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PROCESSOS TUTELARES
DOCUMENTAÇÃO DA PROVA
SEGUNDA PERÍCIA
Sumário
I - Na audiência de discussão e julgamento dos processos tutelares cíveis «as declarações e os depoimentos não são reduzidos a escrito» – ou seja, não é permitido aquilo a que o legislador tem designado, em inúmeros diplomas, de «documentação da prova» (ou registo para efeitos de recurso), proibição que hoje (com a evolução trazida pelo Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, ao permitir a gravação de audiências), se deve entender extensiva ao registo áudio ou vídeo de declarações ou depoimentos. Isto significa que não deve ser admitida sequer a possibilidade de as partes requererem a gravação da prova nos processos tutelares cíveis. II- Porém não está, vedada a possibilidade de o tribunal oficiosamente ordenar a gravação, mas unicamente para a função que o próprio legislador do Decreto-Lei nº 39/95 concebeu como função principal da gravação oficiosa: «O registo das provas permitirá ainda auxiliar de forma relevante o próprio julgador a rever e confirmar no momento da decisão, com maior segurança, as impressões pessoais que foi colhendo ao longo de julgamentos demorados, fraccionados no tempo e comportando a inquirição de numerosos depoentes sobre matérias complexas. III - Com a Reforma de 1995/1996 (Decretos-Leis nos 329-A/95, de 12/12, e 180/96, de 25/9), o pedido de segunda perícia passou a ter de ser fundamentado, «alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado», não bastando por isso a apresentação de mero requerimento (como sucedia antes da Reforma, perante o equivalente artº 609º, nº 1), antes se exigindo que a parte requerente explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente.
Texto Integral
Proc. nº 1861/07-2ª
Apelação
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 138º, nº 5-CPC)
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
I – RELATÓRIO:
Na presente acção de regulação do poder paternal, instaurada no Tribunal de Família e Menores de Faro, relativa ao menor José Miguel................., nascido em 16/8/97, em que é requerente José ...................., pai do menor, e requerida Fernanda..............................., sua mãe, vem por esta interposto recurso de agravo de despacho interlocutório que indeferiu pedido de segunda perícia psiquiátrica e psicológica dos pais e do menor e recurso de apelação da sentença final proferida em 1ª instância.
Ambos os progenitores vêm reivindicando nos autos a guarda da criança, tendo o tribunal de 1ª instância estabelecido um regime provisório (a fls. 20-21 e completado a fls. 342-343), nos termos do qual o menor ficou entregue à guarda e cuidados do pai, com visitas da mãe em certas condições.
Após vicissitudes várias, foram realizados os seguintes exames periciais: exame sobre o estado mental da requerida (relatório junto a fls. 484-487, datado de 14/12/2005); exame pedopsiquiátrico do menor (relatório junto a fls. 590-593, datado de 30/10/2006); e exames psiquiátrico e psicológico do requerente (relatórios juntos a fls. 623-625 e 626-627, datados de 3/11/2006 e 10/1/2006).
Encontrando, alegadamente, deficiências, contradições e lacunas nesses relatórios, a requerida formulou, através de requerimento de fls. 639-645 (datado de 22/11/2006), pedido de realização de segunda perícia aos progenitores e ao menor, ao abrigo do artº 589º do CPC, ou a comparência em audiência dos peritos intervenientes nos exames efectuados para prestarem esclarecimentos, ao abrigo do artº 588º do CPC. O tribunal de 1ª instância deferiu a inquirição dos peritos em audiência (por despacho proferido na sessão de julgamento documentada na acta de fls. 648-649, datada de 22/11/2006), que prestaram posteriormente os esclarecimentos entendidos necessários.
Após a inquirição da perita que procedeu ao exame pedopsiquiátrico do menor, na sessão de julgamento documentada na acta de fls. 688-692 (datada de 20/12/2006), foi formulado pela requerida requerimento (a fls. 689) em que, a propósito de declarações da referida perita sobre a capacidade da progenitora para exercer o poder paternal (no sentido de que uma perturbação de personalidade, como a que é atribuída à mãe do menor, não é por si só impedimento para cuidar de uma criança de forma autónoma e adequada), solicita a realização de uma segunda perícia médico-legal. É do seguinte teor esse requerimento: «Tendo em conta as declarações proferidas pela Drª Joana ………, nomeadamente quando refere que a perturbação de personalidade se referia à digna mãe, não constitui por si só e a priori um impedimento para poder cuidar da criança de forma autónoma e adequada, torna-se essencial para o bom apuramento da verdade, nomeadamente no que diz respeito à capacidade da progenitora poder exercer o poder paternal, a realização de uma segunda perícia médico-legal».
Por despacho logo proferido em acta (a fls. 690), pela M.ma Juiz foi entendido que o comentário da perita foi feito em termos abstractos e que o Tribunal se considerava esclarecido, não havendo necessidade de segunda perícia à progenitora, pelo que se indeferiu o requerido. Eis o teor integral desse despacho: «A opinião manifestada pela Drª Joana............................... não foi no sentido apontado pelo ilustre patrono oficioso, pois que o foi apenas em termos abstractos. Efectivamente a referida perita desconhece o teor do relatório elaborado pelo Dr. Ricardo que examinou a progenitora. O Tribunal encontra-se esclarecido, pelo que não vê qualquer necessidade de efectivar a segunda perícia à progenitora. Indefiro em consequência o requerido».
Desse despacho interpôs a requerida recurso (por requerimento de fls. 698, enviado por correio, com registo datado de 12/1/2007, conforme consta do envelope de fls. 699), o qual foi admitido como de agravo, com subida diferida (por despacho de fls. 750, integrado na sentença de fls. 732-750).
Findo o julgamento, foi lavrada sentença (a fls. 732-750, conforme já referido), cuja parte dispositiva apresenta o seguinte teor:
«Guarda e Poder Paternal
1) A criança José Miguel ……………… ficará à guarda e cuidados do pai, José .....................
2) O Pai da criança exercerá o poder paternal sobre a criança.
3) O pai sujeitar-se-á a acompanhamento psicoterapêutico com regularidade mensal, devendo juntar ao processo relatório psicológico de dois em dois meses.
4) A criança deverá sujeitar-se a acompanhamento psicológico com regularidade mensal, devendo ser junto ao processo relatório psicológico de dois em dois meses.
5) A mãe sujeitar-se-á a acompanhamento psicoterapêutico com regularidade mensal, devendo juntar ao processo relatório psicológico de dois em dois meses. Visitas
6) A mãe poderá estar com o filho entre as 10.30 horas e as 19 horas do primeiro Sábado de cada mês.
7) A progenitora irá buscar o menino em frente do Jardim da esquadra da P.S.P. de Faro e entregá-lo-á no mesmo local às 19 horas.
8) A mãe poderá, ainda, contactar via telefónica e pessoalmente com o filho no estabelecimento escolar que este frequenta desde que de acordo com as regras do estabelecimento.
9) Caso a progenitora não possa comparecer à visita do filho deverá comunicar tal facto com dois dias de antecedência à mandatária do requerente.
10) A progenitora poderá estar com o filho entre as 10.30 horas e as 19 horas do “dia da mãe”, do seu aniversário e da criança desde que isso não prejudique os horários escolares do menino e mediante prévio contacto com a advogada do requerente com a antecedência de dois dias. Alimentos
11) O pai deverá proporcionar à criança todas as despesas necessárias ao seu desenvolvimento integral.»
Dessa sentença interpôs a requerida recurso de apelação, o qual foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo (por despacho de fls. 767).
Refira-se, neste contexto, que a apelante veio formular a pretensão de que o recurso de apelação abrangesse a reapreciação da prova gravada, pelo que requereu, designadamente, a disponibilização de cópias dos suportes magnéticos da audiência de discussão e julgamento (por requerimento de fls. 1028-1032). Sobre esse requerimento recaiu o despacho de fls. 1035, no qual se refere que a gravação da prova não foi requerida por qualquer dos intervenientes (mencionando ainda o artº 158º, nº 1, al. c), da OTM, que exclui a documentação da audiência de discussão e julgamento) e se informa que «o tribunal apenas procedeu à gravação parcial de alguns depoimentos por considerar ser possível o prolongamento do julgamento e para uso pessoal», pelo que se conclui pela impossibilidade da prova gravada ser objecto de recurso, indeferindo-se o requerido. Veio em seguida a apelante pedir a aclaração daquele despacho de indeferimento, no sentido de «(i) esclarecer quais as partes de que depoimentos foram, então, efectuados registos em suporte magnético e (ii) qual o uso pessoal e de quem os mesmos, afinal, se destinam» (por requerimento de fls. 1040), tendo a M.ma Juiz a quo declarado (por despacho de fls. 1108) nada haver a aclarar, por considerar ser o seu despacho de fls. 1035 «perfeitamente claro», ao mesmo tempo que informa estarem as cassetes «à disposição do Sr. Advogado para querendo as ouvir». Anote-se ainda que houve sete sessões de julgamento (v. actas de fls. 216-219, 341-344, 619-621, 648-649, 675-676, 684-685 e 688-692) e que o actual Ex.mo Advogado da requerida esteve presente nas últimas cinco sessões, tendo havido apenas registo magnético de depoimentos nas 2ª, 6ª e 7ª sessões (conforme se encontra mencionado nas respectivas actas).
Dispõe o nº 1 do artº 710º do CPC que «a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição», enquanto o nº 2 estabelece que «os agravos só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante».
Tendo subido conjuntamente a apelação e o agravo mencionados, deve passar-se, desde já, à apreciação do recurso de agravo, sendo certo que uma eventual decisão favorável à agravante (e também apelante) pode influir no exame ou decisão da causa, já que a prova pericial em discussão no agravo é susceptível, em abstracto, de condicionar o sentido das respostas à matéria de facto e com isso alterar o sentido da decisão final, em que a agravante foi parte vencida.
