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ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
Sumário
I – O fundamento da obrigação de alimentos dos pais em relação aos filhos [maiores] é (…) a carência económica dos filhos depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem os seus cursos universitários ou a sua formação técnico-profissional. II – A obrigação dos progenitores estende-se «pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete» – o que aponta para a exigência de empenho e aproveitamento escolar por parte do filho maior beneficiário.
Texto Integral
Proc. nº 2022/07-3ª
Apelação
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 138º, nº 5-CPC)
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
I – RELATÓRIO:
Na presente acção especial de alimentos a filhos maiores ou emancipados, instaurada na comarca de Évora, por Marisa........................, nascida em 11/6/1985, contra seu pai, Joaquim......................., vem pela A. interposto recurso de apelação da sentença final proferida em 1ª instância, que julgou improcedente a acção e absolveu o R. do pedido.
Na petição inicial alegou a A., essencialmente, encontrar-se em situação de carecer que o seu progenitor contribua para as despesas necessárias a completar a sua formação profissional, por se encontrar a frequentar um curso universitário, sendo que o R. aufere remuneração que lhe permitirá suportar essa obrigação. Pelo que, ao abrigo do artº 1880º do C.Civil, requereu a condenação do R. no pagamento à A. de uma pensão de alimentos, de montante não inferior a 250,00 € mensais.
Contestando, o R. opôs-se à atribuição à A. de uma pensão de alimentos, com a alegação, no essencial, de que não dispõe de rendimentos suficientes para o efeito, por ter de suportar as despesas do seu actual agregado familiar (companheira e duas filhas maiores desta), que incluem pagamento de crédito à aquisição de habitação própria, e de que não é obrigado a suportar despesas da filha A. com a frequência de um curso superior em estabelecimento privado e situado fora da cidade de residência (e, logo, mais dispendioso).
Realizado o julgamento, foi lavrada sentença (a fls. 241-247), que concluiu pela improcedência da acção. Na fundamentação, considerou-se, designadamente, que a A. «conduz a sua vida da mesma forma que o fez antes de atingir a maioridade», ao optar por estudar (fora da sua cidade de residência) e não procurar uma actividade profissional, confiando no auxílio dos pais e sem atender às contingências de vida do progenitor (por confronto com a atitude das filhas da companheira actual do R., que já trabalham para sustentar as suas despesas de educação). E, salientando o facto de o R. estar ainda a pagar quantias em dívida por incumprimento de obrigação de alimentos durante a menoridade da A., acrescenta o tribunal a quo que a A. conhecia as dificuldades económicas do progenitor e que a mesma, como pessoa adulta, «tem a obrigação de avaliar a realidade olhando em primeiro lugar aos seus recursos próprios».
No recurso formula a A., nas respectivas alegações, as seguintes conclusões:
«1ª – A ora apelante intentou a presente acção no âmbito do artº 1880º do C. Civil.
2ª – Entre outros factos, resultou provado que:
– A A. é filha de Joaquim....................... e de Maria ………, nascida em 11/06/1985.
– Foi regulado o exercício do poder paternal relativamente à ora A., que foi entregue à guarda e cuidados da mãe, tendo sido fixada a pensão de alimentos no valor de 17.000$00.
– Em face do incumprimento do estipulado pelo progenitor, ora R., foi fixado o valor de € 112 mensais, destinando-se a diferença entre o valor da pensão assinalado e a quantia referida para pagamento das quantias em dívida.
– Após a maioridade da A., o R. e a progenitora da A. acordaram em manter o pagamento da quantia de € 112 mensais por conta das prestações em dívida.
– Tal pagamento mantém-se na presente data.
– O R. aufere € 1000,2 mensais, como assistente administrativo no Hospital do Espírito Santo em Évora.
– O R. e a sua companheira suportam o pagamento de prestação relativa a empréstimo para a aquisição de casa própria no valor de € 397,98, donde resultou em despesas dedutíveis em sede de IRS, no ano de 2004, a quantia de € 4.786,39
– A requerente frequenta o curso de psicologia, em escola privada, Instituto de Psicologia Aplicada, tendo suportado no ano de 2004 propinas no valor de € 2.776.
