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PROMESSA DE COMPRA E VENDA
SINAL
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
CULPA EXCLUSIVA
Sumário
I – No âmbito de contrato-promessa de compra e venda, a lei presume que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço - artigo 4410 CC. Trata-se de uma simples presunção, já que nada impede que as partes convencionem o cumprimento antecipado de uma obrigação futura - a que emerge não do contrato-promessa, mas do contrato prometido.
II – Para que o promitente-comprador possa exigir o valor da coisa ao tempo do incumprimento é necessário que tenha ocorrido a traditio.
Texto Integral
* PROCESSO Nº 1928/07 - 3
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
*
“A” e mulher “B” demandaram, no Tribunal de …, o “C”, alegando, no essencial, que as partes celebraram, em 10 de Agosto de 1983, três contratospromessa de compra e venda, através dos quais os autores prometeram comprar, e o réu prometeu vender-lhes, três lojas situadas no centro comercial do edifício …, tendo pago ao promitente-vendedor a importância de 1.141.500$00, correspondente à soma das primeiras prestações das três lojas.
No entanto, o edifício … foi vendido pelo réu a “D”, cedendo-lhe, simultaneamente, a sua posição contratual relativamente aos contratos-promessa, tendo a “D”, em 1997, apresentado, na Câmara Municipal do …, um projecto tendo em vista transformar os pisos destinados a centro comercial numa zona destinada a escritórios e serviços, o que impossibilita, em termos definitivos, o cumprimento das obrigações assumidas pelo réu.
Invocaram, ainda, que a quantia paga ao réu não foi entregue a título de sinal, mas como entrega para perfazer 30% da entrada inicial (primeiras prestações dos preços das três lojas), que os contratos-promessa celebrados devem ser entendidos como "contratos de adesão" constituídos por "cláusulas contratuais gerais", na definição do Dec. Lei 446/85, de 25 de Outubro, prevalecendo, na interpretação da cláusula contratual geral ambígua a interpretação mais favorável ao aderente.
O incumprimento por parte do réu causou prejuízos aos autores, no montante de 26.954.784$00, sendo que cada uma das lojas tem hoje o valor de 15.000.000$00, pelo que "o dobro do valor equivalente, para os mesmos fins, ao entregue pelos autores ao réu, em 1983, ascende a 27.000.000$00.
Terminam pedindo:
A. que o Tribunal declare resolvidos, por incumprimento definitivo decorrente de impossibilidade culposamente provocada pelo réu, os contratos-promessa celebrados entre os autores e o réu em 10 de Agosto de 1983;
B. Que o réu seja condenado a indemnizar os autores pelos danos patrimoniais por estes efectivamente sofridos em consequência do incumprimento contratual, os quais ascendem a 26.954.784$00, quantia acrescida de juros à taxa legal, desde a citação;
Subsidiariamente, que o réu seja condenado a indemnizar os autores na importância de 27.000.000$00, também acrescida de juros, desde a citação.
O réu contestou no sentido da improcedência da acção e pediu a intervenção principal de “D”; de “E”; de “F” e de “G”, incidente que foi admitido.
Os chamados “E”, “D” e “F”, nas respectivas contestações, excepcionaram a legitimidade própria, tendo as duas primeiras concluído também pela improcedência de mérito da acção.
Foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto relevante.
Após julgamento, a sentença julgou a acção parcialmente procedente, decidindo:
a) declarar resolvidos os contratos-promessa celebrados entre autores e réu, em 10 de Agosto de 1983, e descritos na matéria de facto em 2. e 4.;
b) condenar o réu a pagar aos autores a quantia de 2.283.000$00, o equivalente a 11.387,55 euros, a que acrescem juros à taxa legal, vencidos desde 10 de Novembro de 1995 e vincendos até efectivo e integral pagamento.
c) absolver o réu do demais peticionado.
