CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
PROVA PERICIAL
VÍCIOS
NEGLIGÊNCIA
MEDIDA DA COIMA
PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA
Sumário


1. Em regra, a perícia é realizada por um único perito e só em casos de especial complexidade ou de exigência de conhecimentos de matérias distintas haverá lugar a perícia colegial;

2 - O indivíduo ou entidade que “explora” é aquele que tira proveito ou partido de alguma coisa, que faz com que funcione para algum efeito útil ou lucrativo. E a expressão gerente tem o significado comum de “aquele gere ou administra, aquele que tem sobre si a responsabilidade da gestão ou administração, dando instruções ou mesmo executando-as, no interesse da sociedade.”

3 - A pena acessória de publicidade de sentença condenatória visa, em primeira linha, dar a conhecer às pessoas (à comunidade) o crime ou crimes praticados, prevenindo as mesmas do perigo de lesão de bens ou interesses, concretamente do perigo de lesão dos bens ou interesses que a norma que prevê o crime perpetrado pretende tutelar.

4 - No crime em apreço, tal como ocorre, entre outros, nos crimes previstos nos art. 22.º (abate clandestino), 23.º (fraude sobre mercadorias), 25.º (crime contra a genuidade, qualidade ou composição dos alimentos destinados a animais), 28.º (açambarcamento), 35.º (especulação), 36.º (fraude na obtenção de subsídio ou subvenção), 37.º (desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado) e 38.º (fraude na obtenção de crédito), a sanção acessória é de aplicação imperativa ou automática, como consequência necessária da aplicação da pena principal, pelas prementes necessidades de protecção do consumidor e prevenção de novos ilícitos – uma censura adicional pelo facto cometido pelo agente, revestindo a natureza de uma verdadeira pena, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, como defende Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime (1993), 165 e ss.

Texto Integral


Acordam, precedendo audiência, no Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório:

1. Nos autos de Processo comum singular n.º …do 2.º Juízo de Competência Criminal de, foram julgados J. e Snack-Bar Restaurante …, sob acusação da prática de um crime contra a qualidade de géneros alimentícios, p. e p. pelo art. 24.º, n.º 1-c), 3 e 4 e 82.º n.º2, alin. c) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, bem como da prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 58.º n.º1, alin. d) do referido Decreto-Lei, em articulação como o n.º18 da Portaria n.º 329/75, de 28 de Maio, e o anexo ao Regulamento da Higiene dos Géneros Alimentícios – Decreto-Lei n.º 67/98, de 18 de Março.

2. Por sentença proferida no dia 29 de Novembro de 2006, na procedência da acusação, decidiu:

a) - Condenar o arguido J. pela prática, como autor material, de um crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios e aditivos alimentares, previsto e punido pelo artigo 24.º, n.os 1, alínea c), 3 e 4, e artigos 81.º, n.º 1, alínea a) e 82.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros) e na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à mesma razão diária. E, nos termos do art. 6.º do DL n.º 48/95, de 15 de Março, condenou o arguido na pena única de 330 (trezentos e trinta) dias de multa à razão diária de €6,00 (seis euros);

b) - Condenar a arguida “Snack-Bar Pastelaria…”, pela prática, como autora material, de um crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios e aditivos alimentares, previsto e punido pelo artigo 24.º, n.os 1, alínea c), 3 e 4, e artigo 81.º, n.º 1, alínea a) e 82.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 210) (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), que perfaz o montante global de € 2.100,00 (dois mil e cem Euros).

c) - Condenar ainda os arguidos “Snack-Bar Pastelaria…” e J., pela prática de uma contra-ordenação prevista pelo artigo 58.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, em articulação com o n.º 18 da Portaria n.º 329/75, de 28 de Maio e o Anexo ao Regulamento da Higiene dos Géneros Alimentícios – Lei n.º 67/98, de 18 de Março e punível nos termos do artigo 8.º deste diploma, nas coimas, respectivamente, de €750,00 (Setecentos e Cinquenta Euros) e de € 400,00 (quatrocentos euros).

d) - Ordenar a perda a favor do Estado dos bens (artigo 109.º do Código Penal e artigos 8.º, alínea a), 9.º e 24.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 28/84.

e) - Ordenar a publicação da sentença, a expensas dos arguidos, nos termos dos artigos 19.º e 24.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 28/84.

3. Não conformados com o assim decidido, os arguidos vieram interpor recurso desta decisão formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“1.ª - Com o devido respeito - que é muito - permitimo-nos discordar da douta sentença recorrida, que viola crassamente o disposto nos art.71.°, do Cód. Penal, bem como o art. 18.°, n.° l, do RGCOC e art.s 1°, 3.°, 19.°, 24.°, n.° 4, do Decreto-lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro; padecendo, outrossim, do vício a que se refere o art. 410.°, n.º 2, al. a) e b), do CPP.

2.ª - Salvo o devido respeito por melhor opinião, no caso em apreço o Tribunal a quo não deu como provado que o arguido tenha agido em nome e no interesse da sociedade arguida;
3.ª - Aliás, foi dado como provado apenas que "O arguido J. explora o estabelecimento denominado "Snack-Bar Pastelaria….”, sito na Avenida…, …, no qual, para além de serviços de cafetaria, são servidas refeições."- vide ponto 1, dos factos provados;

4.ª - e que "Actuou o arguido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitido utilizar tais produtos nas condições supra referidas” - cfr. ponto 9, dos factos provados.

5.ª - Bem como que "16.A arguida "Snack-Bar Pastelaria...”, pessoa colectiva com sede na Avenida…., em …, à data dos factos representada e agindo através do seu sócio-gerente J., dedica-se à exploração de snack-bar e restaurante”; e que

6.ª - "17. Concretamente, em Junho de 2004, sob a direcção daquele sócio - gerente, explorava um estabelecimento de restaurante sito na Avenida…, conhecido por "T."; acrescentando que:

7.ª - "18. Actuou a arguida, através do seu representante legal, de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitido utilizar tais produtos nas condições supra referidas.”

8.ª - Ou seja, o Tribunal a quo até deu como provado que o arguido J. explora o estabelecimento denominado "Snack-Bar Pastelaria….",sito na Avenida…, em …, no qual, para além de serviços de cafetaria, são servidas refeições; sequer apurando se este arguido explora um estabelecimento em nome próprio, se em nome da sociedade que, certamente por mero lapso, é apontada como estabelecimento comercial;

9.ª - E sequer se chegue a alegar que a sentença referida faz menção a que o arguido detinha a dita qualidade de gerente (aliás, mero conceito de direito), da arguida ou do estabelecimento (?), pois que, mesmo admitindo que o fosse daquele estabelecimento, sempre sobraria a necessidade de alegar e depois, investigar e apurar como, em concreto, se traduziam as correspondentes funções, só depois se podendo concluir que, no seu âmbito, o arguido não procedera de acordo com o que lhe era exigido e exigível.

10.ª - E, a par disso, tão pouco a simples invocação da qualidade de gerente que o arguido detinha possibilitava, só por si, a responsabilização a título de actuação em nome de outrem, à luz dos art.s 2.°, n.° 1, do DL n.º 28/84 e/ou 12.°, n.° 1, do Cód. Penal, preceitos que, também eles, não prescindem da exigência de que o comportamento típico houvesse sido voluntariamente assumido pelo agente.

11.ª - Destarte, não podemos senão concluir pela absolvição da arguida e, inclusive, do arguido, pois que, sequer se pode alegar que este agiu em seu próprio interesse, de forma a aplicar o n.º l, al. b), do art. 2.°, do supra citado Decreto-Lei (aliás, ilação que o Tribunal recorrido também acaba por retirar).

12.ª - No seguimento do acima exposto, forçoso é concluir que cai a sentença recorrida em contradição, ao não imputar ao arguido a prática de factos enquanto gerente da sociedade, sabendo-se que enquanto gerente a sua actuação pressupunha que tivesse actuado em representação da arguida, ou seja, em nome e no interesse desta; caindo, destarte, aquela decisão na existência de uma contradição insanável na sua fundamentação, cfr. art. 410.°, n.° 2, al. b), do CPP, ao condenar a sociedade arguida como o fez.

13.ª - Situação que, por si só, implica a nulidade da sentença, o que, desde já, se peticiona.

