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DECLARAÇÕES DE PARTE
FACTOS FAVORÁVEIS
VALOR PROBATÓRIO
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
RESOLUÇÃO CONDICIONAL
ARTIGO 120º DO CIRE
Sumário
“I. As declarações de parte (art. 466 do CPC), ou o depoimento de um interessado na procedência da causa, não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova.
II. A resolução em benefício da massa insolvente é um instituto específico do processo de Insolvência que permite, de uma forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais à massa insolvente, com vista a apreender para ela, não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles outros que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos prejudiciais para a massa insolvente. Esta resolução pode ser condicional (art.º 120º do CIRE) ou incondicional (art.º 121º do CIRE);
III. No caso da resolução condicional, os requisitos gerais previstos no art. 120º do CIRE, são os seguintes: a) Realização pelo devedor de actos ou omissões; b) Prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente; c) Verificação desse acto ou omissão nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência; d) Existência de má-fé do terceiro.
IV. Quanto a este último requisito, a lei estabeleceu no nº 4 do art.º 120.º do CIRE, uma presunção, juris tantum, da má-fé do terceiro, “quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data” (cfr. art. 49º do CIRE), pelo que, neste caso, o ónus de ilisão de tal presunção recai sobre o Impugnante da resolução operada pelo Sr. Administrador de Insolvência.”.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - A. X. e mulher M. X.
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A. X. e mulher, M. X., por dependência do processo de insolvência, propuseram acção declarativa de impugnação de resolução de acto em benefício da massa insolvência contra “Massa Insolvente de J. X. e M. A.” representada pelo seu administrador da insolvência, peticionando, a final, que seja declarada nula e sem nenhum efeito a resolução operada por carta registada remetida aos impugnantes e que seja declarado válido o negócio celebrado entre os autores e os insolventes J. X. e M. A..
Para tanto, invocaram que a resolução operada pelo sr. Administrador da Insolvência padece de nulidade, por ausência de fundamentação fáctica em que se consubstancia a resolução, refutando que o negócio celebrado tivesse sido gratuito.
Acrescentaram que a venda do prédio urbano mostrou-se necessária para sustentar a sobrevivência dos insolventes.
O preço da venda é o correcto, sendo certo que o irmão do insolvente foi o único que se mostrou interessado na compra.
Após a compra, deixaram de depositar lenha e paletes de madeira e de plantar árvores de fruto no terreno.
Entendem também que não houve prejudicialidade do acto, já que os insolventes obtiveram como contrapartida o valor de €25.000,00.
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Regularmente citada, a Ré Massa Insolvente começou por invocar que o negócio foi efectuado por um valor inferior ao patrimonial e de mercado.
Em acréscimo, o prédio não deixou de estar na posse dos insolventes, que continuam a depositar lenha e paletes, a plantar árvores de fruto e limpar o terreno.
Os Autores e os Insolventes sabiam igualmente que estes estavam em situação de insolvência, até porque a sociedade de que os insolventes eram gerentes já se mostrava em dificuldades económicas e em incumprimento, o que culminou com a sua declaração de insolvência em 2/3/2015.
O negócio aqui em causa presume-se prejudicial à massa insolvente, tendo sido celebrado pelo irmão do insolvente.
Manteve a posição assumida na carta resolutiva da insolvência que reputa de devidamente fundamentada.
A venda diminuiu e frustrou os créditos dos insolventes, porquanto o prédio em causa era o único bem que integrava o seu património, o negócio foi celebrado nove meses antes da declaração da insolvência dos vendedores e entre pessoas especialmente relacionadas com o insolvente, presumindo-se a sua má-fé. De resto, segundo a Ré, os próprios Autores confessam que conheciam as dificuldades financeiras dos insolventes à data do negócio, conhecendo, por isso, a sya prejudicialidade.
Ademais, o valor do cheque foi no mesmo dia levantado da conta onde foi depositado, inexistindo qualquer vantagem para os credores dessa transacção, tendo, ao invés, havido dissipação do património dos insolventes com o objectivo de não pagar aos credores.
E, se o valor visasse satisfazer necessidades básicas dos insolventes, seria razoável que permanecesse na conta bancária onde foi depositado, sendo levantado à medida que fossem surgindo as necessidades básicas dos insolventes.
Por outro lado, não têm despesas básicas no valor de €25.000,00, nem é razoável que tivessem utilizado todo o referido montante em dez meses.
Conclui pela procedência da contestação.
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Foram proferidos despacho saneador, despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas de prova e despacho de programação da prova e da audiência final, com designação de data para esta-
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Realizou-se a audiência final, com observância das formalidades legais.
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De seguida, foi proferida a sentença que constitui o objecto do presente Recurso, onde o Tribunal de 1ª Instância conclui com a seguinte decisão:
“VI. Decisão
Nestes termos e nos demais de direito, decidimos julgar integralmente improcedente a acção e, consequentemente, mantemos o acto de resolução efectuado pelo Sr. Administrador da Insolvência e neste processo impugnado.”.
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Os Autores recorreram desta decisão, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“Conclusões:
a) Inconformados com a decisão, que considerou como improcedente a acção de impugnação da resolução de negócio em benefício da massa insolvente de J. X. e M. A. mantendo o ato de resolução efectuado pelo Sr. Administrador de Insolvência, vêm os Recorrentes dela interpor recurso, relativamente à matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, e consequente aplicação de direito; b) Os Recorrentes entendem que a meritíssima juiz do Tribunal a quo deveria ter decidido de forma diversa relativamente a concretos pontos de facto e de direito, que resultariam na procedência do seu pedido; c) A meritíssima juiz do Tribunal a quo considera como provado que, à data, os Autores e os Insolventes sabiam que estes últimos não conseguiam pagar as suas dívidas já vencidas e que, consequentemente, estavam em situação de insolvência, pelo menos, iminente, ponto 11) factos dados como provados; d) Não pode ser esta a conclusão da prova produzida; e) Os Recorrentes não conheciam o grau de dificuldades económicas que os Insolventes viviam na sua vida pessoal; f) À data da celebração do negócio, 02/02/2015, os Recorrentes não sabiam que os Insolventes estavam em situação de insolvência, mesmo que meramente iminente, tal como considera a meritíssima juiz do Tribunal a quo; g) Os Recorrentes vivem em Lousada, a uma distância de 141 km de Macedo de Cavaleiros, local onde vivem os Insolventes; h) Apesar do grau de parentesco e das boas relações existentes, a verdade é que Recorrentes e Insolventes não têm muito contacto, dada a distância que os separa; i) Além de que os Insolventes são pessoas extremamente reservadas e, sentindo vergonha da situação financeira a que chegaram, não comentaram a verdadeira situação pessoal em que se encontravam; j) Não entendem os Recorrentes como a meritíssima juiz do Tribunal a quo decidiu no sentido exposto, tendo ficado claro, pelas declarações prestadas pelo Recorrente A. X., que este não tinha conhecimento da gravidade da situação pessoal dos Insolventes e, nomeadamente, da situação de insolvência destes, mesmo que iminente. k) Não valorizou devidamente, a meritíssima juiz do Tribunal a quo, as declarações de parte do Recorrente, nomeadamente as seguintes transcrições descritas na clausula 17ª do presente articulado, onde este afirma claramente que não tinha conhecimento da situação financeira, no âmbito pessoal, dos Insolventes; l) Caso tivesse realizado uma análise cuidada das declarações de parte, teria concluído que o Recorrente A. X. fala a verdade, pelo que não tinha, à data da realização da escritura de compra e venda em 02/02/2015, conhecimento da situação de insolvência dos Insolventes que veio a ser declarada em 14/12/2015, dez meses depois; m) Com o devido respeito, também não valorizou devidamente o depoimento da testemunha J. X., insolvente nos autos principais deste processo, nomeadamente as transcrições descritas na cláusula 19ª do presente articulado, onde afirma que disse aos Recorrentes que precisava de dinheiro para meter na firma; n) Não existe por parte dos Recorrentes qualquer tentativa de procurar iludir o Tribunal, pelo que o negócio gozou de boa-fé por parte dos Recorrentes; o) Considera também, a meritíssima juiz do Tribunal a quo, que não foi intenção dos intervenientes comprar nem vender o prédio, mas tão-somente subtrair do património dos insolventes o imóvel, com intenção de prejudicarem os credores destes; p) Salvo o devido respeito, esta conclusão é totalmente desprovida de fundamento fáctico; q) No caso sub judice não se pode considerar que não existiu vontade dos Recorrentes em realizar o negócio aqui em causa; r) Resulta da análise da decisão proferida pela meritíssima juiz do Tribunal a quo falta de valorização das declarações de parte do Recorrente, nomeadamente a transcrição descrita na cláusula 26ª, onde resulta a objectividade do Recorrente A. X. na realização do negócio; s) Não pode ser dada como provada a intenção, por parte dos Recorrentes, de prejudicarem seja quem for; t) Considera ainda, a meritíssima juiz do Tribunal a quo, que com o negócio da compra e venda do terreno, os Insolventes fizeram sair do seu património o único bem que lhes era conhecido e não receberam como contrapartida o preço de € 25.000,00, impedindo, com isso, a satisfação dos créditos sobre a insolvência; u) No entanto, na fundamentação de tal facto admite que “em audiência, o autor disse desconhecer o destino do dinheiro, mas, simultaneamente, afirmou julgar que o mesmo se teria destinado ao pagamento a fornecedores. Já C. X. declarou que o pai precisava de dinheiro para pagar ao BANCO A. Idêntica posição foi assumida por J. X., que começou por referir que precisava de dinheiro “urgentemente” – sic – para pagar dívidas da empresa. A única dívida saldada que concretizou minimamente foi a que tinha para com o BANCO A. Segundo ele pagou cerca de € 12.000,00.”; v) Portanto, todos os intervenientes confirmaram que o dinheiro se destinou ao pagamento de dívidas da empresa dos Insolventes; w) Se o cheque foi depositado na conta dos Insolventes, significa que ingressou no seu património; x) Em momento algum, a Ré, aqui Recorrida, faz prova que o valor de € 25.000,00 foram devolvidos aos Recorrentes, nem a meritíssima juiz do Tribunal a quo faz qualquer fundamentação ou consideração factual que leve a essa conclusão; y) Não esteve igualmente bem a meritíssima juiz do Tribunal a quo ao considerar que não ficou demonstrado um outro destino dado ao dinheiro igualmente