Inconformados, os autores apelaram, tendo alegado e formulado as conclusões que se transcrevem:
1ª. Os autores lograram, em face da matéria de facto provada, ilidir a presunção legal constante do art. 4110 do CC, no que respeita à natureza das quantias que entregaram ao réu na data e em simultâneo com a celebração dos contratos-promessa com ele celebrados.
2ª. Em consequência, deve a sentença recorrida, na parte em que condenou o réu a indemnizar aqueles apenas pelo dobro do sinal prestado, acrescido de juros de mora contados da data do incumprimento, ser revogado.
3ª. Condenando-se o réu a indemnizar os autores pelos danos patrimoniais a estes efectivamente causados - em virtude do apontado incumprimento - em quantia a liquidar em execução de sentença.
A apelada “C” contra-alegou a pugnar pela confirmação do decidido.
Os Exmºs Desembargadores Adjuntos tiveram visto nos autos.
São os seguintes os factos que a 1ª instância deu como provados, que se consideram assentes, dado que não se mostram impugnados, nem existe fundamento para os alterar, nos termos do artigo 712° nº 1 do CPC:
1. Em 1983, o réu “C” procedia à construção de um grande edifício no centro do …, em terreno de sua propriedade.
2. Os autores, na qualidade de "segundo contraente", e o réu “C”, na qualidade de "primeiro contraente" celebraram o acordo constante de fls. 15 e 16 - por todos subscrito - denominado de "contrato promessa de compra e venda" - o qual se dá integralmente por reproduzido - do qual constam as seguintes cláusulas:
"01 - A primeira contraente declara ser dona e legitima proprietária de um edifício em construção designado por Edifício … no …, Av. …, ainda omisso na matriz predial urbana, e que se destina a escritórios e comércio;
02 - Para o imóvel acima referido vai ser constituído o regime de propriedade horizontal;
03 - Pelo presente contrato a primeira contraente promete vender e o segundo comprar a fracção autónoma designada pela letra "3L8" correspondente ao 3° piso, Loja nº 8;
04 - A venda da referida fracção autónoma, será feita livre de ónus ou encargos;
05 - O preço de venda acordado é de Esc. 1.335.000$00 (um milhão trezentos e trinta e cinco mil escudos) o qual será pago nas seguintes condições:
05.1 - Como sinal e princípio de pagamento entregou nesta data os segundos contraentes a importância de Esc. 400.500$00 (quatrocentos mil e quinhentos escudos) da qual este instrumento dá plena e integral quitação, servindo de recibo o original selado;
05.2 - Os segundo contraentes obrigam-se a reforçar o sinal agora prestado com a quantia de Esc. 400.500$00 (quatrocentos mil e quinhentos escudos) no acto da entrega das chaves da referida fracção por parte da primeira contraente;
06 - A escritura definitiva de compra e venda a que se refere o presente contrato promessa, será celebrado no prazo de 60 dias a contar da data em que se encontra reunida toda a documentação necessária para o efeito por parte da primeira outorgante, sendo este facto comunicado ao segundo contraente por carta registada;
06. 1 - Este prazo poderá ser prorrogado mediante acordo pelos contraentes e obrigando-se o segundo contraente a pagar à primeira juros calculados à taxa em vigor na altura, sobre o capital em dívida;
07 - São da responsabilidade do segundo contraente todas as despesas e encargos inerentes à posse efectiva da fracção autónoma, nomeadamente com registos, sisa e escritura, pagando também à primeira contraente a partir da entrega das chaves da fracção, juros à taxa de 1,75 ao mês sobre o capital em dívida;
( ... )
11 - Para qualquer questão emergente do presente contrato promessa de compra e venda, desde já se declara que o foro competente será o da comarca de …, com a expressa renúncia a qualquer outro;
( ... );
…, 18 de Julho de 1983"
3. Os autores, na qualidade de "segundo contraente", e o réu “C”, na qualidade de "primeiro contraente" celebraram o acordo constante de fls. 18 e 19 - por todos subscrito - denominado de "contrato promessa de compra e venda" - o qual se dá integralmente por reproduzido - do qual constam as seguintes cláusulas:
"01 - A primeira contraente declara ser dona e legítima proprietária de um edifício em construção designado por … no …, Av. …, ainda omisso na matriz predial urbana, e que se destina a escritórios e comércio;
02 - Para o imóvel acima referido vai ser constituído o regime de propriedade horizontal;
03 - Pelo presente contrato a primeira contraente promete vender e o segundo comprar a fracção autónoma designada pela letra "3L9" correspondente ao 3° piso, Loja n" 9;
04 - A venda da referida fracção autónoma, será feita livre de ónus ou encargos;
05 - O preço de venda acordado é de Esc. 1.335.000$00 (um milhão trezentos e trinta e cinco mil escudos) o qual será pago nas seguintes condições:
05. 1 - Como sinal e princípio de pagamento entregou nesta data os segundos contraentes a importância de Esc. 400.500$00 (quatrocentos mil e quinhentos escudos) da qual este instrumento dá plena e integral quitação, servindo de recibo o original selado;
05.2 - Os segundo contraentes obrigam-se a reforçar o sinal agora prestado com a quantia de Esc. 400.500$00 (quatrocentos mil e quinhentos escudos) no acto da entrega das chaves da referida fracção por parte da primeira contraente;
06 - A escritura definitiva de compra e venda a que se refere o presente contrato promessa, será celebrado no prazo de 60 dias a contar da data em que se encontra reunida toda a documentação necessária para o efeito por parte da primeira outorgante, sendo este facto comunicado ao segundo contraente por carta registada;
06.1 - Este prazo poderá ser prorrogado mediante acordo pelos contraentes e obrigando-se o segundo contraente a pagar à primeira juros calculados à taxa em vigor na altura, sobre o capital em dívida;
07 - São da responsabilidade do segundo contraente todas as despesas e encargos inerentes à posse efectiva da fracção autónoma, nomeadamente com registos, sisa e escritura, pagando também à primeira contraente a partir da entrega das chaves da fracção, juros à taxa de 1,75 ao mês sobre o capital em dívida;
(...);
11 - Para qualquer questão emergente do presente contrato promessa de compra e venda, desde já se declara que o foro competente será o da comarca de …, com a expressa renúncia a qualquer outro;
(...);
…, 18 de Julho de 1983"
4. Os autores, na qualidade de "segundo contraente", e o réu “C”, na qualidade de "primeiro contraente" celebraram o acordo constante de fls. 20 e 21 - por todos subscrito - denominado de "contrato promessa de compra e venda" - o qual se dá integralmente por reproduzido - do qual constam as seguintes cláusulas:
"01 - A primeira contraente declara ser dona e legítima proprietária de um edifício em construção designado por Edifício … no …, Av. …, ainda omisso na matriz predial urbana, e que se destina a escritórios e comércio;
02 - Para o imóvel acima referido vai ser constituído o regime de propriedade horizontal;
03 - Pelo presente contrato a primeira contraente promete vender e o segundo comprar a fracção autónoma designada pela letra "4L10" correspondente ao 4° piso, Loja n° 10;
04 - A venda da referida fracção autónoma será feita livre de ónus ou encargos;
05 - O preço de venda acordado é de Esc. 1.135.000$00 (um milhão cento e trinta e cinco mil escudos) o qual será pago nas seguintes condições:
05.1 - Como sinal e princípio de pagamento entregou nesta data os segundos contraentes a importância de Esc. 319.500$00 (trezentos e dezanove mil e quinhentos escudos) da qual este instrumento dá plena e integral quitação, servindo de recibo o original selado;
05.2 - Os segundo contraentes obrigam-se a reforçar o sinal agora prestado com a quantia de Esc. 319.500$00 (trezentos e dezanove mil e quinhentos escudos) no acto da entrega das chaves da referida fracção por parte da primeira contraente;
