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ESCUSA
Sumário
1. O pedido de escusa constitui, a par do incidente de recusa, um meio excepcional de afastar um Juiz de um processo. Tem, assim, de ser usado com ponderação, cautela e parcimónia, tanto mais que redunda num desvio ao princípio do Juiz natural, constitucionalmente consagrado, que visa assegurar precisamente a isenção e independência de um Magistrado quando toma uma decisão.
2. Além disso há que ter presente que, no âmbito do pedido de escusa, não se pode sindicar a actividade jurisdicional da Juíza peticionante, ou seja, não interessa apurar se as decisões deste são ou não são justas, equilibradas e conformes ao direito, actividade essa reservada, como se sabe, aos recursos. Apenas interessa averiguar se ocorre alguma situação objectiva que, por fragilizar a independência e/ou a imparcialidade do Juiz, possa justificadamente minar a confiança pública na administração da justiça.
3 – O pedido de escusa de juiz tem de respeitar unicamente a processos concretos e não a todos os processos em que intervenham os advogados com os quais a Meritíssima Juíza mantém um litígio judicial.
4 - Os fundamentos do pedido de escusa têm de referir-se a sujeitos processuais e não aos seus mandatários, patronos ou defensores. É que a imparcialidade postula-se em relação à parte ou sujeito processual e não ao respectivo mandatário.
Texto Integral
Acordam, precedendo conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
1. Relatório.
A Meritíssima Juíza do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …veio, sob invocação do disposto nos art. 43.º n.º1, 44.º e 45.º do Código de Processo Penal e com fundamento no facto de ter apresentado queixa contra as Exmas. Advogadas Dr.ªs ….a quem imputa a prática de um grave atentado à sua honra profissional, consubstanciado em afirmações tidas por injuriosas ou falsas e tentativas de coacção no âmbito do processo n.º …/, e tendo em vista evitar tal seja usado para suscitar desconfiança quanto à sua isenção e imparcialidade, veio requerer lhe seja concedidaescusa em todos os processos em que intervenham as referidas Advogadas.
Juntou cópia da queixa que apresentou contra as referidas advogadas nos serviços do Ministério Público da Comarca de … (cf. fls.3 a 5), cópia da acta da sessão do dia 2 de Fevereiro de 2007 da audiência de discussão e julgamento do processo comum singular n.º …/ cópia de decisões proferidas pela Meritíssima Juíza no mesmo processo com data de 26.2.2007, bem como requerimento da Exma. Defensora oficiosa do arguido, Dr.ª , no qual esta invoca várias irregularidades, alegadamente cometidas na sessão da audiência de julgamento do dia 14 de Fevereiro de 2007, e requer, a final, a rectificação da acta dessa audiência, que o tribunal esclareça qual o motivo da porta da sala onde ocorreu o julgamento se encontrar encerrada, informando que no seguimento da audiência de julgamento, realizada em 3 sessões, ela defensora oficiosa deu entrada no Hospital Particular de … e terá de ser medicada durante 6 meses, pelo menos, pelos danos que imputa não só a Meritíssima Juíza mas também à Digna Magistrada do Ministério Público presente na audiência de julgamento, anunciando que irá ser indemnizada em sede própria, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2. Neste Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a pretensão de escusa deve ser deferida.
3. Foi solicitado à primeira instância que informasse se já foi proferida sentença no processo que está na origem do pedido de escusa e, em caso afirmativo, quando, tendo-se apurado que aquela já foi proferida em 27.3.2007, dela tendo sido interposto recurso para esta Relação, tendo o processo sido distribuído em 24.3.2007, com o n.º …/07 - 1.
O pedido de escusa mostra-se suficientemente instruído, pelo que não se revela necessária a produção de outras provas.
4. Foram colhidos os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir:
5. Apreciando:
Estamos perante um caso de pedido de escusa que se fundamenta na existência de um litígio surgido no âmbito do processo comum singular n.º …/do 2.º Juízo Criminal de …, decorrente, nomeadamente, de decisões tomadas pela senhora juíza na fase da audiência de discussão e julgamento e que desagradaram às duas causídicas acima referidas, que se manifestaram arguindo irregularidades em termos que se podem considerar-se desrespeitosos e mesmo ofensivos da honra e consideração da Magistrada requerente e que, em consequência, pede seja escusada de intervir em todos os processos em que aquelas Senhoras Advogadas intervenham.