– O R. não tem contribuído para as despesas da A. com outras quantias que não sejam os montantes acordados em função do incumprimento da regulação do exercício do poder paternal.
3ª – A improcedência do pedido assentou, basicamente, em dois aspectos:
a) Na "falta de relacionamento entre pai e filha e existência de formas, de ‘estilos’ de vida diferentes".
b) Por incapacidade financeira dentro do agregado do apelado, retratado no facto do mesmo ter incumprido a obrigação de alimentos devidos à apelante, enquanto menor, e se encontrar a pagá-las em prestações.
4ª – Da leitura da douta sentença sob recurso resulta contudo que as diferenças de estilos de vida apontadas não se reportam a pai e filha (partes nesta acção), mas antes às diferenças entre o estilo de vida da ora apelante, e o estilo de vida das filhas da companheira do seu pai.
5ª – De facto, pode ler[-se] na mesma: "... os elementos mais novos da família (actual do R.) encontrando-se a estudar, já procuram encontrar meios de subsistência próprios, pelo menos para garantir os estudos ...", enquanto que a "... A. Marisa Alexandra............. conduz a sua vida da mesma forma que o fez antes de atingir a maioridade. Estuda... nunca cogitou em encontrar qualquer actividade profissional, confiando no auxílio dos progenitores (...)”
6ª – “(…) as duas jovens, maiores (filhas da companheira do R.), (...) trabalham para sustentar as suas necessidades, nomeadamente de educação (...) Pelo contrário a requerente, tomou opções que sendo necessariamente dispendiosas, como o de ir estudar para fora da cidade onde reside, não ponderou previamente as possibilidades ou não do progenitor....pois é do seu conhecimento o incumprimento da obrigação de alimentos, e que o mesmo se encontra a liquidar as quantias em dívida”.
7ª – O modo como aquelas fazem face aos custos da sua formação académica só às mesmas e aos seus progenitores diz respeito, não devendo ser matéria a ser trazida à colação para decisão nesta acção.
8ª – É que, além de não ser assunto com relevância nestes autos desconhece-se o motivo ou razão de serem as próprias a custearem os seus próprios estudos, sem recorrerem ao auxílio dos seus progenitores.
9ª – E independentemente do motivo porque o estejam a fazer nunca pode ser exigível à ora apelante que tenha aquela conduta como modelo para poder obter uma licenciatura.
10ª – Não pode ser exigível à mesma que enquanto menor se dedicasse exclusivamente à obtenção de um curso superior e no dia em que atingiu a maioridade se lhe exija que procure e obtenha um emprego que lhe permita custear a continuação dos seus estudos.
11ª – Por outro lado, entre o dever de prestar alimentos a sua filha maior no âmbito dos requisitos do artº 1880º do C.C. e o dever moral de solidariedade para com as filhas da sua companheira é evidente que é ao primeiro dever que está obrigado já que nunca poderá estar obrigado à prestação de alimentos a estas.
12ª – Para o indeferimento da pretensão da ora apelante, foi igualmente apontado o facto da mesma ter "tomado opções que sendo necessariamente dispendiosas, como de ir estudar para fora da cidade onde reside, não ponderou previamente as possibilidades ou não do progenitor, e as dificuldades deste não lhe poderiam resultar desconhecidas, pois é do seu conhecimento o incumprimento da obrigação de alimentos, e que o mesmo se encontra a liquidar as quantias em dívida."
13ª – Consta como matéria assente que: "a requerente optou por estudar em Lisboa, em vez de Beja, onde existe outro estabelecimento de ensino da mesma instituição, e possui residência naquela cidade pertencente à sua progenitora."
14ª – Resulta claro que a opção de estudar em Lisboa em vez de o fazer em Beja teve a ver com facto de em Lisboa ter alojamento gratuito – residência da sua mãe – enquanto que se se decidisse por estudar em Beja isso implicaria despesas de alojamento nessa cidade;
15ª – E nem se diga que a mesma se poderia deslocar diariamente de Évora a Beja, pois essas deslocações também acarretavam despesas, além do cansaço e tempo despendido que as mesmas implicariam, o que se repercutiria obrigatoriamente no seu aproveitamento escolar. Não se pode pois concluir que a opção de estudar em Lisboa tenha sido a mais dispendiosa.
