SUBSTITUIÇÃO DE PENA DE PRISÃO
FALTA DE PAGAMENTO DA MULTA
EXECUÇÃO
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
Sumário

I – Liquidadas as custas e a pena de multa (seja qual for a sua natureza: pena principal; pena de prisão e multa, aquela substituída por esta – artº 6º do D.L. 48/95 -; e prisão substituída por multa), nos termos do artº 96º do C.C.Judiciais, a notificação, nos termos do artº 59º, nº 2 deste Código, é feita é efectuada aos mandatários e aos interessados sem mandatário constituído, por carta registada; aos demais interessados, por carta não registada.
II – A redacção deste preceito quer distinguir as situações de mandato e de nomeação de defensor, pois, enquanto o mandatário constituído tem com o mandante uma relação profissional, que nos termos do respectivo estatuto, se mantém até ao fim do processo, incluindo para análise da conta, o defensor nomeado pode sê-lo apenas para determinado acto (por exemplo, nomeação por escala; artº 41º da Lei do apoio judiciário), mesmo que o defensor nomeado para um acto se mantenha para os actos subsequentes do processo (entendendo-se estes como os actos em que deva intervir).
III – Assim, face à diferença de relação entre uma relação de mandato e a de nomeação oficiosa, justifica-se a diferença de solenidade das notificações, sobretudo quando delas podem advir repercussões graves para os arguidos.
IV – Tendo o arguido, com defensor nomeado, sido notificado da conta (de custas e da multa a substituir a prisão) por via postal simples, e, apesar de o Tribunal ter obtido informação de que o arguido trabalha como servente de pedreiro, auferindo mensalmente 395,93 € e que tem registados a seu favor dois veículos automóveis, o Tribunal vem a notificar novamente o arguido para vir aos autos informar o motivo porque não procedeu ao pagamento da multa, advertindo-o de que, não o fazendo, terá que cumprir os 6 meses de prisão em que foi condenado, seguindo-se, na ausência de informação, e após se consignar que resulta dos autos, que ao arguido não são conhecidos bens susceptíveis de penhora, o que inviabiliza a cobrança coerciva, o cumprimento desta pena, verifica-se uma irregularidade de cariz substancial, prevista no artº 123º, nº 2 do CPPenal, uma irregularidade de conhecimento oficioso, que afecta “o valor do acto praticado”.
V – Em tal situação, deve declarar-se a irregularidade da notificação e, por consequência, anular-se todo o processado posterior, repetindo-se a devida notificação.
VI – Agora, face à revisão do Código Penal operada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, que veio reforçar o pendor humanista do nosso direito penal, ao reduzir severamente o campo de aplicação das penas de prisão efectiva, e que foi acompanhada de uma revisão do Código de Processo Penal onde a afirmação desse pendor humanista ainda é mais saliente, com o reconhecimento ao arguido de novos direitos e reforço acentuado de direitos já reconhecidos, é de se propender para a aplicação à pena de multa resultante de substituição de pena de prisão o disposto do nº 2 do art. 49º do Código Penal às penas de multa aplicadas em substituição de penas de prisão.
VII – Em reforço dessa ideia, veja-se o acórdão do STJ, proferido em 03-09-2008, em processo de “habeas corpus”, com nº 08P2560, onde se afirma, designadamente, que “a pena de substituição da prisão prevista no art. 44.º do CP é uma pena de multa, com a natureza e regime de execução próprios deste tipo de pena, como resulta da remissão dos n.ºs 1 e 2 do mencionado preceito para os arts. 47.º e 49.º, n.º 3, do Código Penal”, e, por conseguinte, “não só a execução da pena de multa tem regras e regime próprio, cujos diversos momentos devem ser exauridos, como a pena de prisão substituída só no limite pode ser executada, sendo que, de qualquer forma, a execução cessa a todo o tempo desde que o condenado pague a multa.
VIII – Quando no artº 43, nº 2 do Código Penal se diz se a multa não for paga, quer dizer-se, de acordo com o regime previsto para o pagamento, se a multa não for paga voluntária ou coercivamente, devendo, pois, exaurir-se todas as possibilidades legais para se obter o pagamento, sendo certo que, uma vez instaurada execução, é possível, no âmbito dela, proceder-se ao mesmo a todo o tempo.
IX – Com efeito, seguindo a execução o regime das execuções por custas, nos termos dos artºs 101.º e 67º do C.C.Judiciais, tal pagamento é possível, além de também o ser através da previsão do artº 916º do C.P.Civil.
X – O facto de o legislador não remeter expressamente para o nº 2 do artº 49º pode ser encarado como um acto reflectido, por a remessa ser desnecessária e inútil, considerando a harmonia do sistema, sobretudo com o disposto nos artºs 491º, nºs 1 e 2 do C.P.Penal e 96º, 101º e 67º do Código das Custas Judiciais.
XI – A remessa, no todo, para o artº 49º não fazia sentido, pela inadequação dos seus nºs 1 e 4. Assim, pressupondo a aplicação natural do disposto no nº 2, pode o legislador ter querido não deixar dúvidas de que o disposto no nº 3 era aqui aplicável, representando, também na multa resultante de substituição, que o arguido pudesse ter razões para o não pagamento, concedendo-lhe, então, a suspensão da pena subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta.
XII – A expressão clara da remessa para o nº 3 do artº 49º serve para tornar inequívoco que, mesmo tratando-se uma pena de prisão que foi substituída por multa, caso se esgotem as possibilidades de se alcançar o pagamento e tenha que se retornar à pena de prisão, a execução desta poderá ser suspensa se a falta de pagamento não puder ser imputada ao arguido, ou seja, como que se acrescenta um pressuposto da suspensão ao previsto no artº 50º, nº 1 do Código Penal.

