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CONSERVADOR DO REGISTO PREDIAL
RECURSO HIERÁRQUICO
RECURSO CONTENCIOSO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
REGISTO PREDIAL
Sumário
I – A interposição do presente contencioso equivale à desistência do recurso hierárquico interposto.
II – Não sendo o Ministério Público parte numa acção, tendo sido chamado tão somente para emitir parecer, a falta de notificação do mesmo às partes não viola o princípio do contraditório.
III – A falta de notificação às partes dum despacho que sustentou um despacho recorrido, não viola o princípio do contraditório.
IV - O registo predial prossegue fins de natureza privada e de interesse público. Prossegue fins de natureza privada, pois garante a segurança no campo dos direitos privados; de interesse público pois garante a segurança do comércio jurídico.
V - Sendo o registo destinado a publicitar a situação jurídica dos prédios e incidindo sobre o mesmo um registo de embargo, deve a respectiva caducidade ser também objecto de anotação ao registo.
VI – Incumbe ao titular do bem inscrito provar, documentalmente, ao Conservador que caducou um ónus pois que tal não é de conhecimento oficioso.
Texto Integral
* PROCESSO Nº 2032/07 – 3
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
*
RELATÓRIO
A Conservatória do Registo Predial de … recusou o pedido formulado por “A” através da apresentação 20, de 8.07.2004, de cancelamento do averbamento 04 à descrição 00081/120385 da freguesia da …, consistente no embargo municipal de obras de alteração e reabilitação em curso no prédio e seu logradouro, efectuado em 27 de Fevereiro de 2003 e lavrado pela apresentação 05/20030704.
O recorrente fundamentou o seu pedido de cancelamento do aludido averbamento na caducidade do embargo e do registo do averbamento do embargo, alegando, em síntese:
Ordenada, na sequência do embargo, a suspensão das obras alegadamente pendentes no prédio do requerente, não foi proferida decisão que defina a situação jurídica da obra com carácter definitivo, nem foi fixado prazo para o efeito.
Na ausência da fixação deste prazo, não tendo sido proferida decisão definitiva no prazo de 12 meses ( prazo de seis meses prorrogável uma única vez, por igual período) a ordem de embargo caduca, nos termos previstos no art. 104° do RJUE.
Decorrido cerca de um ano e meio sobre o embargo da obra sem que a Câmara Municipal de … tenha emitido qualquer acto definitivo a esse respeito- facto que, a sugestão do requerente, o Sr. Conservador poderá comprovar por oficio endereçado à referida Câmara Municipal, solicitando prova e data da emissão do acto e da sua notificação ao interessado- e considerando que a caducidade se produz por efeito da lei, independentemente de declaração que o determine, o embargo caducou.
Uma vez caduco o embargo, caducam também na mesma data todos os actos dele dependentes, entre os quais, o seu registo, que se extingue por caducidade ( art. 10 do CRP) cessando os inerentes efeitos por força da lei ( art. 11 n° 1 CRP) lei esta que é o art. 104° do RJUE.
A mencionada recusa do pedido de cancelamento do averbamento em apreço constante do despacho do Sr. Conservador, datado de 20 de Agosto de 2004, teve como fundamento a falta de título, invocando-se, como base legal, o disposto nos artigos 43 n° 1 , 68 e 69 n° 1 al. b) do CRP.
O recorrente interpôs recurso do despacho do DRGN de 19/12/2005 que indeferiu o recurso hierárquico, por entender que a caducidade do embargo não ser facto sujeito a registo e por o registo do embargo ter carácter enunciativo
O Tribunal Judicial de … na sequência de recurso contencioso interposto por “A”, manteve a decisão do Exmº Conservador
Daí o presente recurso, oportunamente interposto, no qual o recorrente formula as seguintes conclusões:
1- A não notificação do parecer ( desfavorável ) do Ministério Público, viola o princípio do contraditório, previsto na lei ordinária ( art. 3° do CPC), conforme é jurisprudência uniforme dos Supremos Tribunais, Tribunais da Relação e do Tribunal Constitucional.
2- A não notificação do despacho de sustentação do Conservador, que o tribunal considerou ter explicitado as razões da recusa, viola também o art. 3° do CPC.
3- A decisão de não conhecimento do recurso do despacho do DGRN é uma decisão de direito sobre a qual não foi dado ao recorrente oportunidade de se pronunciar, o que constitui violação do art. 3° n° 3 do CPC ( direito ao contraditório).
