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VENDA DE COISA DEFEITUOSA
OBRA COM DEFEITO
CADUCIDADE DO DIREITO À ELIMINAÇÃO DO DEFEITO
PRESUNÇÃO DA ANTERIORIDADE DO DEFEITO
PARTE COMUM DE PRÉDIO
LEGITIMIDADE ACTIVA DE UM SÓ CONDÓMINO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS DECORRENTES DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Sumário
I – Não tendo sido os réus os construtores do edifício, mas apenas os seus vendedores é aplicável ao pedido de eliminação dos defeitos verificados na cobertura do mesmo, o regime previsto nos arts. 913º e segs. do C.C. relativos à venda de coisas defeituosas e não as normas relativas ao contrato de empreitada. II - Tendo “a lei estabelecido prazos curtos para o exercício dos direitos derivados do cumprimento defeituoso em matéria de compra e venda e de empreitada, pressupõe-se que qualquer defeito detectado nesse período curto é ele próprio anterior ou advém de causa preexistente”. III - Ao comprador basta provar a existência do defeito, não lhe competindo provar a sua origem e a sua anterioridade relativamente à venda e entrega do bem, cabendo ao vendedor ilidir essa presunção, provando que o defeito tem origem posterior à sua entrega, tal como lhe cabe demonstrar as suas causas, pois trata-se de matéria de excepção – facto extintivo do direito. IV- Reportando-se obras necessárias à eliminação dos defeitos a uma parte comum do condomínio, pode qualquer condómino, só por si reclamar contra o responsável (devedor ou construtor) a eliminação dos defeitos, sem que seja lícito a este opor-lhe a excepção de ilegitimidade activa por estar desacompanhado dos demais condóminos ou por tal pedido não ter sido deduzido pelo administrador. V - Os arts. 798º e 804º, n.º 1, do CC, ao referirem-se ao domínio da responsabilidade contratual, e sucessivamente, à ressarcibilidade do prejuízo causado ao credor, não distingue entre danos patrimoniais e não patrimoniais. Não há razões jurídicas atinentes à diferente natureza da responsabilidade civil contratual e da aquiliana que impeçam a reparação destes danos não patrimoniais decorrentes do incumprimento, posto que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496º do CC).
Texto Integral
Proc. n.º 2093/07-2
Apelação em processo sumário
Tribunal Judicial da Comarca de Évora, 1º Juízo de Competência Cível - Proc. N.º 1773/03.4TBEVR
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I. S............................... e P..............................., intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário, contra J............................... e M..............................., peticionando a condenação do R. na eliminação de defeitos de um imóvel ou no pagamento de € 8.500 para proceder a essa reparação, no pagamento de € 2.500 a titulo de danos não patrimoniais e € 2.500,00 de danos patrimoniais, bem como numa sanção compulsória de € 50 por cada dia de atraso na eliminação dos defeitos.
Para tanto alegaram, em síntese, que no dia 3 de Fevereiro de 2000 adquiriram aos réus, como construtores e proprietários, a fracção autónoma destinada a comércio, com acesso directo pela Rua ............................, n.º 2, em ....., descrita na CRP dessa cidade sob o n.º 6617/19990310-A; que no dia 24/07/2002 remeteram carta aos réus, alertando-os para a necessidade de serem levadas obras urgentes no imóvel, devido a infiltrações existentes no mesmo, o que provocou diversos danos, que enunciam, no imóvel; que instaram os réus a resolverem a situação em 15 dias; que estes não realizaram as obras em apreço; que pediram um orçamento das obras a levar a cabo no imóvel, as quais orçam o valor de €8.500,00; que todos estes problemas têm provocado ansiedade e preocupação aos autores e os defeitos do imóvel impede a sua plena rentabilização, quantificando os danos não patrimoniais e os patrimoniais no montante de €2.500,00 cada.
Citados, apresentaram os RR. contestação, na qual se defenderam por excepção e por impugnação.
Por excepção alegam ser parte ilegítimas quanto às reparações que visam as partes comuns do prédio, pois que a representação do condomínio em juízo cabe ao respectivo administrador; e alegaram a caducidade do direito de acção, na medida em que os réus não construíram a fracção dos autores, tendo-se limitado a vendê-la, pelo que é aplicável ao caso o prazo de seis meses a que alude o art. 921º, n.º 4, do CC, o qual à data da propositura da acção já tinha decorrido, tanto mais que a ré mulher nunca foi interpelada para proceder a quaisquer obras.