O art. 43º nº1 e 4 do CPP estatui:
1. A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2. Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40.º.
3- A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.
4. O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos nº1 e 2.
O art. 44.º do mesmo Código estabelece que “o requerimento de recusa e opedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos, ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate”.
Por seu turno do art. 45º nº1 al. a) do mesmo diploma legal resulta que o requerimento de recusa e o pedido de escusa devem ser apresentados juntamente com os elementos em que se fundamentam, perante o tribunal imediatamente superior.
O pedido de escusa constitui, a par do incidente de recusa, um meio excepcional de afastar um Juiz de um processo. Tem, assim, de ser usado com ponderação, cautela e parcimónia, tanto mais que redunda num desvio ao princípio do Juiz natural, constitucionalmente consagrado, que visa assegurar precisamente a isenção e independência de um Magistrado quando toma uma decisão.
Na verdade, é consabido que, no âmbito da jurisdição penal, o legislador, escrupuloso no respeito pelos direitos dos arguidos, consagrou, como princípio sagrado e inalienável, o do juiz natural.
Pressupõe tal princípio que intervirá na causa o juiz que o deva ser segundo as regras de competência legalmente estabelecidas para o efeito.
Princípio que foi mesmo elevado à dignidade constitucional, ao prescrever-se na lei fundamental (art.32.º, n.º9) que “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”, excepcionados os casos especiais legalmente permitidos.
Na verdade, pretendeu o legislador - logo a partir da titularidade do direito de punir - proteger os arguidos com um escudo que os pusesse a coberto de arbitrariedades no exercício desse direito.
A subtracção de um processo criminal ao Juiz a quem foi atribuída competência para julgar um caso, através de sorteio aleatório, feito por meio informático e nos termos pré-determinados na lei (o “juiz natural”), não pode deixar de ser encarada como absolutamente excepcional.
Assim, impondo-se a intervenção da Meritíssima Juíza requerente, por força do princípio do juiz natural, a mesma só será de remover-se em situações-limite, ou seja, unicamente e apenas quando outros princípios ou regras, porventura de maior dignidade, o ponham em causa, como sucede, por exemplo, quando o juiz natural não oferece garantias de imparcialidade e isenção no exercício do seu munus, pois tal princípio não foi arvorado em regra de lei por mero obséquio ao poder de punir, mas exclusivamente para protecção da liberdade e do direito de defesa do arguido. Tais princípios têm tutela constitucional (o do juiz natural inscrito no art.32.º, n.º9, e o da imparcialidade e isenção nos art. 203.º e 216.º), podem subsistir na ordem jurídica, sem que seja necessário sacrificar qualquer um deles.
Havendo, porém, que o fazer, há-de, naturalmente, prevalecer o da imparcialidade e isenção, por ser ele o melhor guardião das garantias de defesa do arguido, que o legislador constitucional ergueu como trave mestra do seu estatuto processual. Mas não de uma forma cega e desatenta, como resulta do facto do legislador abrir mão da regra do juiz natural, apenas em circunstâncias muito rígidas e bem definidas, ou seja, tão só quando constituir motivo sério e grave, como resulta da letra do n.º1, do art.43, do CPP, denunciador que o juiz natural deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção, considerando a delicadeza, a complexidade, a relevância social e as consequências para o processo e para a imagem da justiça que fica se de forma leviana e ligeira se deferir um pedido desta importância.
Além disso há que ter presente que, no âmbito do pedido de escusa, não se pode sindicar a actividade jurisdicional da Juíza peticionante, ou seja, não interessa apurar se as decisões deste são ou não são justas, equilibradas e conformes ao direito, actividade essa reservada, como se sabe, aos recursos. Apenas interessa averiguar se ocorre alguma situação objectiva que, por fragilizar a independência e/ou a imparcialidade do Juiz, possa justificadamente minar a confiança pública na administração da justiça.