plausível, concluindo que o mesmo foi devolvido aos Recorrentes; z) Quando ambos os intervenientes no negócio declararam que a quantia de € 25.000,00 serviu para pagar dívidas da empresa dos Insolventes; aa) Quando foram juntos aos autos documentos que comprovam o pagamento da quantia de € 12.271,17 ao BANCO A; bb) Quando o Insolvente J. X. declarou que o restante valor serviu para liquidar dívidas de montante mais pequeno; cc) O facto de os Insolventes terem liquidado a dívida ao BANCO A algum tempo depois da celebração do negócio compra e venda com os Recorrentes, não significa que tenha sido essa dívida uma das que levou a que os Insolventes pretendessem e concretizassem a venda do terreno; dd) A conclusão correcta a tirar é que € 12.271,17, dos € 25.000,00 que os Insolventes receberam, foram destinados a pagar a dívida existente ao BANCO A; ee) Os restantes € 12.728,83 foram destinados a resolver pequenas dívidas de que os Insolventes eram portadores, nomeadamente com funcionários; ff) Neste sentido, as declarações do Recorrente, bem como o depoimento da testemunha J. X., nomeadamente as transcrições presentes nas clausulas 58ª e 60ª deste articulado; gg) Ficou, também, provado em tribunal, através de prova documental junta aos autos, que os Recorrentes procederam ao pagamento do preço de € 25.000,00; hh) Este valor saiu da conta dos Recorrentes e entrou na conta bancária dos Insolventes, não mais voltando a entrar a esfera jurídica dos Recorrentes; ii) A resolução condicional, prevista no artigo 120º do CIRE, depende da verificação dos requisitos gerais, prejudicialidade e temporalidade, e ainda da má fé do terceiro que contrata com o insolvente; jj) “A má fé do terceiro a que alude o n.º 4 do artigo 120º do CIRE tem de ser por ele ilidida, nos termos do n.º 2 do artigo 350º do Código Civil, mediante a prova de que desconhecia as circunstâncias mencionadas nas alíneas do n.º 5 daquele preceito.” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28/04/2011, processo n.º 1447/08.0TBVFR-C.P1; kk) Nos presentes autos apenas se verifica o requisito da temporalidade; ll) O negócio em causa não foi prejudicial para a massa insolvente; mm) Com o valor da venda do terreno, os Insolvente procederam ao pagamento de vários créditos, entre os quais o crédito ao antigo BANCO A no valor de € 12.271,17; nn) Sem a concretização do negócio, os Insolventes não poderiam liquidar estes créditos, e existiriam muitas mais reclamações de créditos no âmbito do processo de insolvência; oo) Segundo a matéria factual acima exposta, é ilidida a presunção de má-fé dos Recorrentes; pp) Devendo considerar-se a sua boa fé na realização do negócio, tendo agido sem o intuito de prejudicar seja quem for; qq) Com total desconhecimento da situação de insolvência iminente, ao contrário do que considera a meritíssima juiz do Tribunal a quo; rr) Por tudo antes exposto, concluímos que o Tribunal a quo, decidindo a matéria de facto nos termos acima expostos, e aplicando o direito nos termos ora expostos, teria de decidir de forma contrária, pela procedência da acção.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue pela procedência da impugnação da resolução de negócio em benefício da massa insolvente.,”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, os Recorrentes colocam as seguintes questões que importa apreciar: 1)- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento, devem considerar-se:
- Não provados- os pontos 11 a 13 da matéria de facto provada;
- Provados- os factos constantes da al. a) da matéria de facto considerada não provada.
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2. Saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pela Recorrente, deve a presente acção proceder porque não se mostram reunidos os pressupostos materiais e temporais para a resolução, em benefício da massa insolvente, do contrato de compra e venda.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“ São os seguintes os factos provados com relevo para a boa decisão da causa: 1) Em 14-12-2015 foi decretada, por sentença, a insolvência pessoal de J. X. e M. A., que se apresentaram à insolvência em 11/11/2015. 2) Na mesma sentença, foi nomeado administrador, o Exmo. Sr. Dr. R. S., com domicílio profissional na Rua … Viseu. 3) Por carta registada com A/R, constante de fls. 168 a 171 do processo principal, cujo teor damos por integralmente reproduzido, veio o Sr. Administrador de Insolvência resolver junto dos autores impugnantes, a favor da massa insolvente a transmissão dos insolventes, em 02-02-2015, aos Impugnantes A. X. e M. X., do prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção urbana, sito no Bairro …, da freguesia e concelho de Macedo de Cavaleiros, distrito de Bragança, inscrito na matriz sob o artigo …º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …. 4) Para o efeito, na referida carta, escreveu o Sr. Administrador da Insolvência o seguinte:
“… Como V. Ex.as não podem ignorar, o bem transmitido tem valor patrimonial avultado que se estima, no mínimo, em €29.900,00 (correspondente ao valor patrimonial atribuído pela Autoridade Tributária e Aduaneira). 4. Por outro lado, não havia qualquer razão justificativa da transmissão de bem imóvel que integra a massa insolvente a terceiros, no caso, a V/Exas. . 5. A transmissão em causa, com a correspectiva a saída do bem da esfera patrimonial dos insolventes, não teve qualquer compensação equilibrada com reflexo nos seus activos. 6. Tal operação, ato ou negócio (a transmissão acima identificada) representa, em concreto, um prejuízo para os credores dos insolventes nos autos de insolvência em referência, correspondente, no mínimo, ao valor de mercado do imóvel em causa. 7. Acresce que é ainda razoável admitir que o valor de mercado do imóvel transmitido é superior ao acima referido (de €29.990,00, valor de avaliação da Administração Tributária). 8. É também um facto que, não obstante a alienação do imóvel objecto de transmissão aqui em crise, tal prédio nunca deixou de estar na posse dos insolventes, que sempre mantiveram e mantém, a disponibilidade possessória sobre o mesmo. 9. Com efeito, é público que os insolventes usufruem plenamente de todas as suas utilidades de que o mesmo é susceptível, nomeadamente, depositando lenha e paletes de madeira, plantando árvores de fruto e colhendo os respectivos frutos, limpando o terreno, dando tratamento às plantas ali existentes, ao longo do ano e com carácter de permanência. 10. Ou seja, gozando e fruindo, de uma maneira geral, de todas as utilidades que o prédio lhes pode proporcionar. 11. Todos estes actos sobre o imóvel, vêm sendo praticados pelos insolventes, ou por quem estes autorizam para o efeito, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma contínua (sem serem conhecidas quaisquer interrupções), há pelo menos 15 e 20 anos sendo, por isso e não obstante a venda acima referida, a posse que detêm sobre o prédio pacífica, pública e contínua. 12. Assim sendo, os insolventes sempre terão adquirido o referido imóvel por via da usucapião. 13. Acresce ainda que o negócio de transmissão do prédio aqui em causa não correspondeu à vontade efectiva dos intervenientes no mesmo, pelo que se trata de operação meramente formal e sem qualquer conteúdo. 14. Por outro lado, à data de celebração do negócio aqui posto em crise, V. Exas. e os insolventes sabiam que se encontravam em situação de insolvência, ainda que iminente ! 15. Isto porque, de acordo com a factualidade vertida no requerimento de apresentação à insolvência, a situação de insolvência dos insolventes decorreu do facto de estes se terem responsabilizado pessoalmente pelas obrigações assumidas pela sociedade comercial que girava sob a firma P. & C.ª – Madeiras, Lda., de que eram gerentes. 16. Tal sociedade, à data da realização do negócio aqui em causa (2/2/2015) já apresentava sinais evidentes de dificuldades económicas e de incumprimento generalizado das obrigações assumidas (e avalizadas pelos insolventes) – circunstância que culminou na sua declaração de insolvência em 02/03/2015. 17. Sucede que as dificuldades económicas e o incumprimento das obrigações pela sociedade comercial acima identificada eram do conhecimento dos insolventes, que exerciam o cargo de gerentes da mesma na data da realização do negócio aqui colocado em crise. 18. Trata-se, assim, de uma transmissão simulada. 19. O negócio aqui em causa, celebrado por V. Exas. e os insolventes é prejudicial à massa insolvente, representando uma diminuição do seu património e, por isso, frustrando, dificultando ou pondo em perigo a satisfação dos credores da insolvência. 20. Por outro lado, os insolventes transmitiram a propriedade do imóvel acima identificado a A. X., irmão do insolvente J. X.. 21. Trata-se, por isso, de um negócio em que intervieram pessoas especialmente relacionadas nos termos conjugados dos artigos 49º, n.º 1, al. b) e 120º, n.º4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 22. É assim manifesto que todos os intervenientes no negócio conheciam a prejudicialidade do mesmo, tendo atuado com o propósito de retirar da esfera jurídica dos insolventes o seu património, agindo, por isso, de má-fé. 23. Nos termos dos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 do art. 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a transmissão aqui em causa presume-se prejudicial à massa, sem admissão de prova em contrário, por se tratar de negócio simulado e por ter aproveitado a pessoas especialmente relacionadas com os insolventes [….]” 5) Os Insolventes através de escritura pública, realizada em 02-02-2015 no Cartório Notarial a cargo da Notária A. F., declararam vender aos aqui autores o prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção urbana, sito no Bairro …, da freguesia e concelho de Macedo de Cavaleiros, distrito de Bragança, inscrito na matriz sob o artigo …º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, pelo valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros). 6) Os autores/impugnantes entregaram um cheque datado de 2/2/2015 e no valor de €25.000 aos insolventes, o qual foi depositado na conta bancária do insolvente no dia 5/2/2015. 7) No mesmo dia, o insolvente marido levantou em numerário o montante referido em 6) . 8) O prédio referido em 5) possui um valor patrimonial de €29.990,00. 9) Após o referido em 5) os insolventes plantaram árvores no terreno e mantém depositadas lenha e paletes no terreno, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, em particular dos aqui autores. 10) O sr. Administrador da Insolvência não encontrou bens, nem depósitos em nome dos insolventes. 11) À data referida em 5) os autores e os insolventes sabiam que estes últimos não conseguiam pagar as suas dívidas já vencidas e que, consequentemente, estavam em situação de insolvência, pelo menos, iminente. 12) Não obstante o declarado em 5), não foi intenção dos intervenientes comprar nem vender o prédio, mas tão-somente subtrair do património dos insolventes o imóvel, com intenção de prejudicarem os credores destes. 13) Com o negócio referido em 5) os insolventes fizeram sair do seu património o único bem que lhes era conhecido e não receberam como contrapartida o preço de €25.000,00, impedindo, com isso, a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
14) O aqui autor impugnante é irmão do insolvente marido.