16ª – Da matéria provada não resulta o motivo do incumprimento do pagamento da pensão de alimentos, pelo que não se pode concluir que o mesmo se tenha ficado a dever à incapacidade financeira do ora recorrido, sendo sobejamente conhecido que em caso de alteração das circunstâncias a opção a tomar não deverá ser a do incumprimento.
17ª – Os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação, nos termos do artº 1877º do C.C., devendo os pais, na medida das suas possibilidades, prover ao sustento, segurança, saúde e educação dos filhos, bem como promover o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral e proporcionar-lhes adequada instrução geral e profissional em conformidade com os nº 1 do artº 1878º e nº 1 e 2 do artº 1885º do C.C.
18ª – Os alimentos compreendem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, bem como a instrução e educação do alimentando no caso de este ser menor – cfr. artº 2003º do C.C. – e serão proporcionados aos meios daquele que houver que prestá-los e à necessidade daquele que houver que recebê-los – nº 1 do artº 2004º.
19ª – Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos menores e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que eles estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos – artº 1879º – e logo que os filhos atinjam a maioridade – artº 1877º.
20ª – Contudo dispõe o artº 1880º que: "Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete".
21ª – Seguindo Rodrigues Bastos a circunstância de ter baixado para os dezoito anos a maioridade legal justifica este preceito, pois são frequentes os casos em que aos 18 anos ainda não se completou a formação profissional, pois, em tais casos, a suspensão pura e simples da obrigação de os pais concorrerem para o sustento e educação dos filhos quando estes atingem a maioridade, frustraria os melhores propósitos da lei ao pôr a cargo dos progenitores essa mesma obrigação.
22ª – Este preceito encontra a sua justificação na descida da maioridade dos 21 para os 18 anos, continuando os filhos a carecer do auxílio económico dos pais para prosseguirem os seus estudos, designadamente os universitários, cada vez mais procurados e privando muitas vezes os alunos de se empregarem para concentrarem esforços na conclusão da licenciatura – Ac. do STJ de 16/3/99, in BMJ nº 485º, 386.
23ª – O dever dos pais não cessa com a chegada da maioridade, já que, se atingida esta, o filho não houver ainda completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação de prestar alimentos, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
24ª – A lei apesar de referir um critério de razoabilidade, não dá qualquer definição de tal conceito, deixando a cargo do julgador a respectiva aplicação. De acordo com o Ac. do TRP de 18/2/93, não pode arvorar-se a normalidade tida em vista no artº 1880º como um critério rígido a aplicar em termos abstractos, antes sempre necessariamente, nesta matéria, avultando as circunstâncias particulares de cada caso.
25ª – Há no mínimo que tomar como modelo a conduta que teria um "bonus pater familia" e tentar aplicá-la ao caso em apreço. Assim sendo, há no mínimo que conceder uma oportunidade à apelante, oportunidade essa apoiada moral e economicamente, de modo a que a mesma possa concluir com sucesso uma licenciatura, instrumento indispensável nos dias que correm para a obtenção de um meio de sustento.
26ª – O fundamento da obrigação de alimentos dos pais em relação aos filhos é não apenas a menoridade – uma situação de incapacidade – mas também a carência económica dos filhos depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem os seus cursos universitários ou a sua formação técnico-profissional. Os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos esta formação profissional que exige, normalmente, um esforço e uma concentração dificilmente compatíveis com um emprego que permita aos filhos sustentarem-se a si próprios.
27ª – Na senda do defendido por Maria Clara Sottomayor trata-se de solução mais de acordo com a realidade portuguesa, em que geralmente os filhos, apesar de maiores, vivem com os pais e não trabalham enquanto prosseguem os estudos, e com o direito à educação, ao ensino e à cultura (artºs. 73º a 79º da Constituição), cujos custos deverão ser suportados pelos pais, desde que tenham condições económicas para tal, com a cooperação do Estado.
28ª – Conforme o Ac. do TRP de 4.4.2005, o que está na base do normativo do artº 1880º do C.C é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação. A obrigação excepcional ali prevista tem um carácter temporário, balizado pelo "tempo necessário" ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato exigir dos pais o custeio das despesas com o sustento e educação do filho maior.