No agravo, a requerida formulou, nas respectivas alegações, as seguintes conclusões:
«(i) O requerimento de cujo indeferimento ora se recorre, interposto no âmbito da acção de regulação de poder paternal, tem por objecto a realização de segunda perícia;
(ii) Confrontado com a específica contextualidade factual do caso sub judice e, em particular, com o conteúdo da inquirição dos progenitores, o douto Tribunal a quo entendeu ser fundamental aferir da idoneidade mental destes para o exercício do poder paternal;
(iii) Ordenando, para tal, a realização de três perícias médico-legais: a ambos os progenitores e ao menor;
(iv) Notificada das conclusões dos referidos relatórios periciais e confrontada com as deficiências e contradições que as mesmas, no seu entendimento, comportam, veio a ora Recorrente requerer a realização de segunda perícia com o mesmo objecto;
(v) Tal requerimento foi indeferido, deferindo o douto Tribunal a quo o pedido subsidiariamente formulado ordenando a comparência dos peritos em audiência para que prestassem esclarecimentos;
(vi) Findas as inquirições dos peritos entendeu a ora Recorrente não estarem dirimidas as inexactidões apontadas, mas, pelo contrário, resultarem estas mais evidentes, reiterando, assim, o pedido de realização de segunda perícia;
(vii) Tal pedido foi, de novo, indeferido por, em súmula, o douto Tribunal a quo se considerar, nesta matéria, esclarecido, não vendo, assim, necessidade de efectivar uma segunda perícia;
(viii) As conclusões dos referidos exames periciais realizados constituíram elemento fundamental na decisão final proferida, pela qual se atribui a guarda e poder paternal ao pai, limitando o direito de visitas da mãe a seis horas e trinta minutos por mês, no primeiro sábado de cada mês;
(ix) São três os factores a valorar pela Justiça para que ordene a realização de uma segunda perícia sobre os mesmos factos: a discordância fundamentada relativamente ao relatório pericial apresentado; por existirem inexactidões a cuja correcção não pode deixar de se proceder; sob pena de se estar a prejudicar o bom apuramento da verdade;
(x) Não pretende o legislador onerar a parte requerente com a imperatividade de apresentar o resultado que espera da segunda perícia, mas apenas que indique com um mínimo de fundamentação indícios (obscuridade, contradições, deficiências) que permitam cogitar poder vir a ser outra a conclusão alcançada;
(xi) A motivação apresentada resulta do requerimento interposto em sede de audiência, do requerimento interposto aquando da notificação do resultado das perícias e, bem assim, do documento junto aos Autos com este;
(xii) Da análise individual e conjunta dos três relatórios resulta padecerem estes de deficiências, contradições e lacunas a nível de fundamentação. A saber:
(xiii) A perturbação de personalidade diagnosticada à Recorrente só pode resultar de uma análise profunda do seu historial pregresso e não da observação breve a que foi sujeita;
(xiv) O mesmo entra em contradição com anterior diagnóstico, realizado durante o período mais conturbado da vivência conjunta do casal, e junto aos Autos como Documento nº 1 do primeiro requerimento de segunda perícia;
(xv) O relatório de observação do menor foi elaborado fundamentalmente "da colheita de elementos da história fornecidos pelo pai";
(xvi) O qual acompanhou o menor durante grande parte da sua observação, afectando com tal a objectividade necessária à elaboração de um relatório médico;
(xvii) Do relatório pericial do progenitor não se pode retirar a data da realização da entrevista, nem do teste MMPI;
(xviii) Procedendo-se, no mesmo, a um diagnóstico da ora Recorrente, baseado, apenas, nos dados fornecidos pelo progenitor e com o qual se conclui, extrapolando o âmbito da realização da perícia, pela entrega do menor ao pai e não à mãe;
(xix) Do confronto do relatório de ambos os progenitores resulta divergirem os elementos de diagnóstico tidos em conta, nomeadamente por no do progenitor não ter sido realizado o traçado EEG;
(xx) O exame pericial do progenitor foi realizado mais de um ano depois do da ora Recorrente, o qual foi levado a cabo no período emocionalmente tumultuoso, que foi o da separação do casal;
(xxi) Do confronto do exame pericial do progenitor com o do menor resultam contradições quanto ao comportamento deste último;
(xxii) Em sede de inquirição, a perita responsável pelo exame ao menor, especialista em pedopsiquiatria, afirmou que as conclusões do diagnóstico da ora Recorrente não permitem por si só e a priori concluir por um impedimento para cuidar da criança de forma autónoma e adequada, contradizendo o relatório de perito que observou a ora Recorrente;
(xxiii) Assim, ficou a dúvida de se, a final, pode uma pessoa com diagnóstico cuidar adequadamente de uma criança e se aquela mãe, em concreto, tem capacidade para cuidar daquela específica criança;
(xxiv) Os superiores interesses do menor condicionam todo o processo de regulação do poder paternal e tornam imperativo o apuramento da verdade quanto à capacidade psicológica dos progenitores para dele cuidar convenientemente;
(xxv) Apesar da inconsistência pericial, atempadamente demonstrada ao Tribunal a quo, este indeferiu a realização de segunda perícia porquanto a considerou desnecessária;
(xxvi) Tal diligência nunca se poderá considerar desnecessária porquanto dotará sempre o Tribunal de mais e melhores meios para proferir a sua decisão;
(xxvii) Assim, é opinião da doutrina e jurisprudência só poder a mesma ser recusada por manifestamente dilatória ou por afectar desproporcionalmente a celeridade processual;
(xxviii) Tal pretensão não teve qualquer intenção dilatória, nem faria sentido que o tivesse, porquanto a mãe, que não tinha a criança à sua guarda, teria todo o interesse numa decisão definitiva o mais célere possível;
(xxix) Tampouco tal diligência afectaria substancialmente a celeridade processual em moldes que permitam desconsiderar as vantagens que a sua realização traria ao bom apuramento da verdade num caso tão delicado;
(xxx) Ainda para mais quando os interesses do menor estavam devidamente acautelados por Regulação Provisória estipulada em termos muito semelhantes à que, a final, foi decretada (com a alteração dos direitos de visita da mãe de dois para um Sábado por mês);
(xxxi) Ainda que se entenda que o Tribunal a quo possa indeferir a pretensão aduzida fora dos casos de impertinência ou injustificada dilação processual, a realização da Justiça só poderia considerar-se alcançada quando as dúvidas fossem desfeitas.»
O requerente e o Mº Pº contra-alegaram em defesa da solução adoptada na decisão recorrida.
Na apelação, a requerida culminou as suas alegações com estas conclusões:
«1. A gravação que foi oficiosamente ordenada pelo Tribunal a quo só pode ter justificação e admissibilidade legais nos termos do que quanto a tal se acha disposto no Artigo 522º-B do Código de Processo Civil e no Artigo 7º do Decreto-Lei 37/95, de 15 de Fevereiro;
2. Porque assim é, a inexistência ou a não disponibilização do registo magnético destinado às partes à ora Recorrente constitui uma irregularidade susceptível de influir na decisão da causa e de afectar os direitos de defesa da ora Recorrente no contexto da preparação e apresentação das alegações de recurso que deva incidir sobre a decisão proferida quanto à matéria de facto, cujo sancionamento a lei equipara ao dos factos geradores de nulidade do acto e do que em momento ulterior ao mesmo haja sido processado, tendo a mesma sido arguida imediatamente após a notícia da respectiva e aparente verificação;
3. O facto de que a diligência de registo não haja sido requerida pelas partes, ou, eventualmente, o de que o Tribunal a quo não tenha formalizado devidamente a respectiva decisão de ordená-Ia oficiosamente, não altera o teor das conclusões antes enunciadas;
4. Não obstante, e ainda que devesse desconsiderar-se a circunstância antes descrita e as consequências que da mesma devem ser extraídas, e que a final se peticionam, constata-se que a decisão quanto à matéria de facto é, quanto a vários pontos deficiente, contraditória e/ou obscura, sendo, outrossim, errónea a decisão a final proferida em face do regime legal relevante para a apreciação do mérito da causa;
5. Foi dado como provado ter o Ministério Público deduzido acusação contra a ora Recorrente no processo nº 1081/03.GBLLE, não o tendo sido que o referido processo já se encontra arquivado;
6. Do mesmo modo não foi considerado provado ter o ora Recorrido apresentado duas queixas-crime contra a ora Recorrente, as quais foram, ambas, arquivadas;
7. Concluiu o Tribunal a quo ter, a ora Recorrente, [se] Iimitado a visitar o filho esporadicamente mesmo após o deferimento do pedido de visitas;
8. No entanto, apenas ficou provado não ter a ora Recorrente comparecido (mas avisando) a uma visita, tendo sido provado tê-lo visitado em quatro ocasiões as quais são bastante menos do que as visitas efectivamente efectuadas;
9. Conclui o Tribunal a quo ter o Progenitor melhores condições habitacionais para alojar o menor porquanto habita num apartamento T3, vivendo a ora Recorrente num apartamento daquele, cuja propriedade já foi, pelo mesmo reivindicada em juízo;
10. Não dando como provado que tal acção não foi, ainda, julgada procedente, nem que a ora Recorrente também habita num apartamento T3 com boas condições habitacionais;
11. Conclui o Tribunal a quo que a criança tem relações afectivas tanto com o pai como com a mãe, não relevando, por isso, o critério da preferência maternal nem da figura primária de referência;
12. Da factualidade apurada não resulta que o menor tenha qualquer tipo de relação afectiva com o pai, nem este com aquele;
13. Resulta, antes, que o menor passa, aproximadamente, 10 horas por dia no ATL, não se querendo ir embora no final do dia e lá gozando as suas férias, excepto durante quinze dias quando o mesmo encerra;
14. Do que só se pode concluir não ter o progenitor vontade e/ou disponibilidade para partilhar o seu tempo com o filho, não podendo o Tribunal extrair, assim, a conclusão que extraiu;
15. Ficou bem demonstrado, pelo contrário, o afecto mútuo entre o menor e sua mãe, patente nos diversos contactos postais e telefónicos entre os mesmos e na alegria com que o menor sai do recreio para vir atender o telefone à mãe;
16. Tampouco o Tribunal a quo poderia ter concluído, pelas mesmas razões, dever-se à guarda do pai os progressos comportamentais, porquanto estes se deverão mais ao fim dos conflitos entre seus pais, à estabilidade escolar e ao apoio psicológico que tem recebido;
17. Das perícias psicológicas efectuadas conclui o Tribunal a quo ter o progenitor melhores condições de saúde mental para cuidar do menor;
18. Tais conclusões não se podem, no entanto, dos mesmos extrair face às deficiências, contradições e lacunas de que padecem;
19. À ora Recorrente é diagnosticada uma "perturbação de personalidade, emocionalmente instável, de tipo Border-Line", a qual só pode resultar de uma análise profunda do historial pregresso do paciente e não de uma observação de trinta minutos como a que foi realizada;
20. Tais conclusões entram em contradição com um relatório médico junto aos Autos e dado como provado;
21. Mais tendo sido a dita perícia realizada por um médico com relações de amizade com o Dr. Francisco Pólvora, amigo do ora Recorrido, também ele médico, e a quem a ora Recorrente imputa os internamentos ilegais a que foi sujeita;
22. O relatório pericial do menor foi elaborado "a partir da colheita de elementos da história fornecida pelo pai", os quais entram em contradição com as informações fornecidas pelas professoras do menor;
23. Mais concluindo, dos mesmos elementos, ser a mãe a causa da conflitualidade familiar, e pela actual estabilidade familiar;
24. As conclusões de tal relatório são baseadas, assim, em pressupostos de facto totalmente subjectivos;
25. O relatório pericial do progenitor também denota várias deficiências começando por dele não se poderem retirar as datas da realização da entrevista e do teste MMPI;
26. Não foram utilizados os mesmos métodos de diagnóstico da perícia da ora Recorrente, nomeadamente não foi efectuado um electroencefalograma;
27. Mais se procedendo, no referido relatório, a um, descontextualizado, diagnóstico da ora Recorrente efectuado com base na descrição feita pelo observando, ora Recorrido;
28. Por fim, é extrapolado o âmbito da perícia, concluindo-se (com um juízo de Direito de formulação exclusiva da Justiça) pela entrega do poder paternal ao pai;
29. Por comparação da análise efectuada ao mesmo com os dados que o próprio fornece sobre a mãe da criança;