Texto Integral

Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

TRIBUNAL RECORRIDO
Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira – Pº nº 227/07.4GTVCT

ARGUIDO/RECORRENTE
Joaquim

RECORRIDO
O Ministério Público

OBJECTO DO RECURSO
Nestes autos, por sentença transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 348º, nº 2 do C. Penal, na pena de seis meses de prisão, substituída por duzentos dias de multa à taxa diária de 4,00 euros.
Liquidadas a multa e as custas, foram efectuadas as notificações de fls. 90 e 91, mas a conta respectiva não foi paga.
Pelo ofício de fls. 93, foi pedido à GNR que informasse se o arguido tinha bens susceptíveis de penhora, veículo automóvel (com matrícula e modelo) e se tem emprego permanente e, na afirmativa, qual a entidade patronal e respectiva morada.
Através da informação de fls. 95 vº, a GNR dá conta de que o arguido não possui quaisquer bens susceptíveis de penhora; trabalha como servente de pedreiro para a firma “Construções”. Informa ainda que aufere mensalmente 395,93 €.
Por promoção do Digno Procurador-Adjunto, foi feita busca no que concerne a veículos automóveis registados a favor do arguido, obtendo-se o resultado de fls. 99 e ss., ou seja, vendo-se que o arguido tem registados a seu favor dois veículos automóveis.
Apesar disso, pela promoção de fls. 103, o Ministério Público pretendeu que o arguido fosse notificado para, no prazo de dez dias, vir aos autos informar o motivo porque não procedeu ao pagamento da multa, advertindo-o de que, não o fazendo, terá que cumprir os 6 meses de prisão em que foi condenado.
Tal notificação foi deferida, efectuando-se conforme resulta de fls. 105 e 106, por registo ao Ilustre defensor oficioso e por via postal simples ao arguido (cf. fls. 107).
A fls. 108, com data de 07-07-08, foi feita a seguinte promoção:
O arguido Joaquim foi condenado, nos presentes autos, pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), o que perfaz a quantia global de € 800,00 (oitocentos euros).
O arguido não procedeu ao pagamento da multa nem apresentou justificação para tal facto.
Recolhida informação acerca das capacidades económicas do arguido, resulta que o mesmo não possui bens susceptíveis de penhora.
Nestes termos, não tendo a multa sido paga e não se afigurando possível obter o seu pagamento coercivo, promovo se determine que o arguido cumpra a pena de prisão aplicada na sentença, nos termos do artigo 43º, nº 2 do Código Penal.

Esta promoção foi deferida pelo despacho de fls. 109, do seguinte teor:
O arguido Joaquim foi condenado, por sentença transitada em julgado, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 200 dias de multa à taxa diária de € 4,00 num total de € 800,00.
O arguido não procedeu ao pagamento da multa, não fez qualquer declaração ou apresentou prova de que o não cumprimento lhe não é imputável, nos termos do nº 3 do artigo 49º do Código Penal, não obstante ter sido ouvido para o efeito.
Conforme resulta dos autos, ao arguido não são conhecidos bens susceptíveis de penhora, o que inviabiliza a cobrança coerciva.
Assim, e tendo em conta o disposto no artigo 43º, nº 2 do Código Penal, determino o cumprimento da pena de 6 (seis) meses de prisão em que o mesmo foi condenado.
Notifique e, após trânsito, passe os competentes mandados de detenção para cumprimento da pena que lhe foi imposta.

Esta decisão foi notificada ao Ilustre defensor oficioso por via postal registada (fls. 111) e ao arguido (e bem) através de contacto pessoal (fls. 115).
A fls. 117, consta que, atendendo a que o arguido não pagou a multa substitutiva da pena de prisão, promove-se se emitam os competentes mandados de detenção para cumprimento da pena de 6 meses de prisão, o que foi deferido por despacho de fls. 118.