29ª – Ora, o que a apelante pretende é ser auxiliada por seu pai, pois que sempre o tem sido pela sua mãe, que sempre estaria obrigado a contribuir para a sua formação, sendo de notar que esta contribuição será em qualquer caso, aferida pelas reais possibilidades do progenitor.
30ª – Resultou provado que a apelante está a frequentar um curso universitário, não tem outro suporte financeiro, além do que a mãe lhe fornece, e que o apelado não está a pagar qualquer prestação mensal a título de alimentos, mas a pagar a quantia em dívida referente ao incumprimento no âmbito da regulação do exercício do poder paternal. Resultou provado que aquele aufere € 1.000,2 mensais e que com a sua companheira suporta a quantia de € 397, mensais, relativa ao pagamento da prestação do empréstimo para a aquisição de casa própria, donde resulta a quantia de € 4.786,39 anual, dedutível em sede de IRS.
31ª – Verifica-se, assim, a necessidade de alimentos por parte da apelante, a razoabilidade da exigência dos mesmos ao seu progenitor no âmbito do artº 1880º do C. C. e a possibilidade por parte do mesmo de prestar esses alimentos.
32ª – Ao ter indeferido a pretensão da apelante violou a douta sentença recorrida os artºs. 1880º, 2003º e 2004º, todos do C. Civil, e artºs. 73º a 79º da C.R.P.»
Não há contra-alegações do R. a considerar, por ter sido ordenado o seu desentranhamento, devido ao não pagamento tempestivo de taxa de justiça e multa.
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artos 660º, nº 2, e 664º, ex vi do artº 713º, nº 2, do CPC).
Do teor das alegações da apelante resulta que a matéria a decidir se resume a averiguar da ocorrência dos pressupostos de aplicação do artº 1880º do C.Civil, que imponham a obrigação do R. pagar à filha maior, aqui A., quantia mensal (e em que montante) a título de alimentos.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:
A) DE FACTO:
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, não sujeitos a impugnação, que aqui se aceitam (cfr. artº 713º, nº 6, do CPC) e que, para melhor análise, se passam a reproduzir (em que apenas introduzimos as devidas rectificações de notórios lapsos de escrita, ortográficos ou de pontuação):
«1 – A A. é filha de Joaquim José Barinhas Delgado e de Maria Fernanda Calisto das Mercês, nascida em 11/06/1985.
2 – O casamento celebrado entre os seus progenitores encontra-se dissolvido pelo divórcio.
3 – Foi regulado o exercício do poder paternal relativamente à ora A., que foi entregue à guarda e cuidados da mãe, tendo sido fixada a pensão de alimentos no valor de 17.000$00.
4 – Em face do incumprimento do estipulado pelo progenitor, ora R., foi fixado o valor de € 112 mensais, destinando-se a diferença entre o valor da pensão assinalado e a quantia referida para pagamento das quantias em dívida.
5 – Após a maioridade da A., o R. e a progenitora da A. acordaram em manter o pagamento da quantia de € 112 mensais por conta das prestações em dívida.
6 – Tal pagamento mantém-se na presente data.
7 – O R. aufere € 1002,23 mensais, como assistente administrativo no Hospital do Espírito Santo em Évora [rectificado o valor de “€ 100,2”, referido por manifesto lapso na sentença, atento o teor do documento de fls. 43, junto pelo próprio R.].
8 – A requerente frequenta o curso de Psicologia, em escola privada, Instituto de Psicologia Aplicada, tendo suportado no ano de 2004 propinas no valor de € 2.776.
9 – O R. não tem contribuído para as despesas da A. com outras quantias que não as referidas em 4 e 5.
10 – O R. vive maritalmente com Maria Luísa Santos Roque, e com as filhas desta, Ana Luísa Roque Fouto, de 22 anos de idade, e Andreia Sofia Roque Fouto, de 18 anos de idade.
11 – A companheira do R. aufere remuneração mensal de € 704,10 [rectificado o valor de “€ 740,10”, referido por manifesto lapso na sentença, atento o teor do documento de fls. 46, junto pelo próprio R.].