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B. Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa ficou por demonstrar:
a) O cheque referido em 6) dos factos provados se destinasse ao pagamento do preço do imóvel objecto de compra e venda; b) Que a venda do imóvel se tenha destinado a assegurar a sobrevivência dos insolventes;
c) O preço da venda correspondesse ao valor de mercado do bem.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
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Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Nesta sede, e antes do próprio objecto da impugnação de facto, cumpre tecer algumas considerações prévias, em ordem a evitar quaisquer equívocos quanto à impugnação da decisão de facto em sede de recurso e quanto à actividade jurisdicional que é suposto ser levada a cabo por este tribunal superior.
Explicitando.
Nesta matéria, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»
Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que :
a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes(1), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos;
Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.
Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.»
Destarte, importa referir que em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.
De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.
Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes (2), esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»
Mais, ainda, é também relevante salientar que quanto ao recurso da decisão da matéria de facto não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito (3).
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Aqui chegados, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, os Autores/ Recorrentes impugnaram a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento- ainda que de uma forma deficiente- aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados, indicam os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida (aqui de uma forma deficiente, já que só de uma forma implícita é que se pode chegar à posição dos Recorrentes, uma vez que estes não indicam expressamente qual deveria ser a decisão) e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).
Considerando-se cumpridos aqueles ónus, apesar da referida crítica, e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, os Autores/ apelantes não concordam com a decisão sobre a fundamentação factual proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.
Quid iuris?
Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pelos Recorrentes, reforçar o que ficou dito quanto ao âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.
Como se referiu, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (4).
Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (5).
Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:
a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (6).
Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (7), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (8).
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (9).
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (10).
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (11).
Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança (12), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
*
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão aos Autores/ apelantes neste segmento de recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto nos termos por eles pretendidos.
Assim, entendem os Recorrentes que, tendo o Tribunal Recorrido incorrido num erro de julgamento, devem considerar-se:
1)- como não provados, os pontos 11 a 13 da matéria de facto provada;
2)- como provados, os factos constantes da al. a) da matéria de facto considerada não provada pelo Tribunal Recorrido.
*
Como se pode constatar, esta matéria de facto aqui questionada corresponde a duas versões absolutamente contraditórias sobre o negócio jurídico aqui questionado pelos Recorrentes.
E nessas versões contraditórias discute-se essencialmente:
- o conhecimento por parte dos Recorrentes, no momento da celebração do negócio jurídico, da situação de Insolvência dos Requeridos;
- a intenção dos intervenientes quando celebraram o negócio jurídico, nomeadamente se (não) era “subtrair do património dos insolventes o imóvel, com intenção de prejudicarem os credores destes”.
- saber se os Recorrentes lograram provar que o cheque referido em 6) dos factos provados se destinava ao pagamento do preço do imóvel objecto de compra e venda;
A valoração destas questões factuais passa necessariamente, no caso concreto, pela análise:
- das regras do ónus da prova aqui aplicáveis, máxime por força da presunção estabelecida em favor da massa insolvente, no que concerne ao requisito da má-fé, prevista no art. 120º, nº 4 do CIRE (13)- cfr. ponto 14 da matéria de facto provada;
- de outros factos (indícios e/ou presunções) de onde poderá resultar a concretização de cada uma das aludidas questões (por exemplo, os factos dados como provados nos pontos 6 a 10 da matéria de facto provado).
- e do valor probatório dos meios de prova apresentados e produzidos pelos Recorrentes (no sentido, desde logo, de ilidir a presunção acima identificada e cumprir o ónus de prova que sobre eles recaía)
*
Analisemos, então, de uma forma crítica e conjugada, a prova produzida quanto a estas questões, tendo em conta as regras do ónus da prova aqui aplicáveis (o que, como iremos ver, e já decorre do que se foi dizendo, não parece ter sido entendido pelos Recorrentes, apesar de tal ter sido expressamente mencionado na fundamentação extensa, minuciosa, lógica e precisa que o Tribunal Recorrido desenvolveu na decisão que os mesmos aqui pretendem pôr em causa).
Vejamos, então, a argumentação dos Recorrentes.
Os Recorrentes não concordam com estes pontos da matéria de facto, alegando o seguinte:
- o Tribunal não valorou as declarações de parte prestadas pelo Recorrente A. X.;
- o Tribunal não valorou o depoimento da testemunha (que é o Insolvente) J. X.;
- não teve em consideração a prova documental junta aos autos.
*
Conforme decorre da decisão aqui posta em crise, o Tribunal Recorrido, ao longo de catorze páginas, apresentou uma fundamentação extremamente minuciosa e precisa, sobre cada uma das questões fáctica acima referidas, não se inibindo de concatenar todos os meios de prova produzidos e de efectuar, com muita pertinência, a análise crítica de todos os meios de prova, valorando, conforme impunha a lei processual, cada um deles de acordo com a sua tarifa legal.
Ora como decorre dessa fundamentação, o Tribunal Recorrido na decisão proferida já fundamentou extensamente a sua posição e, lida e relida a argumentação dos Recorrentes, não se pode deixar aqui de concordar integralmente com a fundamentação aduzida na decisão recorrida.
Como se disse, neste âmbito, importaria que o presente Tribunal, tendo em conta a argumentação dos Recorrentes, formulasse, em face da prova produzida, um novo julgamento da matéria de facto impugnada, e fosse à procura da sua própria convicção, procedendo à reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Ora, adianta-se já que, tendo-se procedido à ponderação dos elementos probatórios pertinentes à averiguação da matéria de facto aqui questionada, ou seja, tendo-se procedido audição da prova produzida, nomeadamente das declarações de parte e da prova testemunhal pertinente à factualidade aqui em apreciação, e tendo em consideração a prova documental junta aos autos, a conclusão a que se tem chegar, da conjugação de todos estes elementos probatórios, é justamente aquela a que chegou o Tribunal de Primeira Instância quanto às questões atrás enunciadas.
Na verdade, fazendo a análise crítica e conjugada dos aludidos elementos probatórios, não pode o presente Tribunal divergir do juízo probatório efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância, não só quanto à valoração que efectuou quando ao valor probatório de cada um dos meios de prova produzidos (maxime, quanto à valoração das declarações de parte do Recorrente), mas também quando ao facto de os Recorrentes não terem logrado ilidir a presunção que sobre eles recaía por força do nº 4 do art. 120º do CIRE – a que mais à frente regressaremos- nem terem logrado cumprir o ónus de prova que sobre si recaía quanto à factualidade que haviam alegado (por ex. quanto aos três factos considerados como não provados).
Senão vejamos o que ficou dito na decisão recorrida (tentando resumir a mesma nos seus pontos essenciais):
“C. Motivação
A nossa convicção quanto aos factos baseou-se na posição assumida pelas partes nos seus articulados e na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida nestes autos, designadamente da prova documental, dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência e das declarações prestadas pelo sr. Administrador da Insolvência, valendo, quanto a esta prova oral, a proximidade que tinham em relação às partes, o conhecimento directo que tinham dos factos, as suas hesitações e certezas, a sua espontaneidade e espírito de colaboração com a descoberta da verdade e o interesse ou desinteresse que manifestaram na causa.
(…)
O teor do cheque aludido em 6) dos factos provados é igualmente aceite pelas partes nos articulados, sendo ainda corroborado pela respectiva cópia certificada do título de crédito junta aos autos a fls. 14.
Os factos relativos ao levantamento desse cheque foram alegados pela ré, massa insolvente, e acabaram por não ser postos em crise pelos autores, nem pela prova por eles produzida. Sem prejuízo, foram sustentados pelo documento de fls. 39 a 42 relativos ao extracto da conta bancária do insolvente marido, pelo sr. Administrador da Insolvência em audiência e pelo depoimento do próprio insolvente, que confirmou o levantamento imediato do dinheiro.
Daí termos dado como provado o referido em 6) e 7) dos factos provados.
O valor patrimonial do imóvel objecto de escritura pública mostra-se suportado pela certidão matricial de fls. 43. De referir que o próprio J. X. confirmou este valor patrimonial.
