Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRESCRIÇÃO
Sumário
I. – Desde a versão original do C.Penal de 1982 que, no nosso ordenamento jurídico-penal, a suspensão da execução da pena de prisão (abreviadamente suspensão da pena) não é um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, é uma pena autónoma com o seu próprio campo de aplicação, determinado na lei, um conteúdo político-criminal próprio e regime individualizado, os quais apresentam razoável complexidade e diversidade, podendo a suspensão da pena assumir várias modalidades;
II – A suspensão da pena é, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição do ponto de vista dogmático, pois é necessariamente aplicada na sentença condenatória em substituição da execução da pena de prisão concretamente determinada, de acordo com critérios gerais estabelecidos na parte geral do C. Penal;
III- No que respeita à suspensão da pena, o nosso C. Penal acolhe o chamado modelo misto continental, que pretende associar a ideia de pena justa e proporcional da sursis e as suas potencialidades intimidatórias, com as virtualidades ressocializadoras da probation, em composições variadas, capazes de moldar-se às matizes do caso concreto, possibilitando, assim, a sua aplicação a um maior número de situações com o consequente aumento do seu potencial alternativo à privação da liberdade
IV– A suspensão da pena (e as restantes penas de substituição em sentido próprio, a que se refere o art. 44º do C. Penal) distingue-se da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, que embora constituam formas de cumprimento, descontínuo, da pena principal de prisão, têm em comum com as penas de substituição em sentido estrito serem decididas na sentença condenatória após a determinação concreta da pena principal, sendo consideradas penas de substituição em sentido amplo.
V - A suspensão da pena distingue-se dogmaticamente da suspensão da prisão fixada na sentença, no caso de incumprimento da pena de PTFC, que não lhe seja imputável.(art. 59º nº6 b) do C. Penal) e da suspensão da prisão subsidiária resultante da conversão de multa não paga, nas hipóteses previstas nos nºs 3 e 4 do art. 49º, introduzidas no C. Penal com a revisão de 1995, as quais poderão designar-se (à falta de melhor termo) por penas de substituição na execução, uma vez que a opção por elas tem lugar na fase de execução das penas que substituem e não no momento da condenação.
VI - Para efeitos da definição do dies a quo do prazo de prescrição da pena principal substituída por pena suspensa ou outra pena de substituição, há-de entender-se que a decisão que aplicou a pena (cfr art. 122º nº2 C.Penal) é a decisão judicial que determine a execução da pena principal, na sequência da revogação da pena de substituição aplicada (pois a eventual revogação de pena de substituição não ocorre ope legis em caso algum) e não a sentença condenatória.
VII - Só naquela altura pode produzir-se o efeito que, em regra, se encontra associado à aplicação da pena com trânsito em julgado, ou seja, a susceptibilidade de ser executada, efeito esse que se encontra pressuposto no nº 2 do art. 122º CP, justificando assim a interpretação seguida, permitida pelo sentido ainda possível das palavras, para a locução “decisão que aplicou a pena”.
VIII – A pena de suspensão da execução da pena de prisão, enquanto pena autónoma de substituição, está sujeita ao prazo prescricional de 4 anos – art. 122º nº1 d) do C. Penal.
IX – Este prazo conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do art. 122º nº2 do C. Penal, pois a execução da pena suspensa e o respectivo período de suspensão iniciam-se sempre com o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme resulta do art. 50º nº5 C. Penal, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção do prazo de prescrição, estabelecidas nos arts 125º e 126º, do C. Penal, nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.
X - Assim, a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do art. 57º nºs 1 e 2 do C.Penal, mesmo que se encontrasse pendente processo ou incidente.
Texto Integral
Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
I. Relatório
1. - No 2º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ..., foi F.M. ... julgado no processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº e condenado pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 26º nº 1 do Dec-lei 17/93 de 22 de Janeiro e 27º nº1 do C. Penal na pena de 8 meses de prisão suspensa pelo período de 3 anos, com acompanhamento de regime de prova, por acórdão transitado em julgado a 26.01.2002.
2. – Por despacho de 06.12.2006, foi indeferida promoção do MP no sentido da declaração de extinção da pena aplicada ao arguido com fundamento na sua prescrição.
3. –Inconformado, recorreu o MP daquele despacho, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. – O instituto da suspensão da execução da pena encontrava-se intrinsecamente relacionado e interdependente da pena de prisão aplicada, consistindo apenas numa modificação da pena na sua execução e não numa outra pena, ou seja, trata-se de uma só pena de prisão suspensa na sua execução. 2. – O determinante indefinido “outra”, na expressão “outra pena” constante do art. 125º nº 1 al. c, reporta-se a uma pena distinta, aplicada noutro processo por crimes distintos. 3. – Contrariamente à versão original do Código Penal de 1982, o artigo 125º do Código Penal revisto não contempla as referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena de prisão como causa de suspensão da prescrição das penas. 4. – Em direito penal está vedado ao intérprete o recurso à analogia e à interpretação extensiva, por força do disposto no nº3 do art. 29º da CRP, conjugado com o nº3 do art. 1º do C. Penal 5. – Ao interpretar extensivamente a alínea c) do nº1 do art. 125º do C. Penal, o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 29º nº3 da CRP, 1º nº3 e 122º nº 1 al. d), ambos do C. Penal, razão pela qual deve ser substituído por outro que declare prescrita a pena.» 4. – Nesta Relação, o senhor magistrado do MP emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso e dos poderes de cognição do tribunal de recurso.
No caso sub judice, há que decidir se a pena de prisão aplicada ao arguido se encontra extinta por prescrição, em virtude de ter já decorrido o prazo prescricional de 4 anos desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, como pretende o recorrente, se tal prazo se encontra suspenso, nos termos do art. 125º nº1 al. c) ou al. a) como foi entendimento do senhor juiz recorrido ou se nem sequer se iniciou, por não ter sido revogada a suspensão da execução da pena.
Importará ainda decidir, oficiosamente, se ocorre outra causa de extinção da pena aplicada ao arguido, por ser este o efeito jurídico pretendido com a promoção do MP em 1ª instância e com o presente recurso, independentemente do fundamento concretamente invocado.