A fls. 121 e ss., o arguido, já detido em 08-10-08, vem expor a sua situação pessoal e requerer, nos termos da primeira parte do nº 3 do artigo 49º do Código Penal, que se ordene a passagem de guias para a liquidação da quantia em dívida, suspendendo-se a execução da prisão e ordenando-se a sua imediata libertação.

Entretanto, o Digno Procurador-Adjunto fez juntar o requerimento de fls. 125, do seguinte teor:
O arguido Joaquim, detido para cumprimento de pena de 6 meses de prisão, em virtude de não ter pago a multa que a substituiu, veio requerer a passagem de guias para liquidação da quantia em dívida (entenda-se da multa), suspendendo-se a execução da pena de prisão e ordenando-se a sua imediata libertação.
Considerando a jurisprudência mais recente do STJ, afirmada em acórdão de 3 de Setembro de 2008, proferido no processo 08P2560, em que foi relator o Venerando Juiz Conselheiro Fernando Fróis, que pode ser consultado em www.dgsi.pt/jstj.nsf, segundo a qual, em suma, também é correspondentemente à multa resultante de substituição de pena de prisão, nos termos do actual art. 43º, nº 1, do Código Penal, o preceituado no nº 2, do art. 49º, do mesmo Código (no respectivo sumário pode ler-se “O regime material da pena de multa e processual da respectiva execução exige, assim, como necessário pressuposto do retorno final à pena de prisão substituída e à execução desta, a exaustação de todos os meios de execução da multa, desde a notificação específica até à possibilidade de, a todo o tempo, o condenado pagar a multa, cessando, então, a execução da pena de prisão que eventualmente tenha sido iniciada.), que contraria, segundo estamos convencidos, toda a demais jurisprudência anterior dos tribunais superiores sobre a questão, o Ministério Público promove se defira o requerido, ordenando-se:
A) a emissão das competentes guias para pagamento da multa, com desconto da prisão sofrida nos termos do art. 80º, nº 2, do Código Penal;
B) e, comprovado o pagamento, a libertação imediata do condenado.

Estes requerimentos mereceram a seguinte decisão:
Joaquim, detido para cumprimento da pena de seis meses de prisão em que foi condenado, requereu a emissão de guias para pagamento da pena de multa que a substituiu, com suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado e consequente imediata libertação.
Para tanto alegou: a) não ter pago a multa aplicada em substituição da pena de prisão em que foi condenado por falta de recursos económicos; b) bem como por não se ter apercebido de que tinha de proceder ao pagamento daquela.
Ouvido, o Ministério Público declarou nada ter a opor.
Cumpre apreciar e decidir.

Joaquim, condenado nestes autos numa pena de seis meses de prisão, substituída por duzentos dias de multa, à taxa diária de €4,00, num total de €800,00, pela prática de um crime de desobediência qualificada, não procedeu ao pagamento da referida pena de multa nem apresentou qualquer justificação para o facto, não obstante ouvido para o efeito, nos termos do artigo 49º, n.º3, do Código Penal – fls. 103 a 107.
Pelo que, foi determinado o cumprimento da pena de seis meses de prisão em que foi condenado, nos termos do artigo 43º, n.º2, do Código Penal – fls. 109.
Como resulta da lei, e é jurisprudência uniforme e constante, a pena de multa como pena principal e a pena de multa como pena de substituição, bem como a prisão subsidiária e a pena de prisão como pena principal, não se confundem, obedecendo a regimes jurídicos distintos em função da sua diferente natureza.
Desde logo, a pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão em que o arguido tenha sido condenado, não sendo paga, e, como no caso dos autos, na falta de demonstração de justificação bastante para tanto, como decorre da remissão exclusiva para o disposto no n.º3 do artigo 49º do Código Penal, determina, nos termos do artigo 43º, n.º2, do mesmo diploma legal (ipsis verbis o disposto no artigo 44º, n.º2, do Código Penal sem as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), irreversivelmente o cumprimento da pena de prisão em que o arguido tenha sido condenado.
Conclusão que, pela singularidade da situação a que se dirige, não é contrariada pelo acórdão referido na promoção do Ministério Público. Na verdade, no caso aí em apreço é o legislador quem excepciona o regime consagrado no Código Penal e que supra se explanou. Pois que, estatui o artigo 6º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 2 de Setembro, “Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão”, acrescentando o n.º2 da mesma disposição legal, “É aplicável o regime previsto no artigo 49º do Código Penal à multa única resultante do que dispõe o número anterior, sempre que se trate de multas em tempo”. Ou seja, a pena única de multa aplicada segue um regime unitário, a saber, o da pena de multa como pena principal, permitindo, assim, ao condenado evitar a todo o tempo a execução da pena de prisão, nos termos do artigo 49º, n.º2, do Código Penal para o qual também remete.
Em conformidade com o exposto, por legalmente inadmissível, indefiro a pretensão formulada por Joaquim.