Os actos dados como provados em 9) que os insolventes praticaram ou continuam a praticar no terreno foram confirmados pelo próprio insolvente e pelo autor. Daí ser forçosa a sua demonstração. Pareceu-nos claro que os intervenientes no negócio conheciam a situação de insolvência, matéria que demos como provada em 11) dos factos provados.
Quanto a este ponto, fazemos uma salvaguarda prévia. Trata-se de matéria que não carecia de ter sido colocada nos factos provados, atendendo às regras do ónus da prova, pois que, no caso, verifica-se uma presunção de má-fé que dispensava a massa insolvente da correspectiva prova, cabendo exclusivamente aos autores impugnantes ilidir essa presunção, alegando matéria nesse sentido, o que não fizeram. Ou seja, os autores não afastaram que conhecessem a situação de insolvência dos pretensos alienantes. Aliás, alegaram que a venda se deveu à necessidade de sustentar a sobrevivência dos insolventes, dizendo que estes foram obrigados a vender esse bem no contexto das graves dificuldades financeiras que passavam – arts. 15.º a 17.º da petição inicial. O certo é que a massa insolvente alegou e, na nossa óptica, demonstrou efectivamente, o conhecimento da má-fé nos termos e para os efeitos dos n.ºs 4 e 5 do art. 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Quanto aos insolventes, a justificação para tal asserção é óbvia. Como eles próprios alegaram na petição inicial em que se apresentaram à insolvência acumularam dívidas em face da sua responsabilização pessoal, através de avais prestados em garantia de obrigação da sociedade “P. & C.ª, Madeiras, Lda.”, da qual eram gerentes. E essa sociedade, segundo alegaram, foi declarada insolvente por sentença de 2/3/2015, ou seja, por sentença proferida precisamente um mês após a escritura de compra e venda do imóvel em causa nos autos. Portanto, as dívidas, quer da sociedade de que eram gerentes, quer as suas dívidas pessoais, assim como a insuficiência de património social e próprio para as solver, constituem facto pessoal dos insolventes, pelo que forçosamente teriam de ter conhecimento da sua situação de insolvência. Relativamente aos autores, sobre eles impendia a presunção de má-fé, prevista no n.º 4 do art. 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, posto que o negócio se celebrou dentro do período de dois anos anterior à declaração da insolvência e deu-se entre pessoas especialmente relacionadas. Nem os autores, nem os insolventes puseram em causa a sua relação familiar, derivada do facto de o autor marido ser irmão do insolvente, matéria esta, também demonstrada.
Ora, como expusemos supra, a prova produzida pelo autor não logrou ilidir essa presunção, parecendo-nos, de resto, que ela serviu apenas para confirmar a verificação da má-fé, traduzida no conhecimento da prejudicialidade do ato e da situação de insolvência, pelo menos, iminente dos autores, de acordo com a al. b) do n.º 5 do art. 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Vejamos, analisando, desta feita e essencialmente, a prova.
O autor começou por dizer que o irmão lhe perguntou se queria comprar o terreno junto à sua própria casa, pois estava a precisar da venda para resolver alguma situação financeira – sic. Segundo o autor, o irmão precisava de liquidez.
Ao longo das suas declarações, o autor manifestou conhecimento sobre as dificuldades económicas da empresa gerida pelos insolventes, facto que admitiu. Idêntica posição assumiu a própria testemunha C. X., filho dos insolventes. Portanto, quer para o autor, quer para a testemunha indicada, C. X., eram conhecidas as dificuldades financeiras da empresa gerida pelos insolventes, as quais vieram, de resto, a culminar com a sua insolvência pouco tempo após a pretensa venda.
Ora, se é certo que, quer o autor, quer C. X. procuraram destrinçar a situação financeira da sociedade e a que era a dos insolventes, alegando que desconheciam que estes também se mostravam endividados e em situação de insolvência análoga à que vivenciava a sociedade, o certo é que tal desconhecimento, provindo do irmão e do filho do(s) insolvente(s) e, simultaneamente, de pessoas que foram adquirentes, quer de um prédio destinado a construção, quer da própria habitação dos insolventes, não se mostra credível e até evidencia o comprometimento dos declarantes quanto a este particular, retirando fidedignidade às suas declarações e ajudando a conferir mais verosimilhança à tese da ré, pois que o facto de nem o autor, nem a testemunha C. X. assumirem, de forma aberta, que conheciam a situação dos insolventes evidencia, em nosso entendimento, a sua tentativa de procurarem iludir o Tribunal, mascarando o negócio de uma boa-fé de que este não gozou.
Em concreto, a posição do autor e de C. X. é, desde logo, frágil por ser descredibilizada pelas suas próprias declarações, já que são eles próprios a confundir a situação financeira dos insolventes com a da sociedade quando afirmam que os insolventes alienaram o prédio em causa e, inclusive, um apartamento e a própria casa de habitação – neste ponto, salvaguarda-se que apenas C. X. afirmou expressamente a venda da casa, embora o autor tivesse admitido que julga que o irmão não tinha mais património imobiliário para além do terreno vendido - para solver dívidas da sociedade.
Veja-se que o autor A. X. disse mesmo julgar que o irmão não tinha outros bens imobiliários, que o prédio alienado era o último de que era proprietário. Acrescentou ainda, aliás, em sintonia com toda a prova produzida, que este imóvel alienado se situa junto à casa onde os insolventes habitam.
E, como dissemos, reconheceu conhecer a situação de dificuldades económicas da empresa, referindo que o irmão lhe falou de muitos créditos e de dinheiro para receber, aludindo, em acréscimo, à crise e mencionando, a esse propósito, que vivemos em águas agitadas.
E, mais, acrescentou que julgava que a compra do terreno seria pagar a fornecedores. É certo que, logo em seguida, afirmou que julgava que o autor, pessoalmente, teria folga financeira.
No entanto, como dissemos, aqueles que julgam que as dificuldades são exclusivas da sociedade, são simultaneamente capazes de afirmar sem constrangimentos que os insolventes alienaram o seu património pessoal para solucionar as dificuldades daquela. Lendo criticamente as posições do autor e de C. X. e mesmo admitindo a ocorrência da venda, se os insolventes estivessem com folga financeira teriam necessidade de vender o seu próprio património ao ponto de ficarem sem nenhum? Parece ser típico de alguém com folga financeira alienar aos poucos todo o seu património pessoal? É ainda revelador de folga financeira vender um terreno junto à sua própria habitação e por um valor inferior ao patrimonial, que, de resto, se mostra actualizado, atendendo a que a avaliação foi feita em 2015? E não seria ainda de o autor e C. X. questionarem o porquê de os insolventes estarem a vender os seus bens se as dívidas fossem exclusivamente da sociedade? Não se mostra minimamente verosímil que o autor e C. X. venham alegar desconhecimento quanto às alegadas dificuldades económicas dos insolventes.
De resto, é precisamente sinal/facto índice da insolvência a própria dissipação ou liquidação apressada de bens, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. E, no caso, o impugnante sabia que este bem era o último imóvel no património dos insolventes. Por outro lado, como se disse, a venda foi feita por valor inferior ao patrimonial do bem, o que certamente seria do conhecimento do impugnante, até porque se faz referência a esse valor na escritura pública por ele subscrita – cfr. fls. 11 a 13 e, em particular, quanto à indicação do valor patrimonial do imóvel, o segundo parágrafo de fls. 12. Portanto, esses factores indiciam a situação de insolvência dos vendedores e os autores teriam necessariamente, até em termos abstractos, de equacionar essa situação falimentar, indiciada pelas próprias circunstâncias em que se deu o negócio.
Diga-se ainda que o autor não é pessoa de quem se possa esperar ingenuidade nesta área, posto que este alegou que é comerciante e que, em acréscimo, se dedica à compra e venda de imóveis, sendo, inclusive, do conhecimento geral, quanto mais de um homem com a experiência negocial e a proximidade vivencial com o insolvente de que gozava o autor marido, a frequência com que sucedem alienações, inclusive, ficcionadas, tendentes unicamente à frustração de créditos e à salvaguarda dos bens pessoais dos devedores.
E recorde-se que, quer o autor, quer C. X. são pessoas muito próximas dos insolventes, conforme eles próprios afirmaram, o que nos faz duvidar ainda mais do seu pretenso desconhecimento relativamente às dificuldades sérias dos insolventes, reveladores da sua incapacidade para solver os seus compromissos.
Portanto, face a todo este cenário, parece-nos evidente que os autores teriam necessariamente de saber que os insolventes estavam em dificuldades financeiras sérias e que com a alienação deste último bem imóvel estariam a diminuir a garantia patrimonial dos credores, porquanto, independentemente do que supra se dirá relativamente à simulação, é claro que, mesmo o dinheiro, caso tivesse ingressado no património dos insolventes, é de mais fácil dissipação e sonegação.
(…) O motivo apresentado para essa venda na petição inicial não faz sentido algum, facto de que o impugnante e as testemunhas C. X. e o insolvente J. X. se parecem ter apercebido, tanto que mudaram a tese contida no referido articulado.
Na verdade, como se disse, na sua petição inicial, os impugnantes alegaram que a venda visou satisfazer necessidades básicas e prementes dos insolventes.
Respondeu, com pertinência, a ré na contestação que é irrazoável acreditar que os €25.000,00 tivessem sido despendidos com necessidades básicas. Ou seja, que os insolventes, de 2/2/2015 até à data do início do processo de insolvência, tivessem despendido uma média mensal não inferior €2500,00 – veja-se que a esse valor ainda se teria de aditar o valor da reforma do insolvente –, ou seja, montante muito acima do salário mínimo nacional, com necessidades básicas, sendo certo que nessas necessidades não se encontram sequer despesas com habitação, já que não pagam renda de casa – o insolvente e o seu filho afirmaram isso em audiência. Mais, o filho, contrariando o pai insolvente e agudizando a descredibilização da tese da petição inicial, disse mesmo que era ele e não os pais quem pagava as despesas com água e luz da habitação, o que, a confirmar-se, ainda torna mais ostensiva a inverosimilhança da tese da petição inicial.