14.ª - Ora, pelos mesmos fundamentos supra aduzidos em II, somos em crer que a decisão recorrida, também no que tange à contra-ordenação, por falta de prova quanto à qualidade e quanto à identidade de quem preencheu os pressupostos da contra-ordenação prevista pelo artigo 58.°, n.° l, alínea d), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, deve ser revogada e aos arguidos não lhe ser imputada a prática desse alegado ilícito contra-ordenacional.

Caso V.as Ex.as assim não o entendam - o que se concebe sem conceder -acresce que:

15.ª - Os factos constantes da acusação, que, alegadamente, preenchem o tipo de crime de que os arguidos vinham acusada e pronunciado, respectivamente, referem-se ao facto de estarem acondicionados diversos produtos, no estabelecimento em apreço, que, em virtude da acção do gelo, se encontravam desidratados e apresentavam queimaduras de frio, não susceptíveis de criar perigo para a saúde pública;

16.ª - Para aferir essas características dos produtos, o Tribunal a quo socorreu-se do médico veterinário, da Câmara Municipal de …; único perito a que se socorreu a acusação e, posteriormente, a decisão recorrida;

17.ª - Sucede porém, que os produtos em causa, após peritagem do Senhor Veterinário Municipal foram destruídos;

18.ª - Pelo que, não tendo sido efectuado qualquer exame laboratorial aos produtos em causa (prova já impossível), mesmo que a alteração dos produtos fosse visível macroscopicamente, para ser considerada válida a assunção de que os mesmos se encontravam avariados, teria de ter sido confirmada por dois peritos - neste sentido Ac. RL, JTRL00017870, de 2/06/91, disponível em ;

19.ª - Nestes termos, porque não pode ser considerada válida a peritagem existente nos autos, único modo idóneo a qualificar os produtos subjudice como avariados, devem os arguidos ser absolvidos do crime de que vêm acusados.

20.ª - No que tange à medida da pena aplicada à arguida o Tribunal a quo violou crassamente o disposto no art. 71.°, do CP e art. 18.°, n.º l, do RGCOC, porquanto, não foi apurada, em sede de audiência e, consequentemente, não foi dada como provada quer a situação económica da arguida, quer o seu suposto benefício económico, retirado da alega prática do ilícito contra-ordenacional.

21.ª - Donde, somos em crer que, se atendermos ao carácter primário da arguida na prática das infracções que lhe são imputadas, ao facto de não se ter provado que tenha mais alguém ao serviço além do arguido (se é que está) e bem assim para o facto da pessoa que, directamente, do restaurante obtém proventos, dele auferir, apenas, € 800,00 mensais, somos em crer que a penas de multa e a coima a aplicar só podem ser fixadas nos seus limites mínimos, ou seja, em € 4,99 e € 200,00, respectivamente.

22.ª - Já quanto ao arguido também a sentença recorrida pecou aquando da determinação da medida da pena, pois que, pese embora considere que:

"No caso concreto, entendemos que se encontra demonstrada a prevalência conferida pelo legislador, no sentido de que a pena de multa se mostra suficiente para que sejam alcançadas tais finalidades, não obstante as prementes necessidades de prevenção geral, atendendo à ausência de antecedentes criminais do arguido e à gravidade dos factos"; aplica-lhe uma pena de multa, em termos de dias, muito próxima da pena máxima.

23.ª - Donde, no nosso modesto entender, não tendo sido apurada a circunstância em que o arguido trabalhava no restaurante em questão, maxime poderia ser condenado, a título de negligência, do crime de que vinha pronunciado.

24.ª - Termos em que, a não proceder o supra requerido, deve, com base no ora alegado, a sentença recorrida ser revogada e o arguido ser condenado apenas a título de negligência, pelo crime de que vinha indiciado; fixando-se, desta forma, a medida da pena de multa, no que aos dias e montante, diz respeito, nos seus limites mínimos.

25.ª - A sentença recorrida não se ficou pelo que supra se alude e ordenou a publicação da sentença proferida, nos termos do disposto nos artigos 19.° e 24.°, n.º 4, do DL n.º 28/84.

26.ª - Contudo, ao agir como o fez - no nosso modesto entender - a 1.ª instância violou não só o constante neste preceitos, como o princípio da proporcionalidade; pois,

27.ª - Tal como consta do Ac. RP, JTRP00028746, de 24/05/2000, a publicidade da sentença não é obrigatória e só ocorrerá quanto o tribunal concluir que se torna necessária atenta a gravidade do crime e as demais circunstâncias provadas;

28.ª - Logo, no caso em apreço os arguidos são primários; os produtos não se encontravam falsificados ou corruptos; não sendo susceptíveis de criar perigo para a vida ou saúde e integridade física alheias (tal como consta da sentença recorrida, vide ponto 8 dos factos provados); acrescendo que: após a inspecção do IGAE, foi promovido, no sentido de repararem as situações irregulares, de molde a garantir um idóneo funcionamento do estabelecimento (colocando, inclusive, uma chaminé, conforme indicação do Técnico de Saúde, vide ponto 23, dos factos provados);

29.ª - Somos em crer - no nosso modesto entender - que, os valores elevados fixados quer para a multa, quer para a coima, são bastantes para assegurar os efeitos de prevenção geral e especial, que assiste o direito Penal;

30.ª - Sendo que a publicação da sentença, com todos os efeitos nefastos que teria, vai muito além das necessidades de prevenção geral e especial.

Destarte, deve, também nesta parte e a ser improcedente a pedida absolvição, revogar-se a sentença recorrida, não se ordenando a publicação da decisão proferida.”

4. O recurso foi admitido por despacho de 26 de Janeiro de 2007 (fls.181).

5. Contra motivou o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, nos termos constantes de fls.184 a 186, dizendo, em conclusão, que:

- Os factos provados são congruentes entre si e suficientes, não se mostrando inadequada qualquer das expressões utilizadas, ou carecidos de provas complementares, tais como um eventual exame laboratorial;

- Deve, pois, manter-se a condenação dos recorrentes pelos factos e com a qualificação jurídica constante da douta sentença sob recurso;

- Admite-se, uma atenuação das penas aplicadas, sendo, em todo o caso, de eliminar a obrigação de publicação da sentença.


6. Neste tribunal e na vista que lhe foi dada, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta promoveu a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de que fosse suprida a inteligibilidade da parte decisória, no que respeita à condenação do arguido, o que veio a ser deferido.

7. Operada a rectificação, subiram os autos de novo a esta Relação, tendo sido redistribuídos ao ora relator.

8. Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e, realizada a audiência de julgamento, cumpre decidir:

II. Fundamentação:

9. Na 1.ª instância foram dados como provados e não provados, os seguintes factos:

A – Factos Provados:
1 - O arguido J. explora o estabelecimento denominado “Snack-Bar Pastelaria….”, sito na Avenida…, em…, no qual, para além de serviços de cafetaria, são servidas refeições.

2 - No dia 26 de Junho de 2004, pelas, pelas 12h.40m, os arguidos detinham no interior do armazém do Snack-Bar Restaurante em causa, situado em anexo ao mesmo, acondicionados em quatro arcas congeladoras, diversos produtos, designadamente carnes, peixes, legumes e mariscos.