É, com efeito, através da independência dos juízes que se asseguram os fundamentos de uma actuação livre dos tribunais face a pressões que lhes sejam dirigidas.
A lei, visando essa independência acolheu mecanismos capazes de preservar uma atmosfera de pura objectividade e de incondicional juridicidade.
Citando o Prof. Jorge de Figueiredo Dias, in DPP, IºV, 320, pertence pois a cada juiz evitar, a todo o preço, quaisquer circunstâncias que possam perturbar aquela atmosfera, não enquanto tais circunstâncias possam fazê-lo perder a imparcialidade, mas logo enquanto possa criar nos outros a convicção de que ele a perdeu.
A nossa actual lei processual afastando-se de uma solução de enumeração taxativa dos motivos geradores de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz adoptou, tal como no direito alemão, uma cláusula geral que refere que o juiz pode ser recusado ou pedir escusa quando a sua intervenção correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
Como tem sido observado, a imparcialidade do juiz pode ser vista numa dupla perspectiva. Numa perspectiva subjectiva, procura-se conhecer o que o juiz pensava no seu foro íntimo em determinada circunstância; esta imparcialidade presume-se até prova em contrário.
Mas, nesta matéria, as aparências não podem ser ignoradas.
Importa assegurar a imparcialidade objectiva do tribunal, de acordo com o adágio inglês "justice must not only be done...". [Sobre a exigência de um tribunal imparcial, no texto do art. 6 da Convenção, v. La Convention Européenne des Droits de L' Homme, Commentaire article par article, sob a direcção de L. E. Pettiti, E. Decaux e P.H. Imbert, 2.ª edição, 1999, p. 260 e ss; v., também, a sentença do TEDH, de 22 de Abril de 1994, caso Saraiva de Carvalho contra Portugal, in RPCC, ano 4, n.º 3, 1994, p.405 e ss.]
Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos. [Acórdão De Cubber, a 86, pág. 14 e 26, citado por Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, 2.ª edição, p. 155.]
Dá-se importância à chamada "teoria das aparências", considerando-se que o elemento determinante consiste em saber se as apreensões do interessado podem ter-se como objectivamente justificadas. [Acórdão Hauschildt, de 24 de Maio de 1989, A 154, p. 21, & 48, citado por Irineu Cabral Barreto, obra citada, p. 156.]
Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem acentuado as garantias de imparcialidade dos juízes.
Escreveu-se no Acórdão n.º 135/88, do Tribunal Constitucional:
"A independência dos juízes é, acima de tudo, um dever - um dever ético - social. A "independência vocacional", ou seja, a decisão de cada juiz de, "ao dizer o direito", o fazer sempre esforçando-se por se manter alheio - e acima - de influências exteriores, é, assim, o seu punctum saliens. A independência, nesta perspectiva, é sobretudo, uma responsabilidade que terá a "dimensão" ou a "densidade" da fortaleza de ânimo do carácter e da personalidade moral de cada juiz.
Com sublinhar estes pontos, não pode, porém, esquecer-se a necessidade de existir um quadro legal que "promova" e facilite aquela "independência" vocacional.
Assim, necessário é, inter alia, que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição.
É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de "administrar justiça". Nesse caso, não deve poder intervir no processo, antes deve pela lei ser impedido de funcionar - deve, numa palavra, poder ser declarado iudex inhabilis..."
E, no mesmo acórdão, reconheceu-se que "o direito a um julgamento independente e imparcial e, mais do que isso, a garantia pública dessa independência não eram, decerto, dimensões menores do princípio das garantias de defesa que o processo penal de um Estado de direito tem que assegurar", sob pena de se "pôr em crise o princípio do due process of law, do fair process, do processo devido e leal".[Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º volume, p. 951; v., ainda, entre outros, Acs. n.º 68/90 e 124/90, in Acórdãos, 15.º volume, p. 247 e ss e 417 e ss, respectivamente; e Ac. 227/97, in Acórdãos, 36.º volume, p. 447 e ss.]