2. – A decisão recorrida.
Entendeu-se no despacho recorrido que não decorreu ainda o prazo prescricional de 4 anos, por se verificar a causa de suspensão daquele prazo prevista no art. 125º nº1 al. c) do C. Penal, ou seja, estar o condenado a cumprir outra pena.
Como ali se escreveu – contrariando o entendimento expresso pelo MP recorrente - :
- “ … tratando-se a pena suspensa de verdadeira pena de substituição da pena de prisão, que constitui a pena principal aplicada ao arguido e atendendo-se a uma interpretação histórica do normativo em mérito (art. 125º do C.Penal actual), verifica-se que a eliminação da menção à pena suspensa como causa de suspensão do prazo prescricional da pena derivou da mera eliminação de uma redundância do texto da lei penal. Como refere F. Dias (…) a al. b) do art. 123º do C. Penal [na versão originária de 1982] não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque não se vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão: quanto às outras porque elas são “outras penas” e cabem por isso na primeira parte do preceito.”.
No seu despacho de sustentação, refere ainda o senhor juiz a quo que, quanto á pena principal de prisão, se verifica ainda a causa de suspensão do prazo prescricional a que alude o art. 125º nº1 al. a) do C.P e há que salientar que, se teria que atentar, igualmente, na causa interruptiva a que alude o art. 126º nº1 al. a) do C.P. Na verdade – continua – a pena suspensa (independentemente do regime de prova) enquanto verdadeira pena substitutiva encontra-se a ser executada, execução que deriva do mero decurso do tempo (vd art. 57º nº1 do C. Penal).
3. Decidindo 3.1. – Da natureza da suspensão da execução da penade prisão ou pena suspensa
3.1.1. - A versão originária do C. Penal de 1982 distinguia entre Penas principais (cap. I do título III, dedicado às Penas) ) e Penas acessórias ( cap. II do mesmo Título III).
O capítulo das Penas principais regulava, em secções autónomas, as penas previstas nos diversos tipos da parte especial (prisão e multa, conjuntamente), a Suspensão da execução da pena, o Regime de prova, a Admoestação e a Prestação de trabalho (conjuntamente), que tinham em comum poder substituir as penas de prisão ou multa no circunstancialismo definido na parte geral e, por último, a liberdade condicional.
Não obstante a ausência de referência legal às penas de substituição, enquanto conceito autónomo, ausência que se nota igualmente nas discussões da Comissão Revisora do Código Penal, resulta das respectivas actas (Parte Geral) que a suspensão da execução da pena – sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47º do projecto de 1962, que continha o elenco das penas principais.[1]
Na discussão sobre este preceito, o Prof. Eduardo Correia – autor do projecto – enquadrou a sentença condicional entre as formas de limitação da incidência da pena privativa da liberdade, em virtude do seu larguíssimo efeito criminógeno, da qual diz que, juntamente com o regime de prova, “… assumem o seu verdadeiro carácter de penas principais autónomas.”.[2]
Isto mesmo reafirma em momento posterior da discussão, realçando a sua especial aptidão para a reinserção social do delinquente e filiando também nesta sua aptidão a caracterização da sentença condicional e do regime de prova como verdadeiras penas. “ Em primeiro lugar – diz – (…) porque nelas pode ir longe … a limitação à liberdade individual: é da experiência comum que não poucos delinquentes prefeririam ir um tempo para a cadeia a ter de suportar durante meses a acção de vigilância do assistente social ou a cumprir as obrigações de que o juiz faz depender a suspensão da pena. Em segundo lugar porque, como consequência do que ficou dito, tais medidas podem e devem ser compreendidas não como medidas de pura terapêutica social mas de expiação ética da falta cometida.” [3]
De forma ainda mais impressiva para o problema que nos ocupa – a suspensão da execução da pena como pena autónoma – conclui o Prof. E. Correia mais adiante que, “… a condenação condicional [que no projecto podia assumir duas formas: suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou suspensão total da pena concretamente fixada] não implica uma prisão condicionada, como diz o Prof. Gomes da Silva, mas é ela própria um substitutivo da prisão, desaparecendo esta desde que o delinquente cumpra as obrigações que lhe foram fixadas.” [4]
Comentando o citado art. 47º daquele Projecto, afirmava o Prof. F. Dias “… não ter sido intenção do ProjPG de 1963, nem do CP, contestar por esta via os critérios definitórios das penas principais [as que, encontrando-se expressamente previstas para sancionamento dos tipos de crime, podem ser fixadas pelo juiz na sentença independentemente de quaisquer outras]. Antes sim chamar, por este modo, a atenção para que, segundo o seu pensamento político-criminal, também as “novas” penas, diferentes das de prisão e de multa, são «verdadeiras penas» - dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medida à luz dos critérios gerais de determinação da pena – que não meros «institutos especiais de execução da pena de prisão», ou, ainda menos, «medidas de pura terapêutica social». E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena.”. [5]
Anabela Rodrigues define-as, do ponto de vista dogmático (que contrapõe à perspectiva histórica, mais ampla) , como as “… penas aplicadas na sentença condenatória, substituindo a execução das penas de prisão e multa, enquanto penas principais, concretamente determinadas.”. [6]
O Prof. F. Dias refere-se-lhes genericamente como as penas que, podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas, são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (ob.cit. p. 91), embora do ponto de vista da política criminal as distinga – face à versão originária do C.Penal de 1982, em Penas de substituição em sentido próprio (não detentivas e pressupondo a prévia determinação da medida da pena), penas de substituição detentivas (as que, embora sejam cumpridas intramuros pressupõem a determinação concreta da pena de prisão contínua mas substituem esta) e regime de prova.
Penas de substituição que, no pensamento do Porf. F. Dias, constituíam elas mesmas, enquanto espécie da categoria mais ampla das reacções criminais, verdadeiras penas autónomas. (p. 329).
A favor deste entendimento invoca razões de política criminal e aspectos de regime, que as autonomizam e a que nos referiremos adiante (p. 330).