É desta decisão que agora vem interposto recurso, pois o arguido considera que:
O arguido justificou a razão da sua inércia e do não pagamento atempado da pena de multa.
Os arts. 43º, n.º 1 e 2 e 49º, n.º 1 e 2 do C. Penal, na versão actual permitem ao condenado evitar, a todo o tempo, total ou parcialmente, a execução da pena de prisão, seja ela principal, substituída ou subsidiária, não havendo razões formais nem materiais para fazer distinção.
Nesta medida, ao não permitir ao arguido pagar a pena de multa e fazer cessar a execução iniciada da pena de prisão, e desse modo o restituindo à liberdade, o despacho recorrido violou os artigos citados.

RESPOSTA
Na 1ª instância, o Digno Magistrado do Ministério Público, na sequência do seu requerimento de fls. 125, entende que o recurso deve proceder, fazendo-o em termos tão hábeis que merece integral transcrição:
Diz o seguinte, sublinhando-se o mais relevante:

O arguido interpôs recurso do douto despacho proferido nos autos acima identificados que indeferiu o requerimento que tinha apresentado de emissão de guias para pagamento da pena de multa em que tinha ficado condenado por douta sentença proferida nos mesmos autos, pena de multa em substituição de pena de prisão, nos termos do art. 43º, nº 1, do Código Penal, redacção actual (que corresponde exactamente ao disposto no art. 44º, nº 1, do Código Penal, sem as alterações introduzidas pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro).

Alega, por um lado, que “apenas não pagou a pena de multa, nem requereu a sua suspensão ou substituição por trabalho a favor da comunidade, por padecer de notório atraso cognitivo, tendo as suas capacidades intelectuais diminuídas devido ao problema de alcoolismo que se arrasta há 34 anos (tendo ele 47 anos de idade), motivo pelo qual nunca se socorreu do seu defensor para poder requerer o supra requerido, além de ter apenas a 4ª classe, ser pobre e estar desempregado”, e, por outro, que o novo Código Penal, com as alterações introduzidas pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, ao aumentar prazo da pena de prisão obrigatoriamente substituída por multa, veio reforçar a ideia de prisão efectiva como última ratio do direito penal, e que uma leitura dos artigos aplicáveis conjugada com outras que regulam a mesma matéria e à luz do direito constitucional, não afasta a aplicação do nº 2 do art. 49º do Código Penal.

Relativamente às razões do não pagamento atempado da multa invocadas pelo recorrente, o Ministério Público desde já manifesta a sua discordância quanto ao momento em que são invocadas, porque se devem reconduzir, pelo menos em parte, a uma alegada imputabilidade diminuída do arguido, que deveria ter sido, se não o foi, invocada em audiência de julgamento, porque tal imputabilidade diminuída já se verificaria nessa altura, e também porque, no máximo, deveriam ter sido apresentadas até ao trânsito em julgado do douto despacho que determinou o cumprimento de pena de prisão, em conformidade com o disposto no art. 43º, nº 2, do Código Penal, redacção actual (correspondente ao art. 44º, nº 1, do Código Penal, sem as alterações introduzidas pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro).

Quanto à aplicabilidade do disposto do nº 2 do art. 49º do Código Penal às penas de multa aplicadas em substituição de penas de prisão, o Ministério Público propende a aceitar o entendimento de que, agora, face à revisão do Código Penal operada pela citada Lei 59/2007, de 4 de Setembro, que veio reforçar o pendor humanista do nosso direito penal, ao reduzir severamente o campo de aplicação das penas de prisão efectiva, e que foi acompanhada de uma revisão do Código de Processo Penal onde a afirmação desse pendor humanista ainda é mais saliente, com o reconhecimento ao arguido de novos direitos e reforço acentuado de direitos já reconhecidos, se deve aplicar à pena de multa resultante de substituição de pena de prisão aquela citada norma.

Embora reconheça que o caso objecto do acórdão que citamos na promoção que antecedeu o douto despacho recorrido – acórdão do STJ, proferido em 03-09-2008, em processo de “habeas corpus”, com nº 08P2560 -, não seja exactamente igual ao caso sub judice, entende o Ministério Público que as razões substanciais que sustentam a jurisprudência daquele aresto são inteiramente válidas no caso em apreço.
Ali se afirma, designadamente, que “a pena de substituição da prisão prevista no art. 44.º do CP é uma pena de multa, com a natureza e regime de execução próprios deste tipo de pena, como resulta da remissão dos n.ºs 1 e 2 do mencionado preceito para os arts. 47.º e 49.º, n.º 3, do Código Penal”, e, por conseguinte, “não só a execução da pena de multa tem regras e regime próprio, cujos diversos momentos devem ser exauridos, como a pena de prisão substituída só no limite pode ser executada, sendo que, de qualquer forma, a execução cessa a todo o tempo desde que o condenado pague a multa. É a disciplina que resulta do regime de pena de multa e que está conforme com a respectiva natureza, quer seja multa primária, quer resulte de substituição… O regime material da pena de multa e processual da respectiva execução exige, assim, como necessário pressuposto do retorno final à pena de prisão substituída e à execução desta, a exaustação de todos os meios de execução da multa, desde a notificação específica até à possibilidade de, a todo o tempo, o condenado pagar a multa, cessando, então, a execução da pena de prisão que eventualmente tenha sido iniciada.”

Conhecemos a jurisprudência invocada no douto despacho recorrido que afirma que a pena de multa como pena principal e a pena de multa como pena de substituição não se confundem, obedecendo a regimes jurídicos distintos em função da sua diferente natureza.
Porém, no tempo actual e face ao regime penal e processual penal vigente, impor-se-á uma interpretação diferente das normas dos arts. 43º, nºs 1 e 2, 47º e 49º do Código Penal.
Como se refere em acórdão do STJ, de 4 de Outubro de 2007, processo 07P809, em que foi relator o Exmº Senhor Juiz Conselheiro Rodrigues da Costa, na interpretação da lei, para além do teor verbal, há que, designadamente, conjugar a norma “com outras normas que regulam a mesma matéria, formando um todo tendente a um sentido, ou que regulam matérias afins, ou mesmo a totalidade da ordem jurídica, visto que esta constitui um sistema coerente e lógico (interpretação que sendo contextual e intertextual, se designa sistemática)” (sublinhado nosso).
Nesse mesmo acórdão pode ler-se também “o teor verbal da lei é o limite, dentro do fim ou ratio que subjaz àquela e do sistema em que se insere, que não pode ser ultrapassado pelo intérprete, ou para usarmos a linguagem imaginosa de Andrade (ob. cit. p. 64), «Só até onde chegue a tolerância do texto e a elasticidade do sistema é que o intérprete se pode resolver pela interpretação que dê à lei um sentido mais justo e apropriado às exigências da vida» (sublinhado nosso).
Naquele mesmo aresto jurisprudencial, chama-se ainda à colação o art. 9.º do Código Civil:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
«2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. (…)»

A letra dos arts. 43º, nºs 1 e 2, 47º e 49º do Código Penal não consentirão que se dê a tais normas um sentido mais justo e apropriado às exigências da vida actual?
As condições específicas do tempo em que vivemos não exigirão uma interpretação diferente da até há pouco tempo dominante e que o douto despacho recorrido adoptou?
Estamos em crer que sim.
Afinal qual é o obstáculo literal à aplicação do disposto no nº 2 do art. 49º do Código Penal também às penas de multa resultantes de substituição de penas de prisão nos termos do art. 43º, nº 1, do mesmo código?
A remissão do nº 2 do art. 43º do Código Penal somente para o nº 3 do art. 49º deste código. Ou seja, a norma do nº 2 do art. 43º, interpretada “a contrario”, impedirá a aplicação do nº 2 do art. 49º.
Não há, pois, nenhuma proibição expressa de extensão do regime do nº 2 do art. 49º às penas de multa resultantes de substituição de penas de prisão.
Assim sendo, não se justificará uma interpretação extensiva na norma do nº 2 do art. 43º?
Estamos em crer que sim, embora cientes que pisamos um terreno ainda pouco firme.
É óbvio que sempre se poderá contrapor que então que a remissão do nº 2 do art. 43º somente para o nº 3 do art. 49º não fará sentido e que se a vontade do legislador tivesse sido a de alargar às penas de multa resultantes da substituição de penas de prisão também o regime do nº 2 do art. 49º tê-lo-ia dito expressamente ou, pelo menos, teria eliminado a 2ª parte do nº 2 do art. 43º, tornando mais fácil a sustentação da tese para que nos inclinámos.
Não se podendo dizer, como não dizemos, que o legislador se esqueceu de alterar a letra do nº 2 do art. 43º, porque tal equivaleria a rotular o legislador de incapaz, o que não fazemos, sempre se poderá rebater este argumento lembrando todo o conjunto de alterações legislativas introduzidas na lei penal substantiva e processual que vieram reforçar o pendor humanista do nosso sistema jurídico, com o reforço acentuado da posição do arguido, e que o legislador, face ao sentido inequívoco da sua reforma, não sentiu necessidade de corrigir a redacção daquela norma. Os sinais dados pelo sistema no seu conjunto serão totalmente esclarecedores. Assim terá entendido o nosso legislador.
De qualquer modo, depois de publicada, a lei deixa de pertencer a quem a criou, competindo ao intérprete descortinar na letra da lei a solução mais razoável, a solução mais justa, no fundo aquela que legislador competente, sensato, quis.

Termos em que, e nos demais que V. Exªs doutamente suprirão, Ministério Público entende que se deve ser concedido provimento ao recurso interposto, ordenando-se substituição do douto despacho recorrido por outro que determine a emissão de guias para pagamento da multa correspondente ao tempo de prisão que ao arguido faltar cumprir.

SUSTENTAÇÃO
A Mmª Juíza sustenta a decisão nos seguintes termos:
Reiterando os fundamentos de facto e de direito que determinaram a decisão em crise, ao abrigo do disposto no artigo 414º, n.º 4, do Código de Processo Penal acrescenta-se apenas:
O sistema penal português conhece duas reacções criminais principais, a pena de prisão e a pena de multa. Uma vez colocadas em alternativa, aquando da concretização da reacção criminal impõe-se ao julgador optar considerando as finalidades da punição (art. 40º e 70ºCP).
Optando por uma pena privativa da liberdade, o tribunal se não entender a sua execução necessária a prevenir o cometimento de novos crimes substitui-a por pena de multa. Sendo que, caso a mesma não seja paga o condenado cumpre a pena de prisão fixada na sentença, salvo se demonstrar que a razão do não pagamento lhe não é imputável, caso em que pode a execução ser suspensa (art.49º, n.º3, ex vi 44º, n.º2, actual 43º, n.º2, CP).
Ora, no caso dos autos, não obstante notificado, pessoalmente e na pessoa do seu defensor, para vir aos autos alegar o que tivesse por conveniente face ao incumprimento da pena de substituição, sendo expressamente advertido de que na ausência de qualquer justificação seria determinado o cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, o recorrente nada disse. Sendo que, e até à data, nada se encontra demonstrado, como o impõe o artigo 49º, n.º3, do Código Penal, quanto aos motivos que determinaram o incumprimento. Mais, só neste momento surge a notícia de que o recorrente, o que não se demonstra, padece de uma qualquer limitação cognitiva que o terá impedido de entender os termos da notificação supra referida.
Seja como for, a verdade é que, ouvido, o recorrente nada alegou, e muito menos demonstrou, quanto à falta de imputação do incumprimento da pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão em que foi condenado.
Pelo que, e em escrupuloso cumprimento da lei, foi, por decisão transitada em julgado, revogada a pena aplicada em substituição da pena de prisão em que foi condenado e determinado o cumprimento desta.
Logo, aquando do requerimento que determinou a decisão em crise nenhuma pena de substituição havia cujo cumprimento pudesse obstar à execução da pena de prisão em que o recorrente fora condenado nem nada autorizava a suspensão da execução da mesma (pena de prisão como qualquer outra).
Por fim, sublinhe-se, entender o contrário subverte, tornando-o inútil, o juízo de valoração inicial, ou seja, a escolha da pena. Aliás, tarefa ausente nos casos a que alude o artigo 6º do DL n.º48/95.

PARECER
O Ilustre Procurador-Geral Adjunto é de parecer de que existe uma questão prévia que obsta ao conhecimento do recurso tal qual ele foi interposto, tudo como adiante se citará.

FUNDAMENTAÇÃO
Evidentemente, temos que, antes de mais, começar por avaliar as razões invocadas pelo Ilustre Procurador Geral-Adjunto, pois a aceitação da questão por ele suscitada vai prejudicar o conhecimento da questão de fundo, isto é, a de se saber se também no caso de multa resultante de substituição da pena de prisão, pode um arguido evitar a execução pagando a multa nos mesmos termos das demais multas - a multa como pena imediata e a aplicada nos termos do artº 6º do D.L. nº 48/95 -, ou seja, saber se é aplicável à multa resultante da substituição o disposto no artº 49º, nº 2 do Código Penal e, por isso, se também é aplicável no mesmo caso o regime de pagamento previsto no artº 100º do C.C.Judiciais.
Vejamos então o que escreve o Ilustre Procurador Geral-Adjunto:

Mas afinal qual é a solução decisiva para a questão colocada pelo arguido após o que deixamos dito?
Salvo entendimento diverso, cremos existir uma questão prévia que deverá ser conhecida.
Entendemos, salvo o devido respeito por opinião adversa, que se constata nos autos uma irregularidade de cariz substancial, uma irregularidade prevista no art. 123, nº2 do CPPenal, uma irregularidade de conhecimento oficioso que afecta “o valor do acto praticado”.
Vejamos sinteticamente.
O arguido foi notificado da sentença condenatória na data supra indicada.
Esta sentença passou em julgado e na sequência de tal facto foi elaborada a liquidação que consta de fls. 87 e 88.
A notificação desta liquidação processou-se por via postal simples endereçada para o arguido e para o seu defensor através de carta registada.
Ora, é aqui que reside o fulcro da questão: a notificação das custas/multa ao arguido. Este acto processual é fundamental pois que é a partir do mesmo que emergem um conjunto de procedimentos processuais que podem afectar substancialmente a posição jurídica daquele.
De acordo com o disposto no art. 43 do CPenal, que remete, expressamente, para o art. 47 do mesmo diploma legal, o condenado em pena de prisão substituída por multa pode requerer o pagamento desta em prazo que não exceda um ano, ou pode pedir o seu pagamento em prestações. Como, nos termos do nº 2 do mesmo art. 43 que remete, por sua vez, para o nº 3 do art. 49 do CPenal, em função do não pagamento da multa, pode aquele peticionar a suspensão da execução da prisão.
Assim, todos estes procedimentos a que o arguido pode lançar mão partem dum único acto processual que, por isso mesmo, deve estar arredado de qualquer incerteza, devendo o mesmo observar escrupulosamente o que a lei prevê sobre a notificação das custas.
Ora dispõe o art. 99 do Código de Custas Judiciais (CCJ), no seu nº 1 “À notificação e à reclamação da conta e da liquidação aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 59 a 61, 63 e 64”.
O art. 59, nº1 do CCJ dispõe, por sua vez, que “Elaborada a conta, são os interessados e os respectivos mandatários dela notificados, no prazo de 5 dias, para efeito de reclamação, recebimento ou pagamento”.
E prevê o nº 2 deste normativo a forma como a notificação de deve concretizar:
“A notificação, com cópia da conta, é efectuada aos mandatários e aos interessados sem mandatário constituído, por carta registada; aos demais interessados, por carta não registada” (sublinhado nosso).
Ora, ante este quadro normativo, claro fica que ao arguido que não tinha nem tem constituído mandatário – apenas lhe tinha sido nomeado defensor oficioso, a notificação da conta, a notificação das custas criminais onde se incluía a multa agora em causa -, a notificação tinha de revestir uma forma solene e plenamente confiável, justamente a prevista no predito mandamento: notificação por carta registada.
E claro está que a notificação ao defensor do arguido também teria que revestir a forma prevista no art. 113, nºs 1 e 10 do CPPenal: carta registada. Porém, só a ele isso se fez.
Assim, cremos estar em condições de poder assegurar que existe uma irregularidade processual decisiva: ao arguido não foi notificada a liquidação da multa e das custas, não lhe foi dado a conhecer, inequivocamente, que tal liquidação foi do seu conhecimento pois que não foi feita notificação nos termos previstos no CCJ, ou seja, através de carta registada.
Passando-se as coisas desta forma, fica-se ciente que esta omissão afecta o valor do acto praticado, importando declará-lo. Esta omissão acarretou a impossibilidade do arguido poder direitos decisivos, precisamente os atrás deixados enunciados.
Haverá então de declarar nulos todos os actos posteriores à mencionada omissão.
É esta, pois, a questão prévia a conhecer. A notificação das custas e da multa deverá processar-se, nos termos expostos, por carta registada, para que o devedor – o arguido, as possa pagar, procedendo-se à emissão das competentes guias.

Em conclusão:
O recurso merece provimento não pela motivação oferecida, mas pela questão prévia invocada traduzida na falta de notificação ao arguido da liquidação da multa e custas através de carta registada conforme prevê o art. 99 do CCJ em face da inexistência de mandatário constituído e da decisiva importância consequencial que aquela notificação possui perante o disposto no art.43, nº1, in fine, do CPenal.

É indiscutível o rigor da questão suscitada pelo Ilustre Procurador-Geral Adjunto, ou seja, não tendo sido regularmente notificada ao arguido a liquidação da conta - que incluía o montante da multa de substituição -, verifica-se, de facto, uma irregularidade que influi decisivamente no processado posterior, pois foi coarctada ao arguido a possibilidade de, ao abrigo do disposto no artº 47º, nº 3, ex vi do artº 44º, nº 1, parte final, requerer o pagamento em prazo ou em prestações.
Deve dizer-se que, ao estabelecer-se no artº 59º, nº 2 do Código das Custas Judiciais que a notificação, com cópia da conta, é efectuada aos mandatários e aos interessados sem mandatário constituído, por carta registada; aos demais interessados, por carta não registada, se quer obviamente distinguir as situações de mandato e de nomeação de defensor.
Com efeito, enquanto o mandatário constituído tem com o mandante uma relação profissional, que nos termos do respectivo estatuto, se mantém até ao fim do processo, incluindo para análise da conta, o defensor nomeado pode sê-lo apenas para determinado acto (por exemplo, nomeação por escala; artº 41º da Lei 34/2004, de 29-07), mesmo que o defensor nomeado para um acto se mantenha para os actos subsequentes do processo.
Assim, face à diferença de relação entre uma relação de mandato e a de nomeação oficiosa, justifica-se a diferença de solenidade das notificações, sobretudo quando delas, como é o caso, podem advir repercussões graves para os arguidos.