30. A perícia ao ora Recorrido foi realizada mais de um ano volvido sobre os exames da ora Recorrente, efectuados imediatamente após o período tumultuoso da separação do casal;
31. Entendeu o Tribunal a quo indeferir, sem justificar, a pretensão de realização de segunda perícia, mas admitindo a inquirição dos peritos em audiência;
32. Finda a referida inquirição não se encontraram dirimidas as referidas contradições, antes sim, ficaram mais evidentes, nomeadamente perante as contradições entre o perito que observou a ora Recorrente e o que observou o menor;
33. Na verdade, enquanto o primeiro considera não ter a ora Recorrente condições para cuidar da criança, a segunda conclui não ser o diagnóstico desta suficiente para dele se extrair essa conclusão;
34. O Tribunal a quo atendeu, no seu juízo, a processos-crime despoletados em 2003, a internamentos compulsivos ocorridos no mesmo ano, a informações fornecidas ao CPCJ e à APAV em 2003 e 2004, a perícias realizadas há dois anos, factualidades pretéritas que não revelam as circunstâncias concretas presentes e que, como tal, deveriam ter sido relevadas apenas instrumentalmente;
35. Relativamente ao critério da capacidade para cuidar do menor, entendeu o Tribunal a quo estar o progenitor dotado de uma melhor saúde mental, baseando-se nos internamentos compulsivos da ora Recorrente ocorridos em 2003, nas declarações proferidas ao CPCCJ em 2004 e nos referidos relatórios periciais de 2004;
36. Concluindo, sem fundamentar, que a ora Recorrente se mantém na mesma situação psicológica que ostentava há três anos atrás após se ter separado;
37. Quanto ao invocado critério da preferência pelo progenitor do mesmo sexo, o mesmo já foi dado como obsoleto pelas mais recentes teorias da pedo-psicologia, sendo substituído pelo da "Teoria da Vinculação";
38. No que ao critério da figura primária de referência conclui o Tribunal a quo, como vimos, infundadamente, que embora a criança denote falta de afectividade maternal, nutre afecto por ambos os progenitores;
39. Entendeu o douto Tribunal a quo ser a ora Recorrente a que mais disponibilidade tem para cuidar do filho, embora tal fique precludido pelo facto da progenitora não ter autonomia económica, nem residir no Algarve;
40. Não se deve exagerar o facto de representar inconveniente para a estabilidade da criança a mudança de residência, porquanto esta é naturalmente muito adaptável e, muito menos, quando tal estabilidade está conexionada com a frequência de determinada escola, o afecto desenvolvido por certa professora e o gosto em frequentar o ATL;
41. A capacidade económica dos progenitores é critério para a fixação da pensão de alimentos, mas nunca para a atribuição da guarda e poder paternal;
42. É entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência que os menores deverão ser entregues ao cuidado da mãe, a não ser que os inconvenientes que daí resultem superem as vantagens do afecto materno;
43. Não só tais inconvenientes não existem, como pelo contrário, da correcta análise da factualidade recolhida resulta estarem os interesses do menor melhor assegurados com o poder paternal a ser entregue à mãe;
44. É essencial que se possibilite à criança o estabelecimento de relações contínuas com o progenitor a quem não é confiada, através de um estruturado e extenso direito de visitas;
45. O Tribunal a quo reconheceu ser benéfico para o menor o carinho afectivo da mãe, mas, por esta viver em Odivelas, ter fracas possibilidades económicas e não ter emprego estável, fixou o regime de visitas num máximo de seis horas e trinta minutos por mês, a gozar sem pernoita e, necessariamente, na rua, sem direito a férias;
46. A supressão do direito a visitas (neste caso a redução ao mínimo) só se justifica em casos de extremo conflito de interesses entre a criança e o progenitor, em que este se torne mais prejudicial do que benéfico, no sentido de poder afectar o desenvolvimento físico ou psicológico do menor;
47. Em momento algum resultou provado existir tal conflito, ou tal perigo para a criança, outrossim resultando necessitar a mesma de carinho da mãe, pela qual nutre grande afecto e com quem aparenta querer estar;
48. Perante isto, nenhum sentido útil se reconhece à impossibilidade da criança gozar fins-de-semana com a mãe, no conforto e intimidade de sua casa (e não nas ruas de Faro) e, bem assim, de com ela gozar as suas férias (e não no ATL), Natal e fim de ano.»
O requerente e o Mº Pº contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artos 660º, nº 2, e 664º, ex vi do artº 713º, nº 2, do CPC). Saliente-se, ainda, que este Tribunal apenas está obrigado a resolver as questões que sejam submetidas à sua apreciação, e não a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações (e suas conclusões) de recurso, além de que não tem de se pronunciar sobre as questões cuja decisão fique prejudicada, tudo conforme resulta do disposto nos artos 660º, nº 2, e 713º, nº 2, do CPC.
Do teor das alegações da agravante resulta que a matéria a decidir, no agravo, se resume a averiguar da existência de fundamento para o indeferimento do pedido de segunda perícia.
Quanto à apelação, extraem-se das alegações como questões essenciais a discutir (por ordem de precedência lógica):
1) possibilidade de reapreciação de prova gravada no presente recurso de apelação e, em caso afirmativo, consequências no processado (com eventual reabertura da fase de alegações ou repetição do julgamento);
2) impugnação da decisão de facto, por deficiência, obscuridade e contradição;
3) justeza da sentença quanto à confiança do menor à guarda do pai e quanto ao regime de visitas estabelecido em relação à mãe.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:
A) DE FACTO:
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, que se passam a reproduzir (em que apenas introduzimos as devidas rectificações de notórios lapsos de escrita, ortográficos ou de pontuação):
«1. José Miguel………….., nascido a 16 de Agosto de 1997, é filho de José .................... e Fernanda................................
2. O Requerente José .................... e a requerida Fernanda............................... viveram juntos desde meados de 1995 até finais de 2004.
3. No ano escolar de 2000/2001, com início em Setembro, a criança iniciou frequência no Infantário Quinta da Avó, sito em Vale de Judeu, Loulé.
4. O menino apresentava-se no infantário agitado, não estava quieto, entrando em conflito com os pares, não medindo a força e com manifestações agressivas. O menino tinha falta de concentração aquando da realização dos trabalhos.
5. Na presença de terceiros o menino mantinha boa relação quer com a mãe quer com o pai.
6. O menino apresentava-se com a higiene cuidada e com o vestuário adequado.
7. No ano de 2000 era o pai ou o avô paterno que entregavam e recolhiam a criança no infantário, acompanhando a requerida Fernanda algumas vezes o requerente.
8. Naquela altura (ano 2000) a requerida mãe verbalizava junto de Maria Cristina Inácio (directora do infantário), que não se encontrava a exercer qualquer actividade profissional, que não andava bem a nível emocional, não se sentia estável sentimental e emocionalmente, encontrando-se a tomar medicação para a depressão, pelo que não poderia conduzir o veículo e encontrando-se aborrecida por não trabalhar. Verbalizou ainda “o meu marido quer que eu seja internada, mas eu não quero”.
9. No ano escolar de 2002/2003 a criança frequentou o jardim-de-infância Quinta da Avó manifestando dificuldades de aprendizagem, sendo elemento de desestabilização, conversando muito e concentrando-se pouco nas actividades, sendo muito teimoso, não controlando a força e querendo impor por esta via os seus pontos de vista, não sabendo lidar com o “não”, revoltando-se e zangando-se quando contrariado.
10. Nesse ano escolar a criança aparentava ter boa relação quer com a mãe quer com o pai e as pessoas que recolhiam a criança no infantário com mais frequência eram o pai e o avô.
11. A criança apresentava-se cuidada a nível de higiene e alimentação.
12. A criança era bem-educada mas teimosa, tendo-se apresentado, pelo menos numa ocasião, ansiosa e irritável, tendo verbalizado que o pai se zangava com a mãe e vice-versa.
13. A criança falava pouco sobre o conflito existente entre o pai e a mãe.
14. No âmbito de processo que correu termos no Tribunal da comarca de Loulé, o Ministério Público deduziu acusação contra José .................... essencialmente pelos seguintes factos (doc. fls. 213 a 215): “o arguido e Fernanda Maria (...) vivem em união de facto, há vários anos. No dia 13 de Fevereiro de 2003, cerca das 17.00 horas, o arguido e Fernanda (...) envolveram-se em discussão um com o outro no interior da habitação, sita na Quinta Pavão, Vale Judeu, em Loulé. Na sequência dessa discussão, Fernanda (...) reagiu, muniu-se de uma faca de cozinha e desferiu cinco golpes no arguido, atingindo--o no braço e no ombro. O arguido reagiu (...) agarrou Fernanda (...) pelos braços, empurrou-a e fê-la cair no chão desamparada. Apesar de caída no chão, Fernanda (...) e o arguido continuaram a luta corpo a corpo. Acto contínuo, o arguido agarrou num candeeiro partido e com este, desferiu uma pancada e atingiu Fernanda (...) na cabeça, que caiu no chão sem sentidos (...) Em consequência, a ofendida sofreu lesões constituídas por ferida incisa do couro cabeludo, na zona parietal e occipital vertical com cerca de 6 cms de comprimento; hematoma no pulso direito e mama esquerda com 2 cms e hematoma do 4º dedo do pé esquerdo; e foi suturada com 8 pontos. Tais lesões (...) demandaram, directa e necessariamente, dez dias de doença com os primeiros dois afectando gravemente a capacidade de trabalho. Naquela data, a hora indeterminada, Fernanda (...) ingerira cerca de 10 (dez) comprimidos, marca Xanax (...); diariamente consome entre 4 a 5 gramas de cocaína e, esteve internada no mês de Outubro de 2002, e compulsivamente entre 13.2 e 20.2. 2003. O arguido actuou com intenção de lhe causar dores e ferimento, como causou, sabia que a sua companheira (ofendida) sofre de síndroma depressivo e de dependência de cocaína, há cerca de um ano (...) Pelo exposto constitui-se o arguido como autor material, na prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada”
15. A requerida esteve internada compulsivamente no Departamento de Psiquiatria do Hospital Distrital de Faro do dia 20 de Fevereiro a 14 de Março de 2003, por transferência do Hospital Júlio de Matos (pedido de internamento compulsivo do Hospital Curry Cabral – S. Urgência Psiquiatria (doc. fls. 64);
16. No processo 1081/03.0GBLLE o Ministério Público deduziu acusação, em 25.11.2003, contra a requerida essencialmente pelos seguintes factos: “(...) desde data não concretamente apurada e até 4 de Novembro de 2004, a arguida e José .................... viveram em união de facto e residiam com o filho de ambos (...) na Quinta do Pavão, Vale Judeu, Loulé. Acontece, porém, que no dia “4 de Novembro de 2003” [1 no ano de 2003 e não no ano de 2004, como por lapso é referenciado na acusação datada de 28.9.2004], (...) por motivo não concretamente apurado, a arguida começou a discutir com José Manuel (...) Durante a discussão, a arguida desferiu uma bofetada no ofendido e atingiu-o na cara. O ofendido afastou-se e dirigiu-se para a porta da entrada. Acto contínuo, a arguida seguiu-o, agarrou numa garrafa de cristal e desferiu-lhe uma pancada com o gargalo respectivo, atingindo-o na cabeça. Em consequência desta conduta, o ofendido sofreu ferida extensa com uma cicatriz arqueada de 2 cms. Do apex craniano. Tais lesões denotam natureza contundente violenta e demandou, directa e necessariamente, 10 (dez) dias de doença com os primeiros 03 afectando gravemente a capacidade de trabalhar (curado em 14.11.2003) (...).” (doc. fls. 241 a 246)
17. A requerida esteve internada compulsivamente de 14 a 18 de Novembro de 2003 (doc. fls. 104)
18. Da informação/técnica da CPCJ de Loulé constante de fls. 29 resulta que no “dia 12 de Dezembro de 2003 [2 no ano de 2003 e não no ano de 2004, como por lapso é referenciado pela CPCJ de Loulé] a requerida dirigiu-se à CPCJ de Loulé onde foi ouvida e “Da audição resultaram os seguintes pontos: 1. Considera não ter condições para ter o filho consigo; 2. Considera que o marido (companheiro) também não reúne essas condições; 3. Propõe a institucionalização da criança; 4. Refere o consumo de cocaína, quer por sua parte, quer pelo seu companheiro; 5. Refere que o risco resulta do permanente clima de agressividade/violência entre o casal; 6. Manipula uma grande instabilidade emocional;
19. Em finais de 2003 requerente e requerida separaram-se, tendo a criança ficado a residir com o pai em Faro e tendo a progenitora ido residir para Odivelas.