4- O art. 146 do CRP, interpretado no sentido da inexistência de dever de notificação ou de concessão de direito de pronúncia ao recorrente sobre o parecer (desfavorável) do MP, o despacho posterior ( desfavorável) do Conservador, e / ou a decisão nova ( desfavorável ) no sentido da impossibilidade de impugnação judicial do acto do DGRN ( questão da iniciativa oficiosa do tribunal nunca antes levantada no processo) é inconstitucional ( por qualquer destes três motivos) por violação dos arts. 2°, 13°, 20° e 268° da Constituição.
5- Na sequência do recurso hierárquico, a decisão do Exmo DGRN substitui-se à do Conservador, impondo-se sobre ela e tornando-se obrigatória para o próprio Conservador, dada a relação de subordinação hierárquica ( art, 267 n° 2 in fine, da Constituição) e da subordinação específica no caso de impugnação graciosa de actos do Conservador por via de recurso hierárquico.
6- A decisão do Exmº DGRN ao indeferir um pedido seu, lesa os direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, tendo eficácia externa ( art. 51 nº 1 do CPTA)
7 - Uma vez que as duas decisões têm fundamentos radicalmente distintos ( e mesmo incompatíveis) a decisão do DGRN é distinto da do Conservador, sendo como tal passível de impugnação judicial autónoma ( art. 51 n° 1 CPTA) . Assim a sentença viola os arts .. 2 nºs 1 e 2 al. d) e 51 n° 1 do CPTA.
8- O sentido da decisão referida na conclusão E constitui ainda manifesta violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, pelo que a interpretação dos arts. 140° e 145° do CRP, tal como consta da sentença, no sentido da impugnabilidade judicial do acto do DGRN, é inconstitucional por violação dos arts .. 20° e 268° n° 4 da Constituição.
9- A selecção de factos constante da sentença ( fls. 208-209) é omissa quanto à informação a CMF de que resulta não ter sido proferida a decisão prevista no art. 104° do RJUE no prazo legal de 6 meses ou um ano .Consequentemente , a sentença padece de erro nos pressupostos de facto , ao assumir que a Administração registral não dispunha de elementos relativos à não emissão da decisão no prazo legal.
10- A CM… alega que a culpa é do recorrente , mas não cita factos, não prova factos, não cita lei. Assim, não poderia ter servido de base à decisão do Conservador. .De resto, o art. 104° não tem qualquer factor condicionante do recurso do prazo de caducidade ou causas de interrupção ou suspensão do prazo do art. 104° RJUE.
11- O embargo, sendo uma mera ordem de suspensão de obras, é provisório por definição ou natureza e por efeito da lei ( art. 104° RJUE).
12- Estão provados documentalmente todos os factos relevantes para estarem preenchidos os requisitos da caducidade do embargo ( art. 104 RJUE) : data do embargo; não fixação de prazo no acto de embargo; inexistência de prova de decisão que fixe a situação jurídica da obra com carácter definitivo no prazo legal de seis meses ( ou de um ano) .Assim, existe título bastante do facto alegado como objecto de registo: a caducidade do embargo.
13- A emissão da decisão definitiva do art. 104° RJUE constitui facto impeditivo do direito invocado pelo autor: caducidade do embargo , pelo ónus da prova incidiria sobre a CM… ( art. 342 n° 2 do CC) e não sobre o recorrente, a quem cabe provar os factos constitutivos do direito invocado ( art. 342 n° 2 do CC).
14- A CM… tem o dever de proferir a decisão definitiva no prazo de seis meses ( art. 104 RJUE) e tem o dever de a notificar ao interessado ( art. 66° e 67 a contrario , CPC) RJUE) no prazo de oito dias ( art. 69° do CP A ) Passados estes prazos, o interessado tem legitimidade para formar a presunção ( ilidível pela CM…) de que aquela decisão não foi proferida, bastando-lhe alegar tal facto.
15- Cabia à CM…- requerente no pedido de inscrição do embargo no registo- o ónus de ilidir aquela presunção, bem como o ónus da prova do facto impeditivo da alegada caducidade do embargo. Não cabia ao recorrente o ónus da prova do facto negativo, o qual não estava sequer ao seu alcance conseguir.
16- Sendo o " título" um conceito jurídico e não um mero conceito de facto, o mesmo é constituído , para efeitos do direito que decorre do art. 104° RJUE , pelos factos que estão ao alcance do requerente e que é seu ónus provar: que foi proferido despacho de embargo, que o mesmo não fixou data de caducidade ( art. 104° RJUE).O decurso do prazo é facto notório que não necessita de prova.