12 – Ana Luísa Fouto encontra-se a frequentar o Ensino Superior na Escola de Enfermagem de São João de Deus, suportando propinas no valor de € 1.133,29.
13 – A Andreia Sofia Fouto frequenta igualmente o ensino superior.
14 – O R. e a sua companheira suportam o pagamento de prestação relativa a empréstimo para aquisição de casa própria no valor de € 397,98.
15 – Em despesas dedutíveis em sede de IRS, no ano de 2004, o R. dispendeu € 4.786,39.
16 – A Ana Luísa Fouto, para sustentar as suas despesas, designadamente escolares, trabalhou na “Modalta” e no “MacDonald's”, e encontra-se a procurar outra actividade compatível com os seus horários escolares.
17 – A requerente optou por estudar em Lisboa, em vez de Beja, onde existe outro estabelecimento de ensino da mesma instituição, e possui residência naquela cidade, pertencente à progenitora.
18 – A requerente nunca procurou trabalho, nem pensou em tal hipótese.
19 – A. e R. estão de relações cortadas.»
B) DE DIREITO:
Dispõe o artº 1880º do C.Civil o seguinte: «Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete». No artigo anterior (artº 1879º) alude-se à obrigação dos pais de «prover ao sustento dos filhos» e de «assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação».
Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, este preceito visa acautelar as situações «em que o filho, a despeito de haver já atingido a maioridade (ou obtido a emancipação, pelo facto do casamento), necessita ainda do auxílio e assistência dos pais, por não ter completado a sua formação profissional» (Código Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, p. 338) – o que é hipótese perfeitamente comum a partir da descida para os 18 anos da maioridade legal, com o que passaram a ser frequentes os casos em que «ainda não se completou uma formação profissional, especialmente se esta depende de habilitação de uma escola superior» (assim, RODRIGUES BASTOS, Anotações ao Código Civil, Direito da Família, vol. V, 1980, p. 18). Nesses casos, «há todas as razões para se manter a obrigação específica de sustento e de custeio das despesas de segurança, de saúde e de instrução (stricto sensu) do filho» (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ibidem).
Aderimos, assim, ao entendimento segundo o qual «o fundamento da obrigação de alimentos dos pais em relação aos filhos [maiores] é (…) a carência económica dos filhos depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem os seus cursos universitários ou a sua formação técnico-profissional» (neste sentido, Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, p. 128). Nesta medida, como também tem sido sublinhado em vários arestos, louvando-se na referida autora, «os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos esta formação profissional que exige, normalmente, um esforço e uma concentração dificilmente compatíveis com um emprego que permita aos filhos sustentarem-se a si próprios» – trata-se da interpretação mais conforme «com o direito à educação, ao ensino e à cultura (arts. 73º a 79º da Constituição), cujos custos deverão ser suportados pelos pais, desde que tenham condições económicas para tal, com a cooperação do Estado» (v., por todos, o Ac. RP de 9/11/2006, Proc. 0634113, in www.dgsi.pt).
É por tudo isto que cremos que o R. não pode demitir-se das suas responsabilidades como progenitor da A., não sendo circunstâncias como os problemas de relacionamento com a filha ou os seus encargos com um novo agregado familiar que o poderão exonerar liminarmente da sua obrigação de contribuir para as despesas com a formação profissional da filha – tudo aspectos que o regime legal não contempla como causas de exclusão dessa responsabilidade.
Entende-se igualmente que não pode ser assacado ao filho maior que deseje prosseguir os seus estudos académicos (especialmente numa época em que a qualificação profissional é indispensável para o sucesso laboral) como que uma obrigação natural de ter de procurar uma fonte própria de rendimentos, dando prioridade à obtenção de um emprego, o que sempre irá comprometer a qualidade do desempenho académico. Não se trata, seguramente, de promover a ociosidade (de estudante não dedicado ou sem aproveitamento), já que a própria lei determina que a obrigação dos progenitores se estende «pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete» – o que aponta para a exigência desse empenho e aproveitamento escolar por parte do filho maior beneficiário. Também não se trata de sustentar economicamente qualquer escolha caprichosa, pelo filho maior, de curso sem relevância sócio-profissional ou de custo incomportável para os progenitores: a escolha da via formativa, que não pode deixar de pertencer ao filho adulto, tem de atender à realidade da condição social e económica dos seus progenitores, se a sua opção for a de se dedicar aos estudos sem procurar meios próprios de rendimentos – e daí a referência do legislador a um critério de razoabilidade.
