FÉRIAS
MAJORAÇÃO DO PERÍODO DE FÉRIAS
Sumário


1. A dispensa de serviço que a lei confere aos candidatos a eleições quer para órgãos autárquicos quer para a Assembleia da República, bem como aos membros da mesa de voto das respectivas assembleias de voto, nos termos estabelecidos na Lei nº 14/79 de 16/05 e na Lei nº 1/2001 de 14/08, quando efectivamente utilizadas, não podem ser tratadas como “faltas” propriamente ditas, mormente para os efeitos do disposto no nº 3 do artº 213º do CT, tanto mais que, como a lei determina, a utilização de tais dispensas pelos trabalhadores que se encontrem nas referidas situações não afectam os respectivos direitos e regalias, mormente quanto à retribuição, e o tempo respectivo é contado para todos os efeitos como tempo de serviço efectivo.

2.Tais dispensas, quando usufruídas por trabalhadores que se encontrem nas referidas situações, não podem contender com o direito à majoração do período de férias a que alude o nº 3 do artº 213º do CT.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal de Trabalho de …, o Sindicato dos Trabalhadores da …, em defesa do interesse colectivo dos trabalhadores que representa e também em representação e substituição dos seus associados J., F., A., N., J.A., J. M., R. e A. J., propôs a presente acção com processo comum emergente de contrato de trabalho contra S. SA, com sede em…, pedindo a condenação desta a reconhecer o direito à majoração de férias a que se reporta o artigo 213º do Código do Trabalho de todos os seus trabalhadores que participem como membros de mesas de voto ou como candidatos em actos eleitorais para os órgãos do poder local ou central e, a conceder aos trabalhadores referidos a majoração referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006 a que tenham direito. No essencial alega que a Ré tem deduzido na majoração do período anual de férias a que alude o nº 3 do artº 213º do CT os períodos de ausência ao serviço de associados do Autor e trabalhadores da Ré determinados pela participação como candidatos a órgãos autárquicos ou como membros das mesas de voto nas eleições autárquicas de 2005 e de igual modo enquanto candidatos ou membros das mesas de voto nas eleições legislativas de 2005, interpretando tais ausências como se de faltas justificadas ou suspensões do contrato de trabalho por facto imputável ao trabalhador se tratasse, assim reduzindo ou retirando o acréscimo da duração do período de férias a que alude o artº 213º do CT aos trabalhadores que indica relativamente às férias vencidas em 1/1/2006; entende que as ausências ao trabalho por aqueles motivos não devem produzir qualquer efeito na majoração do período anual de férias referente ao ano em que tal participação ocorreu.
A audiência de partes não derivou em conciliação e a Ré veio contestar para pugnar pela total improcedência da acção e sua absolvição do pedido. No essencial sustenta que as ausências em causa não podem deixar de considerar-se faltas justificadas e defendendo, em suma, que o artigo 213, nº 3 do Código do Trabalho não trata de prejudicar a duração de férias por causa da falta de assiduidade mas de premiar em dias de férias um grau elevado de assiduidade que se consubstancia na comparência do trabalhador ao serviço, exigindo dele uma prestação de trabalho efectiva, não podendo ser equiparada a situação de ausência à situação de não ausência com excepção da situação do gozo de licença por maternidade e paternidade, expressamente salvaguardado pelo nº 1 do artº 97º da Lei nº 35/2004.
Por se considerar habilitada para tal a srª juiz conheceu do mérito do pedido logo no despacho saneador concluindo pela improcedência da acção e absolvendo a Ré do pedido.
Inconformado com o assim decidido apelou o Autor para esta Relação rematando a respectiva alegação com as seguintes conclusões:
1. Decorre do explanado que a sentença proferida pela 1ª instância violou os artºs 18º e 112º da Constituição da República por interpretar e aplicar o artº 213º do CT, que é parte de uma lei geral da República, sem atender às limitações constitucionais quanto à restrição de direitos, liberdades e garantias e sem respeitar as disposições contidas em leis de valor reforçado que colidem com o referido artº 213.