06 - A escritura definitiva de compra e venda a que se refere o presente contrato promessa, será celebrado no prazo de 60 dias a contar da data em que se encontra reunida toda a documentação necessária para o efeito por parte da primeira outorgante, sendo este facto comunicado ao segundo contraente por carta registada;
06.1 - Este prazo poderá ser prorrogado mediante acordo pelos contraentes e obrigando-se o segundo contraente a pagar à primeira juros calculados à taxa em vigor na altura, sobre o capital em dívida;
07 - São da responsabilidade do segundo contraente todas as despesas e encargos inerentes à posse efectiva da fracção autónoma, nomeadamente com registos, sisa e escritura, pagando também à primeira contraente, a partir da entrega das chaves da fracção, juros à taxa de 1,75 ao mês sobre o capital em dívida;
(...);
11 - Para qualquer questão emergente do presente contrato promessa de compra e venda, desde já se declara que o foro competente será o da comarca de …, com a expressa renúncia a qualquer outro;
(...);
…, 18 de Julho de 1983"
5. As assinaturas do primeiro outorgante constantes dos acordos mencionados nas alíneas 2. a 4. foram reconhecidas notarialmente.
6. A ré, na qualidade de "1º contratante", e a interveniente principal “E”, na qualidade de "20 contratante" celebraram o acordo constante de fls. 42 a 45, datado de 10 de Agosto de 1995, por ambos subscrito - denominado de "contrato promessa de compra e venda" - o qual se dá integralmente por reproduzido - do qual constam as seguintes cláusulas:
"1ª. O primeiro contratante é proprietário pleno do terreno para construção urbana, confrontando do Norte com a Rua do …, do Sul com a Rua …, do Nascente com a Rua … e do Poente com a Rua …, na freguesia e concelho do …, descrito na Conservatória do Registo Predial do …sob o n.º 1158 a fls. 107 do Livro B-4, omisso na matriz mas já pedida a sua inscrição em 27.7.95.
2a. Pelo presente contrato, o 1º contratante promete vender à 2a contratante, ou a quem este venha a designar, e a 2ª contratante promete vender, a fracção descrita na cláusula primeira, no estado em que se encontra.
(...).
6a. A 2a contratante assume as obrigações a que o 1º contratante se encontra adstrito por virtude da celebração de contratos promessa de compra e venda relativos às fracções:
(...);
"3-L8" - correspondente ao 3° piso - loja 8;
"3-L9" - correspondente ao 30 piso - loja 9;
"4-L10" - correspondente ao 40 piso -loja 10;
(...);
Se, por virtude das obrigações assumidas nos termos dos contratos referidos nos números anteriores, o 1º contratante vier a ser condenado no pagamento de qualquer quantia aos promitentes compradores, a 2a contratante tomará a iniciativa de pagar ou quando tal não suceda, reembolsará o 1º contratante no prazo máximo de dez dias contados da notificação que receba para o efeito.
(...);
7. Em 9 de Novembro de 1995 o “C”, na qualidade de "primeiro outorgante", a “D”, na qualidade de "segundo outorgante" e o “H” .", na qualidade de "terceiro outorgante", celebraram a escritura pública de "compra e venda e mútuo com hipoteca ao “H”, constante de fls. 87 a 94 - a qual se dá integralmente por reproduzida -, da qual consta:
"Pelo primeiro outorgante foi dito:
Que, qualidade em que outorga, vende à sociedade representada pelos segundos outorgantes, livre de quaisquer ónus ou encargos e preço de cento e noventa milhões de escudos, que já recebeu, o lote de terreno para construção com a área de mil e trezentos metros quadrados, sito na Rua …, freguesia e concelho do …, omisso na matriz predial urbana da dita freguesia ( ... );
Que o lote de terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o número mil cento e cinquenta e oito - do livro B-Quatro e cuja transmissão a favor do Banco vendedor está registada pela inscrição número cinco mil setecentos e trinta e seis ( ... ); Pelos segundos outorgantes foi dito:
Que aceitam esta venda nos termos expostos e destinam o imóvel adquirido a revenda.