20. No ano escolar de 2003/2004 a criança frequentou o 1º ano do EB, até Fevereiro de 2004.
21. A criança frequentou durante as manhãs o ATL Alegre Saber de Quarteira e o estudo assistido das 17.00 às 19.00 horas.
22. A mãe telefonava para o ATL a saber como se encontrava o filho e falava com ele telefonicamente.
23. O pai, o avô paterno e o empregado recolhiam a criança no ATL.
24. A 29 de Dezembro de 2003 a requerida dirigiu-se ao Gabinete de Apoio à Vitima de Odivelas/Loures “tendo (...) levantado a suspeita de que o menor poderá estar a ser vítima de abusos sexuais por parte de alguém” (doc. fls. 58 a 62).
25. A requerente verbalizou junto da APAV “ter dúvidas acerca da paternidade do menor já que este apresenta algumas características próprias do senhor com quem manteve este relacionamento extraconjugal. Contudo o companheiro decidiu não efectuar os testes de paternidade e perfilhou o menor.”
26. A 12 de Fevereiro de 2006 foi regulado provisoriamente o poder paternal pela seguinte forma: “1. O José Miguel................. fica entregue à guarda e cuidados do pai que exercerá o poder paternal”.
27. Entre meados de Fevereiro e 16 de Abril de 2004 a progenitora foi impedida pelo requerente de contactar com o filho mesmo telefonicamente.
28. No fim-de-semana de 17 e 18 de Abril de 2004, a solicitação da avó materna, o requerido deslocou-se a Lisboa na companhia do filho no sentido de permitir o convívio com aquela.
29. Nessa circunstância a progenitora também se encontrava presente, situação que o progenitor desconhecia.
30. Os progenitores acordaram então que a criança dormiria com a mãe na mesma cama e o requerente na sala da casa do requerente em Odivelas.
31. Na sequência desse encontro a progenitora declarou na APAV que “o menor quando se deitou com a mãe começou por introduzir um boneco no ânus”“ (doc. fls. 61).
32. O progenitor deslocou-se ainda por uma segunda vez em Abril de 2004 a Lisboa para que o filho contactasse com a mãe.
33. A progenitora na sequência dessas visitas apresentou queixa-crime contra o requerido por abuso sexual na pessoa do seu filho.
34. No âmbito do inquérito 227/04.6JAFAR (fls. 208 e segs.) a requerida declarou que o filho se apresentava com o ânus muito dilatado e assado e “que tal se deveria imputar a práticas homossexuais do pai do menor, que seria homossexual não assumido”.
35. A referida queixa-crime deu origem ao Processo NUICPC 227/04.6JAFAR.
36. A criança iniciou frequência no Colégio Algarve em Março de 2004, transferido da sua anterior escola encontrando-se a um nível inferior de aprendizagem em relação aos restantes alunos do novo estabelecimento escolar.
37. A criança apresentava um comportamento irrequieto, mas relacionava- -se normalmente com os colegas.
38. A criança apresentava algumas dificuldades, mas tinha capacidades e quando queria e lhe davam atenção e apoio conseguia atingir os objectivos propostos.
39. O menino tinha boa apresentação a nível de higiene e de vestuário.
40. A 27 de Maio de 2004 a criança foi sujeita a exame pericial pelo Gabinete Médico-Legal de Faro, constando do auto de exame sexual o seguinte (doc. fls. 210): “(...) Criança do sexo masculino, de 7 anos de idade, bom estado de nutrição, higiene boa, colaborando na entrevista e exame, com discurso coerente e de acordo com a idade. Foi enviada para exame médico por supostamente ter sido vítima de abuso sexual. A criança nega que alguma vez tenha sido vítima de qualquer forma de abuso sexual. Não se observam lesões traumáticas, nomeadamente hematomas, equimoses, escoriações ou feridas. Ânus e margem íntegros, sem lesões traumáticas recentes nem cicatriciais antigas. Conclusão: Não foram observados quaisquer sinais de abuso sexual anal”
41. No período compreendido entre finais de Dezembro de 2003 e Agosto de 2004 a requerente verbalizou não ter exercido actividade laboral (doc. 131 e 59) com carácter de estabilidade.
42. No ano escolar de 2004/2005, e quando contava com 7 anos de idade, a criança frequentou o 2º ano de escolaridade no Colégio Algarve.
43. Nesse ano lectivo a criança apresentou-se no estabelecimento escolar pontual e assiduamente, com aspecto cuidado, boa higiene, e vestuário adequado à época.
44. No meio escolar o José Miguel relacionou-se bem com colegas, professores e funcionários sendo bem-educado com todos eles.
45. Apesar de no ano escolar de 2004/2005 ter evoluído a nível de conhecimentos, ficou retido pois revelou muitas dificuldades de aprendizagem e imaturidade.
46. No referido ano escolar a criança só pensava em brincar, mas apesar de ser preguiçoso e revelar ansiedade era alegre.
47. Quando a mãe lhe telefonava, após as 16.00 horas, a criança ia de bom grado atender a chamada.
48. No meio escolar o José Pedro não fala da família nem revela os sentimentos que tem para com os pais.
49. A 4 de Novembro de 2004 foi emitida declaração médica por Armando Rosa médico especialista [de] psiquiatria que no essencial diz o seguinte (doc. fls. 212): “Declara-se (...) que Fernanda............................... (...) esteve na nossa consulta a 4.11.2004. (...) Do exame efectuado verifica-se que está consciente, colaborante, humor levemente depressivo, não sendo evidentes alterações do pensamento ou da senso-percepção. Não há ideação suicida.”
50. A empresa “Resposta Múltipla” informou a 3 de Dezembro de 2004 que a requerida “deixou de trabalhar como trabalhadora independente para esta empresa há mais de 30 dias” (doc. fls. 255)
51. A empresa Euroexpansão informou que “Fernanda............................... colabora com a Euroexpansão–Análises de Mercado e Sondagens, SA” em regime de tarefa – realização de questionários – (recibos verdes) desde 25-10-2004. Até ao momento não recebeu qualquer valor, dependendo este da tarefa que realizar” (doc. fls. 257)
52. No mês de Fevereiro de 2005 a criança apresentava dificuldades no processo de aprendizagem (doc. fls. 303).
53. No dia 10 de Março de 2005, e na sequência de pedido formulado pela progenitora, foi fixado judicialmente neste processo um regime provisório de visitas com o seguinte teor (fls. 342 a 344): “A mãe poderá estar com o filho entre as 10.30 horas e as 19.00 horas de Sábado, de 15 em 15 dias, iniciando-se o presente no próximo fim-de-semana (12.3.2005). A mãe poderá ainda contactar via telefónica e pessoalmente com o filho no estabelecimento escolar que este frequenta, desde que de acordo com as regras do estabelecimento. A progenitora irá buscar o menino em frente ao Jardim da esquadra da PSP de Faro e entregá-lo-á no mesmo local às 19.00 horas. Caso a progenitora não possa comparecer à visita do filho, deverá comunicar com dois dias de antecedência à mandatária do requerente”.
54. No dia da diligência realizada a 10.3.2005 a mãe comunicou ao Tribunal não poder deslocar-se a Faro para visitar o filho no dia 12.3.2005.
55. No dia 10.3.2005 a progenitora contactou o filho no Colégio Algarve, tendo na sequência dessa visita informado o Tribunal que o filho se encontrava com falta de higiene quer a nível de vestuário quer a nível corporal (doc. fls. 366 e 354)
56. A progenitora não compareceu à visita no dia 12.3.2005.
57. A progenitora visitou o filho nos dias 26.3.2005 e 23.4.2005.
58. O Colégio Algarve enviou uma informação datada de 28 de Abril de 2005 com o seguinte teor: “(...) José Miguel ………….., de 8 anos de idade, frequentando o 2º ano de escolaridade do EB 1º ciclo, apresenta-se diariamente neste colégio usando vestuário próprio para a sua idade, vestuário limpo e cuidado, e quanto à sua higiene pessoal, nota-se perfeitamente que toma banho todos os dias (...) O referido aluno é assíduo e pontual, frequentemente acompanhado pelo avô paterno ou pelo pai. (...)”
59. Na sequência dessas visitas a progenitora escreveu a carta constante de fls. 396, datada de 2 de Maio de 2005, em que refere nomeadamente: “O Miguelinho está com falta de apoio quer a nível escolar, quer das emoções, muito carente de atenção e carinhos (...). O Miguelinho está muito revoltado, só faz os trabalhos de casa se estiver permanentemente acompanhado, não sendo possível dedicar-lhe a atenção necessária pois são muitas crianças (...) O Zé Miguel disse-me ter acompanhado o “pai” a uma das tais “festas” (...), descreveu-me que havia muito álcool e música, tendo o “pai” ficado com os copos” (...) maltratou-o, chamou-lhe “estúpido” e outros nomes feios, quando lhe fez perguntas acerca de episódios passados na “Quinta” e em outras festas se se lembrava de me ter visto com outros homens ou mulheres com o pai”, ao qual respondeu não se lembrar de nada. Aquando da meia dúzia de vezes em que vi o Miguelinho, verifico sempre que há desmazelo em relação aos cuidados de higiene e apresentação do vestuário, apresenta-se com a roupa suja, a própria bata da escola descosida, unhas por cortar, os ouvidos cheios de cera, cabelo pouco cuidado (...) Pediu-me (...) ajuda em relação à “madrasta” (...) que a D. Filomena lhe bate e grita (...)