2. Ao fazer aplicar uma errada interpretação do direito a sentença recorrida violou também o dever de boa administração da justiça plasmado no artº 156º do CC.
3. As ausências ao trabalho motivadas pela participação de trabalhadores em actos eleitorais para a Assembleia da República, quer como candidatos quer como membros das assembleias eleitorais, pelos períodos de tempo previstos nas respectivas leis eleitorais, devem ser, nos termos dessas leis, consideradas como dispensas da obrigação de comparência da obrigação de cumprimento do dever de assiduidade e não produzem qualquer efeito restritivo do direito ao acréscimo de 3 ias de férias referido no nº 3 do artº 213º do CT.
4. Só as faltas justificadas enunciadas taxativamente nas alíneas a) a g), i) e j) do nº 2 do artº 225º do CT e as situações de suspensão do contrato por facto respeitante ao trabalhador respectivamente referidas nos nºs 3 e 4 do artº 213º do CT, com excepção das licenças por maternidade e paternidade, produzem efeitos naquela “majoração” do direito a férias.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene a Ré nos termos peticionados na acção.
Respondeu a Ré para pugnar pelo não provimento do recurso.
Admitido o recurso os autos subiram a esta Relação e foram presentes ao digno magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido do provimento do recurso que notificado às partes não mereceu qualquer resposta.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjunto.
Cumpre decidir.
*
A decisão recorrida assentou na seguinte factualidade considerada provada em face dos articulados e dos documentos juntos aos autos:
A. A Ré é uma empresa que se dedica à indústria de exploração e extracção de minério.
B. No desenvolvimento da sua actividade, a Ré emprega ao seu serviço, em regime de contrato de trabalho, diversos trabalhadores, associados do Autor.
C. Sobre os quais exerce poderes de autoridade e direcção que lhe advém da sua posição de entidade empregadora.
D. No exercício de tais poderes tem a Ré vindo a deduzir, na majoração do período anual de férias, a que se reporta o artigo 213, nº 3 do Código do Trabalho, os períodos de ausência ao serviço determinados por participação de algum dos associados da Autora e trabalhadores da Ré,
E. Enquanto candidatos em eleições para órgãos das autarquias locais realizadas no ano de 2005;
F. Enquanto candidatos nas eleições legislativas de 2005;
G. Ou como membros de mesas de voto da assembleia eleitoral nas eleições legislativas de 2005.
H. A Ré tem vindo a decidir que tais ausências ao serviço como se se tratasse de faltas justificadas ou suspensões de contrato de trabalho e reduzindo ou retirando o acréscimo previsto no artigo 213º do Código do Trabalho.
I. A Ré não concedeu a majoração de 3 dias de gozo de férias aos trabalhadores associados do Autor, J. e F. por terem sido membros de mesas de voto nas assembleias eleitorais para as eleições legislativas de 2005 e para as eleições para os órgãos das autarquias locais de 2005.
J. Os trabalhadores da Ré e associados do Autor, A., N., J., J. e R. viram as respectivas ausências ao serviço ocorridas durante o período da campanha eleitoral para as eleições autárquicas de 2005 em que eram candidatos diminuir a majoração das férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006.
L. Bem como as ausências ao serviço ocorridas por altura das eleições legislativas e das eleições autárquicas do associado e trabalhador da Ré A., candidato em ambos os actos eleitorais na majoração das férias vencidas em Janeiro de 2006.
*
A questão que vem colocada cinge-se a saber se os trabalhadores que tenham sido candidatos às eleições autárquicas e legislativas, bem como aqueles que fizeram parte das mesas de voto nesses actos eleitorais, podem ser afectados na majoração do período de férias a que alude o nº 3 do artº 213º do CT pelo facto de terem “faltado” ao serviço nos dias em que a lei os dispensa da obrigação de comparência.
