ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Sumário


I – Pode ser celebrado um contrato de cessão de exploração comercial, mesmo antes de tal estabelecimento ter iniciado a sua actividade, estar a mesma interrompida, não sendo de atender ao aviamento, à clientela ou à existência de mercadorias. Tem que existir, tão-somente, um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia com vista à realização de uma actividade produtiva de natureza comercial ou industrial.

II – Passa a existir um estabelecimento comercial quando inicia a actividade e isto coincide com a projecção para o exterior daquela organização e com a apresentação desta, como novo actor, no tráfico económico.

III - Se no local funcionou, mas já não funciona, um estabelecimento comercial e se aí nada existe que seja necessário a uma exploração mercantil, de modo algum é lícito configurar tal realidade como um estabelecimento susceptível de locação, pois que tal realidade, só por si, não representa nem configura qualquer optimização de factores produtivos.

Texto Integral

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PROCESSO Nº 3073/07 - 2

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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RELATÓRIO
O Tribunal de … julgou improcedente a acção de processo ordinário que “A” moveu contra “B” e absolveu esta do pedido que aquela formulou no sentido de condenação desta no pagamento da quantia de € 33.485,76 euros correspondente às prestações mensais inerentes ao período do contrato que as partes qualificaram de cedência de estabelecimento comercial alegadamente não decorrido e da quantia de € 21.364,09 euros para reposição do estado em que se encontrava o espaço cedido e indemnização por benfeitorias alegadamente arrancadas.
Fundamentou a sentença tal decisão na nulidade do contrato intitulado cedência de estabelecimento comercial por inexistência de objecto, já que o espaço cedido no estado em que se encontrava aquando do contrato era insusceptível de configurar um estabelecimento comercial.
Inconformada, apelou a Autora para esta Relação, sintetizando a sua discordância nas seguintes conclusões com que finaliza as suas alegações:
1 - O contrato sub judice não está ferido de nulidade, pois a cessão de exploração pode recair sobre local onde nada existia.
2 - Basta que o estabelecimento cedido já tenha funcionado para poder ser objecto de um contrato de cessão de exploração.
3 - Foi violado o princípio da liberdade contratual, bem como o princípio do pontual cumprimento dos contratos, consagrados nos art.s 4050 e 4060 do Código Civil.
4 - A apelada denunciou unilateralmente o contrato por si celebrado, antes do prazo estipulado, pelo que deverá indemnizar o apelante no que respeita às prestações inerentes ao período não decorrido, bem como os princípios causados com a retirada das benfeitorias, que contratualmente deveriam ficar a fazer parte do espaço cedido.
5 - Termos em que deve a douta sentença ser substituída por outra que julgue a procedente o presente recurso.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Remetido o processo a esta Relação, após o exame preliminar, foram corridos os vistos legais.
Nada continua a obstar ao conhecimento da apelação.
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
Em 31 de janeiro de 1990, a Autora tomou de arrendamento a loja sita na Rua da …, nº …, em …, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o art. 381. (A)
Destinando-se a aludida loja ao exercício do comércio de artigos decorativos, móveis, utilidades, electrodomésticos, perfumaria, tecidos, lingerie, roupas e outros produtos afins (B).
Entre a Autora e a Ré foi celebrado um acordo denominado de "contrato de cedência de estabelecimento comercial", no dia 1 de Fevereiro de 2002, pelo prazo de cinco anos, com início nessa data e termo a 31 de Janeiro de 2007, a fim de a última desenvolver o comércio de vestuário (e).
Na cláusula 1ª do referido acordo diz-se que "a primeira outorgante é dona de um estabelecimento comercial sito em …, na Rua …, n° …, que tem como objecto, entre outras, a comercialização de vestuário".
Entre as partes foi estabelecida a renovação da cedência por períodos de um ano, se não for denunciada por qualquer uma delas e por escrito, com a antecedência mínima de noventa dias, com referência ao termo da cedência ou das suas renovações.
Foi fixada pelas partes a prestação mensal de € 897,84 euros devida pela cedência, actualizável anualmente de acordo com a percentagem de actualização para os arrendamentos comerciais.
Esta prestação mensal não era acrescida de IVA (F)
Foi estabelecido pelas partes que a Ré pode "proceder a obras que não alterem a estrutura do espaço arrendado e implantar no mesmo benfeitorias que pretenda e sejam necessárias ao desenvolvimento da sua actividade comercial, renunciando expressamente ( ... ) ao pagamento de qualquer quantia, seja a que título for, pelas obras e benfeitorias implantadas, que passarão a incorporar o espaço cedido" (G).
No início do acordo, a Ré fez de novo todo o interior da loja, designadamente prateleiras, portas de acesso à cabine de provas e casa de banho (H).
Quando a Ré tomou conta do local - em 1 de Fevereiro de 2002 - não existiam no mesmo utensílios, mercadorias ou quaisquer objectos, para além de algumas estantes.
As paredes estavam em vão.
lnexistiam instalações sanitárias a funcionar (I).
A mando da Autora, foram retiradas estantes (J).
Todo o local precisava de reparações (L)
A Ré teve de mandar colocar chão de madeira, pois o chão existente estava gasto e em mau estado. Toda a instalação eléctrica foi colocada de novo, pois a existente era insuficiente e com fios pendurados. Foram colocadas torneiras novas.
As paredes foram reconstruídas com pladur e foi colocado um tecto falso.
Foram construídos um gabinete de provas e casa de banho, antes inexistentes (M).
No local existia lixo e ratos (N).
Por carta de 24 de Outubro de 2003, a Ré comunicou à Autora a sua "intenção de revogar o contrato de cedência de exploração de estabelecimento comercial celebrado em 1 de Fevereiro de 2002, devendo os efeitos da presente declaração ser considerados a partir de 31 de Janeiro de 2004" (O).
A Autora respondeu à Ré, por carta de 21 de Novembro de 2003, na qual tomou posição sobre a revogação do acordo assinado, solicitando o pagamento das prestações mensais até ao termo da cedência. (P).
A Ré respondeu a 2 de Dezembro de 2003, afirmando, além do mais, que "(...) só são devidas as rendas até 31 de Janeiro de 2004". (Q).
Em 5 de Março de 2004, a Ré entregou as chaves do estabelecimento cedido (R).
Quando entregou a loja, a Ré levantou e levou consigo portas, prateleiras, armários, focos de iluminação, móveis, balcão e bases de montras (S).
Parte das paredes e tecto da loja apresentavam alguns estragos (T).
A Ré liquidou a prestação mensal devida pela cedência até à prestação que se venceu em 1 de Janeiro de 2004, no valor actualizado de €930,16 euros (U).
Está orçada em €950,00 euros a reparação dos estragos acima mencionados na alínea T (V).
O comércio desenvolvido pela Ré envolvia um acordo de franchising entre esta e a “C”, com a marca … (X).
Todos os móveis e equipamentos levantados pela Ré tinham imagens de marca do franchising. E pertenciam à sociedade “C” (2)
A Autora cessou a sua actividade na Repartição de Finanças de … a 15 de Abril de 1998 (AA).
Em 1 de Fevereiro de 2002, a Autora não tinha instalado na Rua da …, n° …, em …, qualquer estabelecimento de comercialização de vestuário.

A matéria de facto não objecto de impugnação nem nela se descortinam vícios lógicos determinativos da intervenção da Relação.

A 1ª instância decidiu bem, ao pronunciar-se pela improcedência da acção, mas fundamentou mal, ao recorrer, para isso, à nulidade decorrente da inexistência de objecto, qual seja o estabelecimento comercial cuja exploração era cedida.
Com efeito, por inteiro se subscreve a douta sentença quando diz que:
"Pode haver cessão de exploração de estabelecimento comercial cuja exploração ainda se não tenha iniciado ou esteja interrompida. O que tem é de existir um estabelecimento, ou seja, um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia, com vista à realização de uma actividade, de natureza comercial ou industriar” (itálico nosso).
E, seguidamente, compulsando os factos provados, conclui pela inexistência desse estabelecimento.
Como se entendeu no acórdão da Relação do Porto, de 02/07/92:
"Pode haver cessão de exploração de estabelecimento comercial cuja exploração ainda se não tenha iniciado ou esteja interrompida. O que tem é de existir um estabelecimento, ou seja, um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia, com vista à realização de uma actividade produtiva, de natureza comercial ou industrial", acrescentando depois que para se verificar a cessão de exploração " ... Não têm necessariamente que atender ao aviamento, nem à clientela ou à existência de mercadorias" (Cfr. CJ XVII - IV - 231 e segs.).
E mais recentemente o STJ em 30/06/98 entendeu também "para haver cessão de exploração ou trespasse não é necessário que o estabelecimento esteja a ser explorado, podendo aqueles negócios ter lugar, mesmo que a exploração não se tenha ainda iniciado ou esteja interrompida. E é, assim, porque esses contratos sobre o estabelecimento não têm necessariamente que atender ao aviamento, nem à clientela ou à existência de mercadorias" (Cfr. C.J. - S.T.J., Ano 6.0, 2.0, 156).
E no mesmo sentido aponta a doutrina dominante.
Assim, o Prof. Ferrer Correia entende "não é essencial, para que determinada organização seja havida como estabelecimento comercial ou industrial, que a respectiva exploração se tenha iniciado já - basta que essa organização se encontre apta a funcionar como tal" e Lobo Xavier que "pode haver lugar a uma locação de estabelecimento mercantil desde que à data do contrato já exista um valor negociável como estabelecimento e, portanto, distinto do prédio, e que tenha sido esse o valor que as partes quiseram efectivamente negociar",
Dando por resolvido o problema do critério definidor do que seja um estabelecimento comercial, a transmissão deste - definitiva (trespasse) ou temporária (cessão de exploração ou locação de estabelecimento) - implica a determinação do âmbito mínimo e necessário da respectiva entrega.
Por outro lado, tendo o estabelecimento comercial uma compreensão elástica, o âmbito mínimo é constituído pelos elementos (bens ou conjuntos de bens) cuja presença é essencial para que se possa falar de estabelecimento em termos de, na respectiva ausência, a transmissão se restringir aos concretos bens ou conjuntos de bens, não ao estabelecimento.
Um estabelecimento comercial implica a reunião de certos elementos imprescindíveis ou essenciais - o seu âmbito mínimo ou necessário - que funcionam como limite à liberdade de exclusão das partes em todas as circunstâncias e que, se forem ultrapassados (isto é, se as partes no exercício da sua liberdade e autonomia negocial o não respeitarem, excluindo da negociação do estabelecimento certos dos seus elementos) não haverá estabelecimento nem transmissão.
Só esse âmbito mínimo do estabelecimento é que tem de ser transferido para que o estabelecimento (ou a sua exploração) se transfira; "caso contrário, inexiste a própria essência do estabelecimento e, por via disso, a sua idoneidade para prosseguir uma certa finalidade, para cumprir um determinado destino. São, pois, os essentialia do estabelecimento" (Cfr. Remédio Marques, Direito Comercial, 1995, p. 486).
Para além do âmbito mínimo, o estabelecimento pode ser transmitido com outros bens ou valores que ele naturalmente abrange; o âmbito natural ou normal do estabelecimento é integrado pelos bens ou valores que o estabelecimento transporta naturalmente consigo, sem dependência de uma concreta enunciação. São os naturalia do estabelecimento porque o acompanham sempre que o respectivo titular dele dispõe, sem qualquer outra reserva ou exclusão.
E também o âmbito máximo quando, para além do âmbito mínimo e natural, o estabelecimento é integrado também por bens ou valores que são elementos acidentais e excepcionais expressamente referidos para serem abrangidos pela transmissão. (Cfr. Orlando Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, vol. I, p. 478 e segs; Remédio Marques, o cit, p.486-487).
Com efeito, o estabelecimento não é apenas um conjunto atomístico de bens e meios (factores produtivos) de que um comerciante se serve para exercer a sua actividade comercial, mas sobretudo a organização desses bens e meios para intervir no mercado, quer a montante (relações com fornecedores) quer a jusante (relações com a clientela) e gerar lucros através da combinação óptima daqueles bens e meios.
Como escreve o Prof. Cassiano Santos:
"o estabelecimento é a um tempo organização de meios dirigida ao mercado e valor de relação nesse mercado, mas esses dois aspectos ligam-se umbilicalmente: a organização é estabelecimento na medida em que é organização preparada para a relação com o exterior, e o valor na intercomunicação produtiva só existe na medida em que é referido à concreta organização. Só nessa dupla qualidade ele adquire um valor diferente dos demais no mercado" (Cfr. Direito Comercial Português, voI. I, 2007, p. 287).
Importando, para o nosso caso, saber a partir de quando existe um estabelecimento comercial, pode responder-se que tal ocorre quando inicia a actividade e isto coincide com a projecção para o exterior daquela organização e com a apresentação desta, como novo actor, no tráfico económico.
"Quando a organização eficiente se projecta para o exterior e se apresenta na intercomunicação produtiva, havendo já uma percepção do novo actor no tráfico, ainda que difusa, surge o aviamento-organização, que é uma qualidade do estabelecimento incindível dele e não é, pois, um factor produtivo (mas um resultado já da conjugação por certo modo dos factores produtivos). O aviamento-organização não implica necessariamente aptidão para funcionar, isto é, para actuar de imediato a actividade produtiva: ele existe logo que é reconhecível no mercado um novo sujeito-organização com certa eficiência, organização essa que não tem que ser completa ou sem falhas - podem faltar alguns bens para que a empresa possa de facto funcionar. E a empresa pode até não ter ainda entrado em funcionamento ou estar encerrada - ponto é que assuma já uma identidade no mercado ou a não tenha perdido, conforme os casos" (Cfr. Filipe Cassiano dos Santos, ob cit, p. 290).
Volvendo ao nosso caso, implicando a cessão de exploração uma prestação que se analisa numa obrigação de entrega de algo, o que importa apurar é a dimensão e extensão desta prestação, ou seja, saber se esse "algo" pode ser constituído apenas pelo direito à utilização de determinado espaço no qual funcionou, mas já não funcionava, um estabelecimento comercial, apresentando-se ele sem quaisquer utensílios, mercadorias ou objectos, com paredes em vão, sem instalações sanitárias minimamente funcionais, com o chão gasto e em mau estado, com lixo e ratos e a instalação eléctrica com fios pendurados ... ; por outras palavras, se o estabelecimento pode ser constituído apenas pelo espaço em bruto onde vai funcionar...
Só por ironia se pode afirmar que uma realidade destas constituía um estabelecimento comercial...
Sem dúvida que o espaço (ou o direito à sua utilização) integra o âmbito mínimo do estabelecimento, mas não basta; é necessário que o local estivesse preparado e predisposto para "receber" o estabelecimento ou para iniciar (ou reiniciar aí) a actividade, o estabelecimento não é só um valor de organização; é também um valor de posição e de relação no mercado.
O que seguramente não acontece no caso em apreço. Por isso, concordamos com a douta sentença recorrida.
Pretende a apelante que, tendo funcionado no local um estabelecimento comercial, só por isso a cessão de exploração pode recair sobre local onde nada existia.
Não é verdade.
Se no local funcionou, mas já não funciona, um estabelecimento comercial e se aí nada existe que seja necessário a uma exploração mercantil, de modo algum é lícito configurar tal realidade como um estabelecimento susceptível de locação, pois que tal realidade, só por si, não representa nem configura qualquer optimização de factores produtivos; como se disse, é um dos elementos mínimos do estabelecimento, mas não é um estabelecimento.
A tese de que o estabelecimento não deixa de existir pela interrupção da actividade está correcta se ponderarmos que o local continua adequado e apto para retomar a actividade, dispondo ou podendo dispor facilmente dos meios e bens normalmente utilizados nesta; é o caso do estabelecimento temporariamente encerrado em que o encerramento não equivale a um "nada".
Como refere - e bem - o Prof. Ferrer Correia, citado pela apelante, não é essencial para que determinada organização seja havida como estabelecimento comercial que a respectiva exploração se tenha inciado já, bastando que tal organização se encontre apta a funcionar como tal.
Mas, no caso em apreço, o local, atento o seu já descrito estado, não estava apto a funcionar como estabelecimento.
A inexistência de estabelecimento e, consequentemente, de exploração não
fulmina o contrato de nulidade por inexistência de objecto, como entendeu a sentença recorrida.
Com efeito, a qualificação dos contratos assenta nas prestações a que efectivamente as partes se obrigaram e não no nomen iuris com que os sujeitos o designaram; este, quando muito, constituirá o ponto de partida, mas nunca o critério decisivo, da interpretação.
Concluindo pela nulidade do negócio por inexistência de objecto, entendeu a sentença recorrida que não era susceptível de conversão porquanto a Autora, não podia dar o local de arrendamento à Ré nem tão pouco subarrendar, pois este negócio depende de autorização do senhorio.
A conversão pressupõe a nulidade do contrato (art, 293° CC): logo, afastada a nulidade, fica prejudicada a convertibilidade do contrato.
E, como dissemos, o contrato não enferma de nulidade, porque tem um objecto que é o espaço - a loja sita no n° … da Rua da … em … que a Autora arrendou por escritura pública de 31 de Janeiro de 1990 - e que, pelo contrato intitulado "contrato de cedência de estabelecimento comercial", subarrendou à Ré.
Que assim é, di-lo sem margem para dúvidas, a respectiva cláusula 3ª:
"A Segunda Outorgante, para adaptar o espaço à actividade que vai desenvolver, pode, após ter já sido concedida autorização pelo Senhorio, proceder a obras que não alterem a estrutura do espaço arrendado e a implantar no mesmo benfeitorias que pretenda e sejam necessárias ao desenvolvimento da sua actividade comercial, renunciando expressamente a SEGUNDA OUTORGANTE ao pagamento de qualquer quantia, seja a que título fôr, pelas obras e benfeitorias implantadas que passarão a incorporar o espaço cedido" (itálico e negrito nosso).
Por esta cláusula se conclui que a prestação da Autora teve por objecto, não a cessão de exploração de qualquer estabelecimento comercial, mas um espaço, uma área de um prédio urbano.
Logo, sendo a Autora, apelante, ela própria inquilina e tendo celebrado esse contrato com base no direito que, como arrendatária lhe assistia (art. 1060° CC), outorgou um contrato de subarrendamento cuja eficácia perante o senhorio dependia da autorização deste sob pena de implicar e de lhe conferir um fundamento para a resolução do contrato (art. 1038° -f) do CC.
As partes celebraram, pois, um contrato de subarrendamento de um prédio urbano para o exercício do comércio por cinco anos.
E nestes contratos, o arrendatário pode revogá-los, a todo o tempo, mediante comunicação escrita enviada ao senhorio, com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que se operam os seus efeitos (art. 100° nº 4 ex vi do art. 117° nº 2 do RAU).
Um desses efeitos, quiçá o fundamental, é a cessação do contrato de arrendamento e a consequente desvinculação da Ré da obrigação de pagamento da renda.
O que a Ré fez - cfr. Alínea D da matéria de facto provada.
Logo, falece, por esta razão, a pretensão da Autora de obter a condenação da Ré no pagamento das prestações mensais que seriam devidas até final do prazo do contrato.
Outrotanto, porém, não acontece com a pretensão indemnizatória devida pela reposição do estado em que se encontrava o espaço cedido e pelas benfeitorias arrancadas pela Ré.
Foi convencionado que esta poderia implantar benfeitorias necessárias ao desenvolvimento da sua actividade comercial e que estas passariam a incorporar o espaço cedido, sem direito a qualquer indemnização.
O mesmo é dizer que as partes convencionaram a perda pela Ré das benfeitorias que fizesse no local, fossem tais despesas necessárias, úteis ou voluptuárias (art. 216° nº 1 a 3 CC).
Por outro lado, na falta de convenção, o arrendatário é obrigado a restituir o locado no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização em conformidade com os fins do contrato (art. 1043° nº 1 CC).
Assim, no nosso caso e em conformidade com o convencionado, a Ré estava obrigada a restituir o locado com as benfeitorias aplicadas e apenas com as deteriorações decorrentes da sua utilização normal e prudente.
Sabe-se que quando entregou a loja, a Ré levantou e levou consigo portas, prateleiras, armários, focos de iluminação, móveis balcão e base de montras (S), ou seja, equipamentos e mobiliário do seu estabelecimento e que, à míngua de esclarecimento fáctico sobre se estavam incorporados nas paredes, chão ou tecto, isto é, fixos com permanência, não configuram benfeitorias.
E também que parte das paredes e do tecto da loja apresentavam estragos e que a sua reparação foi orçada em € 950 euros.
Da cláusula contratual de autorização para a realização de obras e de implantação de benfeitorias necessárias para a actividade comercial que ficariam, umas e outras, logo incorporadas no próprio espaço, decorre a obrigação assumida pela Ré de restituir este, não no estado em que o recebeu, mas reparado e, concretamente, sem estragos nas paredes e no tecto.
Daí que, entregando a loja com parte das paredes e tecto deteriorados, a Ré esteja obrigada a reparar esses danos.
Procede, assim, parcialmente, a pretensão indemnizatória da Autora.

Em síntese:
I - A cessão de exploração de um estabelecimento comercial pressupõe a existência de um estabelecimento pelo menos com o seu âmbito mínimo ou necessário.
II - Um local arrendado para comércio onde funcionou, mas entretanto deixou de funcionar um estabelecimento e que se apresenta sem, quaisquer utensílios, mercadorias, objectos, com paredes em vão, sem instalações sanitárias minimamente funcionais, com chão gasto e em mau estado, com lixo e ratos, sem electricidade e com fios da instalação eléctrica pendurados não é, assim no seu estado bruto, um estabelecimento comercial e, logo, não é susceptível de exploração, enquanto não for preparado e adequado para tal.
III - O contrato intitulado de cedência de estabelecimento comercial que identifique esse local como estabelecimento não é nulo por inexistência de objecto e pode ser qualificado como de arrendamento se das respectivas cláusulas e das prestações a que as partes se vincularam permitirem tal qualificação.
ACORDÃO
Nesta conformidade, acorda-se nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e em condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 950 euros a título de indemnização pela reparação dos estragos em parte das paredes e no tecto da loja evidenciados aquando da entrega desta com juros de mora desde a citação e até integral pagamento.
Custas pela apelante e apelada na proporção dos respectivos decaimentos
Évora e Tribunal da Relação, 06/03/2008