3 - Concretamente, os arguidos detinham e guardavam nesse local e nessas condições: feijão preto com o peso bruto de 3,450 kg; peixe com o peso bruto de 0,200 kg; lagosta com o peso bruto de 0,450 kg; camarão com o peso bruto de 0,850 kg; camarão com o peso bruto de 1,300 kg; camarão com o peso bruto de 1,250 kg; navalheiras com o peso bruto de 1,850 kg; sapateira recheada com o peso bruto de 0,350 kg; santola com o peso bruto de 1,100 kg; camarão com o peso bruto de 1,450 kg; santola com o peso bruto de 0,750 kg; santola com o peso bruto de 2,350 kg; búzios com o peso bruto de 0,300 kg; amêijoa com o peso bruto de 0,600 kg; lavagante com o peso bruto de 0,700 kg; lagosta com o peso bruto de 1,850 kg; santola com o peso bruto de 0,950 kg; peixe com o peso bruto de 1,250 kg; cabeça de porco com o peso bruto de 2,800 kg; cabeça de porco com o peso bruto de 0,550 kg; alaskitos com o peso bruto de 1,25 kg; peixe com o peso bruto de 1,700 kg; amêijoas com o peso bruto de 1,700 kg; sapateira com o peso bruto de 0,600 kg; pasta de sapateira com o peso bruto de 1,900 kg; bife de porco com o peso bruto de 1,200 kg; cocktail de marisco com o peso bruto de 0,700 kg; lagosta com o peso bruto de 0,900 kg; bacalhau com o peso bruto de 1,100 kg; pasteis de carne com o peso bruto de 1,300 kg; tamboril com o peso bruto de 1,650 kg; peixe com o peso bruto de 2,250 kg; carapau com o peso bruto de 0,600 kg; espinafres com o peso bruto de 0,700 kg; frango com o peso bruto de 2,700 kg; ovas com o peso bruto de 3,250 kg; robalos com o peso bruto de 6,150 kg; carne de porco com o peso bruto de 1,900 kg; pescada com o peso bruto de 5,850 kg; pés de porco com o peso bruto de 4,900 kg; peixe com o peso bruto de 2,450 kg; peixe com o peso bruto de 4,700 kg; chocos com o peso bruto de 6,100 kg; tamboril com o peso bruto de 4 kg; choco com o peso bruto de 6,500 kg; chocos com o peso bruto de 6,500 kg; carapaus com o peso bruto de 2,50 kg; chocos com o peso bruto de 2,950 kg; carapaus com o peso bruto de 4 kg; camarão com o peso bruto de 1 kg; douradas com o peso bruto de 2,800 kg; espargos com o peso bruto de 2.600 kg; corvina com o peso bruto de 3,600 kg; corvina com o peso bruto de 7,050 kg; carapau com o peso bruto de 1,600 kg; perca com o peso bruto de 8,300 kg; tamboril com o peso bruto de 3,150 kg; espargos com o peso bruto de 5,100 kg; corvina com o peso bruto de 2,400 kg; enguias com o peso bruto de 2,300 kg; carapau com o peso bruto de 4,400 kg; maçacotes com o peso bruto de 4,400 kg; peixe com o peso bruto de 4,400 kg; carne de porco com o peso bruto de 1,100 kg; lebre com o peso bruto de 1,950 kg; rins de porco com o peso bruto de 2,100 kg; bife de porco com o peso bruto de 2,300 kg; bife de porco com o peso bruto de 3,650 kg; toucinho com o peso bruto de 5,950 kg; toucinho com o peso bruto de 4,650 kg; morcelas com o peso bruto de 3,900 kg; farinheiras com o peso bruto de 3,600 kg; pernas de rã com o peso bruto de 1,200 kg; sangue congelado com o peso bruto de 2,750 kg; pernas de rã com o peso bruto de 1,250 kg; farinheiras com o peso bruto de 2,150 kg; morcelas com o peso bruto de 1,450 kg; linguiça com o peso bruto de 1450 kg; requeijão com o peso bruto de 1,250 kg; frango com o peso bruto de 1,550 kg; bacalhau com o peso bruto de 13,450 kg; caras de bacalhau com o peso bruto de 1,300 kg; rim de porco com o peso bruto de 6 kg; costeletas de borrego com o peso bruto de 4,750 kg; carnes diversas com o peso bruto de 5,200 kg; carne de vitela com o peso bruto de 3,900 kg; lombo de porco com o peso bruto de 4,700 kg; carnes de porco com o peso bruto de 1,700 kg; coração de porco com o peso bruto de 0,850 kg; secretos de porco com o peso bruto de 3,950 kg; carnes diversas com o peso bruto de 5,200 kg; cabeça de borrego com o peso bruto de 3,300 kg; pernas de frango com o peso bruto de 3,900 kg; Entrecosto de porco preto com o peso bruto de 21,100 kg; enguias com o peso bruto de 2,200 kg; frango com o peso bruto de 1,450 kg; vitela com o peso bruto de 3 kg; carnes diversas de porco com o peso bruto de 9 kg; salsichas frescas com o peso bruto de 1,500 kg; codornizes com o peso bruto de 0,750 kg; fígado com o peso bruto de 1,900 kg; picanha como peso bruto de 1,600 kg; carne de porco diversa com o peso bruto de 9,40 kg; secretos com o peso bruto de 4 kg; cupin com o peso bruto de 2 kg; sangue de aves com o peso bruto de 1 kg; entrecosto com o peso bruto de 3,400 kg; omoleta com o peso bruto de 1 kg; coelhos com o peso bruto de 2,550 kg; carnes diversas de porco com o peso bruto de 3, 700 kg.

4 - Tudo num total de 334,22 kg e no valor de € 2.571,35.

5 - Tais produtos encontravam-se dispostos ao acaso, a granel, e sem nenhum critério de arrumação, com bastante gelo à mistura no interior das arcas de congelação, encontrando-se estas muito sujas.

6 - Alguns desses produtos haviam sido congelados no próprio estabelecimento.

7 - Tais produtos, nomeadamente a carne e o peixe estavam, por virtude da acção do gelo, desidratados e apresentavam queimaduras de frio, estando as arcas conspurcadas e em risco de contaminação.

8 - Tais produtos foram considerados anormais, avariados, embora não susceptíveis de criarem perigo para a vida ou para a saúde e integridade física alheias.

9 - A arguida, através do seu sócio gerente, destinava tais produtos alimentares para confeccionar refeições e para serem servidos no referido estabelecimento.

10 - Verificou-se ainda que o chão, as paredes e as portas do mencionado armazém se encontravam sujas.

11- No interior das cozinhas do estabelecimento, junto do fogão onde eram confeccionados os alimentos, estava colocado e em uso, um grelhador a carvão, derivando do mesmo cinza e pó que se acumulava sobre os alimentos.

12 - A bancada onde era partido o pão estava bastante suja e estavam colocadas acendalhas junto dos produtos alimentares aí confeccionados.

13 - Actuou o arguido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitido utilizar tais produtos nas condições supra referidas.

14 - De igual modo sabia que tais produtos não estavam nas normais condições de higiene e asseio devido à grande acumulação de gelo na arca de congelados, os quais passavam para os produtos devido ao efeito de escorrência.

15 - Tinha conhecimento que as condições de asseio e higiene das cozinhas onde os alimentos eram confeccionados não eram as adequadas, nomeadamente atendendo à sujidade, restos de cinza, pó e produtos que ali se encontravam misturados com os alimentos.

Resultaram ainda provados outros factos alegados no Processo …/:

16 - A arguida “Snack-Bar Restaurante….”, pessoa colectiva com sede na Avenida…, à data dos factos representada e agindo através do seu sócio-gerente J., dedica-se à exploração de snack-bar e restaurante.

17 - Concretamente, em Junho de 2004, sob a direcção daquele sócio-gerente, explorava um estabelecimento de restaurante sito na Avenida …., em …, conhecido por “T.”.
18 - Actuou a arguida, através do seu representante legal, de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitido utilizar tais produtos nas condições supra referidas.

19 - De igual modo sabia que tais produtos não estavam nas normais condições de higiene e asseio devido à grande acumulação de gelo na arca de congelados, os quais passavam para os produtos devido ao efeito de escorrência.

20 - Tinha conhecimento que as condições de asseio e higiene das cozinhas onde os alimentos eram confeccionados não eram as adequadas, nomeadamente atendendo à sujidade, restos de cinza, pó e produtos que ali se encontravam misturados com os alimentos.
Mais resultou provado:

21 - O arguido não tem averbado ao seu registo qualquer antecedente criminal.

22 - O arguido explora o estabelecimento comercial auferindo cerca de € 800 por mês; refere que não consegue lucro mas vai comendo e bebendo; vive sozinho num quarto; tem como encargos a pensão de alimentos do filho menor – de 15 anos de idade – num total de € 250; tem como habilitações literárias o 7.º ano antigo; trabalha na indústria hoteleira há cerca de 10 anos.

23 - O arguido colocou uma chaminé, condição imposta pela Técnica de Saúde.

B) Factos não provados:
A este respeito o tribunal recorrido exarou queCom interesse para a boa decisão da causa não se provaram outros factos para além dos supra referidos ou que com estes estejam em contradição, sendo que se provaram na íntegra os factos imputados aos arguidos. “

10. Consta ainda da sentença a seguinte motivação da decisão de facto:

“ A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica e global de toda a prova produzida, à luz das regras da experiência, sendo determinante, em primeiro lugar, as declarações do arguido, tendo este admitido a generalidade dos factos imputados.