Vejamos.
O problema só se coloca a partir da entrada em vigor do CT que naquele nº 3 do respectivo artº 213º veio consagrar o direito dos trabalhadores a um aumento no período de férias no caso de não terem faltado no ano a que as férias se reportam ou, tratando-se de faltas justificadas, estão não ultrapassarem um determinado número.
Efectivamente, no que respeita às eleições legislativas (Lei nº 14/79 de 16/05) está estabelecido que nos 30 dias anteriores à data das eleições, os candidatos têm direito à dispensa do exercício das respectivas funções, sejam públicas sejam privadas, contando esse tempo para todos os efeitos, incluindo o direito à retribuição, como tempo de serviço efectivo (artº 8º); no que respeita aos membros das mesas das assembleias de voto, está também estabelecido que gozam do direito de dispensa da actividade profissional no dia da realização das eleições e no seguinte (artº 48º, nº 5).
Também quanto às eleições autárquicas (Lei nº 1/2001 de 14/08) encontramos disposições idênticas. Os candidatos têm o direito à dispensa do exercício das respectivas funções durante o período da campanha eleitoral, contando esse tempo para todos os efeitos, incluindo o direito à retribuição, como tempo de serviço efectivo (artº 8º); os membros das mesas de voto estão também dispensados do exercício da actividade profissional no dia da eleição e no dia subsequente (artº 81º).
Os trabalhadores que o Autor representa e estão identificados na factualidade provada estão numa dessas situações relativamente às eleições legislativas e autárquicas que se realizaram em 2005, mas a Ré considerou que por terem faltado nos dias em eu estavam dispensados de o fazer perderam o direito à majoração, total o parcial, do período de férias que se venceram em 1/1/2006. Não se questiona que esses trabalhadores se encontravam em situação de beneficiar dessa dispensa ou sequer que tenham procedido por forma a que as respectivas ausências tenham de considerar-se justificadas ao abrigo do que os referidos diplomas estabelecem.
Sem entrar em especiais considerações acerca da razão de ser das dispensas ao serviço nas situações em causa, há que reconhecer que os referidos diplomas referem sempre “dispensa” de serviço, o que, em nosso ver, é intencional e caracteriza um situação diferente do que as leis laborais consideram de “falta”.
No próprio conceito da lei (artº 224º, nº 1 no do CT) “falta é a ausência do trabalhador no local de trabalho e durante o período em que devia desempenhar a actividade a que está adstrito”. Ora, nas aludidas situações de dispensa, o trabalhador está desobrigado de comparecer no local de trabalho e de desempenhar funções, pelo que se não comparecer não está a incorrer numa falta propriamente dita ou, como diz Monteiro Fernandes, “…a ausência do trabalhador não chega a ser qualificável como falta, visto haver prévia exoneração do dever de prestar trabalho” (veja-se, a propósito, o Ac. da Relação de Coimbra de 11/05/1995, in BMJ 447/584 e Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 13º Edição, pág. 387). Precisamente porque não se trata de faltas propriamente ditas, essas ausências do trabalhador fogem ao regime estabelecido no artº 224º e ss. do CT, mesmo no que respeita à respectiva justificação, embora se compreenda que o trabalhador tenha de comprovar perante a entidade patronal que se encontra perante a situação justificativa da dispensa.