60. A progenitora visitou o filho no dia 21 de Maio de 2005.
61. No dia 3 Junho de 2005 a requerida foi examinada pelo perito Ricardo António Gouveia França Jardim, Chefe de serviço de psiquiatria.
62. Do referido exame pericial (doc. fls. 484 a 487) consta nomeadamente o seguinte: “3. (...) Consta na documentação, uma “Informação Técnica” da CPCJ de Loulé (?) (...) onde se diz que, de uma audição com a Srª D. Fernanda (...), em 6 de Fevereiro de 2004, esta terá considerado “não ter condições para ter o filho consigo; o marido também não reunia essas condições; propõe a institucionalização da criança; refere consumo de cocaína, quer por parte dela, quer pelo seu companheiro; e o risco de permanente clima de agressividade/violência entre o casal” (sic). Consta ainda um relatório (...) da APAV, com data de 20 de Abril de 2004, onde a examinada refere “maus tratos físicos e psíquicos por parte do companheiro” e o consumo de estupefacientes pelo casal, nomeadamente de cocaína, tendo sido acompanhada no Centro de Atendimento a Toxicodependentes em Olhão. 4. A examinada foi observada no dia 3 de Junho, no Hospital Júlio de Matos. À data, encontrava-se lúcida, vigil, bem orientada exprimindo- -se numa linguagem bem articulada, sem alterações sintácticas ou semânticas. Não se apuram alterações do estado de consciência nem das capacidades intelectuais, nomeadamente memória, juízo ou raciocínio. Não se apuram alterações formais ou de conteúdo de pensamento nem actividade alucinatória. Contacto sintónico e adequado. Eutímica. 5. Quanto a doenças anteriores, refere um episódio de perda de conhecimentos com queda desamparada no chão, convulsões tónica- -clónicas, enurese espontânea e mordedura da língua, aos 9 anos de idade. Terá sido seguida na consulta de epilepsia do Hospital D. Estefânia, pela Drª Dora Bettencourt da Silva e medicada com anti- -epilépticos, até aos 15 anos de idade. Refere ainda acompanhamento psiquiátrico pelo Dr. Cabral Fernandes, do Hospital Júlio de Matos, aos 25 anos de idade, após tentativa de suicídio, na sequência de conflito familiar com um irmão toxicodependente, já falecido. 6. Instada, fornece os seguintes elementos biográficos: natural de Lisboa, é a mais nova de uma frataria de 3; pai estivador (?) do Porto de Lisboa, falecido aos 62 anos por neoplasia hepática; mãe, actualmente com 72 anos, doméstica. Terá nascido de parto eutácico de termo, em estabelecimento hospitalar. Desenvolvimento psicomotor na 1ª infância aparentemente normal. Início da escolaridade aos 7 anos. Terá concluído o 7º ano dos liceus (actual 11º ano), aos 17 anos. Primeiro emprego nessa idade, como operária num fábrica de brinquedos. Concluiu o 12º ano aos 22 anos como trabalhadora estudante, frequentando durante um ano o Curso de enfermagem da Escola de São Vicente de Paulo. Segundo afirma, interrompeu esse curso por problemas familiares, nomeadamente a doença e falecimento do pai e a conflituosidade [que] advinha do irmão toxicodependente, entretanto falecido, seropositivo. Conheceu vários empregos temporários até ser admitida aos 30 anos no Hospital Curry Cabral como auxiliar de acção médica. Aos 33 anos, iniciou uma relação com um médico de internato complementar, em estágio de formação naquele hospital. Gestação aos 35 anos, com parto de termo, com fórceps no Hospital São Francisco Xavier. Descreve uma gravidez muito atribulada, com conflitos permanentes com o companheiro, envolvendo uma terceira pessoa com a qual, ao que afirma teve relações sexuais. “Eu não sei verdadeiramente a paternidade do João Miguel” (sic) “Para mim o meu ex-companheiro não viveu o nascimento do filho como pai” (sic). Refere nesse período, um novo quadro depressivo, tendo sido acompanhada pelo psiquiatra Dr. Francisco Pólvora. Aos 36 anos, foi viver para Lagos com o companheiro, entretanto colocado no hospital da localidade, e com o filho, na altura com 8 meses, levando ainda a mãe em sua companhia, pois, segundo diz, devido ao quadro depressivo e aos tratamentos prescritos pelo Dr. Pólvora, tinha dificuldade em cuidar da criança. Residiu no Algarve até aos 41 anos, mantendo sempre uma relação tumultuosa com o ex-companheiro, pautada por conflitos com agressividade física. 7. Elementos auxiliares de diagnóstico. 7.1- Traçado EEG realizado em 10/8/2005, sem grafo-elementos patológicos. 7.2- Do exame psicológico com data de 11.10.2005, que juntamos, constata-se um quociente intelectual > 80 < 90 (inteligência normal reduzida), com uma diminuição da capacidade mnésica (QM=80). Nas provas projectivas, refere-se existir “uma estrutura de personalidade deficientemente organizada, afectivamente imatura, egocêntrica e superficial” (sic). 8. Conclusões A Srª D. Fernanda............................... não apresenta sinais ou sintomas de doenças mentais de causa orgânica ou funcionais/endógenas, nomeadamente psicoses de tipo esquizofrénico, paranóides ou afectivas. Existe porém uma perturbação de personalidade, emocionalmente instável, de TIPO BORDER-LINE, segundo os critérios de diagnóstico da 10ª classificação Internacional das doenças, OMS. Em nossa opinião, com estas características de personalidade e tendo em consideração os elementos anamnésicos fornecidos pela examinada, bem como os dados constantes no exame indirecto referenciado no ponto 3, a Srª D. Fernanda Marques dos Santos dificilmente terá condições para cuidar do filho de forma autónoma equilibrada e adequada.”
63. A criança foi observada no dia 10 de Agosto de 2006, resultando do relatório de observação psiquiátrica da criança (fls. 590 a 593) nomeadamente o seguinte: “A observação realizou-se em 10.8.06, sendo o José Miguel acompanhado pelo pai. O presente relatório foi elaborado a partir dos elementos de observação clínica do José Miguel, da colheita de elementos da história fornecidos pelo pai e da consulta da documentação enviada pelo Tribunal. O José Miguel, com 8 anos à data da observação, é o único filho de um casal que se separou quando a criança tinha 6 anos, ao fim de 9 anos de relacionamento, após período de conflitualidade e episódios de violência entre o casal. Após a separação ficou a residir com o pai e avó paterna no Algarve, mantendo actualmente contactos muito espaçados com a mãe, a residir em Lisboa, estando em curso o processo de revisão do poder paternal, com guarda provisória entregue ao pai e visitas à mãe. Dos antecedentes pessoais destaco tratar-se de uma criança que apresentou um desenvolvimento psicomotor dentro dos parâmetros normais. (...) Frequentou o jardim infantil a partir dos 3 anos, com boa adaptação. Iniciou o 1º ano com 5 anos, tendo repetido o 2º ano (...). Transitou para o 3º ano (...). Após a separação entre os pais evidenciou inquietação, requerendo a presença do pai, despertando frequentemente durante a noite, tendo beneficiado de apoio psicológico. (...) Da observação clínica do José Miguel destaco tratar-se de uma criança de 8 anos, com bom desenvolvimento global, harmonioso, apresentação cuidada, evidenciando um bom contacto com o observador, não obstante alguma reserva inicial. Após a entrevista inicial em conjunto com o pai aceita facilmente separar-se deste. O comportamento é estável. O discurso é adequado à faixa etária, com um bom nível de vocabulário, descrevendo as actividades lúdicas e as tarefas escolares. Refere-se à mãe espontaneamente e quando solicitado, evocando com prazer actividades partilhadas com esta. A interacção com o pai observada na fase inicial da entrevista decorre de forma tranquila e harmoniosa. Solicitado a desenhar a família representa--se a si próprio entre os pais, algo afastados. O traçado revela-se algo imaturo, verificando-se no entanto a diferenciação sexual das figuras. Expressa o desejo de que a família se possa voltar a reunir. Trata-se de uma criança de 8 anos, evidenciando um bom desenvolvimento global, que apresentou sintomatologia adaptativa na sequência da exposição e conflitualidade e episódios de violência intrafamiliar e posterior separação dos pais com contactos distantes com a mãe. A actual estabilidade no meio familiar e o apoio psicológico realizado facilitaram a elaboração e integração destas vivências potencialmente traumáticas, sem disrupção dos processos de desenvolvimentos, o que parece ser confirmado pela aparente adaptação ao meio escolar constatada e a interiorização de imagens positivas das figuras vinculativas. A perpetuação do conflito entre os pais, actualmente agido através da criança, com recriminações e acusações mútuas, constantes da documentação do Tribunal, tem inviabilizado uma atitude de colaboração e de preservação dos respectivos papéis parentais, fundamental para o prosseguimento de um desenvolvimento harmonioso. A provável existência de psicopatologia familiar, sugerida pela consulta do processo, poderá ser responsável pela perpetuação do ambiente conflituoso entre os pais. Julgamos ser imprescíndivel uma avaliação psiquiátrica dos pais e eventual terapêutica caso se justifique, de forma a garantir um clima afectivo favorável ao desenvolvimento da criança”.