Nomeadamente, e em primeiro lugar, o arguido assumiu as condições de congelação dos produtos – geralmente a granel, comprados em Espanha pelo arguido –, acrescentando que é normal o facto das arcas frigoríficas terem muito gelo, em virtude de estarem sempre a abrir e fechar arcas para ir buscar os produtos (acrescentando que iam buscar peça a peça para descongelar sempre que era pedido) e lixo (por caírem coisas dos sacos). Acrescentou que não reparou nas queimaduras do frio.

De igual modo assumiu as condições das instalações, referindo que o edifício era bastante velho e que é normal a acumulação de cinza (sendo que depois fez uma chaminé) e que se encontrava pão na bancada de apoio mas era para as galinhas.

Confrontadas estas declarações, com as fotografias juntas aos autos a fls. 30 a 38, relatório pericial de fls. 26 a 29 e 43 e declarações das testemunhas G.C. e H. C., (inspectores da ASAE, de Évora), J. V. (médico) e C. M. (técnica de saúde ambiental) e esclarecimentos do perito médico veterinário, A. F., todos intervenientes na acção de fiscalização e que depuseram de forma isenta e sem hesitações, as desculpas do arguido não se afiguram muito credíveis.

Assim, constata-se e assim foi confirmado, designadamente pelos inspectores da ASAE, que as arcas estavam cheias de gelo e os produtos mal acondicionados, mal congelados (sem qualquer ordem, identificação, acondicionamento e em dispositivos de frio não adequados) e completamente desidratados, de forma a que em alguns exemplares nem se conseguia ver a espécie; que existiam resíduos de alimentos nas arcas por falta de condições de acondicionamento; que a sujidade não era da velhice, nem do próprio dia, sendo que alguns materiais até seriam laváveis.

Estas testemunhas acrescentaram ainda que as parcelas correspondem a um saco, o que afasta, se já não afastado pelas regras da experiência comum, a desculpa apresentada pelo arguido para a acumulação de gelo (sendo impraticável a descongelação peça a peça, em função do pedido, e em hora de maior acumulação de serviço).

O perito médico veterinário confirmou o teor do relatório de fls. 26, e esclarece que a acumulação do gelo nas arcas não permitia sequer o fecho das arcas, que o conteúdo das mesmas se encontravam conspurcadas e sujas, com os resíduos depositados, agarrados ao gelo, não compatível com o manuseamento dos produtos alimentares.

Acrescenta que os produtos congelados estavam na grande maioria fortemente desidratados, mas sem alterações de carácter biológico.

Esclarece que a bancada da cozinha se encontrava suja, como a generalidade dos locais, e que o pão estava em cima da bancada, não em local específico e documentado como sendo para destruição, estando perto de produtos tóxicos (acendalha).

Os factos que integram o elemento subjectivo, «os acontecimentos do foro interno» não são provados, por via de regra, por prova directa, resultando a sua apreensão resultou de ilações atendendo ao princípio da normalidade (neste sentido, Ac. da RP de 23/02/1983, BMJ n.º 324, p. 620 apud Simas Santos e Leal-Henriques, Código Penal Anotado – 1º volume, p. 188 e Ac. RE de 9-10-2001, CJ 2001, tomo IV, p. 285), sendo que sendo o arguido responsável pelo estabelecimento e responsável da indústria hoteleira há mais de 10 anos, não poderia deixar de se ter apercebido destas condições.

Atendeu-se ainda ao teor do CRC junto e declarações do arguido, relativamente às suas condições sociais e económicas, por merecem crédito, neste âmbito, e não serem infirmadas por qualquer outra forma no processo. “

11. Como é amplamente sabido, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões e por elas limitado - veja-se o Ac. do S.T.J. de 19/4/94, C.J., Ano II, Tomo II, pg. 189 e ainda, entre muitos outros, os Ac. do S.T.J. de 29/2/96, proc. n.º 46740, de 21/4/97, proc. n.º 220/97, de 2/10/97, proc. n.º 686/97 e de 27/5/98, proc. n.º 423/98, no C.P.P. Anotado de Simas Santos e Leal Henriques. 2ª Ed., pag. 808, 795 e 797, respectivamente - isto sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são os vícios da sentença prevenidos no art. 410 n.º2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” - Ac. do Plenário das secções do STJ de 19.10.95, in D.R. I-A Série de 28.12.95.

Não obstante ter sido gravada a prova produzida em audiência, os arguidos não impugnaram a matéria de facto em termos deste tribunal dela poder conhecer, limitando-se a assacar à sentença recorrida os vícios do art. 410.º n.º2, alin. a) e c) do CPP, a pôr em crise a validade do exame efectuado aos produtos alimentares apreendidos, concluindo que devem ser absolvidos, ou, quando assim se não entender, deve o arguido ser condenado pelo crime apenas a título de negligência, fixando-se a medida da pena de multa, no que respeita aos dias e montante, nos seus limites mínimos, serem fixadas nos seus limites mínimos a pena de multa e a coima aplicadas à arguida, e, revogar-se a sentença recorrida no que respeita à sua publicação. São estas as questões que, em resumo, reclamam solução.


**
*
12. Começando pelas questões de índole processual.

12.1 - Liminarmente, dir-se-á que a arguida vem referida algumas vezes na sentença sob a designação de “Snack-Bar Pastelaria ….”, mas, de acordo com a certidão do registo comercial que consta dos autos, está matriculada sob a designação de “Snack-Bar Restaurante …”, sendo com essa designação que foi pronunciada (v.fls.192 do processo apenso).

Assim, impõe-se rectificar esse lapso que é manifesto, de modo a que onde se lê “Snack-Bar Pastelaria ….” passe a ler-se “Snack-Bar Restaurante …”

12.2 – Nas conclusões 16.ª a 19.ª, os recorrentes vêm sustentar a sua absolvição com fundamento na circunstância dos bens alimentares que foram apreendidos terem sido objecto de exame apenas por um perito veterinário, não sendo essa perícia válida, pois, em seu entender, baseando-se em acórdão que invoca, necessitaria da confirmação de dois peritos, o que já não é possível pela circunstância dos produtos em causa, após peritagem do Senhor Veterinário Municipal, terem sido destruídos.

Com o devido respeito, nenhuma razão lhes assiste.

Determina o n.º1 do art.152.º do CPP que “a perícia é realizada em estabelecimento ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado de entre as pessoas constantes das listas de peritos existentes em cada comarca, ou, na sua falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de honorabilidade e de reconhecida competência na matéria em causa”.

E o n.º2 do mesmo preceito determina que “quando a perícia se revelar de especial complexidade ou exigir conhecimentos de matérias distintas, pode ela ser deferida a vários peritos, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares”.

Quer isto significar que, em regra, a perícia é realizada por um único perito e só em casos de especial complexidade ou de exigência de conhecimentos de matérias distintas haverá lugar a perícia colegial.

Ora, como decorre de fls.25 dos autos, o Ministério Público, no âmbito da sua competência de investigação da existência do crime, determinou a realização de perícia, com cumprimento de todas as formalidades legais, tendo nomeado, como perito, o Médico Veterinário Municipal, Dr. F. F., que a veio a efectuar.

E consta do relatório da perícia que o arguido J. concordou com o resultado do exame pericial e prescindiu de consultor técnico da sua confiança (v.fls.26).

Por isso que a perícia é válida e o tribunal recorrido não poderia deixar de a considerar, nos termos do disposto no art. 163.º do CPP. E o recorrente, ao aceitá-la, perdeu legitimidade para agora impugnar a sua validade (não se pode venire contra factum proprium).

Acresce que, se alguma irregularidade houvesse na realização da referida perícia há muito estaria sanada.

Assim, a pretensão dos recorrentes com base em tal fundamento não pode proceder.

12.3 – Dos vícios do art. 410.º n.º2 do CPP.

Os recorrentes nas conclusões que apresentaram sustentam que a sentença enferma dos vícios prevenidos no art. 410.º n.º2, alin. a) e b) do CPP, o que, em seu entender, acarreta a nulidade da sentença recorrida.

Conforme resulta do estatuído no nº2 do art.410º, do CPP, os vícios previstos nas alíneas a), b) e c), têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos.

Trata-se de vícios intrínsecos da decisão, não sendo lícito afirmar-se a sua existência recorrendo a elementos que lhe sejam exteriores.

O vício previsto na al. a), do nº2 do citado art.410º, do CPP, trata consabidamente de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.

Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, no “ Curso de Processo Penal”, Vol. III, pag.325/326 «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.”
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto ocorre quando da factualidade vertida na sentença se colher faltarem elementos que podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição (Ac. STJ de 15/171998, proc.1075/97, acessível em www.dgsi.pt).

Tal insuficiência determina a formulação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas, ou seja, quando os factos provados forem insuficientes para fundamentar a solução de direito encontrada.

A referida insuficiência resulta do tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial; no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais longe, não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa (cfr. Ac.STJ de 2/6/1999, proc.288/99, acessível em www.dgsi.pt).

Assim, um tal vício só pode ter-se como evidente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida.

Não ocorre esse vício quando o tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar, ou seja, a factualidade que constituía o objecto do processo, onde se inserem os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência (cf. art. 339.º n.º4 do CPP).

Está-se na presença da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito quando os factos colhidos, após o julgamento, não consentem, quer na sua objectividade quer na sua subjectividade, o ilícito dado como provado (Ac. do STJ de 98.03.25, BMJ 475-502).

Examinado e revisto, à luz de tais ditames e ensinamentos, o texto da sentença recorrida, não se vê, de todo em todo, que o tribunal “a quo” haja incorrido em tal vício.

Tudo o mais que se pretendesse fazer investigado ou vertido na sentença, era desnecessário e irrelevante para se decidir pela verificação dos elementos típicos do crime por que foram condenados os arguidos, era acessório ao themma.

Atentando no acervo dos factos alegados na acusação deduzida contra o arguido e no despacho de pronúncia da arguida e respectiva subsunção jurídico-penal e fazendo o seu cotejo com a que se consignou na sentença, de pronto se constata que esta se limita a reproduzir aquelas, ponto por ponto, usando a expressão plural quando a mesma conduta era imputada a cada um deles nas referidas peças processuais para evitar duplicação.

O tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar.

Com efeito, basta atentar nos factos elencados como provados, donde decorre a perfectibilização subsuntiva dos elementos de facto pertinentes à responsabilidade criminal e contra-ordenacional - elementos objectivos e subjectivos do crime contra a qualidade dos géneros alimentícios, p. e p. pelo art. 24.º n.º1, alin. c), 3 e 4 e 82.º n.º2, alin. c) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, e da contra-ordenação, p. e p. pelo art. 58.º n.º1, alin. d) do referido Decreto-Lei, em articulação como o n.º18 da Portaria n.º 329/75, de 28 de Maio, e o anexo ao Regulamento da Higiene dos Géneros Alimentícios – Decreto-Lei n.º 67/98, de 18 de Março - que a sentença recorrida atribui aos arguidos/recorrente pelo qual foram condenados na 1ª Instância.

Esses dois tipos legais traduzem-se assim:

Art. 24.º n.º 1:

“Quem produzir, preparar, confeccionar, …,armazenar, detiver em depósito, vender, tiver em existência ou exposição para venda,… ou transaccionar por qualquer forma, quando destinados ao consumo público, géneros alimentícios e aditivos alimentares anormais não considerados susceptíveis de criar perigo para a vida ou saúde e integridade física alheias …”.


Art. 58.º n.º 1:

“Quem produzir, preparar, confeccionar, fabricar, …armazenar, detiver em depósito, vender, tiver em existência ou exposição para venda, …., ou transaccionar por qualquer forma, quando destinados ao consumo púbico, géneros alimentícios e aditivos alimentares: d) em relação aos quais não tenham sido cumpridas as regras fixadas na lei ou em regulamentos especiais, nomeadamente para salvaguarda do asseio e higiene: será punido com coima …”

Tendo presentes estes dois preceitos logo se vê que eles têm tradução na matéria de facto que a sentença tratou e acolheu.

As objecções dos arguidos vertidas nas conclusões 2.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª a 13.ª, no contexto apurado, não têm razão de ser.

É certo que há um lapso na matéria de facto, devida a uma inábil ordenação dos factos provados – lapso esse já constante da acusação movida ao arguido - que não escapa a uma leitura mais atenta e que se traduz em afirmar no ponto 1.º dos factos provados que “o arguido J. explora o estabelecimento denominado “Snack-Bar Pastelaria…”, sito na Avenida…, em…, no qual, para além de serviços de cafetaria, são servidas refeições”.

Na verdade, da leitura dos pontos 2.º, 16.º e 17.º conclui-se, sem margem para dúvidas, que “a arguida “Snack-Bar Restaurante…”, pessoa colectiva com sede na Avenida…, em …, à data dos factos (ou seja, no dia 26 de Junho de 2004, pelas, pelas 12h.40m), representada e agindo através do seu sócio-gerente J., dedicava-se à exploração de snack-bar e restaurante” e que, “concretamente, em Junho de 2004, sob a direcção daquele sócio-gerente, explorava um estabelecimento de restaurante sito na Avenida…, em …, conhecido por “T.”. Foi neste restaurante que foram encontrados os produtos considerados anormais, avariados.

Está provado ainda que:

- A arguida, através do seu sócio gerente, destinava tais produtos alimentares para confeccionar refeições e para serem servidos no referido estabelecimento.

- Actuaram os arguidos – a arguida sociedade através do seu sócio-gerente - deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que não lhes era permitido utilizar tais produtos nas condições supra referidas.

- De igual modo sabiam que tais produtos não estavam nas normais condições de higiene e asseio devido à grande acumulação de gelo na arca de congelados, os quais passavam para os produtos devido ao efeito de escorrência.

- Tinham conhecimento que as condições de asseio e higiene das cozinhas onde os alimentos eram confeccionados não eram as adequadas, nomeadamente atendendo à sujidade, restos de cinza, pó e produtos que ali se encontravam misturados com os alimentos.

Ora, o indivíduo ou entidade que “explora” é aquele que tira proveito ou partido de alguma coisa, que faz com que funcione para algum efeito útil ou lucrativo. E a expressão gerente tem o significado comum de “aquele gere ou administra, aquele que tem sobre si a responsabilidade da gestão ou administração, dando instruções ou mesmo executando-as, no interesse da sociedade.”

O conceito de interesse não é pacífico, mas entendemos que o que se pretende aqui é que o acto não seja praticado em benefício do agente ou de terceiros alheios à pessoa colectiva, ou seja, que o acto seja praticado em razão da prossecução dos fins sociais da pessoa colectiva, na realização desse objecto.

A responsabilidade penal e contra-ordenacional do arguido/recorrente decorre da circunstância de lhe serem imputáveis os factos, já que ele agiu voluntariamente em representação da sociedade Snack-Bar Restaurante … e, desse modo, devia controlar a actividade por esta exercida e actuar de modo a que a situação detectada, dele conhecida, não tivesse ocorrido, pois era sob a sua efectiva direcção que era explorado o restaurante conhecido por “T.”, em cujo armazém foram encontrados os produtos avariados, cujas condições ele conhecia, e que eram destinados a confeccionar refeições e para serem servidos no referido estabelecimento. O arguido conhecia também as condições de asseio e higiene das cozinhas onde os alimentos eram confeccionados não eram adequadas, atendendo à sujidade, restos de cinza, pó e produtos que ali se encontravam misturados com os alimentos.

Também a arguida não pode deixar de ser responsabilizada pela conduta do seu gerente.

O art. 3 do DL 28/84, o qual, sob a epígrafe “Responsabilidade criminal das pessoas colectivas e equiparadas”, dispõe no respectivo nº1 que “as pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo”.

Trata-se aqui de uma responsabilidade criminal, como à partida inculca o próprio preâmbulo do preceito -, que acresce assim à responsabilidade solidária, de natureza civil, que decorre do nº3 do art. 2.

Manuel Lopes Rocha in “Responsabilidade penal das pessoas colectivas – novas perspectivas” (Direito Penal Económico, CEJ, 1985, p.p. 162 a 165), reconhece no art. 3.º do DL 28/84 uma consagração do princípio da responsabilidade penal das pessoas colectivas, mas para o que não basta que o agente tenha actuado na qualidade de órgão ou representante, como não basta que tenha agido no interesse colectivo, pois que os dois requisitos são cumulativos, exigindo-se assim que o facto seja praticado por quem actua em termos de exprimir ou vincular a vontade da sociedade, procurando a satisfação de interesses, embora ilícitos, dessa sociedade.