Já o Prof. Manuel Cavaleiro Ferreira acentuava a preponderância da perspectiva objectiva da imparcialidade, ao escrever: "Não importa, aliás, que na realidade das coisas, o juiz permaneça imparcial; interessa, sobretudo, considerar se em relação com o processo poderá ser reputado imparcial, em razão dos fundamentos de suspeição verificados". [Curso de Processo Penal, I, Reimpressão da Universidade Católica, 1981, pag.237].
É claro que o juízo a fazer sobre a imparcialidade do juiz dependerá das circunstâncias de cada caso.
Esse motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, há-de resultar de objectiva justificação, avaliando as circunstâncias invocadas pelo requerente, não pelo convencimento subjectivo deste, mas pela valoração objectiva das mesmas circunstâncias, a partir do senso e experiência comuns, conforme o juízo de cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador; o que importa é, pois, determinar se um cidadão médio, representativo da comunidade pode, fundadamente, suspeitar que o juiz influenciado pelo facto invocado, deixe de ser imparcial e injustamente o prejudique. Visa-se preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os Tribunais devem oferecer aos cidadãos.
A seriedade e gravidade do motivo causador do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz têm de ser apreciadas num plano objectivo de acordo com o senso e experiência comuns.
É esta a posição da doutrina e da jurisprudência
Como decidiu o STJ no seu aresto de 14.6.2006, in proc.1286/06.5, há que atentar no seguinte:
“No incidente de escusa de juiz não relevam as meras impressões individuais, ainda que fundadas em situações ou incidentes que tenham ocorrido entre o peticionante da escusa e um interveniente ou sujeito processual, num processo ou fora dele, desde que não sejam de molde a fazer perigar, objectivamente, por forma séria e grave, a confiança pública na administração da justiça e, particularmente, a imparcialidade do tribunal.
De outro modo, poder-se-ia estar a dar caução, com o pedido de escusa, a situações que podiam relevar de motivos mesquinhos ou de formas hábeis para um qualquer juiz se libertar de um qualquer processo por razões de complexidade, de incomodidade ou de maior perturbação da sua sensibilidade.
O motivo de escusa apresentado tem de ser sério e grave, objectivamente considerado, isto é, do ponto de vista do cidadão médio, que olha a justiça como uma instituição que tem de merecer confiança.
A regra do juiz natural ou legal, com assento na Constituição - art. 32.º, n.º 9 - , só em casos excepcionais pode ser derrogada, e isso para dar satisfação adequada a outros princípios constitucionais, como o da imparcialidade, contido no n.º 1 do mesmo normativo. Mas, para isso, é preciso que essa imparcialidade esteja realmente mesmo em causa, em termos de um risco sério e grave, encarado da forma sobredita.”
No caso concreto, presumindo-se, embora, a imparcialidade subjectiva, será objectivamente justificado o receio da Meritíssima Juíza de que a sua intervenção no processo n.º …/ do 2.º Juízo Criminal de … corra o risco de ser considerada suspeita perante o litígio surgido com as senhoras advogadas acima referidas, que justifique a pretensão deduzida?
Pensamos que não.
Em primeiro lugar, o pedido de escusa formulado depois de proferida a sentença, como é o caso em apreciação relativamente ao processo n.º …/, é intempestivo.
Em segundo lugar, o pedido de escusa de juiz tem de respeitar unicamente a processos concretos e não a todos os processos em que intervenham os advogados com os quais a Meritíssima Juíza mantém um litígio judicial.
Por último, os fundamentos do pedido de escusa têm de referir-se a sujeitos processuais e não aos seus mandatários, patronos ou defensores.
A imparcialidade postula-se, como se viu, em relação à parte ou sujeito processual e não ao respectivo mandatário. O que significa que se tornaria necessário, à luz do disposto no art. 43.º, que acima se transcreveu, estabelecer a relação entre a divergência com as ilustres causídicas e um eventual propósito de desfavorecer o sujeito processual que representam nos referidos autos.