17- De resto, sabendo a CM… que o embargo é um acto provisório por natureza, cabia-lhe - nos termos do CRP ter praticado os actos necessários a manter os efeitos registais pretendidos , como sucede com qualquer acto provisório por natureza : o ónus da prova é sempre do autor do acto provisório.
18- Assim, o documento que legalmente comprova a caducidade do embargo ( art. 43° n° 1 CRP) é o despacho de embargo ( completado por lei expressa, decurso do tempo e inexistência de prova do facto impeditivo da caducidade ) .É o próprio documento que serviu de base ao registo do facto cujo cancelamento se pede.
19- O art. 13° CRP não refere documentos adicionais. Se o decurso de um prazo negocial permite o cancelamento por caducidade do próprio registo ( art. 11 nº 1 CRP) o decurso de um prazo legal também o permitirá. o art. 11 ° n° 4 CRP, determina que a caducidade" deve ser" anotada" logo que verificada". No mesmo sentido aponta o art. 12° CRP .Por este mesmo motivo os arts. 68° e 69 n° 1 al. b) CRP , não depõem contra o pedido do recorrente, pelo contrário.
20- A questão do princípio da instância alegado na sentença está intimamente ligado ao ónus da prova dos factos constitutivos e impeditivos do direito invocado: só existe dever de instância relativamente aos factos cujo ónus da prova sobre o requerente .Tal não é o caso relativamente a factos cuja prova cabe ao requerente do facto inscrito e não ao requerente do seu cancelamento.
21- Um pedido de cancelamento de um facto inscrito por outrem ( caso não tenha por título uma sentença judicial) tem sempre como partes interessados o requerente do facto inscrito e o requerente do seu cancelamento. O processo de cancelamento não é um processo registal autónomo, é por natureza relativo, estando em relação necessária com o processo de inscrição originário, envolvendo duas partes: a que inscreveu e a que requer o cancelamento do facto que a outra inscreveu.
22- De resto, se o princípio da instância registal é inspirado no princípio da instância processual civil, o Conservador gozará de poderes -deveres similares ao do juiz. O princípio da instância só está limitado à alegação de factos ( art. 264 n° 1 CPC) e o requerente alegou o facto de não ter emitida qualquer decisão.
23- Na verdade, o art. 265 nº 3 do CPC , é patente no sentido de que cabem ao decisor" realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade ".
24- Neste contexto, ordenar a notificação da CM… para juntar cópia da decisão proferida no prazo de seis meses ou, no caso de prorrogação, no prazo de um ano, estaria em perfeito acordo com o disposto no art. 265 nº 3 do CPC, tendo particularmente em vista o disposto no art. 342 n° 2 do C. Civil e os deveres legais que incidem sobre a CM…, resultantes dos arts. 104° e segs. do RJUE e 66° e 69° do CPA.
25- Nestes termos requer provimento ao recurso e pela ordem de subsidariedade considerar mais adequada:
a)anular ou revogar a sentença por todas e cada uma das três violações do princípio do contraditório;
b) Assim não se entendendo, declara as alegadas inconstitucionalidades do art. 146 do CRP , por violação dos arts, 2°, 13° , 2° e 268 n° 4 da Constituição
c) Anular a sentença e determinar que o tribunal recorrido conheça do recurso na parte relativa ao acto do DGRN , acto que o Tribunal considerou inimpugnáve1 juridicamente, em vista dos arts. 2° nºs 1 e 2 al. d) e 51 n° 1 CPT A
d) Assim não se entendendo, declarar a inconstituciona1idade dos arts. 140° e 145° CRP , por violação dos arts. 20° e 268 n° 4 da Constituição
e) Anular a sentença por erro nos pressupostos de facto, determinando que o Tribunal recorrido inclua a informação da CM… na lista de factos provados e decida do recurso tendo tal facto em consideração
f) Reconhecer que, não faltando elementos documentais para que o Exmo Conservador conhecesse do pedido de cancelamento da inscrição do embargo, se digne ordenar a anulação dos despachos do Exmo Conservador do Exmo DGRN, determinando o cancelamento, por caducidade do despacho de embargo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II- Fundamentação:
Foram considerados provados os seguintes factos:
1 Na Conservatória do Registo Predial de … ( freguesia da …) encontra-se inscrita pela apresentação 09/120385 , a aquisição, por compra a favor do recorrente “A”, do prédio urbano sito na Rua … nºs 1, 3 e 5 e Travessa do … nºs 1, 3 , 5 em …, descrito sob o n° 00081 /120385;