É certo que o artº 225º, nº 2 do CT integra no elenco das faltas justificadas as motivadas por cumprimento de obrigações legais (al. d)) e as dadas por candidatos a eleições para cargos públicos, durante o período da campanha eleitoral (al.h)). Porém, as situações a que aludem as já citadas leis eleitorais, fogem ao contemplado nos referidos preceitos – embora lá pudessem caber se não existisse expressa previsão legal para elas – e temos de admitir que existem, como efectivamente existem, outras situações de cumprimento de obrigações legais ou outras situações eleitorais para cargos públicos que não só as atinentes aos órgãos das autarquias locais ou para a Assembleia da República, subsumíveis à previsão da lei geral do trabalho. Estes dois actos eleitorais, dada a dignidade que assumem no nosso sistema político, seja no que respeita aos respectivos candidatos seja no que respeita aos elementos que integram as mesas de voto da respectiva assembleia eleitoral, têm um regime próprio quanto à ausência ao serviço de uns e de outros, pelos períodos que a lei fixa para cada um deles, que não passa pelo regime de faltas que a lei geral laboral estabelece mas pelo regime de dispensa ao serviço fixado em diploma próprio. E, como é dos princípios, a lei geral não afasta a lei especial, excepto se for outra a intenção inequívoca do legislador (artº 7º, nº 3 do CC), intenção essa que não podemos considerar minimamente manifestada.
E compreende-se o regime especial fixado para as dispensas ao serviço nessas situações, dado o carácter obrigatório do desempenho das funções de membro da mesa de voto (artº 80º da Lei nº 1/2001 e artº 47º da Lei nº 14/79) e as garantias de participação política e de acesso a cargos públicos que a constituição estabelece (artºs 48º e 50º da CRP).
Posto isto concluímos que a dispensa de serviço que a lei confere aos candidatos a eleições quer para órgãos autárquicos quer para a Assembleia da República, bem como aos membros da mesa de voto das respectivas assembleias de voto, nos termos estabelecidos na Lei nº 14/79 de 16/05 e na Lei nº 1/2001 de 14/08, quando efectivamente utilizadas, não podem ser tratadas como “faltas” propriamente ditas, mormente para os efeitos do disposto no nº 3 do artº 213º do CT, tanto mais que, como a lei determina, a utilização de tais dispensas pelos trabalhadores que se encontrem nas referidas situações não afectam os respectivos direitos e regalias, mormente quanto à retribuição, e o tempo respectivo é contado para todos os efeitos como tempo de serviço efectivo. Por isso tais dispensas, quando usufruídas por trabalhadores que se encontrem nas referidas situações, não podem contender com o direito à majoração do período de férias a que alude o nº 3 do artº 213º do CT.
Nunca se questionou na acção que os trabalhadores que o Autor representa e na petição estão identificados usufruíram das dispensas estabelecidas nos referidos diplomas eleitorais aquando das eleições autárquicas e/ou legislativas que se realizaram no ano de 2005 e que esses trabalhadores se encontravam em situação de usufruir de tais dispensas. Resultou provado que a Ré não concedeu a esses trabalhadores a majoração de férias nos termos estabelecidos no nº 3 do artº 213º do CT precisamente devido às ausências ao serviço propiciadas por aquelas dispensas, no que respeita às férias vencidas em 1/01/2006. Face à conclusão a que chegamos de que tais ausências não podem contender com o direito à majoração a que alude o nº 3 do artº 213º do CT, temos de reconhecer razão ao Autor-recorrente e revogar a sentença recorrida que, em nosso ver, não fez correcta aplicação da lei.
Procede, pois, o recurso.
*
Termos em que acordam os juízes na Secção Social desta Relação em julgar procedente a apelação e por via disso revogam a decisão recorrida que é substituída por estoutra condenando a Ré a reconhecer que as dispensas ao serviço concedidas aos candidatos e aos membros das mesas de voto aquando das eleições para as autarquias locais e das eleições legislativas, quando usufruídas por trabalhadores ao abrigo do regime estabelecido nas Leis nº 14/1979 de 16/05 e nº 1/2001 de 14/08, não interferem com o direito desses trabalhadores à majoração do período de férias nos termos estabelecidos no nº 3 do artº 213º do CT e, relativamente aos trabalhadores que o Autor representa e na acção estão identificados, a reconhecer-lhes e conceder-lhes a referida majoração relativamente às férias vencidas em 1/01/2006.
Custa a cargo da Ré, em ambas as instâncias.

Évora, 16/10/2007
Acácio Proença
Chambel Mourisco
Gonçalves Rocha