PRAZO PARA ALEGAÇÕES
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
JUSTO IMPEDIMENTO
Sumário


I - O prazo de apresentação de alegações de recurso é, em regra, de 30 dias, contados da notificação do despacho de recebimento do recurso (artº 698º, nº 2, do CPC), podendo acrescer 10 dias a esse prazo, «se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada» (artº 698º, nº 6, do CPC) podendo ainda o acto ser praticado num dos 3 dias subsequentes (nos termos do artº 145º, nº 5, do CPC).
II – Este prazo é indiscutivelmente peremptório, pelo que o seu decurso extingue o direito de praticar o acto (artº 145º, nº 3, do CPC), ressalvada a prorrogabilidade desse prazo, desde que permitida por lei (artº 147º, nº 1, do CPC).
III - A possibilidade de prorrogação por iniciativa unilateral (e autorizada pelo tribunal) prevista para a contestação (artº 486º, nos 5 e 6) e para outros articulados (artº 504º) não é extensível às alegações de recurso – pelo que o respectivo prazo é improrrogável.
IV – Assim, fora daqueles casos, só perante uma situação de “justo impedimento” será admissível a apresentação de alegações após o termo do prazo normal.
V- Não configura uma situação de justo impedimento a doença grave de um filho do Ex.mº mandatário do recorrente conhecida há mais de quatro meses, antes do termo do prazo de alegações.

Texto Integral

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Proc. nº 1808/07-3ª
Agravo
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 138º, nº 5-CPC)
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I – RELATÓRIO:

No Tribunal da Comarca de Albufeira, R.................. e mulher, J............., formularam contra ª....................., a título principal, pedido de execução específica de contrato-promessa de compra e venda de prédio urbano, celebrado entre as partes, enquanto o aí demandado, em acção apensa, deduziu pedido de resolução desse contrato-promessa. No termo desses processos, foi proferida sentença final em 1ª instância, de que foi interposto recurso de apelação pelo R., que solicitou igualmente a entrega de cassetes contendo o registo da prova testemunhal.

Admitido o referido recurso, foi o R. notificado, em 17/10/2006, para apresentar as suas alegações. Em 11/12/2006 foi consignado por funcionário nos autos (a fls. 378) que o Ex.mo Mandatário do R. tentou enviar ao Tribunal, em 6/12/2006, comunicação por fax que, por problema técnico verificado no aparelho de fax do tribunal (eliminação da memória), não foi recebida. Mais se informou que foi então estabelecido contacto com o Ex.mo Mandatário do R., o qual terá afirmado ir reenviar a aludida comunicação por fax, o que não aconteceu.

Por despacho proferido em 13/12/2006 (a fls. 383), e por não terem sido juntas aos autos até essa data as alegações de recurso do R., foi julgado o recurso deserto, por falta de alegações.

Em requerimento datado de 15/12/2006 (a fls. 386), o Ex.mo Mandatário do R., invocando «motivos de doença grave de um dos seus filhos» (meningite e encefalite herpética), que declara serem do conhecimento do Tribunal, alega ter de «acompanhar o seu filho diária e sistematicamente, o que não lhe deixa por dia muito tempo para exercer a sua profissão» e termina a requerer, com base em «facto atendível, justificável e ponderoso», uma «prorrogação do prazo para apresentação das alegações, no sentido de poder exercer o direito de recurso».

Sobre esse requerimento versou despacho proferido em 21/2/2007 (a fls. 416), no qual, depois de se considerar que «o prazo de trinta dias previsto no artº 698º/2 do CPC [para apresentação de alegações] terminou em 20 de Novembro de 2006», se sustenta não ser aplicável a regra do artº 147º, nº 2, do CPC e não ser o pedido formulado enquadrável na figura do justo impedimento, previsto no artº 146º do CPC (com o argumento de que o Advogado requerente «poderia ter substabelecido») – pelo que se conclui mantendo o despacho de fls. 383, que julgou deserto o recurso.

É deste despacho que vem interposto pelo R. o presente recurso de agravo, cujas alegações culminam com as seguintes conclusões:

«1º – O pedido de prorrogação do prazo deu entrada no Tribunal no prazo de apresentação das alegações de recurso.
2º – O pedido foi sustentado por razões de ordem excepcional, atendíveis à luz do direito e da sociedade em geral como impeditivas de exercer cabalmente qualquer tipo de actividade.
3º – Essas razões eram do conhecimento do M.mo Juiz "a quo".
4º – Com o pedido de prorrogação do prazo, o signatário expressamente manifestou que o facto que deu origem a esse pedido havia minimamente cessado.»