Referindo-se especialmente à suspensão da execução da prisão no nosso ordenamento jurídico-penal, ainda na vigência da versão original do C.Penal de 1982, e às dúvidas existentes noutros ordenamento jurídicos, designadamente o italiano, o Prof. F. Dias diz dela com clareza, que se trata “… não um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição” (p. 339).
O elemento histórico da interpretação, que é aqui representado por parte considerável dos respectivos trabalhos preparatórios, aponta, pois, para a consideração da suspensão da execução da pena como pena autónoma, mesmo na vigência da versão originária do novo C. Penal de 1982, apesar de não incluir – tal como as alterações posteriores -, o conceito de penas de substituição, expressis verbis, deixando à doutrina a sua elaboração.
3.1.2. - A revisão de 1995 veio introduzir algumas alterações na parte geral, com reflexos na questão que nos ocupa, podendo afirmar-se que contribuiu para alguma sistematização na matéria das penas, ainda que de forma incompleta. Por um lado mantém a classificação legal de pena acessória, (cap. III do T´tulo III da Parte geral, dedicado às Consequências jurídicas do facto) ), ao mesmo tempo que fez desaparecer a noção legal de pena principal, por outro lado, não assume a classificação doutrinal das penas de substituição, ainda que o respectivo conceito resulte suficientemente delineado do regime estabelecido para as diversas penas daquela categoria e outras formas alternativas à prisão contínua.
A versão actual do C.Penal reflecte a classificação tripartida das penas (embora a não adopte enquanto categoria legal, como aludido) em penas principais, penas acessórias e penas de substituição. Penas principais são as que se encontram expressamente cominadas nos tipos legais de crime e podem ser aplicadas por si sós, independentemente de quaisquer outras (prisão e multa). Penas acessórias são as que apenas podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal ou pena de substituição.
Penas de substituição, tal como as definem Anabela Rodrigues e F. Dias, do ponto de vista dogmático, são as penas aplicadas na sentença condenatória, substituindo a execução das penas de prisão e multa, enquanto penas principais, concretamente determinadas.
A revisão de 1995 eliminou o regime de prova, enquanto pena autónoma, limitou a suspensão à pena de prisão e afastou dúvidas quanto à classificação da prisão por dias livres e do regime de semidetenção como meras formas de cumprimento ou execução da pena de prisão, [7] mas introduziu também a necessidade de distinguir as penas de substituição, tal como agora definidas, da suspensão da prisão fixada na sentença, no caso de incumprimento da pena de PTFC, que não lhe seja imputável.(art. 59º nº6 b) do C. Penal) e da suspensão da prisão subsidiária resultante da conversão de multa não paga, nas hipóteses previstas nos nºs 3 e 4 do art. 49º [8] .
São Penas de substituição, tout court, na actual versão do C.Penal, a Multa de substituição, a Suspensão da execução da prisão, a Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade (PTFC) e a Admoestação.
3.1.3. - A pena de suspensão da execução da pena, no actual versão do C.Penal – modalidades e alguns aspectos de regime.
a) A Suspensão da execução da pena de prisão ou Pena suspensa (designação usada na denominação do Cap. II do Título III do Livro X- Das Execuções, do CPP, dedicado à execução das Penas não privativas da liberdade), pode assumir uma de três modalidades, [9] para além das combinações possíveis entre elas:
- suspensão simples;
- suspensão sujeita a condições;
- suspensão com regime de prova; A suspensão simples corresponde à sursis franco-belga e pode considerar-se a forma matricial, mínima, da pena suspensa, já conhecida do Código Penal de 1886 como condenação condicional. Consiste na declaração de que a pena principal suspensa (desde 1995 apenas a prisão) não será executada durante o período de tempo fixado na sentença – o período de suspensão -, após o qual a pena será declarada extinta, se o condenado não voltar a delinquir no período de tempo fixado.
A ideia político-criminal que preside ao instituto nesta modalidade é a de que a pena principal aplicada não tem que executar-se sempre, sendo admissível a renúncia à execução se esta não é indispensável do ponto de vista da prevenção geral e não está indicada na perspectiva preventivo-especial ou ressocializadora, o que numa primeira fase valia apenas para os delinquentes primários; a coacção psicológica representada pela ameaça de execução da pena era suficiente para afastar o agente da prática de outros crimes. A suspensão sujeita a condições é fruto da evolução do instituto no sentido do alargamento do seu campo de aplicação, quer a delinquentes com antecedentes criminais, quer a factos mais graves, e consiste actualmente, entre nós, na sujeição do condenado ao cumprimento de certos deveres ou de certas regras de conduta, durante o período de suspensão da pena.
Após a revisão de 1995 o C.Penal reserva mesmo um preceito autónomo para cada uma daquelas modalidades (art. 51º - sujeição a deveres e 52º - regras de conduta), enfatizando-se desse modo a diferença de finalidades que preside a cada uma das modalidades. Com a sujeição ao cumprimento de deveres visa-se a reparação do mal do crime, com o que se satisfazem sobretudo necessidades de prevenção geral positiva ou de reintegração; com a imposição de regras de conduta, visa-se facilitar a reintegração do condenado na sociedade, satisfazendo-se, assim, necessidades de prevenção especial positiva ou de ressocialização.
Tanto os deveres como as regras enunciadas nos arts 51º e 52º têm carácter exemplificativo, podendo o tribunal optar por outras capazes de satisfazer as necessidades de prevenção geral ou especial que sempre devem norteá-las. Sendo necessário à satisfação das respectivas necessidades, o tribunal pode impor cumulativamente o cumprimento de deveres e de regras de conduta (art. 50º nº3).
A Suspensão com regime de prova foi introduzida pela reforma de 1995 e resultou da eliminação do regime de prova como pena autónoma, caracterizando-se por sujeitar o condenado ao cumprimento de um plano individual de readaptação social (PIR), sob vigilância e apoio dos serviços de reintegração social.