Subscrevemos, portanto, as constatações da massa insolvente e ela é de tal modo acertada que, como já referimos, em audiência, nem o autor, nem nenhuma testemunha manteve a tese da petição inicial quanto a este particular, o que motivou a não prova de tal factualidade.
De facto, em audiência, o autor disse desconhecer o destino do dinheiro, mas, simultaneamente, afirmou julgar que o mesmo se teria destinado ao pagamento a fornecedores.
Já C. X. declarou que o pai precisava dinheiro para pagar ao BANCO A.
Idêntica posição foi assumida por J. X., que começou por referir que precisava de dinheiro “urgentemente” – sic - para pagar dívidas da empresa. A única dívida saldada que concretizou minimamente foi a que tinha para com o BANCO A. Segundo ele pagou cerca de €12.000,00.
Questionado porque não deixou os remanescentes €13.000,00 no banco, revelou que lhe podiam tirar o dinheiro, o que se mostra algo desconforme com a afirmação que previamente tinha feito de que achava que apenas surgiram ações executivas contra si após a declaração da insolvência e ainda com a constatação de que no processo de insolvência não foram indicadas quaisquer ações executivas como pendentes. Ou seja, se não havia ações executivas pendentes – e veja-se que não há efetivamente notícia de que, à data, o insolvente estivesse a ser executado em processo executivo – e se, de qualquer modo, o insolvente pretendia usar aquele montante para proceder a pagamento de dívidas, não se compreende toda a pressa em retirar o dinheiro do banco com o argumento de que lho podiam tirar, rectius, penhorar.
Portanto, das palavras do insolvente depreende-se claramente que, na sua mente, se encontra um claro propósito de prejudicar os seus credores, de sonegar-lhes os seus próprios bens, de forma a evitar que estes pudessem satisfazer os seus créditos através desses bens.
Se é verdade que, no caso dos autos, temos um cheque de €25.000,00 que foi efectivamente depositado, não menos rigoroso é que esse mesmo cheque, no mesmo dia do depósito, foi igualmente levantado em numerário – e tão só essa quantia, pese embora o insolvente tivesse na conta ainda cerca de €1.200,00 adicionais - conforme decorre do documento de fls. 40. E, a partir daí, perdeu-se o rasto a esses €25.000,00, o que permite conferir plausibilidade à tese da ré. Ou seja, que o depósito do cheque serviu exclusivamente para conferir aparência ao negócio.
De facto, o levantamento imediato e integral do montante depositado, quantia elevada, em “dinheiro vivo” permite admitir sem grandes dificuldades que ele não ingressou no património dos insolventes, tendo sido devolvido aos pretensos compradores, até porque não ficou demonstrado um outro destino igualmente plausível.
A esse propósito, disse o insolvente que esse dinheiro serviu para pagar ao BANCO A. Aliás, como dissemos, segundo o próprio insolvente, a própria venda destinou-se a saldar essa dívida, precisando urgentemente do dinheiro para esse efeito. Mas o certo é que a dívida ao BANCO A não cobre sequer metade desse montante.
Ademais, os documentos que juntou para comprovar o pagamento ao BANCO A, a fls. 143 a 145, respeitam a um processo executivo. E, de fls. 148 e sgs. decorre que esse processo executivo entrou em juízo precisamente quatro meses após o negócio de compra e venda, o que novamente descredibiliza a tese do insolvente. Se os insolventes precisavam urgentemente do dinheiro e venderam o prédio para proceder ao pagamento ao BANCO A como foi alegado em audiência, porquê esperar quatro meses com o dinheiro do seu lado, sem proceder ao seu pagamento, dando azo à instauração de um processo executivo?
(…)
Portanto, é notório que caso o dinheiro tivesse passado efectivamente para a esfera dos insolventes e visasse o pagamento ao BANCO A, o insolvente, tendo o dinheiro ao seu dispor, não esperaria pelo preenchimento da livrança e subsequente instauração do processo executivo para satisfazer essa dívida, posto que tal significaria agravar, em seu prejuízo e de forma injustificável, a sua responsabilidade já vencida para com o Banco.
E, por outro lado, não podemos olvidar que decorreram quase oito meses entre a escritura pública e o pagamento ao BANCO A – cfr. fls. 145, de onde resulta que o pagamento ocorreu em 30/9/2015 –, pelo que não é possível estabelecer-se um nexo, uma identidade entre o dinheiro alegadamente recebido por força do cheque e aquele que foi usado para o pagamento da dívida. Portanto, o significativo lapso de tempo que mediou entre estes dois acontecimentos não permite fazer uma ligação ou estabelecer uma coincidência entre o montante alegadamente recebido do impugnante e aquele que foi usado para o pagamento da dívida.
Em acréscimo, veja-se que do documento de fls. 145 nem sequer se retira quem é o titular da conta da qual proveio o pagamento ao BANCO A, sendo certo também que, do cotejo entre fls. 145, 39 e sgs., decorre que o número de conta indicado no talão multibanco não coincide com o número da conta onde foi depositado o dinheiro, esta sim, comprovadamente titulada pelo insolvente.
Portanto, da análise dos documentos juntos pelos autores, nem sequer é seguro concluir que foi o insolvente quem pagou o montante de €12.271,17 ao BANCO A.
Em acréscimo ao exposto, em conformidade com o que já concluímos supra, atente-se novamente que a dívida ao BANCO A correspondia, à data da interposição da ação executiva, a €10.271,41. Esse montante, assim como aquele que veio a ser pago ao banco não correspondem sequer a metade do valor pretensamente recebido pelo insolvente. Daí ser de perguntar qual o destino do remanescente do valor que alegadamente foi entregue.
Essa pergunta foi efectivamente feita ao insolvente, que disse que foi pagando pequenas coisas com ele. De forma genérica e sem identificar as pessoas, afirmou que pagou a quatro funcionários. No entanto, nenhuma prova foi produzida que permitisse sustentar tais declarações e veja-se que não assomava muito difícil essa tarefa, sabido que dos pagamentos se deve dar quitação. Acresce que o insolvente, para além de não ter identificado os credores pagos, também nem sequer precisou os valores pagos, o que retira credibilidade às suas declarações também neste particular, de tão parcas, pobres de pormenores e genéricas que se mostram.
Portanto, novamente nesta parte, a versão que nos foi trazida pelo insolvente acaba por sair enfraquecida e descredibilizada.
Outras considerações se impõem que conferem verosimilhança à tese da ré.
É que, se, à data da escritura de compra e venda, já os insolventes não conseguiam prover à sua subsistência, como se alegou na petição inicial, mais uma razão para se terem apresentado à insolvência em simultâneo com a sociedade insolvente e mais uma evidência clara que o propósito de alienação serviu para frustrar terceiros em proveito pessoal dos insolventes, como defende a ré. Se, ao invés, pretendiam satisfazer créditos, então também mais uma razão para se terem logo apresentado à insolvência e permitirem que o prédio fosse alienado no próprio processo de insolvência, com maior transparência e por um valor, à partida, superior aos €25.000,00, já que este é inferior ao valor patrimonial do bem e se sabe que, para além de o próprio valor patrimonial ser, por regra, inferior ao valor de mercado, também a venda em processo de insolvência tem por base o valor de mercado ou o valor patrimonial. Ademais, o processo de insolvência permitiria também a satisfação dos créditos em função das garantias de que beneficiavam e não segundo as eventuais preferências dos insolventes. Portanto, para que os credores pudessem ter sido minimamente satisfeitos, nem sequer se vislumbrava como necessária ou fundamental a venda do imóvel pelos insolventes, muito menos de forma apressada e em condições aparentemente menos favoráveis de preço em que foi feita.
Afinal, qual a pressa na venda do prédio ao impugnante, se já estava o processo de insolvência da sociedade no horizonte e, nesse seguimento, por idênticas razões, o próprio processo de insolvência de J. X. e M. X., atendendo à responsabilização pessoal destes, enquanto gerentes, por dívidas daquela? Se o objectivo era obter receita para satisfazer dívidas, porque não tentar obter, no mercado e não junto do irmão, um preço mais elevado para os bens? Em alternativa, porque não deixar a liquidação do imóvel e a satisfação dos credores para o processo de insolvência?
Em acréscimo, com bastante relevo, não se olvide ainda que são os insolventes os únicos que praticam actos materiais e típicos de posse sobre o terreno após a compra. Para além dos materiais e objectos dos insolventes que, na própria versão do autor, se encontram no local – inclusive, uma grua - , o insolvente declarou que a esposa tinha árvores em vaso e plantou-as no terreno no ano de 2016, ou seja, posteriormente à pretensa compra e venda – ainda que, na sua versão, solicitando autorização ao autor. Ora, como é óbvio, independentemente da tolerância que o autor pudesse ter em relação à manutenção de objectos no terreno, já não se mostra minimamente verosímil que os insolventes, plantassem árvores caso o prédio não lhes continuasse a pertencer. A atitude dos insolventes contraria as regras da lógica e do senso comum.
Já o autor assumiu que nada fez no terreno, até porque reside em Lousada. Sem prejuízo, o certo é que também não manifestou interesse em aliena-lo, pese embora tenha dito dedicar-se ao negócio de compra e venda. Aliás, o autor não indicou qualquer projecto que tivesse para aquele imóvel, o que ajuda igualmente a enfraquecer a verosimilhança de uma real compra e venda.
Diga-se também que J. X. e C. X. contradisseram-se frontalmente noutro ponto objectivo quando este último afirmou que o pai lhe propôs a venda do imóvel em causa nos autos, mas que não tinha dinheiro para a compra, enquanto o primeiro nega que o tivesse feito. Novamente, a contradição é indiciadora da fragilidade e parcialidade dos depoimentos.
(…)
Ainda a acrescer, diga-se que a própria actuação pretérita do insolvente nos levanta dúvidas sérias quanto à sua seriedade e ao real intuito subjacente aos negócios que efectua com familiares.
(…)
Em contrapartida, imperiosa se torna a conclusão que não lograram os autores ilidir minimamente a presunção de má-fé estabelecida quanto a este particular.
Igualmente, temos que os factos indiciantes existentes, lidos conjuntamente com as regras da experiência comum, nos permitem concluir, para além de uma dúvida razoável, pelo carácter simulado do negócio – 12) dos factos provados.
Tudo o já afirmado permite igualmente justificar a nossa convicção quanto à matéria de facto alegada pelos autores impugnantes e dada como não provada em a) e b) dos factos não provados.
(…)”
*
A toda esta fundamentação que se subscreve na íntegra, por ser absolutamente pertinente, coerente e lógica, em face da prova produzida, apenas importa aqui acrescentar algumas considerações quanto à valoração das declarações de parte que, no fundo, constitui o fundamento principal do Recurso apresentado pelos Recorrentes.
Além disso, importa ainda aqui salientar a importância da presunção estabelecida no nº 4 do art. 120º do CIRE para a distribuição dos ónus de prova que sobre os AA/Recorrentes recaíam.
Comecemos por aquela primeira questão.
Conforme decorre da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Recorrido, este, de uma forma pormenorizada, efectuou a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova produzidos, incluindo nestes as próprias declarações de parte do Autor/Recorrente (e o depoimento do Insolvente).
Concluiu o Tribunal em diversos pontos da fundamentação que as declarações prestadas pelo Autor não foram credíveis; e noutros que, afinal, as mesmas poderiam ser valoradas.
Não se estranhe esta posição do Tribunal Recorrido, porque a mesma constitui exactamente a valoração probatória que processualmente deve ser efectuada quanto às declarações prestadas pela própria parte.
Como é sabido, a figura das declarações de parte é uma inovação do Novo CPC- art. 466º do CPC.
Ora, antes desta consagração legal, era pacífico que o depoimento de parte, na parte em que o depoente não confessa os factos que lhe são desfavoráveis, podia ser valorado pelo Tribunal em termos do princípio da livre apreciação da prova.
Com efeito, entendia-se que se era certo que o depoimento de parte era um meio processual destinado a provocar a confissão judicial, por outro lado, se mostrava ultrapassada a concepção restrita de tal depoimento vocacionada exclusivamente àquela obtenção, já que o mesmo tem um campo de aplicação muito mais vasto.
Como, entre outros, se referia no Ac. do STJ de 16.03.2011 (14), “… o Juiz no depoimento de parte não está espartilhado pelo escopo da confissão, podendo ali colher alguns elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova”… “.
Pois, na sequência de correspondente opção legislativa, a lei processual civil tinha feito florescer cada vez mais os poderes inquisitórios, em detrimento do princípio do dispositivo, com vista à maior aproximação do juiz à verdade material, sendo disso afloramento os arts. 6º, 7º, 411º e 452º, nº 1 do CPC.
Permite-se que o Tribunal, em qualquer altura do processo, possa determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa- cfr. resulta dos arts. 452, nº 1 e 607º, nº 1 do CPC.
Acrescendo que, do art. 463º, nº 1 do CPC, “a contrario”, resulta que quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.
Donde, há que concluir que nada obsta, a que o tribunal na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por sua iniciativa, na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas, nos termos do art. 607º, nº 5 do CPC.
A confissão e o depoimento de parte eram, pois, realidades jurídicas distintas, sendo este mais abrangente do que aquela, por ser um meio de prova admissível mesmo relativamente a factos que não sejam desfavoráveis aos depoentes, caso em que ficaria sujeito à livre apreciação do tribunal (15).
Pacífico era, assim, que as declarações, prestadas pelas partes, sob juramento, (cfr. art. 459º do CPC), podiam ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer delas, nomeadamente quando essas declarações fossem corroboradas por outros elementos probatórios constantes dos autos.
Ora, julga-se que este entendimento deverá ser transposto para a nova figura consagrada pelo Legislador no Novo CPC.
Na verdade, as declarações de parte previstas no art. 466º do CPC devem também ser entendidas como um meio de obtenção de prova que pode ter como resultado declarações favoráveis ou desfavoráveis ao depoente (neste último caso poder-se-á aplicar o disposto no nº 3 do citado dispositivo legal, parte final – apreciação livre, salvo se as mesmas constituírem confissão).
“Se o depoente relata factos que lhe são favoráveis, está-se perante meio de prova não previsto no CC agora consagrado na lei adjectiva em homenagem ao direito à prova (porque ao depoente pode ser difícil ou mesmo impossível demonstrar certos factos- nomeadamente estados subjectivos- por via diversa da do próprio relato) e à finalidade da descoberta da verdade (porque as partes terão, muitas vezes, conhecimento privilegiado dos factos que alegam já que os praticaram ou presenciaram) e submetido, como os meios de prova em geral, ao princípio da livre apreciação da prova (art. 607º, nº 5)…” (16).
Ora, a apreciação que o Tribunal efectue das declarações prestadas, nomeadamente, quando as mesmas sejam favoráveis à própria versão da parte que depõe (no fundo, quando se limitem a confirmar o alegado pela parte na peça processual que apresentou (o que transmitiu ao seu Mandatário no momento da elaboração da peça processual), não pode deixar de ser efectuada com o máximo de cautelas, não devendo, obviamente, essas declarações de parte, dentro destas circunstâncias, merecer, em princípio, credibilidade se não se mostrarem corroboradas por outros meios de prova.
Como refere Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (17) “ a apreciação que o Juiz faça das declarações de parte é livre, nos termos do nº 3, mas, como esta liberdade não equivale a arbitrariedade, a apreciação importará, as mais das vezes, apenas como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas…”.
Já, Carolina Henriques Martins (18) assinala que “… não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objecto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objectivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.
Além disso, como já referimos, também não se pode esquecer o carácter necessária e essencialmente supletivo destas declarações que, na maior parte dos casos, servirá para combater uma fraca ou inexistente prestação probatória.
Caso se considere útil a audição da parte nesta sede quando coexistem outros meios de prova, propomos a sua apreciação como um princípio de prova, equivalente ao mencionado argomenti di prova italiano, que não deixará de auxiliar na persuasão do juiz, mas que apenas o fará em correlação com a restante prova já produzida contribuindo para a sua (des)credibilização, e apenas nesta medida.
Estas são as coordenadas fundamentais para a consideração das declarações de parte no nosso esquema probatório.”
Foi esse o entendimento também que se teve no ac. da RP de 20.11.2014 (19) onde se refere que “…a apreciação desta prova faz-se segundo as regras normais da formação da convicção do juiz. Ora, em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da acção, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas…(e mais à frente)… Ou seja, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova. A prova dos factos favoráveis aos depoentes não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos…”.
E também nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto onde se refere que:
- «As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.”- 26.6.2014 (relator: António Ramos);
“…As declarações de parte que não constituam confissão só devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem suficiente confirmação noutros meios de prova produzidos e/ou constantes dos autos.”- 17.12.2014 (relator: Pinto Santos).
É este, como decorre do exposto, o entendimento que aqui também acolhemos, e que, mais à frente, aplicaremos no caso concreto (por forma a confirmar que foi esse o juízo probatório efectuado pelo Tribunal Recorrido).
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Entremos na segunda questão.
Como se disse, importa ainda aqui salientar a importância da presunção estabelecida no nº 4 do art. 120º do CIRE para a distribuição dos ónus de prova que sobre os AA/Recorrentes recaíam.
Na verdade, estabelece-se naquele preceito legal que:
“4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má-fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data”.
A má-fé presumida (juris tantum) depende, assim, da verificação de dois pressupostos, a saber:
- Que o acto ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
- Existência de uma relação especial (ainda que já não existisse à data da prática do acto), entre a insolvente e a pessoa (singular ou colectiva) que participou ou tirou proveito daquele.
No que respeita ao conceito de pessoa especialmente relacionada com o devedor, e ao que ao caso interessa, dispõe o n.º1 do art.º 49.º do CIRE:
“1 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular:
a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior;
c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor;
d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.(…)”
Visou a lei, assim, acautelar as situações que, pela natureza dos vínculos tidos com o devedor, ou proximidade com este, merecem um regime particular, dado o maior risco que os “actos” que os envolvem, acarretam para o conjunto dos credores.
Trata-se, aliás, de situações que “… no âmbito do Anteprojecto faziam antes parte dos que se consideravam resolúveis sem dependência de quaisquer outros requisitos, à semelhança do que sucede agora com os indicados no art. 121º…”(20).
Como se disse, a lei fixou este núcleo de pessoas que revelam proximidade com o devedor, atribuindo-lhe um estatuto singular relativamente à insolvência, fundada na ideia de que existe “…uma presunção de maior risco que as operações com eles praticadas pelo Insolvente envolvem para o conjunto dos credores…”(21).
Ora, uma vez que a lei estabeleceu no nº 4 do art.º 120.º do CIRE, a presunção, “juris tantum”, da má-fé do terceiro, “quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente”, dúvidas não restam de que o ónus de ilisão de tal presunção recaía sobre os Impugnantes/ aqui autores, por força daquele dispositivo legal, atenta a data em que o acto jurídico foi praticado e a relação especial com o devedor existente entre os AA. e os Insolventes.
Logo, bem andou o Tribunal Recorrido, em desde logo, considerar que o ónus da prova da ilisão da presunção “juris tantum” da verificação de má-fé dos Recorrentes, no momento da transmissão recaía sobre eles, e não sobre a massa insolvente, cfr. arts. 343º, nº 1 e 344º, nº 1, ambos do CC -com todas as consequências de iniciativa probatória que essa conclusão impõe.
Assim, a Ré, Massa Insolvente, beneficiando dessa presunção, nem sequer tinha que alegar e provar a existência de má-fé por parte dos AA. (ou seja, alegar alguma das circunstâncias previstas no nº 5 do citado art. 120º), que se presumia(m).
Antes, tendo os AA. o ónus de alegar (e provar) factos que lhes permitissem ilidir aquela presunção (o que evidentemente não efectuaram, devendo, aliás assinalar-se que, não só não o fizeram, como até vieram a ver como efectivamente provados factos contrários – confirmatórios da presunção- na sequência da actividade probatória da Ré (que beneficiando da presunção, como se referiu, nem sequer tinha esse ónus probatório) - v. os factos contantes dos pontos 11 a 13.
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Aqui chegados, e tendo em conta estes esclarecimentos adicionais que aqui formulamos, não há dúvidas que o Tribunal Recorrido, para cada um dos pontos da matéria de facto aqui questionados, procedeu, de uma forma crítica e conjugada, à valoração dos meios de prova produzidos, tendo em conta as regras processuais e probatórias aplicáveis (que foram explanadas).
No que concerne às declarações prestadas pelo próprio Autor, o Tribunal Recorrido, de uma forma atenta e fundamentada, considerou que, em determinados pontos da matéria de facto, porque as declarações se mostravam corroboradas por outros meios de prova, mereciam credibilidade; já nos pontos em que as mesmas surgiam desacompanhadas de outros meios de prova- ou eram mesmo contraditadas por estes- ou surgiam como implausíveis- tendo em conta até outras presunções judiciais que se podiam retirar, por exemplo dos pontos 6 a 10 da matéria de facto- já não procedeu, e bem, à sua valoração probatória.
Por outro lado, como desde logo se mencionou na decisão recorrida, importava ter em atenção que: “Trata(va)-se de matéria que não carecia de ter sido colocada nos factos provados, atendendo às regras do ónus da prova, pois que, no caso, verifica-se uma presunção de má-fé que dispensava a massa insolvente da correspectiva prova, cabendo exclusivamente aos autores impugnantes ilidir essa presunção, alegando matéria nesse sentido, o que não fizeram.”.
Na verdade, como se referiu, os Recorrentes não tiveram em consideração que, por força do preenchimento do nº4 do art. 120º do CIRE, a tarefa que lhes incumbia, era ilidir a presunção de existência de má-fé que sobre eles (já) recaía.
Ora, como bem refere o Tribunal Recorrido, os Recorrentes não tendo em consideração essas regras probatórias, não lograram alegar e provar matéria de facto susceptível de ilidir a presunção “juris tantum” de existência de má-fé decorrente da aplicação do nº 4 do art. 120º do CIRE.
Finalmente, importa dizer que todas as anteriores asserções são aplicáveis, ao depoimento do Insolvente (mesmo que se entenda que o mesmo prestou o seu depoimento como testemunha), já que a valoração do seu depoimento, tendo em conta a qualidade de Insolvente, deve ser aproximada às declarações prestadas por uma parte, porque é patente o seu interesse na questão que aqui se discute, não devendo a análise critica do seu depoimento descurar a possível falta de isenção do seu depoimento- o que, mais uma vez, o Tribunal Recorrido efectuou com toda a cautela e com a nossa concordância.
Uma última nota, para a valoração da prova documental (nomeadamente, a que contende com as movimentações bancárias e a acção executiva) que o Tribunal Recorrido não se inibiu de ponderar, desenvolvendo pertinente fundamentação que aqui também se subscreve integralmente.
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Assim, tendo-se procedido à audição da prova pertinente produzida, e ponderando, de uma forma conjugada e corroborada os meios de prova produzidos, pode o presente Tribunal concluir que o juízo fáctico efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância, no que concerne à matéria de facto impugnada, mostra-se conforme com a prova produzida, tendo em conta a importância das regras de distribuição do ónus da prova atrás mencionadas e o valor probatório que deve ser atribuído a cada um dos meios de prova produzidos (maxime, às declarações de parte do Autor), conforme decorre do exposto.
Na verdade, da conjugação dos depoimentos produzidos e dos demais elementos probatórios já atrás mencionados, resulta que, contrariamente ao que pretendem os Autores, estes não lograram provar a factualidade, por si, alegada, nem pôr em causa os fundamentos da resolução do negócio declarada pelo Sr. Administrador de Insolvência.
Acresce que os Recorrentes, com a argumentação que apresentaram, e com os meios de prova produzidos, não conseguiram pôr em causa estas conclusões, já que os elementos probatórios por si carreados para o processo não conseguiram, desde logo, ilidir a presunção que sobre si recaía, e, sobretudo, ilidir essa presunção, alegando e demonstrando o seu desconhecimento da situação iminente de Insolvência em que se encontravam os Requeridos no momento da celebração do acto jurídico, nem sequer lograram provar a motivação que alegaram para a realização apressada do negócio jurídico aqui questionado (v. a resposta negativa que consta da al. b) da matéria de facto não provada e que resulta da falta de cumprimento por parte dos AA. do ónus de prova que sobre eles recaía- art. 342º, nº1 do CC).
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Aqui chegados, pode-se, assim, concluir quanto à presente Impugnação da matéria de facto que, à luz do antes exposto, a convicção (autónoma) deste tribunal, em sede de reapreciação da matéria de facto é, em absoluto, coincidente com a que formou o tribunal recorrido, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra.
Na verdade, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas pelos ora Recorrentes, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados, um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada e não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.
Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, tendo em conta as regras do ónus da prova, e conjugando toda a prova produzida, não podem restar dúvidas que a matéria de facto deve manter-se inalterada, confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade.
Pelo que, aqui chegados, importa dizer que a decisão da matéria de facto proferida pela Primeira Instância não merece qualquer censura, na medida em que não só cumpriu as regras de prova que os Recorrentes consideravam não terem sido cumpridas (não valoração das declarações de parte), como também, porque procedeu de acordo com o disposto no art. 607º do CPC, a uma análise bem fundamentada e crítica dos meios de prova produzidos no sentido já explanado, análise critica essa que o presente Tribunal aqui renovou quanto aos pontos da matéria de facto postos em crise pelas Recorrentes e que aqui se confirmam integralmente no sentido do decidido pelo Tribunal de Primeira Instância.
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Aqui chegados, e sem prejuízo de se considerarem prejudicadas todas as conclusões apresentadas pelas Recorrentes que, em termos de mérito, decorriam das peticionadas alterações da matéria de facto que aqui não foram acolhidas, importa entrar na questão da apreciação da fundamentação de Direito, aqui também questionada pelos Recorrentes.
Importa, pois, verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelos Recorrentes, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.
Ora, ponderando essa questão, é evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, já que aí bem se ponderou o ónus de prova que recaía sobre os Autores, e que os mesmos, como se referiu, manifestamente não lograram cumprir (art. 342º, nº 1 do CC).
Na verdade, pode-se aqui manter na íntegra a fundamentação de Direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na sentença que proferiu.
Como é sabido, a resolução em benefício da massa insolvente é um instituto específico do processo de Insolvência que permite, de uma forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais à massa insolvente, com vista a apreender para a mesma, não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos prejudiciais para a massa insolvente.
Esta resolução pode ser condicional (art.º 120º do CIRE) ou incondicional (art.º 121º do CIRE) - sendo aquela primeira, a situação dos autos, já que o fundamento da Resolução invocado (e acolhido na decisão proferida) contende com o citado art. 120º do CIRE
Com efeito, importa atentar que os requisitos da resolução variam, consoante estejamos perante o primeiro e o segundo tipo de resolução, havendo que se distinguir entre requisitos gerais (art. 120º do CIRE) e requisitos em relação a certas categorias de actos (art. 121º do CIRE), falando a lei, neste último caso, em resolução incondicional.
Como é sabido, os requisitos gerais de resolução, decorrentes do art. 120º do CIRE, são os seguintes:
a) Realização pelo devedor de actos ou omissões;
b) Prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente;
c) Verificação desse acto ou omissão nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d) Existência de má-fé do terceiro (22).
Já no caso da resolução incondicional a que se reporta o art. 121º do CIRE esses requisitos gerais da resolução são dispensados.
Os actos aí referidos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, desde que se verifiquem os requisitos de qualquer uma das situações previstas nesta mesma disposição legal (23).
Assim, “nas situações descritas no nº 1 do art. 121º, o administrador da insolvência não tem de provar (nem indicar) que o cumprimento ou a subsistência do(s) contrato(s) é prejudicial à massa – se entender, no seu critério, que há prejuízo, pode resolver o contrato ou contratos ou recusar o seu cumprimento…” (24).
Interessa-nos, no caso concreto, apenas aquela primeira situação (a resolução condicional).
Como se referiu nos termos do art. 120º podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa que tenham sido praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, com terceiro de má-fé.
Ora, decorre da matéria de facto provada que, estando preenchido o requisito da existência de má-fé por força da presunção estabelecida no nº 4 do art. 120º do CIRE (já que os AA., como se viu, não lograram ilidir a presunção aí estabelecida), também os dois outros requisitos da resolução condicionada se mostram plenamente provados.
Assim, bem andou o Sr. Administrador de Insolvência, no caso em apreço, em proceder à Resolução em benefício da Massa Insolvente do aludido acto jurídico.
Na verdade, tendo em conta os factos provados, não há dúvidas que o acto jurídico questionado integra a previsibilidade do art. 120º do CIRE, pois que, como bem refere a decisão recorrida:
“O n.º 1 do art. 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece como requisito temporal da resolução um prazo que se conta regressivamente, a partir do processo de insolvência.
E, como bem salvaguardam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (25), este preceito tem de ser cuidadosamente ponderado, atendendo ao limite temporal previsto no n.º 1 do mesmo preceito legal, concluindo que do art. 4.º/2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas resulta como consequência, para efeitos da contagem do prazo, a de se considerarem como praticados no início do processo os actos que o foram entre esse momento e o da prolação da sentença declaratória da insolvência. O que os torna resolúveis, se subsumíveis às previsões legais respectivas.
No caso dos autos, o acto resolvido foi praticado cerca de nove meses antes do início do processo de insolvência, que se deu com a apresentação dos devedores à insolvência, em 11/11/2015, pelo que não há dúvidas que obedece ao requisito temporal previsto neste normativo.
O facto de o acto ter sido praticado nos dois anos anteriores ao processo de insolvência releva ainda para efeitos do n.º 4 do art. 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sendo factor que auxilia a preencher a presunção e requisito de má-fé.
Para esse efeito, exige-se ainda que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente no ato resolvido.
No que respeita ao conceito de pessoa especialmente relacionada com o devedor, e ao que ao caso interessa, dispõe o n.º1 do art.º 49.º do CIRE:
“1 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular:
[…]
b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior.
Como escreve Gravato de Morais (26), há pessoas que, pela sua particular situação em relação a outros sujeitos, se encontram especialmente vocacionadas e aptas a fazer operar, com relativa facilidade, transmissões de bens para terceiros […]
No caso dos autos, o autor impugnante é irmão do insolvente e cunhado da insolvente, pelo que se tem de considerar verificada a existência dessa relação especial.
Ademais, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2015.04.28, relatado pela sr.ª Desembargadora Anabela Dias da Silva – disponível em www.dgsi.pt - visou a lei assim acautelar as situações que, pela natureza dos vínculos tidos com o devedor, ou proximidade com este, merecem um regime particular, dado o maior risco que os “actos” que os envolvem, acarretam para o conjunto dos credores.
Ora, uma vez que a lei estabeleceu no n.º4 do art.º 120.º do CIRE, a presunção, juris tantum, da má-fé do terceiro, “quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data”, dúvidas não restam de que o ónus de ilisão de tal presunção recai sobre o impugnante, “in casu” sobre a autora, ora apelante, cfr. Ac. Rel. Porto de 28.04.2011, in www.dgsi.pt, por força daquele dispositivo legal, relativa a actos cuja prática tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente[…]”.
No caso dos autos estão verificados esses dois vectores. Consequentemente, temos por verificada a presunção de má-fé estabelecida no n.º 4 do art. 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 350.º do Código Civil. Assim, cabia aos autores impugnantes ilidir esta presunção, demonstrando a sua boa-fé no negócio, o que não lograram efectivar. Muito pelo contrário, pois que se demonstrou que à data do negócio resolvido, os autores impugnantes e os insolventes sabiam que estes se encontravam numa situação de insolvência, ainda que iminente.
Por fim, resta apreciar se estamos perante um acto prejudicial à massa insolvente, ou seja, saber se a compra e venda em análise diminuiu, frustrou, dificultou, pôs em perigo ou retardou a satisfação dos credores da insolvência.
Na situação em mãos, não há dúvidas que o negócio é prejudicial, porquanto é simulado. Temos uma compra e venda que é meramente aparente, pois que não se quis nem comprar nem vender o imóvel objecto do negócio simulado, mas apenas subtraí-lo do património dos insolventes, sem obtenção de qualquer contrapartida para o activo patrimonial dos insolventes, tudo com intenção de prejudicarem os credores destes. Mas, ainda que assim não fosse, demonstrou-se que os insolventes fizeram sair do seu património o único bem que lhes era conhecido, impedindo, com isso, a satisfação dos créditos sobre a insolvência. Ou seja, os autores e os insolventes, com a venda, sonegaram a satisfação dos créditos dos credores, pois fizeram sair do património dos insolventes o único bem com que poderiam satisfazer os créditos.
Aliás, ainda que os insolventes tivessem recebido dinheiro pela compra e venda, como assinala Gravato de Morais e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça por ele citado, de 12/7/20078, a troca de um objecto por uma soma pecuniária não significa que não tenha havido prejuízo para a massa insolvente, pois que o dinheiro é, na verdade, um bem que pela sua própria infungibilidade é facilmente mobilizável e sonegável à acção dos credores, pelo que o facto de o preço representado por dinheiro ser dificilmente penhorável, não pode deixar de fazer representar ao adquirente a possibilidade de o credor vir a ser prejudicado (27).
Subscrevemos integralmente este entendimento, de onde resulta que do acto sempre resultaria um perigar da satisfação dos credores da insolvência.
No caso dos autos, o que temos por seguro é que nenhum bem ou montante foi apreendido nem liquidado no processo de insolvência. Ou seja, o negócio resolvido fez sair do património dos insolventes um bem, sem que tenha servido para satisfazer qualquer crédito da insolvência. Desse negócio não resultou qualquer contrapartida ao nível do activo dos insolventes que pudesse responder ou tivesse respondido efectivamente pelas suas dívidas, pelos créditos sobre a insolvência. Pelo que não há dúvidas de que o negócio em causa frustrou os créditos dos credores da insolvência.
Por conseguinte, encontram-se reunidos todos os pressupostos legais para a resolução do negócio celebrado entre os autores impugnantes e os insolventes. Pelo que bem andou o sr. Administrador da Insolvência ao ter operado essa resolução. “
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Ora, se são estas inequivocamente as conclusões a que se tem que chegar, em face da matéria de facto provada, não há dúvidas que se tem que considerar o acto jurídico em causa como enquadrável no disposto no artigo 120.º, do CIRE e, por isso, é susceptível de resolução condicional em benefício da Massa Insolvente, tal como decidido na sentença recorrida.
Aqui chegados, só nos resta concluir pela improcedência da argumentação dos Recorrentes no que concerne a este fundamento que contendia com a não verificação dos requisitos da resolução em benefício da massa insolvente operada pelo Sr. Administrador da Insolvência.
*
Pelo exposto, e tendo em conta a improcedência de toda a argumentação dos Recorrentes, pode-se, pois, aqui manter na íntegra a fundamentação de direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na sentença que proferiu.
Na verdade, contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância:
-considerou, e bem, que estavam verificados os pressupostos da resolução condicional declarada pela Sra. Administradora de Insolvência com fundamento no art. 120º do CIRE.
*
Nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongadas considerações, porque se concorda, quanto ao mais, com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, decide-se manter a decisão proferida nos seus exactos termos.
*
*
III- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pelos Recorrentes totalmente improcedente.
*
Custas pelos Recorrentes (artigo 527.º nº 1 do CPC).
*
Guimarães, 4 de Outubro de 2017
(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
Consigna-se que a Exma. 1ª Adjunta votou em conformidade a decisão exarada supra, que só não assina por não se encontrar presente (art. 153º, nº 1, in fine, do C.P.C.).
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)
1. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140;
2. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
3. Vide, neste sentido, por todos, A. Geraldes, págs. 141.
4. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
5. V. Ac. do Stj de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
6. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
7. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
8. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. Cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
9. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.
10. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
11. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
12. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017) onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”;
13. Onde se prescreve que “…4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má-fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
14. In Dgsi.pt;
15. Cfr., referem entre outros, o Ac. do STJ de 02.10.2003 in www.dgsi.pt e Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 573. Ainda, no sentido de que os simples esclarecimentos ou afirmações que não possam valer como confissão podem valer como elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do Tribunal, podem ver-se, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 387, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 248, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, pág. 211 e os Acs. do STJ, todos disponíveis in www.dgsi.pt, de 5.11.2008, de 21.01.2009, 10.12.2009, e de 20.01.2004;
16. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. II, pág. 307.
17. “CPC anotado”, Vol. II, pág. 309. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in “A acção declarativa comum à luz do CPC de 2013”, pág. 278 “… importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outras não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas…”.
18. “Declarações de Parte”, p. 58
19. In Dgsi.pt (relator: Pedro Martins). V., no mesmo sentido, o ac. da RE de 6.10.2016 (relator: Tomé Ramião), in dgss.pt que mereceu alguma precisão terminológica por parte do Prof. Teixeira de Sousa, in “Declarações de parte; relevância probatória; graus de prova”, anotação -Jurisprudência 536, no Blog IPCC, disponível na Internet. Em sentido diferente, Luís Filipe Pires de Sousa, in “ As declarações de parte. Uma síntese.”, disponível na internet, dizendo, em síntese, que “: (i) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (ii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.
20. Carvalho Fernandes/João Labareda, in “CIRE anotado”, pág. 432.
21. Carvalho Fernandes/João Labareda, in “CIRE anotado”, pág. 234.
22. Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência” págs. 225/6; Ana Prata/Jorge Morais de Carvalho/Rui Simões, in “CIRE anotado”, pág. 356.
23. V., Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência” págs. 225/6.
24. Ac. do STJ de 14.9.2010 (sumario citado por Ana Prata/Jorge Morais de Carvalho/Rui Simões, in “CIRE anotado”, pág. 356).
25. nota 6 - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris Sociedade Editora, pág. 527.