64. Do relatório pericial psiquiátrico do progenitor consta nomeadamente que: “(...) 2. Exame indirecto (...) o requerente é filho único, (...) relação mais próxima com o pai, foi o melhor da turma quer no ensino primário, quer secundário, fez a Faculdade de Medicina de Lisboa, tendo sido acompanhado no 1º ano pela mãe. Aliás, foi para medicina por influência do pai, algo contrariado. Conclui o curso em 6 anos. Entra para a Marinha, antes de entrar para a especialidade. (...) fez quadro depressivo no final do curso, o que provavelmente o leva a optar por fazer nessa altura o Serviço Militar na Marinha. Casa pela 1ª vez aos 25 anos. Divorcia-se ao fim de 4 anos, na sequência de um casamento desgastado pelo desejo de a esposa ter filhos e de ter tido três abortos espontâneos sucessivos” (sic). Inicia 2ª relação com a mãe do filho que entretanto conhece no Hospital Curry Cabral onde fez o Internato Geral/Internato da Especialidade onde ela era Auxiliar de Acção Médica há cerca de 9 anos e entretanto ela deixa de trabalhar. Entretanto o requerente vai para o Quadro no Hospital de Lagos e posteriormente para o Hospital de Faro. Durante todo esse parece começar a desencadear-se patologia na companheira compatível com a doença bipolar (pela descrição feita) e/ou provável perturbação da personalidade, o que dá origem a toda a situação referida no processo e de grande conflituosidade no casal e com graves repercussões no menor. Nega maus tratos à mulher a não ser de contenção aquando das crises. b. Antecedentes pessoais Algo tímido e dependente. Não gostando de ser alvo de críticas de terceiros. Algo desconfiado. 3. Exame Directo O requerente entra no gabinete algo querelante por ter que vir a Lisboa, pouco colaborante, colocando todas as questões na ex- -companheira, e no incómodo que tudo isto lhe está a dar, sendo necessário explicar-lhe que este processo é fundamental para que se possa decidir a eventual custódia do filho. Contacto distante. Não muito sintónico. Algo desconfiado e defensivo. Não se apura actividade produtiva. Humor algo deprimido. Só no final da entrevista se emociona algo. Pouca ressonância afectiva. 4. Exames Complementares de Diagnóstico Testes psicológicos “... das provas para estudo de personalidade (RCH; PMK; MMPI; TFRW) constatamos tratar-se de uma personalidade de estruturação básica muito vulnerável marcada pela insegurança, por um registo depressivo precoce. A ressonância íntima é extratensiva nivelando a prevalência das reacções emocionais com dificuldade em empatizar com os outros. Trata-se de uma personalidade afectivamente imatura e dependente que em situações de frustração tende à extrapunitividade dominando reactividade que expressa a dependência (esperar que os outros resolvam). No MMPI, destacam-se acima do limite normativo (<70) a escala de desvio psicopático (Pd=73) frequente em indivíduos cujas maiores dificuldades são a ausência de reacções emocionais profundas –superficialidade afectiva, e a escala da paranóia (Pa=78) que caracteriza a desconfiança e hipersensitividade (reacção à situação litigiosa?). 5. Discussão e Conclusão Trata-se de um doente com perturbação da Personalidade de Tipo Dependente e Imaturidade emocional. Assim sendo (...) proponho que o poder paternal seja entregue ao pai, desde que sejam mantidas visitas regulares por parte da Comissão de Menores e que o requerente tenha apoio psicoterapêutico a fim de facilitar a comunicação entre pai e filho. Além disso, parece-me fundamental a manutenção de apoio psicológico estruturante ao menor”.
65.Do relatório do exame psicológico realizado ao progenitor consta nomeadamente: “(..) Em relação ao presente processo diz ter sido consequência da perturbação psiquiátrica da ex-companheira, já com vários internamentos compulsivos. Ficou com a custódia do filho mas a mãe do filho pôs outros processos, entre eles um de abuso sexual, que “já estão resolvidos”. Em relação ao filho diz ter alguns problemas comportamentais, não obedecer em particular ao pai e ao avô com quem lida. Reflecte alguma dificuldade em fazer uma abordagem mais crítica às necessidades da criança – procurar soluções adequadas para além do recurso a técnicos de saúde mental. Das provas psicométricas aplicadas apuramos um rendimento intelectual de nível médio (MPR; 90<QI<110), um pouco abaixo do esperado dada a sua diferenciação académica, assim como os valores da avaliação da capacidade de estruturação perceptivo-visual (FCR; P20) sendo o processo da cópia realizado com notória precipitação, o que determina a imprecisão e se reflecte na retenção mnésica da mesma figura, obtendo na reprodução de memória valores ainda mais baixos (P<10), mas sem defeito cognitivo, antes reflectindo a interferência dos factores emocionais como a ansiedade”.
66. No ano escolar de 2005/2006 e no presente ano lectivo de 2006/2007 a criança apresenta-se com vestuário e higiene adequados.
67. É uma criança introvertida, mas relaciona-se bem quer com os colegas quer com a professora.
68. A criança não fala sobre a família, a não ser que para isso seja solicitado, encontrando-se actualmente conformado com a separação dos pais.
69. A mãe contacta diariamente com o filho ao telefone pelas 16.00 horas na secretaria do Colégio Algarve.
70. A criança manifesta felicidade por receber as chamadas da mãe.
71. A criança recebe no colégio cartas escritas pela mãe.
72. A criança é acompanhada pelo psicólogo Dr. João de Melo Gouveia, que exerce funções no Colégio Algarve.
73. No ano de 2005 a criança foi consultada pelo psicólogo com periodicidade semanal, verificando-se na altura uma dificuldade do menino em lidar com a autoridade e em aceitar o não.
74. No presente ano lectivo a criança apresenta-se mais calma, mais madura, mais estável.
75. A nível dos estudos o menino revela bons conhecimentos na área da matemática, lendo com facilidade, mas apresentando algumas dificuldades na escrita, muitas das vezes por ser precipitado na execução dos exercícios.
76. A criança frequentemente abraça-se à professora, denotando necessidade de afecto feminino.
77. A criança normalmente chega à escola às 8.30 e sai pelas 19.00 horas.
78. A criança gosta de ficar no ATL, pelo que o avô por vezes tem de aguardar pacientemente que o menino se decida a ir embora.
79. Mesmo nas férias do pai a criança frequenta o ATL por manifestar desejo nesse sentido.
80. O ATL encerra na 1ª quinzena de Agosto.
81. O progenitor aufere entre 3500 e 4000 € por mês
82. O requerente José Manuel vive em casa própria.
83. A progenitora não manifesta intenção de vir residir para o Algarve.
84. A progenitora exerce actividades remuneradas ocasionais e sem carácter duradouro.
85. A progenitora menciona não ter condições económicas para visitar o filho em sábados alternados como fixado provisoriamente.
86. A progenitora reside em Odivelas em habitação propriedade do requerente desde finais de 2003 e até à presente data a título gratuito.
87. O requerente instaurou contra a requerida uma acção de reivindicação de propriedade da referida habitação.
88. O requerente é médico (especialidade de medicina interna) em regime de exclusividade no HDF, auferindo em média pelo menos 3500 € líquidos mensais.
89. O requerente habita na R. …………….., em Faro, Prédio 16, 5º Dto, num apartamento T3 juntamente com a criança.
90. O avô paterno da criança tem cerca de 74 anos, e é dentista, coadjuvando o requerente nos cuidados a prestar à criança.
91. Na sessão de julgamento realizada a 12.11.2004 a requerida verbalizou que só mantinha relações sexuais com o requerido quando ocorriam festas em que participavam prostitutas e homens, mantendo nessas ocasiões a requerida relacionamento sexual com o requerente, com as prostitutas e os homens presentes.
92. Nessas ocasiões, verbalizou ainda a requerida que o requerente chamava a criança para assistir às orgias.
93. Nessas festas, e ainda segundo o verbalizado pela requerida, consumia- -se álcool e droga (cocaína) e praticava-se sexo em grupo.
94. Verbalizou ainda a requerida que o requerido lhe infligia maus-tratos físicos e psicológicos e que a mantinha medicada na cama como um vegetal, situações que a criança presenciou.
95. Referiu ainda que, sempre que tencionava deixar de se medicar, o requerido convencia-a que padecia de problemas psiquiátricos e internava-a compulsivamente.»
B) DE DIREITO:
1.Agravo do despacho de fls. 690:
a) Importa delimitar claramente o objecto do presente agravo.
Como vimos, pela descrição constante do relatório, a agravante solicitou, através de requerimento de fls. 639-645 (datado de 22/11/2006), pedido de realização de segunda perícia aos progenitores e ao menor, ao abrigo do artº 589º do CPC, ou a comparência em audiência dos peritos intervenientes nos exames efectuados para prestarem esclarecimentos, ao abrigo do artº 588º do CPC. Note-se que a agravante utilizou a disjuntiva «ou», que sugere inequivocamente uma alternativa colocada ao tribunal a quo. Ou seja, não se formulou um pedido cumulativo de prestação de esclarecimentos pelos peritos e de segunda perícia, mas um pedido alternativo, deixando à discricionariedade do tribunal a opção por um outro dos seus termos.
Nessa mesma data, na sessão de julgamento documentada na acta de fls. 648-649, a M.ma Juiz proferiu despacho a determinar que fossem contactados os referidos peritos com vista a definir datas para a sua inquirição por videoconferência. Este despacho revela uma opção do tribunal a quo pela prestação de esclarecimentos pelos peritos em detrimento da segunda perícia. Ora, deste despacho não recorreu a ora agravante, nem faria sentido que o fizesse (ou que tal recurso pudesse ser admitido), porque o seu requerimento fez pedido alternativo, tendo sido admitido um dos termos da sua pretensão. Ou seja, não houve uma decisão que fosse desfavorável à ora agravante, e a opção feita pelo tribunal, devido à estrutura do próprio pedido daquela, relevava do uso de um poder discricionário, insusceptível de recurso (artº 679º do CPC). E decorreram, sem interposição de qualquer recurso, os prazos legalmente previstos para o efeito (artos 685º, nos 1 e 2, e 145º, nos 5 e 6, do CPC).
É só na sessão de julgamento documentada na acta de fls. 688-692 (datada de 20/12/2006), que vem a ser novamente apresentado um pedido de segunda perícia pela ora agravante, agora já não opcional, mas apenas reportado a si própria. Esse requerimento é formulado na sessão (e registado em acta, a fls. 689), na sequência da prestação de esclarecimentos pela perita que procedeu à observação pedopsiquiátrica do menor e a propósito de declarações da referida perita sobre a capacidade da progenitora para exercer o poder paternal. Do contexto e do teor desse requerimento (supra transcrito), vê-se claramente que apenas podia estar em equação um pedido de segunda perícia da ora agravante – e não um pedido de segunda perícia que abrangesse ainda o progenitor e o menor. E do teor do respectivo despacho de indeferimento (também supra transcrito), igualmente se evidencia que se teve em vista tão-só a perícia relativa à progenitora.
Perante isto, não se entende como pode vir agora a agravante, no presente recurso de agravo, discutir pretensões de realização de exames periciais em relação ao pai do menor e ao menor – como se estivesse a recorrer do despacho de fls. 649 (de que, aliás, nem poderia, como vimos, ter recorrido). O certo é que a agravante recorre do despacho de fls. 690 – até pela própria data do requerimento de interposição de recurso (registo datado de 12/1/2007 e artº 150º, nº 1, al. b), do CPC) se verifica que este deu entrada no último dia do prazo de 10 dias para recorrer, contado da data da sessão em que foi proferido aquele despacho (artº 685º, nos 1 e 2, do CPC) – e neste só estava em causa o pedido de segunda perícia relativo à mãe do menor.
Conclui-se, pois, que se deve considerar o presente recurso de agravo limitado ao objecto do próprio despacho recorrido – ou seja, à viabilidade de segunda perícia relativa à mãe do menor.