Na resposta os autores alegaram que o prédio é constituído por duas fracções, pelo que não foi constituído qualquer condomínio; que foram os réus quem construiu o imóvel; e que a ré auxilia o réu na actividade de construção civil, sendo que da construção do imóvel e da sua posterior alienação houve proveito comum do casal.
Após terem sido convidados a fazê-lo, os autores fundamentaram de direito a pretensão por si deduzida, tendo invocado as normas atinentes ao contrato de empreitada e o disposto nos arts. 777º, 805º e 808º do C.C.
Posteriormente foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade dos autores e se relegou para final o conhecimento da matéria atinente à caducidade do direito de acção.
Efectuado o julgamento, foi proferida a sentença de fls. 231 a 240, na qual se julgou improcedente a excepção de caducidade e improcedente a acção, tendo os réus sido absolvidos dos pedidos.
Inconformada vieram os autores interpor o presente recurso de apelação, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:
1. O Meritíssimo Juiz “a quo” veio a considerar improcedente o peticionado pelos autores, estribando-se em dois fundamentos. A saber:
a) No facto de não se ter determinado, em concreto, em que se traduziu a deficiente impermeabilização, as suas causas e onde ela se situa; e
b) No facto dos A.A. não poderem exercer o direito reclamado desacompanhados do proprietário da outra fracção. Quanto ao primeiro fundamento
2. Como é consabido, aquando da denúncia dos defeitos, não é exigível que seja precisada a sua causa e a sua origem, não sendo exigível aos apelantes que disponham de conhecimentos técnicos, nem que sobre eles impenda o ónus de provar aquelas.
Ademais,
3. Salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz "a quo" sempre poderia ordenar, oficiosamente, as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição da lide - Cfr. n°.3 do art.265°, art.612° e art.645°, todos do C.P.C. Quanto ao segundo fundamento
4. É pacifico o entendimento que "O condómino, na sua qualidade de comproprietário, tem o direito de defender, sem qualquer limitação derivada do condomínio, qualquer ofensa ao seu direito, nos termos do art.1311 ° do C. Civil, dado gozar dos direitos contemplados no art.1305° desse código" - Cfr., nomeadamente, o douto Acórdão do STJ, de 31.03.2004, DGSI
5. Como de forma sagaz e lúcida é realçado por Sandra Passinhas "A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2a Edição, Almedina, pág.348:
"O condómino pode agir, mesmo sozinho, para tutela do seu direito sobre as coisas comuns, lesado por obra de um condómino ou de um terceiro, sem chamar a juízo os outros condóminos ou o administrador do condomínio, não se configurando aqui uma hipótese de litisconsórcio necessário. "
Em consequência,
6. Deverá a douta decisão ser objecto de alteração, condenando-se os R.R. no pedido formulado pelos A.A., ora apelantes.
7. Salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz "a quo" violou o correcto entendimento dos preceitos legais, aludidos na presente peça.
Nas contra-alegações os réus propugnam pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:
1) – No dia 3 de Fevereiro de 2000, os AA. adquiriram aos RR a fracção autónoma destinada ao comércio, com acesso directo pela R. ..........................., nº 2, em ....., inscrita na matriz predial urbana sob o art. 14932-A, descrita na Conservatória do Registo Predial de ......sob o nº 6617/19990310-A.
2) – Em 24 de Julho de 2002, foi remetida ao R. marido carta registada, com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido, alertando designadamente para a existência de infiltrações imputadas a deficiente impermeabilização.
3) – Os RR. nunca procederam a obras no prédio referido em 1).
4) – O R. marido dedica-se à construção civil.
5) – O R. marido foi o promotor da construção do prédio referido em 1), tendo solicitado a sua construção a um empreiteiro, F................
6) – As infiltrações existentes na fracção referida em 1) são devidas a deficiente impermeabilização.
7) – Na sequência da carta referida em 2), os RR. declararam que encetariam as obras necessárias a evitar tais infiltrações.
8) – Em consequência das infiltrações a fracção dos AA. apresenta faltas de tinta nas parede.
9) – Os AA. colocaram um bloco de betão para servir de degrau.
10) – Há situações em que gotas de água caem incessantemente no interior da fracção referida em 1).
11) – Em consequência são visíveis:
- deterioração dos mosaicos instalados no chão
- fendas nas paredes interiores.
12) – Por verem todos os dias o seu prédio a degradar-se, os AA. têm tido enorme preocupação e ansiedade.
13) – Em consequência do estado do imóvel, os AA. tiveram dificuldade em arrendá-lo.
14) – O orçamento de fls. 51 também diz respeito a obras a realizar no espaço comum do prédio.
15) – À data referida em 2) os RR. não eram donos da fracção correspondente ao primeiro andar.
16) – A construção de degrau de acesso à fracção e a instalação de tubos de queda não se mostravam previstas no respectivo projecto de construção.
17 ) – O prédio em que se insere a fracção dos AA. apenas é constituída por duas fracções.
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III. Nos termos dos art.ºs 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões da recorrente.
Assim, as questões a decidir resumem-se, essencialmente, em apurar:
- se ao caso são aplicáveis as normais sobre a venda de coisa defeituosa ou as normas atinentes ao contrato de empreitada;
- se recai sobre os compradores ou sobre os vendedores o ónus da prova da causa dos defeitos e anterioridade destes por referência à data da compra e venda e da entrega da fracção;
- se os autores podem, desacompanhados do outro condómino, exercer o seu direito relativamente a partes comuns do edifício;
- se é caso de conhecer dos pedidos de indemnização e de fixação de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 715º, n.º 2, do CPC, e, nessa eventualidade, se assiste aos autores os direitos peticionados.
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IV.Da questão de direito:
Como se salienta na sentença recorrida, dado que se não provou terem sido os réus os construtores do edifício, é aplicável ao caso dos autos o disposto nos arts. 913º e segs. do C.C. relativos à venda de coisas defeituosas e não as normas relativas ao contrato de empreitada.
Efectivamente, apurou-se que na fracção de que os autores são proprietários existem infiltrações devidas a deficiente impermeabilização, que em consequência das infiltrações a fracção apresenta faltas de tinta nas paredes, que há situações em que gotas de água caem incessantemente no interior da fracção e que, em consequência, são visíveis deterioração dos mosaicos instalados no chão e fendas nas paredes interiores.
Encontramo-nos assim em presença de uma situação de responsabilidade contratual emergente de cumprimento defeituoso do contrato, pois que é indubitável que a prestação do devedor não satisfaz o interesse do credor, por nas partes comuns do edifício e na fracção de que os autores são proprietários se verificarem imperfeições ou desconformidades graves relativamente às que são normais e deviam existir, atento o seu destino e função.
Na decisão recorrida entendeu, porém, o Sr. Juiz que como não se provaram as causas da deficiente impermeabilização e onde ela se situa, os factos apurados são insuficientes para responsabilizar os réus pela eliminação dos defeitos existentes na fracção dos autores.
Discordam os apelantes com o assim decidido, sustentando que não é aceitável que sobre os autores impenda o ónus de provar as causas do defeito, só cabendo a estes demonstrar que o imóvel padecia de uma deficiente impermeabilização.
Vejamos.
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O cumprimento defeituoso tem como pressuposta a ideia de que, aquando da entrega da coisa, o comprador desconhecia o vício ou inexactidão da prestação efectuada pela outra parte.
A execução defeituosa da prestação contratual, com violação do contrato, é um acto ilícito, elemento integrante da responsabilidade contratual.
Porém, o vício ou defeito da coisa é determinado à data do cumprimento e a ela se reporta. Deve, pois, existir nesse momento, embora eventualmente oculto.
No caso dos autos os autores não alegaram, de forma expressa, que os defeitos denunciados existissem à data do cumprimento do contrato de compra e venda, mesmo em germe.
Ora, de acordo com alguma jurisprudência do STJ, compete ao comprador o ónus da prova da existência do defeito em momento anterior ao da entrega da coisa ao comprador (vide acórdãos de 11-10-2007 e de 19-06-2007, in www.dgsi.pt.).
Com o devido respeito, comungamos de diferente entendimento, como tem vindo a ser sustentado pela doutrina.
Assim, defende Pedro Romano Martinez (in Cumprimento Defeituoso, pags. 321 e 322) que tendo “a lei estabelecido prazos curtos para o exercício dos direitos derivados do cumprimento defeituoso em matéria de compra e venda e de empreitada, pressupõe-se que qualquer defeito detectado nesse período curto é ele próprio anterior ou advém de causa preexistente. Além disso, a lei não faz qualquer referência à anterioridade, dando a entender uma presunção nesse sentido. Por outro lado, a referida anterioridade, na maioria dos casos, resulta de uma presunção de facto, tendo em conta a natureza da coisa e do defeito. Acresce que, por parte do comprador e do dono da obra, a prova da anterioridade do defeito é, por via de regra, bastante difícil; diversamente, o vendedor – desde que não seja mero intermediário – e, em especial, o empreiteiro, pela estreita ligação que mantiveram com a coisa, têm mais facilidade de provar que o defeito é posterior à entrega. Deve, por conseguinte, considerar-se a posterioridade do defeito como um facto extintivo do direito invocado”.
Refere ainda este autor que ao comprador basta provar a existência do defeito, não lhe competindo provar a sua origem e a sua anterioridade relativamente à venda e entrega do bem, cabendo ao vendedor ilidir essa presunção, provando que o defeito tem origem posterior à sua entrega, tal como lhe cabe demonstrar as suas causas (o art. 3º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 67/2003, de 8/04, consagra expressamente esta presunção para as relações de consumo, desde que os defeitos se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data da entrega da coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, excepto quando essa anterioridade for incompatível com a natureza da coisa (v.g. bens deterioráveis) ou com as características do defeito (vg. defeitos inerentes à utilização do bem).
Na mesma linha, sustenta João Cura Mariano (in Responsabilidade Contratual Do Empreiteiro Pelos Defeitos Da Obra, 2ª edição, pag. 179) que o prazo estabelecido na lei para denúncia de defeitos e o exercício do respectivo direito pelo compradorresulta da fixação de uma presunção absoluta de que é este o tempo suficiente para todos os defeitos serem conhecidos, denunciados e exercidos os respectivos direitos, neste tipo de imóveis.
Por essa razão, sustenta este autor que a presunção dessa anterioridade está incluída na presunção de culpa do art 799º, n.º 1, do C.C. – cfr. ob. cit. pag. 66;
Efectivamente, o prazo de 5 anos fixado no n.º 3 do art. 916º do CC para a denúncia dos defeitos constitui um prazo em que normalmente se manifestam os defeitos, estabelecendo a lei uma presunção de facto de que o defeito detectado é ele próprio anterior ou advém de causa preexistente.
Que assim é resulta do facto do cumprimento defeituoso ter como pressuposta a ideia de que, aquando da entrega da coisa, o comprador desconhecia o vício ou inexactidão da prestação efectuada pela outra parte, pois que se o conhecesse e o denunciasse estaria a violar o princípio da boa fé (venire contra factum proprium) – arts. 334º e 762, n.º 2, CC. Sendo o defeito oculto no momento da entrega do imóvel ao comprador, normalmente seria muito difícil a este provar a anterioridade do defeito, pois que tal pressupõe a prova da sua causa, a qual muita das vezes apenas se apura no decurso das obras de reparação.
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Ainda que assim se não entenda e que se faça recair sobre o comprador o ónus da prova da anterioridade do defeito relativamente à venda e entrega do bem, o certo é que no caso em apreciação os factos apurados permitem concluir que na data da venda e entrega da fracção autónoma aos autores já esta apresentava os defeitos que vieram a ser denunciados.
Com efeito, provou-se que na fracção de que os autores são proprietários existem infiltrações devidasa deficiente impermeabilização.
Deste facto deriva que os defeitos apurados não têm a sua causa numa deficiente utilização do imóvel, num acto de um terceiro ou em causas de força maior (exemplo, vibrações sísmicas que originassem fissuras na tela de cobertura). Se, por exemplo, o defeito derivasse dessas vibrações então a causa das infiltrações não seria uma deficiente impermeabilização, mas sim esse facto.
Deste modo, o facto apurado, conduz à conclusão de que a deficiência apenas pode derivar de erros de construção ou imperfeição dos materiais empregues (telas ou outros).
Sendo assim, essa deficiente impermeabilização já se verificava na data da aquisição e entrega da fracção.
Consequentemente, mostra-se provada a anterioridade do defeito.
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Sustenta-se, porém, na sentença recorrida que como não se provou em que se traduziu a deficiente impermeabilização, as suas causas e onde se situa, não se pode responsabilizar os réus na eliminação do defeito.
Ora, como vimos, relativamente às causas do defeito, provou-se que as infiltrações derivam de uma deficiente impermeabilização, pelo que se apurou a sua causa, apenas não se tendo apurado se essa derivou de vício de execução (exemplo: tela mal colocada) ou imperfeição dos materiais empregues, sendo que, quer numa situação, quer noutra, tal não é imputável ao comprador ou a terceiro, nem é devido a factos fortuitos ou de força maior.
Por outro lado, a deficiente impermeabilização apenas pode ser referente à cobertura do edifício, sendo que as partes estão de acordo quanto a este ponto, pois que os autores com a p.i. juntaram um orçamento que alude à tela de cobertura e os réus alegaram na contestação ter o réu marido acordado com o proprietário da fracção correspondente ao 1º andar a realização de trabalhos de colocação de tela de impermeabilização na cobertura.
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Na sentença recorrida o Sr. Juiz fez ainda decorrer a improcedência do pedido do facto do “direito em causa não pode ser exercido isoladamente pelos AA, desacompanhados dos restantes condóminos e comproprietários dos prédio, nem demandar com vista à realização de obras numa fracção que não pertencem a nenhum interveniente na acção, uma vez que resultou provado, em conformidade com a certidão predial junta que a fracção sita por cima da dos AA. pertence a terceiras pessoas desde data anterior a 24/07/2002”.
Quanto a esta matéria, refira-se desde logo que as obras de impermeabilização a realizar reportam-se à cobertura do edifício, a qual constitui uma parte comum deste (art. 1421º, n.º 1, al. b) do CC), pelo que as obras não serão executadas na fracção de que é proprietário um condómino não demandado na presente acção.
Por outro lado, decorre do disposto no art. 1422º,n.º 1, do CC, que as relações entre os condóminos estão sujeitas à disciplina das relações entre vizinhos e, quanto às partes comuns, ao regime da compropriedade.
Assim, como refere Sandra Passinhas (in A Assembleia De Condóminos e o Administrador Na Propriedade Horizontal, 3ª edição, pag. 348), citada pelos apelantes, a “existência de um órgão com poderes de representação do condomínio, como o administrador, não exclui o poder de agir do condómino para tutela dos seus direitos inerentes às partes comuns do edifício”, podendo “agir, mesmo sozinho, para tutela do seu direito sobre as coisas comuns”- neste sentido cfr. Ac RC 20-01-2004 in www.dgsi.pt e Ac RC de 4-05-1999, CJ 1999 tomo 3, pag. 10.
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Na p.i. os autores formulam pedidos alternativos de eliminação dos defeitos ou de pagamento de uma indemnização.
Mesmo que se entenda que ao comprador assiste o direito a escolher a tutela que lhe convém, podendo optar pela indemnização fundada nos arts. 798º, 799º e 801º, n.º 1, do CC, e não pela eliminação dos defeitos (neste sentido Galvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosa, 4ª edição, pag. 74; Ac STJ de 7-03-2006 in CJ-STJ 2006, tomo 1, pag. 113 e segs.), sempre se dirá que no caso em apreciação nem sequer se provou o valor da reparação dos defeitos e dos danos apurados.
Na verdade, no orçamento junto aos autos, do montante de €8.500,00 (IVA incluído), consta a realização de obras a levar a cabo cuja efectivação não se demonstrou derivarem dos defeitos provados (vide nomeadamente o fornecimento e assentamento dos tubos de queda de águas pluviais, pintura exterior do prédio, fornecimento e assentamento de grelhas de ventilação dos WC). Deste modo, e uma vez que os réus não ilidiram a presunção de culpa expressa no art. 799º, n.º 1, do CC, entende-se que aos apelantes apenas assiste o direito à eliminação dos defeitos (infiltrações decorrentes de deficiente impermeabilização) e dos danos supra referenciados (faltas de tinta nas parede; deterioração dos mosaicos instalados no chão e fendas nas paredes interiores), pelo que se condenarão os réus nesse pedido e não no pedido indemnizatório formulado em alternativa.
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No que toca à pretensão dos autores formulada na p.i. atinente à construção pelos réus de um degrau de acesso à fracção e à colocação de tubos de quedas de águas pluviais e grelhas de casa de banho, foi a mesma julgada improcedente em 1ª instância.
Ora, relativamente a tais pretensões, são omissas as alegações e conclusões dos apelantes.
Assim, não tendo sido, nesta parte, impugnada a decisão proferida em 1ª instância, a mesma transitou em julgado, não sendo objecto do presente recurso.
Sempre se dirá, porém, na linha nas considerações supra expostas, que ainda que nos encontrássemos em presença de defeitos, estes seriam aparentes, pelo que os apelantes (compradores), caso pretendessem invocar um direito derivado do cumprimento defeituoso, estariam a violar o princípio da boa fé contratual (art 762, n.º 2, CC), na medida em que esses defeitos podiam ter sido detectados pelos mesmos mediante um exame diligente no momento da venda e entrega da fracção.
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Quanto aos demais pedidos: de indemnização e de pagamento da sanção pecuniária compulsória:
Relativamente aos danos patrimoniais não se apurou qualquer dano (impossibilidade de plena rentabilização do imóvel, nomeadamente através de arrendamento do mesmo), mas uma mera dificuldade em arrendar.
Consequentemente, é manifesta a improcedência da pretensão dos apelantes, pois que sem dano não há responsabilidade.
Quanto aos danos não patrimoniais:
Não obstante o art. 496º do CC se referir à responsabilidade extracontratual, o mesmo é aplicável à responsabilidade contratual, não havendo motivos para não ser extensível a esta o princípio da reparabilidade de danos não patrimoniais (cfr Ac. STJ de 22-06-2005 e Ac RC de 4-05-2004, in www.dgsi.pt.) - em sentido contrário vide A. Varela RLJ ano 119 pag. 127 (este sustenta que as razões que levaram o legislador a afastar do âmbito da responsabilidade contratual a indemnização dos danos não patrimoniais prendem-se com o facto de se pretender evitar o aumento inglório da litigiosidade nos tribunais relativamente a prejuízos relativamente insignificantes).
Na verdade, os arts. 798º e 804º, n.º 1, do CC, ao referirem-se ao domínio da responsabilidade contratual, e sucessivamente, à ressarcibilidade do prejuízo causado ao credor, não distingue entre uma e outra classe de danos, não se limitando a responsabilidade do devedor aos danos patrimoniais.
Porém, a questão está em saber se os danos apurados têm a gravidade suficiente para merecem a tutela do direito (art. 496º do CC).
Com efeito, como tem sido entendido na doutrina e jurisprudência, por exemplo, os simples incómodos não configuram um dano merecedor da tutela do direito.
Nesta matéria apurou-se que por verem todos os dias o seu prédio a degradar-se, os autores têm tido enorme preocupação e ansiedade.
Ora, ansiedade significa sensação de mal-estar físico e psicológico, inquietação, angústia, nervosismo. Preocupação significa estado de espírito de uma pessoa que pensa insistentemente em alguém ou alguma coisa, prevendo ou receando uma contrariedade - vide Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa.
Assim, não obstante a factualidade apurada não se encontrar concretizada nas manifestações que dela decorreram em sede de saúde física ou psíquica dos autores, o certo é que não é temerário afirmar que a provada enorme ansiedade sentida por aqueles teve, até pelo tempo em que perdurou (desde a sua denúncia até à data da propositura da acção decorreram cerca de 11 meses, sem que os réus os tenham reparado os defeitos), naturalmente reflexos na sua tranquilidade e na sua estabilidade psicológica.
De resto, objectivamente, qualquer pessoa, nas circunstâncias dos autores, se sentiria justificadamente angustiado e intranquilo (recorde-se que se apurou, nomeadamente, que em algumas situações gotas de água caem incessantemente no interior da fracção).
Deste modo, os danos não patrimoniais sofridos pelo autores assumem uma gravidade merecedora da tutela do direito, entendendo-se, a este título, ajustado, de acordo com critérios de equidade, quantificar o valor indemnizatório em €1.500,00.
Quanto à sanção pecuniária compulsória:
Como decorre do disposto no art. 829º-A do CC , o campo de aplicação da referida sanção restringe-se às obrigações de prestação de facto infungível e aos casos em que é fixado judicialmente qualquer pagamento em dinheiro corrente.
Ora, in casu, relativamente à obrigação de reparação dos defeitos e danos, não nos encontramos em presença de uma prestação de facto infungível, nem de uma indemnização em dinheiro.
Assim sendo, improcede a pretensão formulado pelos autores a este nível.
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V. Decisão:
Pelo acima exposto, decide-se:
1. Julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se nessa parte a sentença recorrida, e, em consequência, condenar os réus a eliminarem os defeitos (infiltrações decorrentes de deficiente impermeabilização)e os danos causados por estes na fracção de que os autores são proprietários (faltas de tinta nas parede; deterioração dos mosaicos instalados no chão e fendas nas paredes interiores);
2. Conhecer, nos termos do art. 715º, n.º 2, do CPC, dos pedidos de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e de fixação de uma sanção pecuniária compulsória, condenando-se os réus a pagarem aos autores a quantia de €1.500,00 a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais, absolvendo-se os mesmos do demais peticionado;
3. Custas pelos apelantes e apelados, na proporção de ½ cada um;
4. Notifique.