Com efeito, incumbe à administração da pessoa colectiva (aqui a gerência de uma sociedade comercial por quotas) organizar e dirigir a actividade da empresa e, por isso, o que nela se passa é, em princípio, da responsabilidade da sua administração que deve organizar a actividade da pessoa colectiva para que os seus colaboradores não cometam crimes na prossecução do interesse colectivo, criando mecanismos de prevenção, nomeadamente através de ordens e instruções concretas sobre o modo de actuar para evitar a prática de actos ilícitos. Só se o agente age contra as ordens ou instruções expressas é que é afastada a responsabilidade da pessoa colectiva (cf. art. 3.º n.º2 do referido DL n.º 28/84).

E não vemos como se possa questionar que tais requisitos não estão efectivamente presentes na factualidade apurada em julgamento.

Lopes Rocha (ob.cit., p.167), clarifica que o ente colectivo só deve ser sancionado “para completar os efeitos da reacção dirigida à pessoa singular, nomeadamente quando aquele tirar proveito da infracção”, o que é o caso nestes autos, pois se provou que os produtos em causa que os arguidos detinham no interior do armazém do Snack-Bar Restaurante, situado em anexo ao mesmo, acondicionados em quatro arcas congeladoras, eram destinados à confecção de refeições e para serem servidos no referido estabelecimento, com o inerente proveito económico para a mesma.

A este propósito, cf. também o parecer da Procuradoria-Geral da República in Diário da República, II série, de 28/4/95, onde, a dado passo (pág. 4579, ponto 2.4), se afirma que a responsabilidade criminal das pessoas colectivas se cumula com a responsabilidade penal individual dos seus órgãos ou representantes “e é reforçada ainda pela responsabilidade civil solidária daquelas pelo pagamento das multas e indemnizações em que forem condenados os seus órgãos ou representantes”, isto, obviamente, no âmbito do art. 3.º n.º 2 do DL 28/84, de 20 de Janeiro.

Aliás, com as recentes alterações ao Código Penal, o legislador veio ampliar a responsabilidade das pessoas colectivas em relação a determinados crimes praticados em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, entendendo-se que ocupam tal posição os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade (cf. art.11.º n.º2, alin. a) e n.º4 do Código Penal).

Por isso que, sdr e mj, não ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que, a existir, não levaria à absolvição, mas antes ao reenvio do processo para novo julgamento, como decorre do art. 426.º do CPP.

Da contradição insanável de fundamentação:

Sustentam os recorrentes que a sentença recorrida cai em contradição, ao não imputar ao arguido a prática de factos enquanto gerente da sociedade, sabendo-se que enquanto gerente a sua actuação pressupunha que tivesse actuado em representação da arguida, ou seja, em nome e no interesse desta; caindo, destarte, aquela decisão na existência de uma contradição insanável na sua fundamentação, cfr. art. 410.°, n.° 2, al. b), do CPP, ao condenar a sociedade arguida como o fez.

Existe contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, quando há oposição entre os factos provados, entre estes e os não provados ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto. Ocorre ainda, quando segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou quando, segundo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida, dada a colisão entre os fundamentos invocados.

Ainda numa outra formulação, pode afirmar-se que existe contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, quando sobre a mesma questão há posições antagónicas e inconciliáveis, sendo tal contradição naturalmente insanável.

Retomando o caso em apreciação, examinado o texto da sentença recorrida, para além do lapso acima referenciado, não se descortina qualquer contradição insanável na fundamentação da sentença recorrida ou entre a fundamentação e a decisão

Assim, é também manifesto que a sentença recorrido não padece deste vício, nem do vício de erro notório na apreciação da prova, de que o tribunal de recurso conhece oficiosamente.

Não se suscitando quaisquer dúvidas que a factualidade dada como assente pelo tribunal recorrido, com a rectificação acima referida, integra a prática pelos arguidos do crime e da contra-ordenação que lhe foram imputados, como bem se demonstra na sentença recorrida, não pode lograr acolhimento a reclamada absolvição.

12.4 – Sustenta o arguido-recorrente nas conclusões 23.ª e 24.ª que não tendo sido apurada a circunstância, em que trabalhava no restaurante em questão, não procedendo a absolvição, apenas deve ser condenado, a título de negligência do crime de que vinha pronunciado, fixando-se, desta forma, a medida da pena de multa, no que aos dias e montante, diz respeito, nos seus limites mínimos.

No artigo 15º do C. Penal, recorta-se o perfil da actuação negligente, aí se estatuindo:

“Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:

a) Representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização (negligência consciente, tal como a define a Doutrina e Jurisprudência);

b) Não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto (negligência inconsciente, de acordo com a mesma definição).

A punição do crime negligente assenta neste elemento estruturante em que se consubstancia a violação de um determinado (ou determinável) dever de cuidado, que poderá ser tomado num sentido objectivo - em que consiste a tipicidade do facto ilícito, nos crimes culposos - ou num sentido subjectivo - assente na diligência de que o agente é capaz e à qual (por via de tal capacidade) se encontra obrigado.

Ou seja, a voluntariedade, na conduta negligente, não se dirige directamente ao facto e antes à violação do dever de cuidado (elemento volitivo directo), sendo no que tange ao resultado produzido (cognoscível ou intelectual, uma vez que o agente tem consciência do facto a realizar, porque o conhece ou porque o prevê) uma voluntariedade meramente indirecta.

O que caracteriza os crimes negligentes, por oposição aos dolosos, é a existência de um certo desfasamento entre o aspecto objectivo (certa actividade - certo resultado) e o aspecto subjectivo (representação e vontade dos elementos do tipo objectivo do comportamento).

Na negligência, o agente não representa uma situação objectiva ou então representa-a como uma mera possibilidade, não se convencendo dela.

Para que se configure negligência á necessário que se verifique a omissão de deveres e de diligências a que, segundo as circunstâncias e os seus conhecimentos pessoais, o agente está obrigado e que não tenha previsto, como podia, a realização do crime (negligência inconsciente) ou, tendo-a previsto, confiou em que não teria lugar (negligência consciente).

Ora, da mera leitura dos factos apurados resulta que esta questão se não chega a colocar perante a definição da actuação do arguido como dolosa (factos 9, 13 e 14).

Da matéria de facto apurado não resulta, com efeito, que se tenha configurado qualquer situação de negligência na actuação do arguido. Como tal, perante a factualidade fixada, notoriamente se conclui pela manifesta improcedência desta argumentação.

12.5 - Quanto à medida da pena e da coima aplicadas à arguida:

Dizem os recorrentes, no que tange à medida da pena aplicada à arguida, que o Tribunal a quo violou crassamente o disposto no art. 71.°, do CP e art. 18.°, n.º l, do RGCOC, porquanto, não foi apurada, em sede de audiência e, consequentemente, não foi dada como provada quer a situação económica da arguida, quer o seu suposto benefício económico, retirado da alegada prática do ilícito contra-ordenacional e que se atendermos ao carácter primário da arguida na prática das infracções que lhe são imputadas, ao facto de não se ter provado que tenha mais alguém ao serviço além do arguido (se é que está) e bem assim para o facto da pessoa que, directamente, do restaurante obtém proventos, dele auferir, apenas, € 800,00 mensais, a pena de multa e a coima a aplicar só podem ser fixadas nos seus limites mínimos, ou seja, em € 4,99 e € 200,00, respectivamente.

Vejamos:

O tribunal recorrido, pronunciando-se sobre a questão em discussão escreveu o seguinte:

Em relação à arguida sociedade:

O arguido J. agiu em nome e no interesse da arguida sociedade, fundando-se a responsabilidade desta no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 28/84.

Como já foi referido a responsabilidade da pessoa colectiva pelos actos praticados pelos seus representantes não exclui a responsabilidade individual do agente/pessoa física pelos mesmos factos, sem que ocorra violação do princípio non bis in idem, visto não existir um duplo julgamento da mesma pessoa pelo mesmo facto.

De acordo com o artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 28/84, será de aplicar às pessoas colectivas as penas principais, admoestação, pena de multa e dissolução, dada a impossibilidade de aplicação da pena de prisão.

Assim, num primeiro momento, dentro dos limites legalmente definidos, entre 50 a 360 dias de pena de multa, procede-se à determinação da medida dos dias de multa, em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção manifestadas pela sociedade, nos termos dos artigos 40.º e 71.º, n.º1 do Código Penal, nomeadamente não desligadas das considerações atrás aduzidas em relação ao arguido J., porquanto as condutas serão dissociáveis, sem prejuízo das respeitantes a elementos pessoais.