É este o seu traço característico e, nessa medida, pode dizer-se que estão presentes nesta modalidade da pena suspensa as principais características e vantagens reconhecidas à probation, abandonando-se a suspensão de prolação de sentença definitiva que caracteriza o modelo anglo americano original e que era já, mesmo nesse campo, objecto de contestação. [10]
A modalidade actual é própria do modelo misto de sursis e probation que representa a forma predominante adoptada nos direitos continentais, a que o Prof. F. Dias se refere como «modelo continental», de que é exemplo paradigmático a suspensão da pena com vigilância orientadora (da tradução espanhola), prevista nos parágrafos 56º e 56º do C.Penal Alemão.
Código este, aliás, que contempla praticamente todas as modalidades de suspensão da execução da pena acolhidas actualmente no nosso C.Penal, constituindo ambos os Códigos exemplos acabados do actual modelo misto continental, que pretende associar a ideia de pena justa e proporcional da sursis e as suas potencialidades intimidatórias, com as virtualidades ressocializadoras da probation, em composições variadas, capazes de moldar-se às matizes do caso concreto, possibilitando, assim, a sua aplicação a um maior número de situações com o consequente aumento do seu potencial alternativo à privação da liberdade.
Como escreve o Prof. F. Dias, deste modo adquire “… ainda mais sólido fundamento a ideia de que a suspensão da execução da pena não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição.” [11]
Também o Prof. Germano M. da Silva considera a suspensão da execução da pena como uma verdadeira pena, apesar de a integrar entre as penas de substituição na execução que, tal como o Prof. Cavaleiro de Ferreira, distingue das penas de substituição na aplicação.[12][13]
Nos termos do art. 54º nº2 o tribunal pode ainda cumular com o regime de prova, a imposição dos deveres e/ou regras de conduta que poderia impor-lhe sem regime de prova e ainda outras condições, que o nº2 do art. 54º enumera exemplificativamente, com vista a contribuir para a concretização (e, mesmo, reforço) do potencial ressocializador do PIR.. Trata-se, pois, nestes casos, de suspensão com regime de prova, sujeita a condições.
b) Um aspecto do regime da pena suspensa, importante para a sua caracterização e para que dela possa retirar-se o melhor proveito do ponto de vista político-criminal, é a quase irrestrita modificabilidade de conteúdo, durante o período de suspensão (i.e. durante a sua execução enquanto pena autónoma), levando-se longe a admissão da categoria do caso julgado rebus sic stantibus nesta matéria. Independentemente de incumprimento do condenado, os deveres e regras de conduta impostos podem ser modificados, sempre que houver alteração de circunstâncias relevantes ou no caso de conhecimento superveniente das mesmas (art. 51º nº3 e 52 nº3), o que vale igualmente para os casos de suspensão com regime de prova, dada a remissão genérica do art. 54º nº2 para as arts 51º e 52º, e mesmo para as hipóteses de verificação ou conhecimento superveniente de circunstâncias relevantes, nos casos de suspensão simples, nomeadamente com base no argumento, lógico, de maioria de razão, pois a imposição de deveres ou regras sempre representa mera modificação do conteúdo da pena suspensa inicialmente aplicada em substituição da prisão e não a aplicação de pena diferente.
Do mesmo modo, sempre que o condenado deixe de cumprir as condições da suspensão (cfr art. 55º do C. Penal), pode modificar-se o conteúdo da pena suspensa com toda a amplitude, tendo em vista evitar a sua revogação e a consequente execução da pena principal de prisão.
Das modalidades e aspectos do regime da suspensão da execução da pena de prisão ora referidos (e outros apenas mencionados infra, que não cabe desenvolver aqui), podemos concluir pela qualificação da pena suspensa como verdadeira pena, atendendo, em síntese, às seguintes razões:
1. – A pena de suspensão da execução da pena de prisão ou pena suspensa é uma pena de substituição do ponto de vista dogmático, pois é necessariamente aplicada na sentença condenatória em substituição da execução da pena de prisão concretamente determinada, de acordo com critérios gerais estabelecidos na parte geral do C. Penal;
2. – A pena suspensa tem o seu próprio campo de aplicação, determinado na lei, e um conteúdo político-criminal próprio, ainda que complexo;
3. – A pena suspensa dispõe de conteúdo e regime individualizados, os quais apresentam razoável complexidade e diversidade, podendo assumir várias modalidades;
4. - Respeitando à questão da determinação da sanção ( cfr arts 369º a 371º, do CPP) como as demais penas de substituição, a aplicação da pena suspensa implica a sua escolha – entre as demais penas de substituição eventualmente aplicáveis – e a determinação concreta, quer do período de suspensão, quer da modalidade adequada ao caso concreto, decisões que devem ser fundamentadas. – Cfr arts. 50º nº4 do C. Penal e 375º nº1 do CPP;
5. - O capítulo II do Título III do Livro X do CPP dedicado às Execuções, regula a execução da pena suspensa em diversos aspectos o que, para além do mais, sempre representaria um argumento de ordem literal e sistemática a favor da consideração da pena suspensa como pena autónoma.
6. – A pena suspensa distingue-se, dogmaticamente, das penas de substituição na execução (vd supra nota 8) previstas nos arts 49º nºs 3 e 4 e 59º nº6 b), bem como de incidentes surgidos na fase de execução da pena prisão, como seja a suspensão da execução a que reportam os art. 457º (recurso de Revisão) e 473º, do CPP, ou casos de modificação da execução da pena de prisão de condenados afectados por doença grave e irreversível, mesmo quando a modificação possa ser decidida pelo tribunal de condenação, nos termos do art. 6º da Lei36/96 de 29 de Agosto.
3.2. - Da prescrição da pena principal de prisão e da pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão.
Caracterizada a pena suspensa como pena autónoma, impõe-se decidir agora se o MP recorrente carece igualmente de razão ao defender que se encontra prescrita a pena principal (única que considerou como verdadeira pena). Antecipando, concluímos que, efectivamente, a pena principal de 8 meses de prisão (suspensa na sua execução por 3 anos) não se encontra prescrita, tal como o não está a pena de suspensão aplicada em sua substituição.
Vejamos porquê.