Irrelevam, assim, todas as considerações expendidas nas alegações de recurso (e suas conclusões) sobre um pretenso indeferimento de perícias relativas ao pai do menor e ao menor. Em todo o caso, sempre se dirá que – ainda que fosse possível discutir a viabilidade de uma tal segunda perícia em relação àqueles sujeitos processuais – a agravante não apresentou fundadas razões de discordância em relação aos respectivos relatórios periciais anteriores, faltando de todo qualquer fundamento técnico-científico para pôr em crise a idoneidade dos peritos e dos seus relatórios (o que, aliás, também sucede em relação à agravante, como veremos adiante), pelo que nunca poderia proceder a pretensão de realização de segundas perícias relativas ao pai do menor e ao menor (prévias à decisão definitiva do pedido de regulação do poder paternal).
Cumpre, então, passar à apreciação da impugnação do indeferimento de segunda perícia respeitante à mãe do menor.
b) Para aferir da pertinência de um pedido de segunda perícia, importa ter presente o teor do nº 1 do artº 589º do CPC: «Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado».
Com a Reforma de 1995/1996 (Decretos-Leis nos 329-A/95, de 12/12, e 180/96, de 25/9), o pedido de segunda perícia passou a ter de ser fundamentado («alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado», diz o aludido preceito), não bastando a apresentação de mero requerimento (como sucedia antes da Reforma, perante o equivalente artº 609º, nº 1).
Como dizem LEBRE DE FREITAS et alii, «quando a iniciativa desta [segunda perícia] é da parte não lhe basta requerê-la: é-lhe exigido que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente. Não era assim anteriormente: a parte não tinha de apresentar qualquer justificação e dificilmente a repetição da diligência podia ser considerada impertinente ou dilatória» (Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 521).
Também em sentido clarificador do alcance do preceito se pronuncia o Ac. STJ de 25/11/2004 (Proc. 04B3648, in www.dgsi.pt), no qual se lê o seguinte: «Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira».
No caso dos autos, tendo em conta que apenas pode ser considerado o requerimento que originou o despacho recorrido, verifica-se que aquele (a fls. 689) não contém nenhum fundamento cabal. Pretendeu-se encontrar uma contradição entre o relatório relativo à mãe do menor (em que se alude a uma perturbação da personalidade, que levou a concluir que aquela “dificilmente terá condições para cuidar do filho de forma autónoma equilibrada e adequada”) e uma afirmação em audiência da perita que procedeu ao exame pedopsiquiátrico do menor (que teria dito, tanto quanto se descreve, que uma tal perturbação de personalidade «não é por si só impedimento para cuidar de uma criança de forma autónoma e adequada»). E com base nisso pediu-se a segunda perícia.
Ora, nem o perito do exame da mãe do menor excluiu totalmente a possibilidade de uma pessoa com aquela perturbação de personalidade poder cuidar de uma criança (usou a expressão «dificilmente»), nem a perita do exame do menor afirmou que a mãe do menor podia cuidar dele (a afirmação dessa perita, como bem sublinhou a M.ma Juiz a quo, só podia ter sido feita em abstracto, até porque não conhecia a mãe do menor). Não há qualquer contradição, mas declarações com ângulos diferentes de análise – e tudo isto sem deixar de ser evidente (mesmo para um leigo) que uma pessoa com uma perturbação de personalidade de tipo border-line tem uma menor probabilidade de poder cuidar de uma criança de forma autónoma e adequada (relativamente a outra pessoa sem tal diagnóstico).
Mas ainda que se tivesse de considerar os argumentos agora trazidos nas alegações de recurso (e que retomam os aduzidos no requerimento de fls. 639-645, ainda que não apreciado pelo despacho recorrido) – a saber: necessidade de exame mais longo para obtenção do diagnóstico efectuado, contradição com diagnóstico anterior e contacto do perito com psiquiatra mancomunado com o pai do menor –, nenhum deles consubstanciaria a fundamentação legalmente exigida para a procedência do pedido de segunda perícia. O primeiro argumento é uma mera afirmação sem nenhuma demonstração de cariz científico; o segundo argumento refere-se a uma declaração médica essencialmente idêntica à que vem referida no ponto 49 da matéria de facto (e da autoria do mesmo médico) e que, na sua singeleza, não tem o grau de desenvolvimento e a perspectiva de análise que foram demandados para o relatório do exame psiquiátrico efectuado à mãe do menor no Hospital Júlio de Matos, pelo que não é cogitável uma verdadeira contradição; e o terceiro argumento não tem qualquer suporte factual em elementos existentes no processo.
Em geral, diga-se que o nº 1 do artº 589º do CPC exige, para se obter uma segunda perícia, uma fundamentação de nível idêntico ao do próprio juízo pericial que se pretende questionar. Ou seja: não basta dizer que se discorda do juízo pericial, assim como não basta alegar incorrecções, inexactidões ou contradições; as razões dessa discordância têm de ter uma consistência que se inscreva no mesmo âmbito técnico-científico em que se situa a perícia. Dito de outro modo: os juízos científicos apenas são passíveis de crítica igualmente científica.
Ora, o certo é que não se vislumbra qualquer argumentação de base técnico- -científica, em abono da pretensão de segunda perícia, no requerimento objecto do despacho recorrido (bem como em qualquer outra peça processual em que a agravante se tenha manifestado a favor da segunda perícia, seja no requerimento de fls. 639-645 ou nas alegações do presente recurso).
Percebe-se que à agravante não agrade a imputação de uma perturbação de personalidade (pelas repercussões que tem na questão substantiva), mas esse diagnóstico é incontornável, sem que lhe seja apontado (ou lhe seja possível apontar, com os elementos disponíveis) qualquer erro do ponto de vista técnico-científico: não basta dizer que o exame foi rápido demais para alcançar esse diagnóstico; é necessária uma demonstração científica da existência de erro técnico. Do requerimento de segunda perícia da agravante, e para além da comum retórica forense, apenas se infere que aquela procura, por meios que o legislador entendeu serem legítimos, evitar que se torne definitiva a decisão de regulação do poder paternal – quiçá olvidando que uma das decisões judiciais menos definitivas do nosso sistema jurídico é precisamente a da regulação do poder paternal, já que o respectivo regime legal permite a cada momento serem adoptadas as medidas que sejam mais adequadas ao interesse do menor, sendo cada decisão nessa matéria susceptível de ser revista, desde que verificados os respectivos pressupostos de alteração (cfr. artº 182º da OTM). E, já agora, esquecendo também que o próprio tribunal a quo, na sua sentença – e numa decisão reveladora dum elevado espírito de cooperação com as partes, na defesa do interesse do menor –, determinou uma actualização periódica de informação psicológica sobre os progenitores do menor e o menor (ao impor-lhes acompanhamentos psicoterapêuticos e junção de relatórios psicológicos de 2 em 2 meses), criando assim condições favoráveis a futuras revisões do regime fixado.
Por tudo isto, forçoso é concluir que não ocorria fundamento bastante para a agravante demandar a realização de uma segunda perícia à sua pessoa – pelo que assistiu, assim, razão à M.ma Juiz a quo, ao indeferir o respectivo pedido, formulado a fls. 689, através do despacho recorrido (de fls. 690).
2.Apelação da sentença de fls. 732-750:
a) Começamos pela análise da questão prévia suscitada, relativa à gravação da prova e possibilidade da sua utilização, com vista à reapreciação da matéria de facto.
Já assinalámos, na descrição constante do relatório, que houve sete sessões de julgamento e que ficou devidamente anotado em acta quais os depoimentos que foram objecto de gravação (apenas foram gravados depoimentos em três dessas sessões). E, pela análise dos autos, constata-se que não foi requerida por qualquer das partes a gravação da audiência e que os registos efectuados foram determinados oficiosamente pelo tribunal, com pleno conhecimento dos Ex.mos Advogados das partes, que assistiram às diferentes sessões e tiveram livre acesso às actas.
É líquido que a extensão do recurso à reapreciação da prova gravada apenas se afigura possível quando haja uma gravação integral dos depoimentos prestados em audiência: a prova tem de ser apreciada globalmente e registos parcelares não permitem uma perspectiva global da prova produzida. Porém, no processo civil comum, a gravação integral não é obrigatória, só tendo lugar quando requerida por alguma das partes, por não prescindir da documentação da prova produzida (artos 512º, 522º-B, 1ª parte, e 791º, nº 2, do CPC) – o que até tem como consequência a dispensa da intervenção de tribunal colectivo no processo ordinário (artº 646º, nº 2, al. c), do CPC) –, com vista à eventual futura interposição de recurso. Pode ainda o tribunal determinar oficiosamente a gravação (artº 522º-B, 2ª parte, do CPC), podendo admitir-se que, a ser esse registo integral, seja o mesmo susceptível de ser utilizado pelas partes para efeitos de recurso sobre a matéria de facto – mas, seguramente, não o poderão fazer se esse registo da audiência não for integral (e sem que tenha qualquer das partes requerido a gravação).
No caso dos autos, não estamos no domínio do processo comum, mas de processo especial, previsto na Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pelo Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro (e com várias alterações posteriores). E dispõe o artº 158º, nº 1, al. c), da OTM que, na audiência de discussão e julgamento dos processos tutelares cíveis (que incluem a regulação do poder paternal – artº 146º, al. d), da OTM), «as declarações e os depoimentos não são reduzidos a escrito» – ou seja, não é permitido aquilo a que o legislador tem designado, em inúmeros diplomas, de «documentação da prova» (ou registo para efeitos de recurso), proibição que hoje (com a evolução trazida pelo Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, ao permitir a gravação de audiências), se deve entender extensiva ao registo áudio ou vídeo de declarações ou depoimentos. Isto significa que não deve ser admitida sequer a possibilidade de as partes requererem a gravação da prova nos processos tutelares cíveis.
Não está, porém, vedada a possibilidade de o tribunal oficiosamente ordenar a gravação, mas unicamente para a função que o próprio legislador do Decreto-Lei nº 39/95 concebeu como função principal da gravação oficiosa: «O registo das provas permitirá ainda auxiliar de forma relevante o próprio julgador a rever e confirmar no momento da decisão, com maior segurança, as impressões pessoais que foi colhendo ao longo de julgamentos demorados, fraccionados no tempo e comportando a inquirição de numerosos depoentes sobre matérias complexas. Daí que, no articulado proposto (artigo 522º-B) se venha permitir que seja o próprio tribunal a determinar oficiosamente a gravação da audiência, sempre que, apesar de as partes terem prescindido da documentação da prova, se entenda que os interesses da administração da justiça a reclamam» (do preâmbulo do diploma).