Com essas alegações foram juntas cópias de documentos emitidos pelo Hospital de ...........: uma «Nota de Alta», com «Resumo de Internamento», datada de 3/7/2006, do Serviço de Pediatria/Unidade de Infecciologia, respeitante a F...................., de 5 anos, em que se menciona o diagnóstico de «Meningite Asséptica» e se indicam como datas de internamento e de alta, respectivamente, 26/6/2006 e 3/7/2006; e uma «Declaração de Internamento», datada de 5/7/2006, da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos, respeitante a F..........................., em que se declara ter este sido «admitido neste Hospital em 2006-07-04».

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artos 660º, nº 2, e 664º, ex vi do artº 713º, nº 2, do CPC).

Do teor das alegações da recorrente resulta que a única questão a decidir se resume a saber, em face do direito aplicável, se pode ser autorizada uma prorrogação de prazo para apresentação das alegações de recurso respeitantes à apelação interposta pelo ora recorrente, de modo a obstar à deserção do recurso por falta de alegações.

Cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:

1. Comece-se por salientar que o recorrente requereu prorrogação do prazo de apresentação de alegações de um outro recurso (de apelação), mas não invocou qualquer disposição legal para fundar a sua pretensão.

Isso implica, num primeiro momento, averiguar as possibilidades legais de prorrogabilidade de prazos processuais.

Em concreto, estaria em causa a contagem do prazo de apresentação de alegações de recurso. Esse prazo é de 30 dias, contados da notificação do despacho de recebimento do recurso (artº 698º, nº 2, do CPC), podendo acrescer 10 dias a esse prazo, «se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada» (artº 698º, nº 6, do CPC). No presente caso, o recorrente pediu a entrega de cassetes contendo o registo da prova – o que leva a admitir que pretenderia incluir no objecto do recurso a reapreciação da matéria de facto. Nessa eventualidade, o prazo aplicável seria o de 40 dias – pelo que, tendo em conta que a notificação do despacho de recebimento do recurso foi efectuada em 17/10/2006 e se considera recebida em 20/10/2006 (nos termos do artº 254º, nº 2, do CPC), o prazo de 40 dias terminava em 29/11/2006, podendo ainda o acto ser praticado num dos 3 dias subsequentes (nos termos do artº 145º, nº 5, do CPC).

Trata-se de um prazo indiscutivelmente peremptório, pelo que o decurso desse prazo extingue o direito de praticar o acto (artº 145º, nº 3, do CPC). Ressalva-se, porém, a prorrogabilidade desse prazo, desde que permitida por lei (artº 147º, nº 1, do CPC). Não obstante a possibilidade de prorrogação por iniciativa unilateral (e autorizada pelo tribunal) esteja prevista para a contestação (artº 486º, nos 5 e 6) e para outros articulados (artº 504º), o mesmo não sucede para as alegações de recurso – pelo que o respectivo prazo é improrrogável, com a única ressalva da prorrogação por «acordo das partes», prevista no nº 2 do artº 147º do CPC.

No caso em apreço, esse acordo não foi obtido, sendo certo que se impõe um acordo expresso documentado nos autos antes de decorrido o prazo inicial (neste sentido, LEBRE DE FREITAS et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 261, e Ac. RL de 6/6/2002, CJ, ano XXVII, tomo III, pp. 96 ss.).

Nessa medida, e contrariamente ao alegado, é irrelevante apurar a data de entrada do pedido de prorrogação (e o alcance do episódio da falha técnica do aparelho de fax do tribunal a quo), já que apenas tal teria interesse se esse pedido fosse de iniciativa bilateral.

Consequentemente, por carecer de suporte legal, deve ter-se por excluída uma possibilidade de prorrogação de prazo proprio sensu.

Resta, no entanto, considerar a possibilidade de uma prática do acto fora de prazo, no único contexto legal (alternativo) concebível – o da verificação de justo impedimento, previsto nos artos 145º, nº 4, e 146º do CPC.

2. Note-se que o recorrente não invocou expressamente a figura do justo impedimento. Porém, a descrição das circunstâncias de ordem pessoal que afectaram o Ex.mo Mandatário do R. (doença grave do filho) é susceptível, em abstracto, de consubstanciar uma alegação de justo impedimento – pelo que o tribunal a quo procedeu correctamente ao analisar a possibilidade da sua verificação, dando assim como assente uma invocação (implícita) desse instituto.

Importa, pois, conhecer o preceito que o prevê:
«Artigo 146º
Justo impedimento

1 – Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
2 – A parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
(…)»

É certo que o recorrente, no seu requerimento de fls. 386, não situou adequadamente no tempo a ocorrência do referido evento de carácter pessoal, nem ofereceu logo a respectiva prova – o que, no plano formal, poderia ser bastante, por si só, para inviabilizar a pretensão de prática do acto (de apresentação de alegações de recurso), já que aquelas omissões contrariam as exigências do artº 146º do CPC, no qual se impõe a demonstração da impossibilidade de prática atempada do acto e a apresentação imediata da prova, para além da invocação do impedimento logo que cesse a causa impeditiva (a que não poderia obstar qualquer conhecimento directo do M.mo Juiz a quo, alegado pelo agravante).

Em todo o caso, pronunciou-se o tribunal a quo sobre a substância da alegação do impedimento, acabando por assinalar a possibilidade de substabelecimento noutro advogado.

Colocando-nos no mesmo plano, diremos, com LEBRE DE FREITAS et alii, que o novo conceito de justo impedimento, introduzido pela Reforma de 1995/1996 (Decretos-Leis nos 329-A/95, de 12/12, e 180/96, de 25/9), visou uma «flexibilização (…), de modo a permitir abarcar situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria», pelo que, à sua luz, «basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção» (ob. cit., p. 257).

No entanto, embora hoje o conceito já não esteja ligado à normal imprevisibilidade de um evento, ainda assim é de exigir – quando esse evento se refira aos mandatários das partes – o cumprimento do «dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas» (neste sentido, LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, pp. 154-155). E, em matéria de situações de doença súbita, deve entender-se que aquelas «constituem justo impedimento quando configurem um obstáculo razoável e objectivo à prática do acto, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa» (v. LEBRE DE FREITAS et alii, ob. cit., p. 259).

Tendo presente estes critérios doutrinários, e perante os elementos de facto enunciados no relatório deste aresto, diremos que a situação de doença grave do filho do Ex.mo Mandatário do R. poderia ser evento apto a integrar o conceito de justo impedimento, em particular se essa doença se tem manifestado no decurso do prazo inicialmente concedido para a apresentação das alegações. Nesta eventualidade estaria claramente configurado um «obstáculo razoável e objectivo à prática do acto».

Porém, o tribunal a quo não dispunha de prova da verificação de um tal circunstancialismo, sendo certo que incumbia à parte que invoca o justo impedimento o ónus de provar as circunstâncias que impossibilitam a prática do acto (neste sentido, LEBRE DE FREITAS et alii, ob. cit., p. 258) – pelo que o tribunal recorrido não estava em condições de julgar verificado o justo impedimento. E, por sua vez, os documentos juntos pelo recorrente com as alegações do presente recurso também excluem aquele circunstancialismo, já que situam o início da doença do filho do Ex.mo Mandatário do R. em finais de Junho de 2006, vários meses antes do decurso do prazo concedido nos autos para alegações no recurso de apelação (entre 21/10/2006 e 5/12/2006, como vimos).

Lamenta-se, sem dúvida, a grave situação de saúde do filho do Ex.mo Mandatário do R., que certamente muito o terá perturbado no plano pessoal e afectado na sua actividade profissional de Advogado, mas não pode deixar de se sublinhar que, à data do início do prazo em causa, essa doença se revelara – e era conhecida do Ex.mo Mandatário do R. – já há cerca de 4 meses. Ora, esse período de tempo – e apesar daquela afectação pessoal e profissional – permitiria ao Ex.mo Mandatário do R. proceder, no quadro de um cumprimento mínimo do seu «dever de diligência de profissional do foro», a uma reorganização da sua actividade de Advogado, de forma a corresponder aos seus compromissos processuais – e sem prejuízo da sua obrigação parental de assistência. Neste contexto, e na eventualidade de ser impossível satisfazer todos os seus deveres processuais (como o cumprimento de prazos peremptórios), uma tal reorganização poderia ter de passar por contactos com constituintes, substabelecimentos e, no limite, renúncias a mandatos forenses para substituição por outros mandatários.

No caso em apreço, e não obstante a situação invocada não ser imputável ao Ex.mo Mandatário do R., o período de tempo que transcorreu entre o evento ocorrido (doença grave do filho) e o prazo precludido foi razoavelmente extenso para permitir uma «prática atempada do acto» ou, dito de outro modo, para o evento não constituir «obstáculo razoável e objectivo à prática do acto».

Deve, pois, considerar-se não verificado justo impedimento para a prática extemporânea do acto de apresentação de alegações do recurso de apelação – pelo que deve ser mantida a decisão recorrida, que indeferiu o pedido de concessão de novo prazo para apresentação dessas alegações, assim se confirmando a deserção do recurso por falta de alegações.

Em suma: concorda-se com o juízo decisório formulado pelo tribunal a quo, pelo que não merece censura o despacho sob recurso.
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III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao presente agravo, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo agravante.

Évora, / /


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(Mário António Mendes Serrano)


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(Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes)


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(Manuel Ribeiro Marques)