2 Pelo averbamento 04 à descrição n° 0081/120385, lavrado com base na apresentação 05 de 04 de Março de 2003, está registado o embargo municipal das obras de alteração e reabilitação em curso no prédio e seu logradouro, efectuado em 27 de Fevereiro de 2003:
3 Pela apresentação n° 20 de 8 de Julho de 2004, o ora recorrente requereu o cancelamento do averbamento referido em 2. solicitando para o feito que o Conservador processe à notificação da Câmara Municipal de … para se pronunciar sobre aquele pedido, bem como" para informar se foi ou não emitido, dentro do prazo referido no art. 104 n° 2 do RJUE , algum dos actos definitivos a que se referem os arts. 104, 105° , 106° e 107° n° 8° do RJUE;
4 O recorrente instruiu a apresentação referida em 3 com a certidão da descrições e inscrições em vigor do prédio referido em 1 com o auto embargo decretado pela Câmara Municipal de …, com o mandado de notificação a este respeitante, e com certidão da respectiva notificação;
5 Sobre tal pretensão o Sr. Conservador proferiu, em 20 de Agosto de 2004, despacho do qual consta ter recusado o pedido de cancelamento" por não ter sido junto título que lhe sirva base" e ter recusado os pedidos de notificação à Câmara Municipal de …" por tais actos não caberem na competência do Conservador do Registo Predial ".
Apreciando:
No que concerne ao recurso hierárquico que o recorrente interpôs para o DGRN, importa ter presente o estatuído no art. 141 n° 2 do CRP segundo o qual" a interposição de recurso contencioso faz precludir o direito de interpor recurso hierárquico e equivaler a desistência deste quando já interposto".
A interposição do presente recurso contencioso equivale à desistência do recurso hierárquico interposto.
Isto para dizer que a matéria relacionado com o objecto desse recurso hierárquico , não vai ser conhecida por força da desistência do recurso a que alude o citado n° 2 do art. 141 do CRP, embora em sede de apreciação do mérito de recurso possam ser abordadas algumas questões que foram tratadas no âmbito do recurso hierárquico.
1- Do recurso
Conforme se constata das precedentes conclusões de recurso, que delimitam o objecto de recurso ( art. 684 n° 3 e 690 n° 1 e 4 do CPC) a problemática a decidir no presente recurso, consiste, em primeiro lugar, saber se no caso dos autos houve violação do princípio contraditório e, também apurar como se opera a caducidade do embargo de obra emitido pela Câmara Municipal de …, que foi objecto de registo, nos termos do art. 102 n° 8 do RJUE e, ainda se é legítima a recusa do Sr. Conservador em registar a caducidade do embargo por inexistência de título que a comprove.
a) Violação do princípio do contraditório
O recorrente considera que existe violação do art. 3° do CPC, por não ter sido notificado do parecer ( desfavorável ) do MP e do despacho de sustentação do Conservador.
Conforme resulta do citado art. 3° " o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição".
No caso em apreço, o recorrente já havia exposto as razões da discordância no seu requerimento de interposição do recurso.
O MP limitou-se apenas a tomar posição sobre tal requerimento nada pedindo de novo, limitando-se a contrariar a tese explanada pelo recorrente no seu requerimento.
Acresce também que o MP não funciona aqui como parte no processo e a sua chamada ao processo é feita ao abrigo do citado art. 146 do CRP com vista a emitir parecer.
Não funcionando o MP como parte no processo não faz sentido invocar o princípio contraditório a que alude o citado art. 3° do CPC, o qual só faz sentido observar quando estamos perante partes antagónicas no processo.
Também o despacho de sustentação que se limitou a reafirmar o despacho recorrido, sem introduzir qualquer facto novo, susceptível de ser contraditado pelo recorrente, não tem que ser notificado, uma vez que em caso de sustentação o juiz pode mandar juntar ao processo as certidões que entenda necessárias e o processo seguidamente é remetido ao tribunal superior ( cfr. art. 744 nº 2 do CPC).
Também aqui não existe, por falta de notificação do despacho de sustentação, qualquer violação do princípio do contraditório, que, como se disse, só faz sentido observar quando estamos perante partes antagónicas, o, que, aqui, também não acontece.