Foi, pois, subordinado a este superior interesse, com total suporte legal, que o tribunal a quo determinou o registo de alguns depoimentos nos presentes autos – como bem se evidencia do despacho de fls. 1035, em que a M.ma Juiz informa que «o tribunal apenas procedeu à gravação parcial de alguns depoimentos por considerar ser possível o prolongamento do julgamento e para uso pessoal», sendo este «uso» o necessário para a elaboração o mais criteriosa possível da matéria de facto provada e da sentença. Não se compreende, por isso, que a apelante extraia da expressão «uso pessoal», invocada pela M.ma Juiz, a ideia de que o tribunal a quo terá realizado um «uso não profissional, ou não estatutário e, hoc sensu, pessoal, das gravações que entendeu por bem ordenar» (ponto 14 das alegações de recurso). Trata-se, aliás, de uma insinuação absolutamente inqualificável, à luz dos deveres de boa fé processual e de correcção (artos 266º-A e 266º-B do CPC) – que nunca será admissível para com um tribunal, mas que ainda será menos aceitável em relação à M.ma Juiz a quo, cujo desempenho profissional nos presentes autos (basta ler o processo…) se tem pautado por uma irrepreensível imparcialidade, tudo fazendo para atender aos interesses em confronto e suportando pacientemente todas as vicissitudes que têm feito prolongar anormalmente este processo (instaurado em 15/1/2004 e sentenciado só em 12/2/2007).
Não se vislumbra, pois, qualquer ilegalidade ou nulidade na omissão do registo sonoro da totalidade dos depoimentos produzidos em audiência de discussão e julgamento. Não havia lugar a essa gravação integral e não pode a apelante fundar em registos parcelares a ampliação do objecto do recurso à reapreciação da matéria de facto, estando, por isso, vedada uma tal reapreciação.
Consequentemente, não existe fundamento para um pretendido prolongamento do prazo para alegações (só admissível nos termos do artº 698º, nº 6, do CPC, que aqui não tem cabimento). Assim como inexiste qualquer fundamento para as pretendidas anulação da audiência e repetição do julgamento (só concebível se tivesse sido omitida uma formalidade legal que influísse no exame ou decisão da causa, nos termos do artº 201º, nº 1, do CPC, que no caso não se impunha).
b) Dada a impossibilidade de discutir no presente recurso a matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, fica restringida a impugnabilidade da matéria de facto à verificação, perante os elementos disponíveis, de deficiência, obscuridade e contradição na decisão de facto, ao abrigo do artº 712º, nº 4, do CPC.
A apelante alega um conjunto de pretensas deficiências e contradições na matéria de facto, mas todas elas se reconduzem, genericamente, a elementos não constantes do processo ou a elementos que poderão ter sido mencionados pelos depoentes em audiência (mas que não podem ser considerados, pelas razões já supra expostas) – como sucederá, v.g., quanto ao destino de processos criminais, quanto ao estado de processo relativo à habitação da requerida, quanto às condições dessa habitação ou quanto ao número de visitas que a mãe fez ao menor.
Aquilo que manifestamente se evidencia é o extremo cuidado do tribunal a quo na enunciação da factualidade provada, a qual se apresenta extensa, minuciosa, descrevendo com rigor todo um conjunto de factos que se estendem por um período alargado de tempo – e sempre com a preocupação de registar imparcialmente elementos objectivos que permitam uma avaliação global da situação de ambos os progenitores (independentemente de serem mais ou menos favoráveis a um ou a outro). Aliás, o que sobreleva na presente decisão de facto é essa perspectiva geral que transmite – e que torna irrelevante (e não determinante para a decisão de direito) saber se um dado processo já foi ou não arquivado, quantos quartos tem a casa habitada pela mãe do menor ou qual o número exacto de visitas da mãe ao menor. Quanto a estes aspectos, o que se afigura realmente importante (e foi isso que pesou na decisão de direito, como veremos) é o retrato, bem espelhado na matéria de facto, da pretérita conflitualidade violenta vivida pelo casal e que se projectava no menor, da maior precariedade sócio-económica da mãe do menor ou da dificuldade, por razões económicas, de a mãe do menor se deslocar assiduamente ao Algarve para visitas ao menor (e tendo em conta a inadequação de este, pela sua idade, se deslocar sozinho a Lisboa).
Sendo assim, afigura-se manifestamente improcedente a alegação de deficiências, obscuridades ou contradições na decisão de facto.
c) Sobre a questão da justeza do regime fixado nos presentes autos em termos de regulação do poder paternal, começaríamos por dizer que os argumentos trazidos pela recorrente incidem em aspectos sobre os quais o tribunal recorrido já se pronunciou na sua sentença, fundada e proficientemente, em termos que merecem adesão – pelo que bastaria aqui uma simples remissão para os fundamentos dessa decisão, ao abrigo do artº 713º, nº 5, do CPC. Em todo o caso, sempre aditaremos uma sucinta análise adicional da matéria em causa.
Na decisão recorrida, e quanto à questão da guarda do menor, o tribunal a quo atendeu aos seguintes critérios: disponibilidade e capacidade de cada progenitor para satisfazer as necessidades da criança; saúde física e mental dos pais; afecto que cada um sente pela criança; comportamento moral e estabilidade de ambiente que cada um pode facultar ao filho; condições habitacionais dos progenitores; continuidade do ambiente em que tem vivido a criança; continuidade na relação psicológica principal da criança (apurando-se qual é a figura primária de referência); preferência maternal pela criança de tenra idade; preferência do progenitor que tem o mesmo sexo da criança; vontade da criança. Ponderando especificadamente estes pontos, esse tribunal acaba por atribuir especial relevância a aspectos como «a saúde mental, a estabilidade económica do pai, as condições habitacionais, a continuidade da relação psicológica principal da criança, a boa evolução do seu comportamento e o factor da continuidade do ambiente», com base nos quais alcança a conclusão de que é mais adequada a atribuição da guarda do menor ao pai. O que bem evidencia que não tiveram influência decisiva na sentença, nem os aspectos pretensamente subjectivos constantes dos exames psiquiátricos e psicológicos dos intervenientes (mas, seguramente, não será possível fazer esse tipo de exames sem contexto ou de forma asséptica), nem a opinião manifestada pela perita que procedeu ao exame psiquiátrico do requerente de que «o poder paternal seja entregue ao pai» (facto 64). Pela respectiva fundamentação, vê-se que o tribunal a quo soube distinguir nos relatórios periciais, como se impunha, o que é efectivo juízo pericial do que são considerações circunstanciais da recolha de elementos e juízos de valor.
O espírito do regime legal da regulação do exercício do poder paternal, que assenta no valor supremo do interesse do menor (cfr. artº 1878º, nº 1) – e tudo indica que a ele se subordinou escrupulosamente o tribunal recorrido.
Não há que repetir o que já foi dito sobre os pontos referidos na sentença sob recurso. Apenas importa sublinhar que, com base nos elementos disponíveis, são claramente mais significativos os aspectos que desaconselham a confiança da criança à mãe que ao pai.
Se, pelos dados psiquiátricos e psicológicos conhecidos em relação aos pais, qualquer deles apresenta problemas, que se podem projectar negativamente no filho (o que terá levado um psiquiatra do Hospital Dona Estefânia, perante a leitura do processo e a propósito da hipótese de se proceder a novo exame pedopsiquiátrico do menor, a dizer que «no interesse do menor este não deve ser mais objecto de peritagens», mas que «a peritagem de personalidade dos pais, neste caso, deve ser de bastante utilidade» – v. ofício de fls. 422-423), o certo é que o diagnóstico (incontornável, como acima dissemos) de «uma perturbação de personalidade, emocionalmente instável, de tipo border-line» (da mãe – facto 62) é seguramente mais grave que o de «perturbação da personalidade de tipo dependente e imaturidade emocional» (do pai – facto 64). Aliás, diga-se (à margem da matéria provada) que, se necessário, também certamente se revelaria o problemático status psíquico e psicológico da mãe do menor pelas inúmeras cartas (e seu inusitado teor) que esta tem dirigido à M.ma Juiz a quo (e juntas ao processo), apesar de já instada para não o continuar a fazer (despacho de fls. 411).
E porque é notório não se estar perante disfunções que se resolvam de um dia para o outro, não é de atribuir particular relevância – diferentemente da opinião da apelante – à diferença temporal entre os exames psiquiátricos efectuados à mãe e ao pai do menor ou à proximidade do exame da mãe relativamente à data da separação do casal (o relatório da primeira é datado de 14/12/2005 e o do segundo é datado de 3/11/2006, em qualquer dos casos já algum tempo depois da separação do casal, em finais de 2003 – facto 19).
Por outro lado, se é verdade existir um défice afectivo na relação entre o pai e o menor (por confronto com a respeitante à mãe – factos 77 a 79 versus factos 47, 69 e 70), não se pode olvidar o peso significativo dos demais factores, em particular os associados à maior estabilidade nos planos sócio-económico e educativo que a entrega ao pai confere ao menor. E não é de mais sublinhar que o tribunal a quo teve a preocupação de introduzir no regime fixado contrapesos aos défices psicológico e afectivo do pai do menor, impondo-lhe acompanhamento psicoterapêutico (e recomendando-lhe, na parte não dispositiva da sentença, maior atenção às carências afectivas do filho, o que sinaliza um aspecto que será especialmente considerado em eventuais futuras revisões do regime fixado).
Quanto ao regime de visitas, embora se reconheça, em abstracto, que o actual regime, pelos seus constrangimentos temporal e espacial, não é potenciador de uma aproximação do menor à mãe, com vista a uma relação mais gratificante entre mãe e filho no plano afectivo, na lógica de um crescimento integral e harmonioso do menor, o certo que o tribunal de 1ª instância não dispunha – nem este tribunal superior dispõe – de elementos seguros que permitissem fixar um regime diferente.
A factualidade provada aponta para uma situação de instabilidade pessoal, sócio-económica e profissional não resolvida, do lado da requerida, tendo sido a própria apelante que declarou «não ter condições económicas para visitar o filho em sábados alternados como fixado provisoriamente» (facto 85), pelo que a periodicidade quinzenal da visita no regime provisório passou a mensal no regime definitivo. Acresce que a pretensão subsidiária da apelante de deslocação do menor a Lisboa, sozinho, de autocarro ou comboio, para passar fins-de-semana com a mãe, se afigura, por enquanto, e atenta a sua idade actual (10 anos), de elevado risco pessoal (até por inexistir, na generalidade dos transportes públicos, o serviço de acompanhamento de menores a que alude a apelante nas suas alegações).
Cremos, pois, que o regime de visitas fixado na sentença recorrida será de manter por ora.
d) Uma última nota.
Trata-se de chamar a atenção para o facto de o próprio tribunal ter criado condições, na sentença, para que se venham a obter novos e actualizados elementos sobre a evolução da situação do menor e dos seus progenitores, sendo de admitir que uma eventual alteração (já entretanto ocorrida ou a ocorrer) do enquadramento pessoal (psíquico e/ou psicológico), sócio-económico e profissional da mãe possa determinar uma alteração do regime actualmente fixado (em qualquer dos seus aspectos) – desde que essa alteração corresponda, nessa ocasião, e mais uma vez, ao interesse do menor.
Em suma: o tribunal a quo não violou as disposições legais mencionadas nas conclusões das alegações de recurso, pelo que não merece censura o juízo formulado na decisão recorrida.
*
III – DECISÃO:
Pelo exposto, decide-se:
a) negar provimento ao agravo interposto do despacho de fls. 690, que julgou improcedente o requerimento de fls. 689, confirmando a decisão recorrida;
b) negar provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida.