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MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
SIMULAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário
I - O depoimento indirecto ou testemunho por ouvir dizer (hearsay testimony) não é proibido, mas a sua relevância probatória deve ser rodeada de especiais cautelas, pois a testemunha que o presta nada mais fará que repetir o que lhe disseram
II - Um dos pressupostos da modificabilidade da matéria de facto pela Relação é o erro evidente e notório da 1ª instância na apreciação das provas, como decorre do art. 6900-A nº 1-b) e 712° nº 1-a e b) CPC. E tal erro evidente e notório só existe, dentro do perímetro definido pela liberdade de apreciação e de julgamento das provas, maxime da prova testemunhal (art. 396° CC e 655° nº 1 CPC), quando todos os depoimentos, fundados em conhecimento directo e imediato dos factos, apontarem num sentido e o Tribunal, sem justificação plausível, decidir em sentido diverso.
III – Se um negócio for declarado nulo por simulado, deve o mesmo ser destruído e, consequentemente, as partes restituídas ao status quo ante.
IV – Se o tribunal se deparar com uma simulação relativa e tiverem sido observadas as formalidades legais para tanto, será considerado como praticado o negócio dissimulado.
V – O artigo 474º do Código Civil atribui natureza subsidiária ao instituto do enriquecimento sem causa
Texto Integral
* PROCESSO Nº 2251/07 – 2
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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RELATÓRIO
O Tribunal de … foi chamado a decidir uma acção proposta por “A” contra sua ex-mulher, “B”, na qual aquele pedia a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 6.514,19, acrescida de juros de mora vincendos, desde a citação.
Para o efeito, alegou, em síntese, ter sido casado com ela e, aquando do divórcio, terem acordado ambos que a casa de morada de família seria adjudicada, à Ré, mas, para esta contrair mais facilmente um empréstimo bancário, combinaram, ambos, que o Autor adquiriria a fracção, por partilha subsequente ao divórcio e, posteriormente, declararia vendê-la à Ré, o que foi feito, apesar de não receber o preço devido; tendo ambos combinado que quaisquer impostos que fossem devidos sobre esta transacção seriam integralmente suportados pela Ré, pretende o Autor haver da mesma a quantia que pagou, às Finanças, no montante de € 6.514,19, a título de mais valias, decorrentes do preço declarado na escritura.
A Ré defendeu-se por excepção e por impugnação da versão dos factos apresentada pelo Autor.
Este respondeu.
No despacho saneador, foram desatendidas as excepções e organizada a selecção fáctica juridicamente relevante.
Prosseguindo a tramitação, veio a realizar-se audiência de julgamento com gravação dos depoimentos, finda a qual foram decididas as questões de facto controvertidas levadas à base instrutória.
Seguidamente, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré do pedido, por falta de prova do acordo entre as partes quanto ao reembolso do Autor pela Ré dos encargos fiscais por aquele suportados com a alegada compra e venda, se bem que reconhecendo a simulação negocial relativa desta por ocultar uma doação com o propósito de conseguir um empréstimo bancário.
Inconformado recorre o Autor para esta Relação, impugnando a decisão sobre a matéria de facto que deveria ser alterada no sentido da prova do alegado acordo e, em subsidiariedade sucessiva, a decisão de direito, com fundamento no enriquecimento sem causa e na simulação, como se depreende das conclusões propostas na alegação e que delimitam o objecto do recurso:
1 - Em consequência dos vários depoimentos que se registaram e transcreveram longamente, deve revogar-se a sentença na parte em que dá como provado o acordo gizado entre apelante e apelada.
2 - De facto, de todos os depoimentos registados, resulta inequivocamente que, com base no princípio da boa-fé que presidiu à negociação da partilha, que apelante e apelada concretizaram, o recorrente só outorgou a favor da recorrida, os contratos de partilha e compra e venda, porque esta, firmemente, anuiu no pagamento de todos e quaisquer encargos que de tal resultassem para aquele.
3 - Caso se não entendesse provado este facto, sempre da matéria dada como provada, decorreria obrigatoriamente a obrigação da restituição de tal importância, por se verificar, no caso em apreço, os três requisitos de que o art. 473º do CC faz depender a verificação do enriquecimento sem causa.
4 - Efectivamente, o apelado viu o seu património duramente empobrecido ao ponto de ter que contrair um empréstimo hipotecário para pagamento de obrigações fiscais que só decorrem do recebimento de um preço, que este todavia, não recebeu.
5 - Mas, mesmo que se entendesse não estarmos no domínio de relação submetida ao instituto do enriquecimento sem causa, sempre a mesma se achava subordinada, por virtude da nulidade do negócio simulado, como é referido na sentença recorrida, obrigada a restituir, já que ao negócio simulado são aplicados também os princípios do enriquecimento sem causa.
6 - Por tudo isto, também a douta sentença deve ser revogada, por outra que julgue a acção procedente.
7 - Caso assim se não entenda, deve declarar-se nula a sentença, atento nos termos do art. 668º do CPC, a mesma enfermar dos vícios constantes do nº 1, alíneas b) e d).
A Ré contra-alegou em defesa da subsistência da sentença.
Remetido o processo a esta Relação, após o exame preliminar, foram corridos os vistos legais, nada continuando a obstar ao conhecimento do recurso.
FUNDAMENTAÇÃO
- DE FACTO:
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
A)- Autor e Ré foram casados, entre si, no regime de comunhão de adquiridos, tendo sido o casamento dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, decretado por sentença proferida em 2/11/99, nos autos de divórcio nº 71/99 do … Juízo do Tribunal Judicial de … ( al. A) da factualidade assente).
B)- Do acervo conjugal, fazia parte uma fracção autónoma, designada pela letra «AJ», correspondente ao 9° andar A, destinado a habitação, que fazia parte do prédio submetido ao regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, Lote …, Urbanização …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz sob o rt° 4446°- AJ, descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o nº 00210/090186 - AJ (al. B) da factualidade assente ).
C)- Este imóvel encontrava-se hipotecado à “C” ( al. C) da factualidade assente ).
D)- Neste imóvel, os cônjuges haviam constituído a casa de morada de família ( al. D) da factualidade assente ).
E)- O Autor adquiriu o imóvel aludido na al. B) da factualidade provada, por partilha subsequente ao divórcio ( al. E) da factualidade assente).
F)- Em 7/4/2000, o Autor vendeu, à Ré, a aludida fracção, sendo o preço declarado na escritura de 11.000.000$00, tendo a Ré adquirido a fracção mediante recurso a empréstimo bancário junto do “D” (al. F) da factualidade assente) .
G)- No dia 11/1/2005, o Autor contraiu, junto da “C”, agência de …, um empréstimo no valor de € 10.000,00 ( al. G) da factualidade assente) .
H)- Em 4/10/2003, o Autor contraiu casamento civil, sem convenção antenupcial, com “E” ( al. H) da factualidade assente).
I)- Aquando do divórcio, Autor e Ré acordaram que o imóvel identificado na al. B) da factualidade provada, seria adjudicado, à Ré ( resposta ao nº 1 da base instrutória) .
J)- Para que esta pudesse suportar o encargo do empréstimo, foi decidido que seria mais vantajoso a referida fracção ser adjudicada, por partilha, ao Autor ( resposta ao nº 2 da base instrutória ).
K)- O qual posteriormente a venderia à Ré (resposta ao nº 3 da base instrutória).
L)- Para que esta contraísse mais favoravelmente um empréstimo bancário, o que foi feito ( resposta ao nº 4 da base instrutória ).
M)- Contrariamente ao declarado na escritura, o Autor não recebeu o preço aludido na al. F) da factualidade assente ( resposta ao nº 5 da base instrutória ).
N)- O que aconteceu em consequência do acordo firmado com a Ré, aludido nas als. J), K) e L) da factualidade provada ( resposta ao nº 6 da base instrutória ).
0)- Com data de 26/11/2004, o Autor recebeu, com proveniência fiscal, uma notificação para cobrança, nos termos da qual foi notificado para pagar, até ao dia 5/1/2005, a importância de €6.514,19, assim discriminada: estorno da liquidação de 2000 ( liquidação … ), no montante de € 2.368,51; acerto da liquidação de 2000 ( liquidação … ), no montante de € 3.117,25 e juros compensatórios ( liquidação … ), no montante de €1.028,43 ( resposta ao nº 8 da base instrutória ).
P)- o Autor solicitou, à Ré, que pagasse a aludida importância ( resposta ao nº 9 da base instrutória ).
Q) - Mas esta não anuiu ( resposta ao nº 10 da base instrutória ).
R)- Em face da recusa da Ré em pagar a importância de €6.514,19, o Autor pagou a mesma, às Finanças ( resposta aos nas 11 e 13 da base instrutória ).
S)- A liquidação da quantia mencionada na al. R) da factualidade provada, ocorreu em 5/1/2005 (resposta ao nº 14 da base instrutória ).
T)- O Autor apresentou, no ano de 2000, uma primeira declaração de IRS., que deu um reembolso, no ano de 2001, no montante de € 2.368,51; tendo o Autor, em 16/9/2004, entregue uma declaração de substituição, com um anexo G ( mais valias), que não tinha entregue na primeira declaração e, em consequência, foi feita uma liquidação correctiva, que deu um imposto a pagar de €3.117,25, sobre o qual recaíram juros compensatórios, o que perfez um montante global a pagar de € 6.514,19, reportado a 26/11/2004 ( resposta aos nºs 15, 16 e 17 da base instrutória ).
U)- O Autor aceitou a situação aludida na al. T) da factualidade provada, não tendo reclamado, nem deduzido impugnação ( resposta ao nº 18 da base instrutória ).
V)- Em 2000, Autor e Ré fizeram, em separado, a declaração de IRS. ( resposta ao nº 19 da base instrutória ).
W)- A aquisição indica da na al. E) da factualidade provada, ocorreu em 17/2/2000 ( resposta ao nº 20 da base instrutória ).
X)- O empréstimo aludido na al. G) da factualidade provada, só foi contraído também pela mulher do Autor, por exigência bancária ( resposta ao nº 27 da base instrutória ).
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Na sua alegação, o apelante impugna a decisão "não provado" da 1ª instância sobre a questão de facto vertida no ponto 7° da base instrutória, o qual era do seguinte teor:
"Foi combinado entre Autor e Ré que quaisquer custos ou pagamentos de impostos que fossem devidos seriam integralmente suportados por esta última?"
Teve, como se disse, resposta "não provado".
E, em sede de fundamentação, a 1ª instância justificou tal decisão pela inexistência, quer de documento escrito comprovativo de acordo das partes nesse sentido, quer de depoimentos de testemunhas directamente conhecedoras desse acordo.
Ouvida a gravação da prova, somos forçados a concluir como a 1ª instância.
Com efeito, para além do depoimento de parte do próprio Autor que, nesta matéria não tem relevância confessória - e logo probatória - se é certo que várias testemunhas inquiridas se referiram a esse acordo, não é menos verdade que tal conhecimento não lhes adveio directa e imediatamente, mas por via indirecta e mediata através do próprio Autor e apelante.
Aliás, isso mesmo decorre das transcrições de depoimentos efectuadas pelo apelante.
O depoimento indirecto ou testemunho por ouvir dizer (hearsay testimony) não é proibido, mas a sua relevância probatória deve ser rodeada de especiais cautelas, pois a testemunha que o presta nada mais fará que repetir o que lhe disseram; por maioria de razão quando reportam a fonte do seu conhecimento, a sua razão de ciência, ao que lhe foi transmitido por uma das partes ... como é o caso em apreço.
E se isto é válido quando a fonte do conhecimento se reporta à razão de ciência de outras pessoas, por maioria de razão, quando estas pessoas são as próprias partes em litígio, sob pena de ser forçosa a conclusão da relevância probatória do depoimento da parte indirecto, mesmo quando destituído de valor confessório ...
Por conseguinte, não sendo os depoimentos prestados - a propósito da alegada existência do acordo entre apelante e apelada quanto ao pagamento por esta das dívidas fiscais que viessem a ser imputadas aquele - decisivos quanto a tal acordo, não pode esta Relação alterar a resposta da 1ª instância ao referido ponto controvertido.
Um dos pressupostos da modificabilidade da matéria de facto pela Relação é o erro evidente e notório da 1ª instância na apreciação das provas, como decorre do art. 6900-A nº 1-b) e 712° nº 1-a e b) CPC.
E tal erro evidente e notório só existe, dentro do perímetro definido pela liberdade de apreciação e de julgamento das provas, maximé da prova testemunhal (art. 396° CC e 655° nº 1 CPC), quando todos os depoimentos, fundados em conhecimento directo e imediato dos factos, apontarem num sentido e o Tribunal, sem justificação plausível, decidir em sentido diverso.
O que, como se disse, não é o caso em apreço. Improcede, pois, a impugnação da decisão de facto.
DE DIREITO
Frustrada a pretendida fonte contratual para crédito de reembolso do Autor e apelante por falta de prova do acordo que alegara ter celebrado com a Ré apelada, invoca ele, em subsidiariedade sucessiva, como fontes do seu direito de crédito o enriquecimento sem causa e a nulidade decorrente da simulação.
Vejamos então se se verificam os pressupostos do enriquecimento sem causa.
O nº 1 do art. 473° CC enuncia o princípio geral de que o enriquecimento injustificado à custa de outrem deve ser restituído e o nº 2 define a medida do objecto desta obrigação de restituir: o que foi indevidamente recebido, o que foi recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou, esclarecendo ainda o art. 479° nº 1 CC que tal obrigação compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido.
Todavia, o art. 4740 CC confere natureza subsidiária ao recurso a esta fonte de obrigações: "não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, ... ".
Importa, pois, apurar se os factos provados permitem o recurso a outros meios jurídicos de satisfação do crédito do apelante.
A própria sentença recorrida refere um - a simulação negocial - que o recorrente agora também invoca, invocando a nulidade daquela por omissão de pronúncia sobre as respectivas consequências.
Daí que, invertendo a ordem das questões colocadas pelo recorrente se vá conhecer desta.
Escreveu-se na sentença recorrida:
"Revela-se, assim, que a referida venda é simulada, pois ambas as partes não pretendiam efectuar qualquer negócio de compra e venda, tendo sido apenas um expediente que ambos encontraram para que o imóvel fosse adjudicado, à Ré, e esta pudesse contrair mais facilmente um empréstimo bancário".
Afigura-se-nos, porém, que a simulação abrange, não apenas, o contrato de compra e venda, mas todo o processo que se iniciou com a partilha do património conjugal - na qual o imóvel foi adjudicado ao Autor, ora recorrente - e culminou com o contrato de compra e venda entre este e a Ré, sua ex-cônjuge.
De qualquer forma, estando em causa apenas a simulação da forma jurídica de transmissão do direito de propriedade daquele para esta, concordamos com a afirmação contida na sentença recorrida.
Houve, pois, simulação de um contrato de compra e venda, pois que, inexistindo o pagamento da contrapartida do preço declarado, o negócio realmente efectuado foi uma verdadeira doação; a compra e venda encobriu, pois, uma doação.
A relevância jurídica da simulação pressupõe, contudo, para além do acordo das partes, o propósito comum de enganar terceiros (art. 240° nº 1 CC).
Terceiro, neste caso, será a instituição bancária junto da qual foi contraído o empréstimo para financiar o "pagamento do preço" da compra e venda.
O nº 2 do art. 240° prescreve que o negócio simulado - in casu, a compra e venda é nulo, mas o art. 241° logo ressalva a hipótese de simulação relativa quando sob o negócio dissimulado (isto é, fingido) existir um outro que as partes quiseram realizar (isto é, o negócio real): neste caso, aplicar-se-á o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação; logo, o do negócio real.
O nº 2 do art. 241° restringe esta regra nos casos de o negócio real ser de natureza formal: neste caso, o negócio dissimulado só será válido se tiver sido observada a forma legalmente prescrita por lei.
No caso em apreço, em que sob as aparências formais de uma escritura pública uma compra e venda se escondeu uma verdadeira doação, não se coloca esta questão.
O negócio entre as partes deve ser tratado como doação e não como compra e venda, pois que, conforme a vontade das partes, o direito de propriedade sobre o imóvel foi transmitido da esfera jurídica do Autor e recorrente para a da Ré e recorrida.
Não há omissão de pronúncia, como o recorrente sustenta, quando a sentença recorrida não decretou a restituição desta prestação efectuada.
O princípio geral em sede de nulidade é o de que deve ser restituído tudo o que em cumprimento do negócio nulo foi prestado (art. 289° nº 1 CC): se o negócio é nulo e, como tal deve ser destruído, é como se as partes fossem restituídas ao statu quo anterior à sua celebração.
Mas, como se disse, a nulidade do negócio simulado não prejudica o negócio real, observadas as prescrições formais deste.
Logo, a compra e venda, porque simulada, é nula, mas a doação - tida em vista por ambas as partes, logo conforme à vontade destas - é válida.
Logo, não tinha que ser restituída a propriedade do imóvel ao património do Autor. Nem era isso o que o Autor pretendia com a presente acção, mas apenas ser reembolsado pela Ré dos custos e encargos fiscais que a venda daquele (afinal simulada ... ) lhe acarretou em sede de mais valias.
Prescreve o art. 39° da Lei Geral Tributária (DL nº 398/98 de 17 de Dezembro) no seu nº 1 que em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado e no nº 2 que a tributação do negócio jurídico … constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a sua nulidade.
Ora, as consequências tributárias do negócio fingido (a compra e venda) foram, para o Autor, a consideração do preço declarado como contrapartida como ganho sujeito a mais valia e logo a incremento patrimonial sujeito a IRS (art. 1°, 9° nº 1-a) e 10° nº 1-a) do respectivo Código) e para a Ré, a sua isenção da Ré da tributação em sisa.
Por sua vez, a consideração do negócio real (a doação) nunca implicaria para o Autor qualquer ganho tributável como mais valia enquadrável na categoria G do IRS, mas acarretaria sempre a tributação da Ré em imposto sobre doações (art. 3°, 7° do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, aprovado pelo DL N° 41969, de 24 de Novembro de 1958, em vigor à data do negócio).
Por conseguinte, à luz do negócio real, forçoso é concluir, por um lado, que o Autor suportou encargos que não deveria suportar e que a Ré poupou despesas que deveria custear; logo, enquanto o Autor empobreceu, a Ré enriqueceu ...
Não há lugar à restituição por enriquecimento sem causa quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído (art. 474° CC).
É à Administração Tributária - não aos Tribunais e estes pelo menos em primeira linha - que compete a liquidação dos impostos e a respectiva revisão.
Logo, se a Ordem Jurídica Civil e Fiscal em sede de simulação negocial manda atender ao negócio real e não ao simulado, não podendo este subsistir na ordem jurídica civil - o que decorre da oficiosidade do conhecimento da nulidade (art. 286° CC) - não deve poder também subsistir na ordem fiscal.
Daí que a sentença recorrida não possa subsistir tão só na parte em que, reconhecendo a simulação, não declara a nulidade da compra e venda, mantendo-se na parte em que julga improcedente a pretensão do Autor.
Em síntese:
- O depoimento indirecto ou testemunho por ouvir dizer Chearsay testimony) não é proibido, mas a sua relevância probatória deve ser rodeada de especiais cautelas, pois a testemunha que o presta nada mais fará que repetir o que lhe disseram; por maioria de razão quando reportam a fonte do seu conhecimento, a sua razão de ciência, ao que lhe foi transmitido por uma das partes.
- Daí que a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto que os desconsiderou não possa ser alterada na Relação com fundamento em tais depoimentos indirectos, por os mesmos não serem decisivos nem forçarem decisão diversa da proferida.
- Improcedendo a pretensão de reembolso dos encargos fiscais suportados por uma das partes num negócio simulado por falta de prova desse acordo de reembolso, a reposição do equilíbrio da ordem jurídica civil e fiscal passa pela declaração de nulidade do negócio simulado e, se observadas as respectivas formalidades legais, pela consideração do negócio realmente querido pelas partes.
- Por isso, não é possível recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa, dada a natureza subsidiária deste.
ACÓRDÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em, julgando parcialmente procedente a apelação, decretar a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda celebrado entre o Autor e a Ré em 7/4/2000, pelo qual aquele declarou vender à Ré, pelo preço de Esc. 11.000.000$00, a fracção autónoma, designada pela letra «AJ », correspondente ao 9° andar A, destinado a habitação do prédio submetido ao regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, Lote …, Urbanização …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz sob o art° 4446°- AJ, descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o nº 00210/090186 - AJ por o mesmo esconder uma doação da referida fracção.
Custas por apelante e apelada em partes iguais.
Évora e Tribunal da Relação, 13/12/2007