3.2.1. - Em primeiro lugar, importa deixar claro que não obstante considerarmos que a pena de prisão não se encontra prescrita, não podemos acompanhar o argumento da decisão recorrida, com base em trecho transcrito de obra do Prof. F. Dias, segundo o qual a revisão de 1995 eliminara a referência à suspensão da pena entre as causas de suspensão da prescrição, por redundância da mesma, face à inclusão do cumprimento de outra pena entre as causas de suspensão. Uma vez que a pena suspensa era outra pena era redundante voltar a referir a autonomamente a suspensão da pena.
Não podemos acompanhar este argumento, pela simples razão de que a al. c) do nº1 do art. 125º do C.Penal revisto em 1995, refere-se ao cumprimento de outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade. Isto é, o plural adoptado na versão definitiva da reforma do C.Penal veio deixar claro que só o cumprimento de outra pena privativa da liberdade implica a suspensão da prescrição, contrariamente ao previsto antes no art. 123º do Anteprojecto de Revisão do Código Penal (de 1963), discutido pela Comissão de Revisão do C.Penal, que determinava a suspensão da prescrição enquanto o condenado estivesse a cumprir outra pena ou medida de segurança privativa da liberdade. [14]
Não podendo considerar-se, sob qualquer perspectiva, a pena suspensa – ou qualquer outra das penas de substituição -, pena privativa da liberdade, não se encontra a mesma abrangida pela al. c) do art. 125º do C.Penal, o que, aliás, bem se compreende, pois não distinguindo o preceito entre pena pelo mesmo crime e por crime diverso, não faria sentido que o cumprimento de pena não privativa da liberdade suspendesse a prescrição da prisão aplicada por crime diverso; só o cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade aplicadas por outro crime, justificam a suspensão da prescrição de reacção criminal da mesma natureza, dada a impossibilidade de cumprimento simultâneo de ambas as penas.
2. –Apelando a uma perspectiva essencialmente objectivista na interpretação da lei, [15] entendemos que o Código Penal revisto em 1995 deixou de referir a suspensão de execução da pena (o regime de prova sempre teria que ser omitido por ter sido integrado na pena suspensa) porque a sua inclusão entre as causas de suspensão da prescrição não se ajusta à natureza e regime das penas de substituição, enquanto verdadeiras penas autónomas.
Antecipando a conclusão, afigura-se-nos que, para efeitos da definição do dies a quo do prazo de prescrição da pena principal substituída por pena de substituição, há-de entender-se que a decisão que aplicou a pena (cfr art. 122º nº2 C.Penal) é a decisão judicial que determine a execução da pena principal, na sequência da revogação da pena de substituição aplicada, e não a sentença condenatória. Só naquela altura pode produzir-se o efeito que, em regra, se encontra associado à aplicação da pena com trânsito em julgado, ou seja, a susceptibilidade de ser executada a pena, [16] efeito esse que se encontra pressuposto no nº 2 do art. 122º, justificando assim a interpretação seguida para a locução “decisão que aplicou a pena” - permitida pelo sentido ainda possível das palavras – para efeitos de prescrição da pena. [17]
Na verdade, resulta do regime legal das diversas penas de substituição que a pena de prisão aplicada por via principal sempre pode vir a ser executada, por incumprimento da pena de substituição. [18] É assim com a Multa de substituição – art. 44º nº2 e 49º nº3, parte final, a Pena suspensa – art. 56º - e a PTFC – 59º nº2 e 56º , nos casos de substituição na execução por pena suspensa (art. 59º nº6).
A eventualidade de vir a ser cumprida a pena de prisão fixada, não constitui, entre nós, característica exclusiva do regime da suspensão da execução da pena mas é, antes, comum a todas as penas substitutivas da prisão, erigindo-se em traço caracterizador das penas de substituição no nosso ordenamento jurídico, contribuindo desse modo para a sua autonomia e delimitação enquanto conceito autónomo.
Dado o regime complexo e diversificado das penas de substituição mais significativas (PTFC e Pena suspensa), que faz ressaltar a sua autonomia e identidade, a eventualidade de vir a ser executada a pena principal de prisão, acaba por se aproximar da função desempenhada pela prisão subsidiária relativamente à pena principal de multa, ou seja, a de garantir, pela ameaça que representa, o cumprimento da pena não privativa da liberdade, o que diz bem do papel central que continua a ter a pena de prisão, como pena de referência, nos sistemas sancionatórios da actualidade.
Para além do aspecto ora frisado – ou seja, a revogabilidade das penas de substituição e a eventualidade, comum a todas elas, de vir a ser cumprida a pena de prisão fixada na sentença -, também a correcta compreensão do momento da aplicação da pena principal e das penas de substituição na sentença condenatória, nos levam à conclusão de que só com a decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena, bem como à conclusão consequente de que, até lá, o que há a considerar é a prescrição da pena de substituição, enquanto pena autónoma, como melhor veremos.
a) Em primeiro lugar, não obstante a pena principal ser fixada definitivamente [19] na sentença condenatória e, nessa medida, poder afirmar-se que, do ponto de vista da escolha e determinação concreta da pena (cfr arts 369º a 371º do CPP), a mesma é aí aplicada, não pode dizer-se que a sentença condenatória aplicou a pena de prisão para efeitos da sua execução, uma vez que a sua substituição por outra pena privou-a desse efeito-regra, o qual só virá a ser-lhe eventualmente reconhecido por nova decisão judicial, pois a eventual revogação de pena de substituição não ocorre ope legis em caso algum.