E sendo assim, a não notificação do parecer do MP e do despacho de sustentação do Exmº Juiz, não configura qualquer violação do princípio do contraditório consagrado no art, 3° do CPC, nem preclude o direito do recorrente à tutela jurisdicional.
E nesta perspectiva não se verifica a apontada inconstitucionalidade da norma do art. 146 do CRP.
b) Mérito do recuso relacionada com a caducidade de embargo de obra, que foi objecto de registo nos termos do art. 102 n° 8 do RJUE e, ainda saber se é legítima a recusa do Conservador em registar a caducidade do embargo, por inexistência de título que a comprove
Como é sabido, o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário ( cfr. art. 1 ° do C Reg. Predial.
No actual Código de Registo Predial substituiu-se a expressão " direitos inerentes às coisas imóveis" por situação jurídica dos prédios" dando relevo à base real do nosso sistema de registo que assenta na descrição dos prédios ( rústicos, urbanos ou mistos) sobre os quais recaem direitos, ónus ou encargos que permitem configurar a sua situação jurídica ( cfr. Isabel Pereira Mendes in C. Reg. Predial 13a ed. , Anotação ao art. 1 ° do CRP).
Isto para dizer que através do registo predial é possível saber qual situação jurídica do prédio.
O registo predial prossegue fins de natureza privada e de interesse público. Prossegue fins de natureza privada, garantindo a segurança no campo dos direitos privados, especificamente no campo dos direitos com eficácia real (segurança do comércio jurídico imobiliário no seu conjunto) facilitação do tráfico e intercâmbio dos bens e do crédito e garantia do cumprimento da função social da propriedade.( cfr. Oliveira Ascensão Direito Civil Reais 5ª ed. 1993 pag. 335; Isabel Pereira Mendes « Enunciação esquemática dos fins e princípios registrais» in Regesta, Revista de Direito Registral, ano XII n° 4, Outubro- Dezembro de 1991, ,p.19 e segs).
A instituição de registo predial revela e prossegue também o interesse público que é inerente aos princípios da certeza do direito, da defesa dos terceiros, da segurança do comércio jurídico e a própria necessidade ( de natureza pública) de o registo não se encontrar desactualizado face ao cadastro ( cfr. J. A. Mouteiro Guerreiro, Noções de Direito Registral (Predial e Comercial) 2a ed. 1994 p. 73)
A doutrina do registo predial tem elaborado um certo número de princípios estruturantes que comandam o sistema de registo e têm tradução no modo como a lei organizou o registo predial, estabeleceu a sua disciplina, considerou o seu valor e fixou os respectivos efeitos: os princípios da instância, da legalidade, da tipicidade, do trato sucessivo, da prioridade e da fé pública ( cfr. Oliveira Ascensão, ob.cit. p. 336 e segs. Mouteiro Guerreiro, ob.cit. pago 65 e segs. ; Isabel Pereira Mendes, ob. cit.( referindo também, os princípios da especialidade e da legitimação ).
O princípio da instância, acolhido nos arts. 41 e 42 ° do CRP, significa que, salvo os casos especialmente previstos na lei, o registo não se efectua oficiosamente, mas a pedido dos interessados.
O princípio da legalidade, definido e concretizado no art. 68 do CRP, significa que o conservador está estritamente vinculado à lei, devendo apreciar substancialmente a viabilidade do pedido de registo, verificando quatro elementos ou pressupostos fundamentais:" a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos neles contidos ".
Por isso, o conservador, vinculado a um princípio de legalidade substancial, deve, no caso de se não verificarem os pressupostos de legalidade, ou recusar o registo nas circunstâncias enumeradas no art. 69 ou, realizá-lo provisoriamente, por dúvidas, nos restantes casos ( cfr. art. 70 do CRP).
O princípio da tipicidade significa que os factos sujeitos a registo estão expressamente enumerados na lei- arts. 2 e 3° do CRP.
O princípio do trato sucessivo pretende assegurar a continuidade do registo e garantir a quem possui uma inscrição de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido a certeza de que não pode haver nova inscrição definitiva lavrada sem a sua intervenção.
« Trato sucessivo» é sinal de encadeamento de inscrições de titulares do direito. Semelhante princípio « tem por objecto manter a ordem regular dos titulares registrais sucessivos, de maneira que todos os actos dispositivos tomem um encadeamento perfeito, aparecendo registados como se derivassem uns dos outros sem solução de continuidade »( cfr. Eduardo dos Santos « Do princípio do trato sucessivo» in Regesta, Revista de Direito Registral , ano XII n° 2 Abril- Junho 1991, pp 35 e segs. ; Ac. STJ de 7/10/1992, in BMJ n° 420, p. 572. O princípio tem consagração expressa no art. 34 nºs 1 e 2 do CRP.