Num segundo momento, procede-se à determinação do quantitativo diário da multa, em função da situação económica da arguida, nos termos do artigo 47.º, n.º2 do Código Penal e artigo 7.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 28/84, sendo que o quantitativo diário deve ser fixado nos limites legalmente estabelecidos, entre os 1.000$00 e 1.000.000$00 (correspondente a € 4,99 a € 4.987,98).

Ponderando as circunstâncias do caso, designadamente as quantidades de alimentos em stock e espécies dos mesmos, considera-se adequada a condenação da sociedade arguida em pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez Euros), que ascende ao montante total de € 2.100 (Dois mil e Cem Euros).

Em relação à contra-ordenação haverá que ter em consideração, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1 do RGCOC, que a determinação da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.

Nos termos do artigo 8.º, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 67/98, as infracções às normas de higiene constituem contra-ordenação puníveis com coima de 20.000$00 a 750.000$00, sendo que as coimas aplicadas às pessoas colectivas poderão elevar-se até ao montante máximo de 9.000.000$00 (quantias hoje correspondentes a € 99,76, € 3.740,98 e € 44.891,81, respectivamente).

Atendendo à multiplicidade de condutas susceptíveis de serem integradas no âmbito desta infracção às normas de higiene, e à culpa dos arguidos, que não podiam deixar de constatar tal evidente falta de limpeza e higiene, sendo que, caso cumprissem as regras, pelo menos teriam de despender algumas quantias e consequentemente diminuiriam os benefícios retirados, e atendendo ainda às condições económicas do arguido e da sociedade (aferidas mesmo indirectamente pelo rendimento do arguido e quantidade de bens em stock e destruídos), sendo certo que o arguido procedeu às alterações exigidas, entendo com adequada a aplicação das coimas de € 750 (setecentos e cinquenta Euros) à arguida e de € 400 (Quatrocentos Euros) ao arguido J.”

No que tange a esta questão não podemos deixar de reconhecer que aos recorrentes assiste alguma razão.

Na determinação da medida da pena para além das circunstâncias comuns previstas no art. 71.º do Código Penal, diploma de aplicação subsidiária, como resulta do art. 1.º n.º1 do DL n.º 28/84, há que atender às circunstâncias especiais previstas no art. 6.º deste último diploma legal, se for o caso.

Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena (art. 71 n.º 1, do Código Penal), a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente prevaricador na sociedade (art.40 n.º 1, do mesmo diploma). A reintegração do agente na sociedade não é senão um dos meios de realizar o fim do direito penal que é a protecção dos bens jurídicos (ao contribuir esta reintegração ou reinserção social para evitar a reincidência – prevenção especial positiva).

O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências e a intensidade do dolo, constituem factores determinantes para avaliação do grau da culpa, tendo por certo que a concepção de culpa que perfilhamos referida está ao facto em si, pelo que a personalidade do agente só relevará na medida em que se encontre expressa no ilícito típico e o fundamente.

Relativamente à prevenção, dir-se-á que num sistema como nosso, em que a culpa ainda é o fundamento ético da pena e um limite inultrapassável da sua medida (art. 40 n.º 2, do Código Penal), a prevenção constituirá um fim da pena e, nesta óptica, a mesma relevará para a determinação da pena necessária, em função da maior ou menor exigência de pena do ponto de vista preventivo, pelo que a prevenção acabará por fornecer, em último termo, a medida da pena, sendo certo que também aqui, tal como sucede em relação à avaliação da medida da pena da culpa, os factores relevantes para aferição da medida da pena preventiva são, fundamentalmente, os respeitantes à gravidade do facto.

A pena de multa não pode deixar de revestir a natureza de uma verdadeira pena, representando para o condenado um sacrifício real que responda aos imperativos de prevenção geral e especial.

Com efeito, a pena de multa, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Junho de 2004, proferido no proc. 04P1266, “se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável - in www.stj.pt.

A pena de multa deve traduzir-se num processo que vise o tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei.

A pena de multa tem de cumprir de modo efectivo a sua dimensão dissuasora da prática de ilícitos.

Aliás, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, no Código Penal em vigor, aqui não aplicável, por estarmos perante um regime especial, o legislador para os casos de responsabilidade das pessoas colectivas pelos crimes mencionados no n.º2 do art. 11.º do Código Penal, veio estabelecer no art. 90-B do mesmo diploma que os limites mínimo e máximo da pena de multa aplicável às pessoas colectivas e entidades equiparadas são determinados tendo como referência a pena de prisão prevista para as pessoas singulares, correspondendo 1 mês de prisão a 10 dias de multa. Sempre que a pena aplicável às pessoas singulares estiver determinada exclusiva ou alternativamente em multa, são aplicáveis às pessoas colectivas ou entidades equiparadas os mesmos dias de multa.

Porém, quanto ao montante diário da pena de multa, o legislador estabeleceu-o entre €100 e €10.000, o que não deixa de ser uma alteração significativa quanto aos limites pecuniários que constam do art. 7.º n.º4 do DL n.º 28/84.

É um facto que o tribunal recorrido talvez devesse ir mais além na averiguação da situação económica e financeira da arguida, bem como dos seus encargos com os trabalhadores.

Apenas deu como provado que o arguido explora o estabelecimento comercial auferindo cerca de €800 por mês, referindo que não consegue lucro mas vai comendo e bebendo.

O circunstancialismo apurado revela um médio grau de ilicitude do facto, pois, não obstante a quantidade de mercadoria avariada que foi apreendida, cujo valor ascendia a € 2.571,35, e que se destinava à confecção de refeições para serem servidas naquele estabelecimento, com obtenção do correspondente lucro, não resultaram daí quaisquer consequências para a saúde pública. O dolo com que agiu o legal representante da arguida (sócio-gerente) é intenso, o que significa um maior juízo ético-social de desvalor; o grau de culpa é mediano. Não podem também deixar de ser consideradas as exigências de prevenção geral.

Tudo ponderado, afigura-se-nos um tanto excessiva e demasiado gravosa a pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa aplicada à arguida, mostrando-se mais ajustada ao caso a pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.

No que respeita ao montante diário da pena de multa entendemos que o que foi estabelecido na 1.ª instância não é de forma algum desproporcionado, pelo que o mantemos.
**
*
No que se refere ao montante da coima aplicada à arguida, ou seja, de €750,00, dir-se-á o seguinte:

A determinação da medida da coima obedece aos critérios estabelecidos no art.18.º n.º 1 do cit. DL n.º 433/82. Vale isto por dizer que a graduação da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.

Como referem Lopes Rocha, Gomes Dias e Ataíde Ferreira, in Contra-Ordenações, pag.30, “A gravidade da contra-ordenação revela o grau de ilicitude e este afere-se pelo modo de execução da infracção, pela gravidade das suas consequências, pela natureza dos deveres violados, enfim, pelas circunstâncias que antecederam, envolveram e se seguiram ao cometimento da infracção”.

No que concerne à culpa, não será despiciendo recordar que, como adverte o Prof. Figueiredo Dias [1] “[...] não se trata de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima.”

Corolário da neutralidade ética – não do ilícito de mera ordenação social, que supõe já realizada a valoração legal – mas da conduta que integra aquele ilícito, em si mesma, isto é, divorciada da proibição legal, diz o Prof. Figueiredo Dias, “a coima representa um mal que de modo algum se liga à personalidade ética do agente e à sua atitude interna, antes servindo como mera “admonição”, como mandato ou especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições legislativas, assim se compreendendo que não seja co-natural a uma tal sanção uma dimensão de retribuição ou expiação de uma culpa ética, como o não será também a da ressocialização do agente. Desligada, é certo, da personalidade do agente, a coima só cobra, porém, sentido e justificação se entendida como reacção, a um facto censurável, imputado à responsabilidade social do seu autor por desrespeito dos deveres impostos pela ordem jurídica. Daí a necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma jurídica violada.