Assim, nos casos de substituição não pode falar-se, para todos os efeitos, de aplicação da pena principal na sentença condenatória, pois só trânsito em julgado de nova decisão judicial que revogue a pena de substituição pode determinar a execução da pena principal. Consequentemente, o dies a quo do prazo prescricional da pena principal, nos termos do art. 122º nº2 do C. Penal, ocorre com esta última decisão e não com a decisão condenatória, nos casos em que é substituída por pena de substituição.
b). – Em segundo lugar, é na sentença condenatória que tem lugar a fundamentação e decisão sobre a aplicação de pena de substituição, a sua escolha entre as eventualmente aplicáveis e a determinação concreta do seu conteúdo variável (sem prejuízo de modificações ulteriores na fase de execução), o que corresponde à efectiva aplicação da pena de substituição, tanto do ponto de vista da determinação da sanção como da sua exequibilidade, pois é a execução da pena de substituição que terá lugar logo após o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Nestes casos de substituição é, assim, relativamente à pena substitutiva que o prazo de prescrição se inicia com o trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do art. 122º nº2 do C. Penal, e não à pena principal, sendo certo que para efeitos deste preceito, não faria sentido a afirmação de que com a sentença condenatória começaria a correr o prazo de prescrição das duas penas aplicadas pelo mesmo crime: a principal e a de substituição.
c) Significa isto que com o trânsito em julgado da sentença condenatória não começa a correr o prazo de prescrição da pena principal, mas sim o prazo de prescrição da pena de substituição, prazo este que é o de 4 anos previsto no nº1 al. d) do art. 122º do C.Penal (independentemente da medida da pena principal), aplicando-se-lhe in totum o regime da suspensão e interrupção da prescrição contido nos arts 125º e 126º, do C.Penal, por via do qual também a prescrição da pena de substituição se interrompe com a sua própria execução.
d) Antes de passarmos a referir-nos directamente ao caso sub judice, diga-se ainda que à mesma conclusão chegaríamos a partir da interpretação objectiva e actualista da causa de suspensão da prescrição acolhida na al. a) do nº1 do art. 125º do C.Penal, [20] ou seja, considerando que por força da lei (o regime legal das penas de substituição), a execução da pena principal não pode começar, enquanto não for revogada a pena de substituição. A revogação da pena de substituição constituiria, assim, como que uma condição suspensiva da exequibilidade da pena principal, ou seja, o acontecimento futuro e incerto de que se encontra dependente a produção do efeito executivo da sentença condenatória.
Parece-nos, porém, que esta interpretação de feição civilista ajusta-se menos à realidade normativa em causa, pois resulta do regime das penas de substituição que estas constituem penas autónomas, a executar de imediato, em vez da pena principal, sendo elas mesmas susceptíveis de prescrição, se não forem cumpridas ou revogadas, o que vale tanto para Multa de substituição e a PTFC como para a Pena suspensa. Prescrição que, quanto a esta pena, ocorrerá, pelo menos, nos casos em que eventual processo por crime que possa determinar a revogação da suspensão (art. 57º nº2) se encontre pendente por mais de quatro anos (o prazo prescricional da pena), para além do termo do período de suspensão. Nesta hipótese, a pena suspensa, que não fora revogada nem declarada extinta nos termos do art. 57º nºs 1 e 2 do C.Penal e também não viu prorrogado o período de suspensão, deixa de poder considerar-se estar a ser executada desde o termo do período de suspensão fixado. Assim, cessada a causa de interrupção prevista no art. 126º nº1 a) do C. Penal (execução da pena ) e decorrido desde então novo prazo de 4 anos, extinguir-se-á a pena suspensa por prescrição, não podendo eventual decisão condenatória proferida no processo cuja conclusão se aguardava nos termos art. 57º nº 2 do C. Penal produzir já quaisquer efeitos relativamente a ela.
e) Tudo ponderado no plano da fundamentação jurídica, concluímos que, contrariamente ao entendimento do recorrente, não pode considerar-se prescrita a pena principal de prisão fixada na sentença condenatória, pois não pode sequer considerar-se a mesma aplicada, para efeitos do disposto no art. 122º nº2 do C. Penal, pelo que não começou a correr quanto a ela o respectivo prazo de prescrição. A igual conclusão chegaríamos se considerássemos iniciada e suspensa a prescrição por não poder ter início a execução, nos termos do art. 125º nº1 al. a) do C. Penal, como aludido.
Do mesmo modo não pode considerar-se prescrita a pena suspensa, por não terem decorrido ainda 4 anos sobre o terminus do período de suspensão, que teve lugar em 26.01.2005 (vd infra).
3.3. - Tal não significa, porém, que a pena suspensa não possa encontrar-se já extinta por ter decorrido o período de suspensão, nos termos do art. 57º nº1 do C.Penal.
Vejamos.
A sentença condenatória transitou em julgado a 26.01.2002, pelo que o prazo de 3 anos fixado para a duração da suspensão completou-se em 26.01.2005, pois apesar de o condenado não ter sequer iniciado o regime de prova, o prazo de suspensão da pena iniciou-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória. É este o momento que o art. 50º nº 5 do Código Penal estabelece como dies a quo do prazo de duração da suspensão e não qualquer outro, visto que o Código não faz depender o início do período de suspensão do efectivo início do regime de prova, tal como não o faz depender do início de cumprimento de algum dos deveres ou regras de conduta, quer para efeitos de contagem do prazo de duração da suspensão, quer para qualquer outro.
Esta a interpretação que se harmoniza com a natureza e caracterização da pena suspensa como pena de substituição autónoma e unitária, no sentido em que existe uma única pena suspensa, que pode assumir as modalidades previstas na lei (simples, com condições, com regime de prova) e não tantas penas suspensas quantas aquelas modalidades. A execução da pena suspensa e o respectivo período de suspensão iniciam-se sempre com o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme resulta do citado art. 50º nº5 C.Penal, pois sempre se produz, com o trânsito, o efeito intimidatório resultante da simples advertência de que o condenado poderá ter que cumprir a prisão suspensa se vier a cometer novos crimes, o que corresponde ao conteúdo executório mínimo e - pelo menos historicamente - matricial, da pena suspensa, pois a condenação condicional do Código Penal de 1886 inspirava-se sobretudo na sursis franco-belga. [21]
Concluído o período da suspensão em 26.01.2005, só a hipotética pendência de incidente por eventual incumprimento do regime de prova (os autos de recurso não fornecem informação nesse sentido), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão obviar à extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (art. 57º nº1 do C.Penal) e, lembremo-lo, apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos, como vimos.