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 18.04.2001, proferido no proc.844/2001, “o facto de alguém, designadamente o advogado do arguido, do assistente ou da parte civil pôr em causa ou perturbar a tramitação processual ou os actos processuais, nomeadamente as audiências de julgamento, mesmo que de forma ofensiva do tribunal e dos magistrados, e de lançar sobre o juiz da causa a suspeita de que não é imparcial, sem fundamento válido, e de em consequência disso gerar uma situação de alguma tensão com o julgador, não constitui, razão ou motivo para que se duvide da imparcialidade do juiz. A não ser assim, encontrada estava a forma de afastar o julgador de um qualquer processo ou de protelar a tramitação deste, pondo em causa o regular funcionamento dos tribunais e a independência dos magistrados”.
Da documentação junta pela Magistrada requerente é patente, como já referimos, a existência de um grave litígio entre ela e as Exmas. Advogadas, Dr.ªs , devido a actuações daquela no decurso do julgamento, que já motivou a apresentação de queixa-crime, participação à Ordem dos Advogados e ao Conselho Superior da Magistratura, o que poderá prejudicar a função pacificadora do direito e decisões nele fundadas que venham a ser proferidas por aquela no processo acima referido, em que estas intervêm, dando azo a inúmeros incidentes processuais.
Ponderando este quadro factual, afigura-se-nos natural o receio da Meritíssima Juíza em continuar a intervir em processos em que intervêm advogadas que puseram em dúvida a sua honorabilidade, na medida em que a prolação de qualquer decisão menos favorável aos interesses do sujeito processual que representam é susceptível de ser encarada e interpretada como represália.
Percebe-se que está criada uma situação com cuja convivência a maior parte dos intervenientes judiciários se sentiria incomodada. Será certamente causador de algum melindre para a Senhora Juíza continuar a tramitar o processo em que surgiu o litigio que está na base da formulação do pedido de escusa, mas a paciência e serenidade, sem prejuízo da firmeza nas decisões, são ónus da profissão por que optou. Isso, no entanto, não constitui motivo ponderoso para a libertar do dever funcional de conduzir o processo com total isenção e imparcialidade.
Tanto quanto transparece dos autos, nenhum interesse pessoal não relacionado com o exercício da função está subjacente à sua actuação, o que nos leva a considerar que tal situação em nada irá afectar as suas isenção e imparcialidade, aliás bem demonstradas até com a sua louvável preocupação em formular o presente pedido, comprovando ser bem credora de toda a confiança.
Por isso que não parece razoável afastar do processo o juiz natural só porque algum defensor ou advogado constituído por um sujeito processual na causa lhe imputa actuação funcional menos adequada, que nem sequer foi apurada pelo órgão de disciplina competente (o CSM). Aceitar isso, seria abrir a porta às partes ou sujeitos processuais, para afastar o julgador que lhes desagradasse, sem terem necessidade de fazer uso do procedimento adequado a essa finalidade. Sob um qualquer pretexto, escrevinhavam-se algumas queixas-crime e outras tantas participações ao Conselho Superior da Magistratura e ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados e tal seria bastante para que se suscitasse a questão da sua imparcialidade.Isso podia passar a ser usado como um intolerável meio de pressão sobre o titular do processo.
Deste modo, embora se reconheça o melindre da situação e a posição menos confortável ou até desagradável em que se encontra o Meritíssima Juíza peticionante, o certo é que nada aponta no sentido de se levantar suspeita sobre a sua imparcialidade pelos destinatários da justiça que lhe cabe administrar.
A discordância das Exmas. Advogadas relativamente às decisões que tomou ou venha a tomar será eventualmente apreciada em sede de recurso e em nada irá bulir com a isenção e imparcialidade, que, por certo, a Meritíssima Juíza sempre soube emprestar ao seu desempenho.
Entendemos, por isso, que, para além da intempestividade do pedido de escusa de intervenção no processo onde se operaram as intervenções que lhe servem de fundamento, a situação relatada, no seu contexto, não permite deferir a peticionada escusa ao abrigo do art.43.º n.º1 do Código de Processo Penal.
Na verdade, não se verifica qualquer motivo adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade na condução do processo e, muito menos, um motivo sério e grave
6. Decisão.
Nestes termos, acordam os juízes desta Secção Criminal em indeferir o pedido de escusa formulado pela Meritíssima Juíza de Direito do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ….
Sem custas.
(Processado por computador e revisto pelo relator)