(...).
8. Em 9 de Novembro de 1995 a “D” remeteu ao “C” a carta constante
de fls. 101, da qual consta:
"(...),
Na sequência do acordado com V. Exas. vimos confirmar a assumpção, pela nossa parte, das obrigações assumidas pela “E” através da cláusula 6ª do contrato promessa de compra e venda relativamente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n° 1158 a fls. 107 do Livro B4, cuja escritura de compra e venda se realiza nesta data a nosso favor sem prejuízo dessa escritura não fazer referência a obrigações por nós assumida por razões meramente operacionais."
9. Em 2 de Novembro de 1995, “F” e “G” remeteram ao “C” a carta constante de fls. 103, da qual consta:
"(...),
Temos conhecimento dos contratos-promessa de compra e venda celebrados entre V. Exas. e: “A”, (...), relativos ao prédio denominado Edifício …
Pela presente declaramos assumir solidariamente com a “E”, e com a “D”, a sociedade adquirente do Edifício …, as obrigações decorrentes da cláusula sexta do contrato.
(...);
10. A construção referida na al. 1., em Julho de 1983, encontrava-se em parte na fase de acabamentos.
11. Tal edifício, a que o réu deu o nome de "Edifício …" , conteria nos seus primeiros pisos um Centro Comercial cujas lojas o réu pretendia vender.
12. Para esse efeito foi aberto, junto à construção então em curso, um pequeno escritório, no qual se encontrava diariamente uma funcionária da empresa que construía o prédio e era promotora das respectivas vendas - a “I”.
13. Funcionária que tinha por função, fundamentalmente, informar interessados de quais eram as lojas que o “C” tinha disponíveis para venda, suas características, área e implantação.
14. ... bem como informar os interessados dos preços e condições de pagamento exigidos pelo “C” para qualquer das referidas lojas.
15. Os autores assinaram os acordos mencionados em 2.,3. e 4. entre 2 de Agosto de 1983 e 10 de Agosto de 1983.
16. Com a outorga dos acordos mencionados em 2. a 4. os autores entregaram à ré a quantia de Esc. 1.120.500$00.
17 .... entregando ainda a quantia de 21.000$00 por conta do "preço" a que alude a cláusula "05.1" da al.. 4.
18. Os acordos referidos nas alíneas 2. a 4. foram apresentados aos autores com a assinatura do representante do “C”.
19 .... encontravam-se pré-elaborados.
20. Aquando da outorga dos acordos referidos nas als. 2. a 4., no tocante ao preço e condições de pagamento, a ré referiu aos autores apenas a existência de três prestações de valor semelhante entre si (30% + 30% + 40% do preço).
21. A quantia de 1.141.500$00, em 1983, permitiria aos autores adquirirem uma loja num centro comercial com características semelhantes à da loja nº 10 do piso 4 a que alude a al. 4. (cláusula "03 ").
22. A data previsível de entrega das lojas aos autores era em 1984.
Sendo as conclusões dos apelantes que delimitam, como é regra, o objecto do recurso, a questão que se coloca consiste em saber se aos autores é devido apenas o sinal em dobro pelo incumprimento dos contratos-promessa ou se lhes assiste o direito de reclamarem indemnização pelos prejuízos efectivamente sofridos pelo não cumprimento do réu “C”, promitente-vendedor.
Na verdade, não se mostra questionado que os autores celebraram com o “C”, … três contratos-promessa de compra e venda, através dos quais prometerem comprar três lojas, que o réu lhes prometeu vender, e que os contratos prometidos não puderam realizar-se por facto imputável ao promitente-vendedor.
Ou seja, as partes não discutem, no recurso, que houve incumprimento definitivo por culpa exclusiva do promitente-vendedor.
Vejamos, então:
Dispõe o artigo 4400 do Código Civil: Se, ao celebrar-se o contrato, ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.
Mas, tratando-se de contrato-promessa de compra e venda, a lei presume que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço - artigo 4410 CC.
Trata-se de uma simples presunção, como salienta Antunes Varela, já que nada impede que as partes convencionem o cumprimento antecipado de uma obrigação futura - a que emerge não do contrato-promessa, mas do contrato prometido. Simplesmente, a mera declaração da antecipação não tira à quantia entregue o carácter de sinal (cf. CC Anotado, pg. 418).
Já Manuel António Coelho da Rocha referia que sinal "é uma cousa ou quantia que uma das partes dá à outra como penhor do futuro cumprimento da obrigação conitrahida", salientando que, segundo as Ordenações Filipinas, em caso de arrependimento, a parte que entregou o sinal não tem o direito de o reaver, e a parte que o recebeu deve repô-lo em dobro (Instituições de Direito Civil Portuguez, tomo II, pg. 585).
O artigo 1548° do Código Civil de 1867 continha uma qualificação presuntiva de sinal para as quantias entregues no quadro do contrato-promessa de compra e venda ao dispor que sinal era "qualquer quantia recebida pelo promitente vendedor, valendo a sua perda ou a sua restituição em dobro como compensação de perdas e danos" .
A lei actual continua a não fornecer uma noção de "sinal", mas é pressuposto do regime legal do n° 2 do artigo 442° do Código Civil que se trata de uma convenção acessória dos contratos bilaterais, constituindo o reforço ou garantia da obrigação daquele que o constitui, sendo de imputar ao sinal função confirmatória - e não penitencial -, expressa na dupla função de imediata entrega de uma coisa de que a contraparte passa imediatamente a dispor, e de fixação à forfait do montante indemnizatório em caso de não cumprimento (cf. Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu Regime Legal, pg. 752).
Ora, os autores não lograram ilidir a presunção legal, como lhes competia, em face da regra do artigo art. 3440 do Código Civil, isto é, não provaram que o pagamento efectuado ao réu promitente-vendedor não assumia carácter de sinal, sendo que, pelo contrário, ficou a constar expressamente de cada um dos contratos-promessa que a quantia entregue o era "como sinal e princípio de pagamento" .
Na verdade, a circunstância de o réu ter referido aos autores, aquando da outorga dos contratos-promessa, apenas a existência de três prestações de valor semelhante entre si (cf. 20. supra) não permite que se conclua que a quantia entregue se destinava ao cumprimento antecipado da obrigação emergente do contrato prometido (e não do contrato-promessa).
Por seu turno, estabelece o artigo 4420 no 2 do Código Civil: Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele direito de exigir o dobro do que houver prestado ....
Deste modo, havendo incumprimento do contrato por parte do contraente que constituiu o sinal, este será perdido; se o incumprimento for de quem o tiver recebido, fica obrigado à restituição do sinal em dobro.
O n° 2 do artigo 442° do Código Civil, vigente ao tempo da celebração dos contratos-promessa a que os autos se referem (redacção dada pelo DL 236/80, de 18 de Julho), previa ainda a possibilidade de o promitente-comprador exigir o valor da coisa ao tempo do incumprimento, mas era necessário ter ocorrido a traditio, o que não sucedeu na situação vertente.
Assim, perante o não cumprimento definitivo imputável ao promitente-vendedor, como é pacífico, os promitentes-compradores têm direito a uma prestação pecuniária do sinal em dobro, que funciona como fixação antecipada da indemnização devida, salvo estipulação em contrário (cf. art. 442° n" 4).
Estipulação essa que não se mostra ter existido.
Por todo o exposto, estando o réu obrigado apenas à restituição do sinal em dobro, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Évora, 28 Fevereiro 2008