No caso presente, e tendo presente a matéria de facto provada, haverá que atender aos seguintes parâmetros de raciocínio:
– o R. aufere um vencimento mensal de 1002,23 € e a sua companheira recebe 704,10 € de remuneração mensal, tendo ambos um encargo mensal, correspondente a crédito bancário, de 397,98 €: isto significa que, de acordo com um cálculo da contribuição de ambos para os encargos da vida familiar segundo um critério de proporcionalidade (cfr. artº 1676º, nº 1, do C.C. e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., vol. IV, 2ª ed., 1992, pp. 268-269), o R. suporta, com os seus rendimentos, 58,7% desse encargo creditício, o que corresponde a 233 €;
– o R. tem ainda um encargo exclusivo com o pagamento de uma quantia mensal de 112 € à progenitora da A., por conta de prestações em dívida, no âmbito da regulação do poder paternal da filha durante a sua menoridade (e que por se reportar a período anterior não pode ser imputado na cobertura dos gastos actuais da A.);
– o R. tem assim despesas fixas de 345 €, pelo que apresenta um rendimento disponível de 657 €, a que se deverão deduzir as suas despesas domésticas correntes, que, no entanto, não foram quantificadas em sede de prova;
– sendo de admitir que o R. ainda suporte voluntariamente despesas domésticas respeitantes às filhas maiores da companheira (e para além dos rendimentos que estas possam auferir para suportar as suas próprias despesas, referenciados na matéria provada), o certo é que não são as mesmas juridicamente devidas pelo R. (antes poderão ser da responsabilidade do progenitor daquelas, ao abrigo do mesmo artº 1880º do C.Civil), pelo que não pode essa contribuição voluntária ser considerada para aferir da capacidade económica do R. e servir de escusa deste à assunção de responsabilidade pelas despesas de educação da sua filha;
– as despesas da A. dadas como provadas apenas se referem a propinas anuais de 2.776 €, o que corresponde a um encargo médio mensal de 231 €;
– nada se tendo apurado quanto às condições económicas da mãe da A., há que presumir uma tendencial igualdade de ambos os seus progenitores na assunção de responsabilidade pelas respectivas despesas de educação, o que corresponderia (idealmente) a uma verba de 115,50 € para cada progenitor.
Considerando estes aspectos, afigura-se-nos ser de toda a razoabilidade que o R. suporte, ao abrigo do artº 1880º do C.Civil, uma parte das despesas de educação da A., sem, no entanto, olvidar o seguinte: por um lado, que o R., atento o valor dos seus rendimentos e encargos, terá uma relativamente escassa margem de disponibilidade económica; e, por outro lado, que as dificuldades económicas da A. (em que a mesma sustenta o seu pedido) não a têm impedido (mesmo sem o contributo do seu pai) de prosseguir os seus estudos, o que relativiza a dimensão da sua carência.
Tudo ponderado, entendemos ser adequado e equitativo fixar a prestação mensal de alimentos devidos pelo R. à A., sua filha, em 75 €.
Em suma: pelas razões aduzidas, a presente apelação merece provimento parcial, com a consequente revogação da decisão recorrida, devendo julgar-se parcialmente procedente o pedido (quantificado em 250 € mensais) e condenar-se o R. a pagar à A. uma prestação mensal de alimentos no valor de 75 €, devida desde a propositura da acção.
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III – DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento parcial à apelação deduzida pela A., procedendo em parte a acção, nos termos infra descritos, pelo que se revoga a sentença recorrida em conformidade com esse juízo.
Consequentemente, julga-se parcialmente procedente a acção, decidindo:
a) Condenar o R. Joaquim....................... a pagar à A. Marisa........................ uma prestação mensal de 75 € (setenta e cinco euros), a título de alimentos, a qual é devida desde a data da propositura da acção;
b) Absolver o R. do restante pedido.
Custas por A. e R., na proporção dos respectivos decaimentos (artº 446º do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido à A. (v. fls. 17-19).