Daí também, por outras palavras, que – pese embora o silêncio, neste aspecto, do normativo do n.º 1 do cit. art. 18º – as exigências de prevenção geral (positiva ou de integração) não devam, pura e simplesmente, ser expurgadas de consideração na graduação da coima, o que, em si, nada terá de ilegítimo, pois que a culpa (entendida não como uma censura de tipo ético-pessoal, repete-se, mas com o sentido acima referido), além de suporte axiológico-normativo da pena, como inequivocamente o proclama o art. 8.º, n.º 1 do RGCO, funcionará sempre como limite máximo e inultrapassável de quaisquer considerações preventivas.”

Como já foi referido no acórdão desta Relação de 24 de Maio de 2005, proferido no proc. n.º 665/05 – 1, acessível in www.dgsi.pt/jtre, “não fornece a lei critérios que permitam apurar a situação económica do agente. No silêncio da lei, deverão ser tidos em consideração todos e quaisquer rendimentos, seja qual for a sua proveniência (inclusive, pensões), presentes ou futuros, contanto que previsíveis, salvo subsídios eventuais, ajudas de custo e outros do mesmo género. A tais rendimentos devem, porém, ser deduzidas despesas de saúde, impostos e outros encargos similares.

Quanto ao benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação, não será despiciendo sublinhar que deve atender-se – não ao valor do dano causado, que releva para a medida da coima pela via da gravidade da contra-ordenação – mas ao benefício colhido, v.g., à poupança obtida em caso de poluição ambiental, ao lucro obtido na exploração de um estabelecimento não licenciado ou à construção de um prédio sem a necessária licença. Se esse benefício for superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode aquele limite elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido (n.º 2 do cit. art.18.º).”

Tendo presentes os critérios a que obedece a graduação da medida concreta da coima e as considerações expendidas, ponderando que o que está aqui em causa é punir faltas de asseio e higiene – tendo presente o provado em11, 12 e 15 e as considerações expendidas na sentença recorrida – não se pode considerar excessivo o montante da coima aplicada à arguida, pelo que se mantém.

12.6 – Quanto à medida da pena de multa imposta ao arguido:

Entendem os recorrentes que também aqui a sentença é digna de reparo porquanto aplicou ao arguido uma pena de multa, em termos de dias, muito próxima da pena máxima. Concluem que deve ser condenado apenas a título de negligência pelo crime de que vinha acusado, fixando-se a pena de multa, no que aos dias e montante diz respeito, nos seus limites mínimos (cf. conclusões 22.ª a 24.ª).

Já se concluiu supra que a conduta do arguido é dolosa, pelo que só nessa vertente de actuação se pode considerar da justeza, ou não, da pena aplicada.

O crime em causa é punível com pena mista e o recorrente só põe em causa a medida da pena de multa.

Dir-se-á que no condicionalismo apurado nenhuma censura nos merece a medida da pena de prisão estabelecida e a sua substituição por pena de multa.

Quanto à pena de multa, tendo em conta o que se apurou a respeito do arguido, afigura-se-nos algo excessivo o número de dias estabelecido, tendo-se por mais ajustado fixar a pena de multa em 120 (cento e vinte dias) e, nos termos do art. 6.º do DL n.º 48/95, de 15 de Março, somada esta à que resulta da substituição da pena de prisão, fixa-se a pena única em 240 (duzentos e quarenta) dias de multa.

A quantia diária de €6,00 (seis euros) que foi estabelecida na 1.ª instância não suscita qualquer reparo, e se peca é por defeito, uma vez que o valor mínimo é de €4,98. Assim é de manter a condenação do arguido, com excepção da alteração relativa aos dias de multa, nomeadamente quanto à pena única.

12.7 – Por último, os recorrentes impetraram a revogação da decisão que ordena a publicação da sentença condenatória, nos termos dos art. 19.º e 24.º n.º4 do Decreto-Lei n.º 28/84.

Aduzem para o efeito as razões constantes das conclusões 26.ª a 30.ª, supra transcritas, nomeadamente a violação do princípio da proporcionalidade.

Dispõe o art. 8.º do DL n.º 28/84 que “relativamente aos crimes previstos no presente diploma podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias:

a) Perda de bens;

(….)

i)- Encerramento temporário do estabelecimento;
j)- Encerramento definitivo do estabelecimento;
l)- Publicidade da decisão condenatória.”

Por sua vez, o art. 24.º do mesmo diploma legal estabelece como penas acessórias, comuns aos crimes dolosos e negligentes, a perda dos bens e a publicação da sentença (n.º3 e 4).

A pena acessória de publicidade de sentença condenatória visa, em primeira linha, dar a conhecer às pessoas (à comunidade) o crime ou crimes praticados, prevenindo as mesmas do perigo de lesão de bens ou interesses, concretamente do perigo de lesão dos bens ou interesses que a norma que prevê o crime perpetrado pretende tutelar.

É o que resulta do senso comum, bem como da hermenêutica do art.19º, n.º 2, do DL 28/84, de 30 de Janeiro.

Com efeito, ali se estabelece que, em casos particularmente graves, nomeadamente quando a infracção importe lesão ou perigo de lesão de interesses não circunscritos a determinada área do território, o tribunal ordenará, também a expensas do condenado, que a publicação seja feita no Diário da República, 2ª série, ou através de qualquer outro meio de comunicação social.

Por outro lado, esta pena acessória, dando publicidade a um facto negativo para a imagem e bom-nome da pessoa condenada, sendo por isso susceptível de lhe causar prejuízos, nalguns casos significativos, também serve outras finalidades de prevenção.

No crime em apreço, tal como ocorre, entre outros, nos crimes previstos nos art. 22.º (abate clandestino), 23.º (fraude sobre mercadorias), 25.º (crime contra a genuidade, qualidade ou composição dos alimentos destinados a animais), 28.º (açambarcamento), 35.º (especulação), 36.º (fraude na obtenção de subsídio ou subvenção), 37.º (desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado) e 38.º (fraude na obtenção de crédito), a sanção acessória é de aplicação imperativa ou automática, como consequência necessária da aplicação da pena principal, pelas prementes necessidades de protecção do consumidor e prevenção de novos ilícitos – uma censura adicional pelo facto cometido pelo agente, revestindo a natureza de uma verdadeira pena, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, como defende Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime (1993), 165 e ss.

A este entendimento não obsta o disposto no art.º 65.º n.º 1 do CP, em consonância com o disposto no art. 30.º n.º4 da CRP - onde se estabelece que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos - pois a aplicação da sanção acessória não é um efeito da pena principal, mas uma consequência da mesma, ou seja, da condenação do arguido pela prática de determinado ilícito, por outro lado, nada obsta que a lei, em tal situação, faça corresponder à condenação pela conduta ilícita, além de uma pena principal, uma sanção acessória, destinada a prevenir a prática de novos ilícitos, por outro lado, ainda, da sanção acessória em causa não resulta a perda de quaisquer direitos civis ou profissionais.

Por isso que a pretensão dos recorrentes sob apreciação não pode ser acolhida.

13. Em razão da improcedência parcial do recurso, impende sobre os arguidos recorrentes o ónus do pagamento das correspondentes custas – art. 513 n.º 1 e 514 n.º 1, do Código de Processo Penal e art. 82 n.º 1 e 87 n.º 1 al. b), estes do Código das Custas Judiciais.
III

14. Decisão.

Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:

1 - Conceder parcial provimento ao recurso, no que concerne à pena de multa, nos termos supra descritos, condenando, em consequência, os arguidos J. e Snack-Bar Restaurante, Lda, pela prática de um crime, p. e p. pelo art. 24.º n.º1, alin. c) e 82.º n.º2, alin. c) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, nos seguintes termos:


a) O arguido J. na pena de na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros) e na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à mesma razão diária, fixando-se a pena única em 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à referida razão diária (cf. art. 6.º do DL n.º 48/95, de 15 de Março), o que corresponde à multa global de €1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros).

b) A arguida Snack-Bar Restaurante, Lda, como autora do mesmo crime, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de €10,00, o que perfaz o montante global de €1.200,00 (mil e duzentos euros).

c) Quanto ao mais, mantém-se a condenação dos arguidos, como decidido na sentença recorrida;

2 - Condenar cada um dos arguidos recorrentes pelo decaimento parcial na taxa de justiça correspondente a 3 UC´s e solidariamente nas demais custas do processo.

(Processado por computador e revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas).

Évora, 2008.02.26
Fernando Ribeiro Cardoso




______________________________

[1] - O movimento da Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social, in Jornadas de Direito Criminal (CEJ), p. 331.