É verdade que o Prof. Germano M. Da Silva entende que “… não havendo notícia da pendência de processo que possa determinar a revogação da pena de suspensão da pena de prisão ou não estando pendente incidente por falta de cumprimento dos deveres, o tribunal não pode deixar de declarar extinta a pena no termo do período da suspensão.” [22]
Em nosso entender, porém, sempre se justifica a indagação sobre a existência de processo contra o arguido, mesmo depois de atingido o dies ad quem do prazo da suspensão.. A pendência do processo pode significar que não foram atingidas as finalidades de prevenção especial prosseguidas com a pena suspensa, gorando-se as expectativas que levaram à suspensão da pena, ou seja, que o condenado violou a obrigação essencial ou matricial de não praticar novos crimes no período da suspensão, sendo compreensível que, por razões de ordem prática, esse conhecimento possa não ter chegado ao processo até ao termo do período de suspensão.
Razões que já não valem para o incidente por incumprimento, desde logo porque não podem invocar-se as aludidas razões de ordem prática, pois o incidente deve ser suscitado nos próprios autos, tal como aí corre seus termos toda a execução da pena, pelo que nada impedirá que o MP o deduza tempestivamente. Em nosso ver não pode, pois, o incidente de incumprimento iniciar-se após o termo do período de suspensão da pena, contrariamente ao que sucede com a indagação sobre a pendência de processo contra o arguido.
3.4. - Posto isto, entendemos não estar em condições, face ao disposto no art. 57º nº2 do C.Penal, de declarar extinta a pena suspensa, não obstante ter decorrido – e há muito - o período de suspensão, pois os autos de recurso não informam se está pendente incidente de incumprimento do regime de prova ou se há processo pendente por crime que possa determinar a sua revogação, o que se impõe averiguar, decidindo-se subsequentemente o que se mostrar ser de direito.
Improcede, pois, totalmente, o recurso interposto pelo MP.
III. Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo MP, mantendo integralmente a decisão recorrida, ainda que com diferente fundamentação.
Sem custas.
Évora, 10 de Julho de 2007
(Processado em computador. Revisto pelo relator.)
(António João Latas)
(Maria Guilhermina Vaz Pereira Santos de Freitas)
(Carlos Jorge Viana Berguete Coelho)
______________________________
[1] O art. 47º do Projecto E. Correia , era do seguinte teor: “ As penas principais são: 1º a prisão; 2º a multa;3º a sentença condicional; 4º o regime de prova”- cfr Actas das sessões da Comissão Revisora do Código Penal. Parte Geral-I Vol. (separata do BMJ) p. 264. [2] Cfr Actas, Parte Geral-I Vol. p. 265. [3] Idem pp. 269-70. [4] Cfr Actas das sessões da Comissão Revisora do Código Penal. Parte Geral-II Vol. (separata do BMJ) p. 64. [5] Cfr F. Dias, Direito Penal Português. Parte Geral II. As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas-Editorial Notícias-1993, p. 90 [6] Cfr Anabela Rodrigues, Critério de Escolha das Penas de Substituição in Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, BFD (número especial), Coimbra-1984 p. 33, para quem, de acordo com aquela noção, seriam penas de substituição em sentido próprio, na versão originária do C.Penal de 1982, a multa de substituição, a suspensão da execução da pena, a admoestação e a prestação de trabalho a favor da comunidade. [7] O C Penal/95 mantém a referência ao regime de semidetenção como forma de execução da pena de prisão (cfr art. 46º nº1)e no que respeita à prisão por dias livres, refere-se-lhe agora o art. 45º, expressamente, como forma de cumprimento da pena de prisão, o que não pode deixar de significar o afastamento das dúvidas alimentadas pelo elemento literal quanto à classificação de ambos os institutos como formas de cumprimento ou execução da pena, principal, de prisão, que têm em comum com as penas de substituição até aqui consideradas, serem igualmente decididas na sentença condenatória, após a determinação concreta da pena, mas não são verdadeiras penas de substituição da prisão …contínua. É a execução ou cumprimento da pena principal de prisão que pode ser contínua (a regra) ou descontínua, assumindo esta duas formas ou modalidades: prisão por dias livres e regime de semidetenção. [8] A suspensão da prisão fixada na sentença, no caso de incumprimento da pena de PTFC ( art. 59º nº6 b), do C. Penal), parece-nos configurar-se ainda como verdadeira pena substitutiva…da prisão - e não mera forma de execução da PTFC- que, no entanto, não pode reconduzir-se, dogmaticamente, à suspensão da execução a pena de prisão prevista no art. 50º a 57º do C. Penal, porque não é aplicada na sentença condenatória em substituição da pena principal e porque tem limites de duração da suspensão e de conteúdo mais restritos que aquela. Afigura-se-nos, porém, que se lhe aplica, em tudo o mais, o regime da suspensão da execução da pena de prisão, dado o silencio da lei.
A configurar-se como pena diversa da suspensão da execução da pena de prisão, ainda que decalcada na mesma, poderemos classificá-la como pena de substituição na execução, para distingui-la das penas de substituição tout court ou penas de substituição na aplicação, inspirando-nos na terminologia do Prof. Cavaleiro de Ferreira, embora com sentidos e conteúdos diversos, pois a distinção entre penas substitutivas na aplicação e na execução referem-se aqui ao momento em que a substituição é decidida (na sentença condenatória, enquanto momento e lugar da escolha, determinação e aplicação da pena correspondente ao facto ou na fase de execução da pena) e não ao objecto da substituição Vd Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal. Parte Geral II-Penas e Medidas de Segurança, Editorial Verbo-1989 pp. 54-5.
