recorrido afecta os seus interesses.
O Mmº Juiz determinou a apensação aos presentes autos da reclamação nº …, na qual o arguido reclamou do despacho que não admitiu o recurso interposto do acórdão final, por extemporâneo, por entender que esta reclamação ficará prejudicada com a decisão da primeira. [2]
De seguida foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação de Évora.
Uma vez que a reclamação se mostra instruída com todos os elementos relevantes para a sua decisão, cumpre apreciar e decidir:
O art. 400º nº1 do CPP estatui que não é admissível recurso: a) De despachos de mero expediente; b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal; …
A questão que se coloca nesta reclamação é, pois, saber se o despacho do MM Juiz deve ou não ser considerado uma decisão que ordenou um acto dependente da livre resolução do tribunal.
É pertinente referir o art. 156º nº4 do CPC, aplicável por força do art. 4º do CPC, que dispõe: “Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador”.
O Professor Alberto dos Reis [3] , refere que os despachos mencionados no art. 679º [4] não admitem recurso, porque, pela sua própria natureza, não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros.
Acrescenta ainda o Professor que o poder discricionário insere-se na permissão conferida pela lei ao juiz para seleccionar uma de duas ou mais alternativas de opção postas ao seu prudente arbítrio tendo em atenção o fim geral do processo. É preciso, pois, que a lei reconheça expressa ou tacitamente tal poder. Tais despachos constituem, assim, actos judiciais, na medida em que impõem uma conduta ou integram formalmente uma ordem, mas já não constituirão actos jurisdicionais, que definem o direito, que afectam os deveres ou interesses das partes. [5]
No caso concreto, o Mmº Juiz indeferiu o requerimento do arguido na parte em que requeria que a contagem do prazo previsto no nº1 do art. 411º do CPP se iniciasse apenas a partir da notificação para a entrega das cópias das gravações, mas considerou que existia uma causa de justo impedimento que obstava à prática atempada do acto, pelo que concedeu uma prorrogação do prazo para a interposição de recurso de cinco dias.
A interpretação do art. 411º nº1 do CPP, referente ao prazo para interpor recurso, nos casos em que a parte pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e pretenda as cópias da gravação da prova produzida em audiência de julgamento, tem suscitado várias dúvidas que tiveram o seu reflexo em vários acórdãos, nomeadamente do Tribunal Constitucional. [6]
A posição tomada pelo Mmº Juiz ao indeferir o requerimento do arguido na parte em que requeria que a contagem do prazo previsto no nº1 do art. 411º do C.P.P. se iniciasse apenas a partir da notificação para a entrega das cópias das gravações e que considerou que existia uma causa de justo impedimento que obstava à prática atempada do acto, concedendo uma prorrogação do prazo para a interposição de recurso de cinco dias, não pode ser considerada uma decisão que ordenou um acto dependente da livre resolução do tribunal.
A esta tomada de posição está subjacente uma interpretação do art. 411º do C.P.P. e do art. 146º do C.P.C., que afecta directamente os direitos e interesses do arguido, nomeadamente o direito de interpor recurso.
A referida decisão não se insere em alguma permissão conferida pela lei ao juiz para seleccionar uma de duas ou mais alternativas de opção postas ao seu prudente arbítrio tendo em atenção o fim geral do processo, assumindo antes uma posição que condiciona a prática do acto.
Nesta linha, é de admitir o recurso interposto pelo arguido da referida decisão. Pelas razões expostas, defiro a reclamação e revogo o despacho reclamado, que deverá ser substituído por outro que receba o recurso.
A apreciação da reclamação nº 410/04.GESLV, na qual o arguido reclamou do despacho que não admitiu o recurso interposto do acórdão final fica dependente da decisão a proferir no recurso cuja admissão se ordenou.
Sem custas. (Processado e revisto pelo subscritor, Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora, que assina e rubrica as restantes folhas).
Évora, 2007/06/05
Chambel Mourisco
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[1] O Acórdão foi proferido em 18/12/2006. [2] O recurso do acórdão deu entrada em 13/02/07 e a reclamação do despacho que não o admitiu, por extemporâneo, deu entrada em 27/03/07. [3] Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, Vol. V, pág. 249. [4] Esta disposição legal no CPC de 1939 tinha a seguinte redacção: “ Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. Nos despachos de mero expediente compreendem-se os que se destinam a regular, em harmonia com a lei, os termos do processo.” [5] CPC anotado, VI, 248. [6] Cfr. entre outros o Ac. TC de 27/09/2006.