O princípio da prioridade, consagrado no art. 6° do CRP, estabelece a prevalência do direito inscrito em primeiro lugar sobre os que se lhe seguirem com referência aos mesmos bens.
A prioridade do registo determina, assim, ou a exclusão do direito posteriormente registado quando se trate de direitos incompatíveis ( a transmissão, por exemplo do direito de propriedade que determine uma cadeia que, partindo de um ponto, segue duas linhas divergentes que nunca se encontram) ou a prioridade de graduação ( um direito è graduado à frente de outro) nos casas em que s e excluem mutuamente.
O princípio da fé pública, inscrito no art. 7° do CRP , traduz o valor pressuposto e inerente à publicidade do registo: uma presunção de verdade ou de exactidão do registo que constitui um outro modo de compreensão do principal dos efeitos substantivos do registo predial.
A presunção derivada do registo respeita tanto aos factos inscritos como às situações jurídicas decorrentes.
A presunção é ilidível, juris tantum, mas como presunção legal, nos termos e segundo os pressupostos regulados na lei.
Postas estas considerações relacionadas com os princípios estruturantes do registo predial, importa agora confrontá-las com o caso em apreço.
Neste domínio, importa ter presente a factualidade acima descrita e que destacamos:
Em 4/7/ de 2003, sob a ap. n° 5 foi registada pelo averbamento n° 4 à descrição predial do prédio em causa o " embargo municipal das obras de alteração e reabilitação em curso no prédio e logradouro, efectuado em 27 de Fevereiro de 2003"
Em 8/7/2004, o aqui recorrente, titular inscrito, veio requerer o cancelamento do aludido averbamento com o fundamento na caducidade do embargo e do registo .
Umas das medidas de tutela da legalidade urbanística que se destaca é o embargo de obra estar sujeito a registo na conservatória do registo predial, registo esse que é feito mediante comunicação do despacho que o determinou, procedendo-se aos necessários averbamentos (cfr. art. 102 n° 8 do RJUE- DL 555/99 de 16/1271999).
Trata-se de um registo com carácter essencialmente enunciativo, porque se limita apenas a dar conhecimento da existência do facto ( embargo) facilitando a terceiros o acesso aos correspondentes factos ( cfr. Pedro Nunes Rodrigues in Direito Notarial e Direito Registal , pago 341).
Isto para dizer que não estamos perante um registo com efeito constitutivo, que acontece sempre que a existência da situação jurídica em causa esteja dependente da realização do respectivo registo, no sentido de que sem o registo, essa situação não tem existência jurídica
No que concerne à caducidade, importa salientar que os registos caducam por força da lei ou pelo decurso do prazo de duração do negócio, conforme dispõe o n01 do art. 11 do CRP
Quanto ao embargo de obra embargo estabelece o n° 1 do art. 104 do citado diploma legal " A ordem de embargo caduca logo que for proferida uma decisão que defina a situação jurídica da obra com carácter definitivo ou termo do prazo que tiver sido fixado para o efeito.
E o n° 2 estabelece " na falta de fixação de prazo para o efeito, a ordem de embargo caduca se não for proferida uma decisão definitiva no prazo de seis meses, prorrogável uma única vez.",
O Conservador recusou o pedido de cancelamento por não lhe ter sido junto título que lhe sirva de base nos termos do art. 69 n° 1 al. b) do CRP .
Efectivamente, segundo o art. 43 nº 1 do CRP " só podem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem". Significa que os factos sujeitos a registo devem estar titulados
Os prazos de caducidade são por natureza prazos curtos, residindo a sua especificidade na necessidade da certeza jurídica, pois, é de interesse público que as respectivas situações jurídicas se consolidem com o decurso desses prazos.
No caso em apreço estamos perante um embargo, que foi objecto de registo na conservatória do registo predial, mediante comunicação do despacho que o determinou, procedendo-se aos necessários averbamentos ( cfr. art. 102 n° 8 do RJUE)
Ora, se este facto ( o embargo) está sujeito a registo nos termos da citada disposição legal, também segundo expressamente prevê o n° 4 do art. 11 do CRP a caducidade deve ser anotada ao registo, logo que se verifique.
Segundo o nº 1 do art. 76 do CRP " o registo compõe-se da descrição predial, inscrição dos factos e respectivos averbamentos, bem como de anotações de certas circunstâncias, nos caso previstos na lei".
Isto para dizer, que embora até se possa admitir, à luz do art. 2° do CRP que a caducidade do embargo, não seja facto sujeito a registo, o certo é que sendo o embargo objecto de registo, por força do citado art. 102 n° 8 do RJUE, a respectiva caducidade deve ser anotada, em conformidade com o citado art. 11 n° 4 do 76 n° 1 do CRP.
Efectivamente, sendo o registo destinado a publicitar a situação jurídica dos prédios e incidindo sobre o mesmo um registo de embargo, a caducidade respectiva dever ser objecto de anotação ao registo,é o que, pelo menos, determina o citado art. 11 n° 4 do CRP.
É que funcionando o embargo como um ónus sobre o prédio, impõe-se o registo da respectiva caducidade, pela via da anotação ( art. 11 n° 4 do CRP) , à luz dos princípios consagrados no citado art. 1 ° do CRP ( saber a situação jurídica daquele ónus)
Mas será que no, caso em apreço, existe fundamento para a recusa do registo peticionado pelo recorrente, por inexistência de título que comprove a invocada caducidade, conforme foi considerado pelo Sr. Conservador?
Neste domínio, importa, desde logo, salientar a natureza provisória do embargo, cuja função é a de acautelar a utilidade das medidas que a título definitivo, reintegrem a legalidade urbanística violada, incluindo nesta o licenciamento ou autorização da obra (cfr. preâmbulo do DL 599/99 de 16//12).
Foi certamente, para a cautelar a utilidade de medidas que, a título definitivo, reintegrem a legalidade urbanística violada, que se estabeleceu um regime específico da caducidade do embargo previsto no citado art. 104 do RJUE
Na verdade, o citado art. 104 n° 1 do RJUE estabelece que "A ordem de embargo caduca logo que for proferida uma decisão que defina a situação jurídica da obra com carácter definitivo ou no termo do prazo que tiver sido fixado para o efeito.
E o n° 2 dispõe que " na falta de fixação de prazo para o efeito, a ordem de embargo caduca se não for proferida uma decisão definitiva no prazo de seis meses, prorrogável uma única vez.
Significa que se não houver decisão definitiva no prazo estabelecido no n° 2 , ou seja, no prazo de seis meses, prorrogáveis uma única vez por seis meses, a ordem de embargo caduca.
Trata-se de uma decisão proferida, no âmbito dos procedimentos subsequentes ao embargo previstos nos alis. 105 e 107 do RJUE ( DL n° 555/99 de 16/12 alterado pelo DL n° 177/2001 de 4/6/2001) com vista a reintegrar a legalidade urbanística violada.
Procura-se, como se refere no preâmbulo do citado diploma," evitar o prolongamento indefinido da vigência de ordens de embargo que, a pretexto da prossecução do interesse público, consolidam situações de facto que se revelam ainda mais prejudiciais ao ambiente e à qualidade de vida dos cidadãos do que aquelas que o próprio embargo procurava evitar"
Portanto, não havendo decisão definitiva proferida dentro dos prazos referenciados no n° 2 do art. 104 do RJUE, a ordem de embargo deve considerar-se caduca.
No entanto, tal caducidade não é oficiosa, como parece entender o recorrente. Efectivamente, os registos efectuam-se a pedidos dos interessados, salvo nos casos de oficiosidade previstos na lei ( princípio da instância acolhido nos arts. 41 e 42 do CRP).
É, por força dessa inoficiosidade prevista no Código de Registo Predial que a presunção estabelecida no n° 2 do art. 104 do RJUE não pode aqui funcionar( cfr. arts. 7 nº 3 do CC e . 350 n01 do CC)
O referido princípio da instância, que consiste em a actividade registral ser desencadeada por um acto de manifestação de vontade, um pedido que obedece a certa forma, salvo nos casos excepcionados na lei, em que se impõe ao conservador um procedimento independente de solicitação ( oficiosidade).
São feitos oficiosamente os registos de factos constituídos simultaneamente com os de aquisição ou mera posse, os quais dependem do registo destes factos (cfr. art. 97°) e determinados actos de conversão ou cancelamento dependentes também de outros registos ou factos (cfr. arts. 92°, n° 5, 98° nº 3 , 100° n° 3, 101 n° 4, 119 nº s 3 e 6,148 n° 4 e 149 nº s 1 e 2- cfr. Anotação ao art. 41 do CRP por Isabel Pereira Mendes in CRP 13° ed. )
Foi certamente, por isso, que o recorrente solicitou ao Conservador, que indagasse junto da Câmara, se já havia sido proferida decisão definitiva.
Trata-se de uma diligência, como bem nota a sentença recorrida, não compete ao Conservador realizar.
Acresce também que o Conservador está obrigado a observar o princípio da legalidade, que, aqui, se consubstancia no facto de só poderem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem.( cfr. arts. 43 n° 1, 68 do CRP).
Ora, não sendo um registo oficioso, competia à parte instruir o pedido de registo com os elementos ( documentos ) que atestassem os requisitos da caducidade invocada, nomeadamente, uma certidão da Câmara em conformidade com os nºs 1 e 2 do art. 105 do RJUE, que referendasse o estado da obra embargada, nomeadamente se já haviam sido integralmente realizados os trabalhos de correcção ou alteração da obra ordenados na ordem de embargo no prazo fixado, ou, então uma certidão donde constasse que aqueles trabalhos não se encontram integralmente realizados, certidão essa que o recorrente devia obter para instruir o pedido de registo, ainda que tivesse de recorrer ao expediente do art. 519 do CPC.
Pretende o recorrente incluir na sentença recorrida os factos relacionados com a informação da CM… constante a fls. 128/129, datada de 14/10/2004, mas, aqui, há que salientar que na data em que foi proferida a decisão do Sr. Conservador, 20/8/2004, o Sr. Conservador não dispunha dessa informação.
É, por isso, que tal informação nesta sede, sempre constituiria um facto novo e, como tal processualmente não podia também ser considerada, precisamente porque a decisão do Sr. Conservador não teve em consideração tal matéria, nem se tratava de facto, que na altura em que proferiu o despacho de recusa, estivesse documentado ..
E aqui, impõe-se questionar o recorrente, porque é que não requer o registo em causa, se já é portador da informação da CM…?
É que, como o recorrente bem sabe, o registo efectua-se a pedido dos interessados, em conformidade com o princípio da instância, consagrado no citado art. 41 do CRP.
No que concerne ao conhecimento da matéria relacionada com o recurso hierárquico, como já se referiu, não pode aqui ser conhecida, por força do citado art. 141 nº 2 do CRP e também por extravasar a competência em razão da matéria deste Tribunal.
Quanto à inconstitucionalidade reclamada dos arts. 140 e 145 do CRP, a mesma não tem qualquer fundamento, porquanto mesmo tendo o recurso hierárquico sido julgado improcedente, o interessado pode sempre interpor recurso contencioso da decisão do conservador, o que garante em absoluto o acesso de direito e tutela jurisdicional, preconizado pela disposições constitucionais dos arts. 20 e 268 do Const. Rep. Portuguesa.
Voltando a análise do regime da caducidade, temos de reconhecer que de facto a vigência da ordem de embargo de obra não pode prolongar-se indefinidamente e, daí o regime específico de caducidade previsto no citado art. 104.
Mas, como se disse, esta caducidade não é de registo oficioso (a lei não o
prevê) e, por isso, incumbia ao recorrente demonstrar a invocada caducidade, instruindo o pedido de registo junto da Conservatória com os apontados elementos e art. 342 n° 1 do CC) e não à CM…, que não é sequer interessada no registo em causa.
Na verdade, o recorrente, entre outros elementos, devia instruir o pedido de registo, pelo menos, com uma certidão da Câmara Municipal de … de teor idêntico à da informação de fls. 128/129.
Em vez disso, o recorrente instruiu o seu pedido de registo, com certidão das descrições e inscrições em vigor do prédio em causa, cópias do auto do embargo e certidão da respectiva notificação, elementos manifesta e objectivamente insuficientes à luz do citado art. 104 do RJUE para atestar a caducidade da ordem de embargo, pelo que o Sr. Conservador em obediência ao citado princípio da legalidade, não podia anotar (oficiosamente) ao registo do embargo a invocada caducidade, por falta de título que a comprovasse.
E neste perspectiva, não merece censura a recusa do Sr Conservador, bem como a sentença recorrida, quando aí se concluiu pela falta de título que fundamentasse a caducidade, nos termos das disposições conjugadas dos arts .. 43 n° 1 e 69 n° 1 al.b) do CRP
Improcedem, deste modo, as conclusões do recorrente.
III- Decisão:
Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juizes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo agravante.
Évora, 13/12/07