Também a suspensão da prisão subsidiária resultante da conversão de multa não paga ( nºs 3 e 4 do art. 49º) pode configurar-se como pena de substituição na execução, uma vez que a opção por ela tem lugar na fase de execução da pena de multa e não constitui mera forma de cumprimento da pena de multa, pois tem um campo de aplicação específico e um regime individualizado, claramente diferenciado da suspensão da execução da pena mas também da multa enquanto pena pecuniária. – cfr nº 3 do art. 49º, donde se destaca que a prisão subsidiária deve ser executada se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos. [9] Que, conforme refere Nieves Sanz Mula, correspondem aos “.. três modelos de suspensão da pena maioritariamente tomados como referência a nível mundial. Dois modelos dominantes … e um terceiro modelo, híbrido, fruto da aproximação de ambas as posições . Isto é, enquanto nos extremos temos a suspensão condicional da condenação, própria do sistema continental – que dá resposta à perspectiva proporionalista – e a probation, ou suspensão da sentença definitiva característica dos países anglo-saxónicos – reflexo claro das posições reabilitadoras-, numa posição intermédia situar-se-ia a suspensão condicional da pena com sujeição a prova,como modelo híbrido criado a partir dos dois anteriores.” – Cfr Alternativas A La Pena Privativa de Libertad, Editorial Colex-2000, p. 266.
O nosso é um sistema misto que combina aqueles três modelos . [10] Vd sobre este ponto F. Dias, Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão de execução da prisão in RLJ, Ano 124º , nº 3808 p. 208-9 [11] Cfr F. Dias, Consequências …, p. 339. [12] Cfr Germano M. da Silva, Direito Penal Português. Parte Geral -Verbo-1999 pp. 88 e 206 e Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal. Parte Geral II-Penas e Medidas de Segurança, Editorial Verbo-1989 pp. 54-5, 186-188. [13] É na doutrina estrangeira, designadamente por referência aos direitos italiano e espanhol, que se afirma constituir a suspensão da execução da pena um mero incidente ou modificação, da execução da pena. Assim, Dolcini/Paliero,citado por F. Dias, Consequências…, nota 35 de p. 339 que afirma aí ser a posição porventura prevalente na doutrina italiana , a contrária ao entendimento da pena suspensa como pena autónoma. [14] Cfr Actas e Projecto da Comissão de Revisão do C.Penal, Ministério da Justiça-1993 p. 110. Todavia, o art. 125º do projecto saído da comissão referia-se já, no plural, às penas e medidas de segurança privativas da liberdade – cfr, Actas e Projecto, p. 583 [15] Independentemente de outras considerações, na situação concreta sempre a mens legislatoris parece de difícil reconstituição, em termos racionalmente aceitáveis (coerentes), tanto no que respeita ao art. 123º da versão originária do C. Penal de 1982, como no que concerne às razões adiantadas pelo Prof. F. Dias para a alteração, como vimos. Quanto à versão originária, não se aceita, por exemplo, a referência ao regime de prova, pois a sua aplicação tinha lugar sem que o tribunal condenasse o arguido em pena de prisão concretamente determinada, pelo que o respectivo prazo prescricional não poderia sequer iniciar-se . De igual modo fica por explicar por que razão a multa de substituição e a PTFC não figuravam ao lado da suspensão da execução da pena (nem em qualquer outra disposição) , sendo certo que a versão do Código de 1982 não incluiu a menção “a qualquer outro caso de substituição de uma pena por outra”, que constava do Projecto Eduardo Correia (cfr Actas, Parte Geral II, p. 23 [16] Só o trânsito em julgado da decisão judicial que revogue a pena de substituição e determine o seu cumprimento confere à sentença condenatória força de título executivo, nomeadamente para efeitos do disposto nos arts 467º e 477º do CPP. [17] Curiosamente, foi o Cons. Osório que propôs a alteração para a redacção que é, no essencial, a do actual art. 122º nº2, com o argumento de que o preceito do projecto E. Correia de 1963, “…talvez deixasse de fora os casos de substituição, o que seria inconveniente”. O art. 113º do Projecto dizia: “ A prescrição da pena conta-se desde o dia em que a respectiva decisão condenatória transitou em julgado.”.O Cons. Osório propôs que se alterasse para, “… desde o dia em que transitou em julgado a decisão que a aplicou.”. . cfr Actas Parte Geral II, p. 237.Embora a completa dilucidação do sentido daquela observação, exigisse indagação mais ampla, é para nós significativa a preocupação da comissão pelo problema (prescrição da pena nos casos de substituição) e a necessidade de o resolver. [18] Mesmo nos casos de substituição da pena de substituição por outra, durante a respectiva execução, como sucede no caso a que se reporta o aludido art. 59º nº6 b), do CP: a suspensão da execução da pena , no caso de impossibilidade não culposa de cumprimento da PTFC, encontra-se sujeita ao regime legal da pena suspensa, podendo vir a ser revogada nos termos do art. 56º do C. Penal. Também nos casos de suspensão da prisão por falta de incumpriemnto, não culposo, da multa de substituição, a prisão principal será cumprida, nos termos do art. 49º nº3, ex vi, do art. 44º nº2, parte final, do C.Penal. [19] Contrariamente ao projecto Eduardo Correia, o C.Penal não admite em caso algum a possibilidade de ser revista a primeira condenação, que naquele projecto era admitida nos casos de revogação da sentença condicional, mediante a imposição de outras sanções aplicáveis ao crime.- Cfr Actas…, Parte Geral II pp. 57 e 75-77.
No actual C. Penal, mesmo quando o tribunal venha a aplicar pena de substituição, a pena principal é definitivamente fixada na sentença condenatória, não vindo a sofrer qualquer alteração ou nova substituição, na sequência de ulterior revogação da pena de substituição (as modificações ocorridas durante a execução das penas substituitivas sempre têm lugar antes da respectiva revogação). [20] Objectiva e actualista, na medida em que esta causa de suspensão da prescrição coexistia já com a prevista na al .b) do art. 123º da versão originária do C.Penal, que se referia ao cumprimento de outra pena, à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena, pelo que será de entender que se prevêem ali situações diversas das que constavam daquela al. b). Aliás, [21] A prática de um crime, pelo arguido, logo após o trânsito em julgado da decisão, não deixa de ser praticado no decurso do período de suspensão, mesmo que não se tenha iniciado o regime de prova ou cumprido qualquer obrigação que condicione a suspensão da pena. [22] Cfr Direito Penal Português. Parte Geral , Verbo-1999 pp. 88 e 89, em nota.