A procedência da questão prévia prejudica, como se disse, o conhecimento da questão de fundo, mas cabe deixarem-se uma breves notas.
A primeira é a de que, para além da conhecida irregularidade, um outro vício se poderia, eventualmente, descobrir, a saber, uma nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, nos termos do artº 43º, nº 2 do Código Penal, se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença.
Quando neste preceito se diz se a multa não for paga, quer dizer-se, de acordo com o regime previsto para o pagamento, se a multa não for paga voluntária ou coercivamente.
Ora, sob a epígrafe “Liquidação e pagamento de custas e multas”, dispõe o artº 96.º do Código das Custas Judiciais, que a liquidação das custas e multas é realizada pela secção de processos no prazo de cinco dias, seguindo-se o prazo de pagamento voluntário.
Se este não for alcançado, passa-se, necessariamente, à recolha de informações sobre bens penhoráveis, pois é precipuamente por este meio que se deve obter o cumprimento da pena.
No caso em apreço, tendo-se seguido essa fase, veio a saber-se que o arguido tinha um vencimento e duas viaturas automóveis, mas isso foi pura e simplesmente desprezado, seguindo-se, sem qualquer explicação - e, aliás, com a afirmação peremptória da ausência de bens -, a cominação e a execução da pena de prisão.
E diga-se, aliás, que - como se impunha - se tivesse sido instaurada execução, além de se poder obter, pelo menos, pagamento parcial, sempre o arguido poderia, a todo o tempo, pagar a quantia exequenda.
Com efeito, seguindo a execução o regime das execuções por custas, nos termos dos artºs 101.º e 67º do C.C.Judiciais, tal pagamento é possível (além de também o ser através do artº 916º do C.P.Civil).
Dizem assim aqueles normativos:
Artigo 101º: Ao pagamento das custas é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 65.º a 67.º.
Artigo 67.º
Pagamento antes de instaurada a execução
Decorrido o prazo de pagamento da dívida de custas e antes de instaurada a execução, pode o devedor efectuar ainda o pagamento, acrescido dos juros de mora.
Portanto, tendo sido inexplicavelmente preterida a sequência processual devida, crê-se que se estará perante uma omissão de pronúncia - artº 379º, nº 1, al. c).

A outra nota é para se consignar que o ora relator, no pº 2354/05, deste Tribunal, veio a defender tese semelhante à decisão recorrida, mas agora, com os estímulos, quer do Digno Procurador-Adjunto, quer do douto aresto do Supremo Tribunal de Justiça, não tem dúvidas em que alteraria a sua posição.
De facto, não parece fazer sentido que para as outras duas modalidades de multa (incluindo, pois, por crimes puníveis com prisão e multa) se permita o pagamento e se exclua a multa resultante da substituição da pena de prisão.
É certo que, relativamente à pena de multa principal, se trata de reacção penal específica, mas a verdade é que, seguindo-se os caminhos para obtenção de pagamento da multa, se alcança a razão que levou a afastar-se a necessidade da prisão efectiva.
Como especulação imediata, ainda que prejudicada pelo tempo, note-se o seguinte:
Imagine-se que, no exacto dia em que é preso, o arguido (seja por que forma for, …incluindo por prémio de jogo) adquire fortuna para pagar a multa. Até ali, não pagou a multa porque vivia na mais extrema miséria e, por isso, sujeitava-se à prisão, mas a sorte, como se costuma dizer, bafejou-o e, agora, a multa significa apenas uns trocos para quem, excentricamente, até pode meter avião particular na garagem…
Quid iuris?
Dir-se-á que o que conta é o prazo para o arguido vir dizer por que razões não pagou a multa ou provar que a razão do não pagamento da mesma lhe não é imputável e que, a partir daí, não há retorno possível.
Pois bem, essa “cominação” contraria severamente as finalidades da punição e dos instrumentos disponíveis para se alcançar, mesmo coercivamente, a execução da sanção, que segue, diga-se desde já, o regime previsto para a execução de custas - artº 491º do C.P.Penal e e 116º e ss. do Código das Custas Judiciais.
Imaginem-se duas situações: na primeira, o arguido tinha requerido o pagamento em prestações; na segunda, tinha sido instaurada execução por haver bens penhoráveis.
Nesta segunda situação, duas hipóteses são concebíveis: o arguido pode, a todo o tempo, proceder ao pagamento da quantia exequenda (artº 916º do C.P.Civil) ou, a venda dos bens apenas alcança pagamento parcial da multa.
Nesta última hipótese, parece que não há dúvidas de que a quantia parcialmente obtida deve ser descontada no total da multa e apenas se executará o remanescente da prisão, operado o desconto nos termos do artº 80º, nº 2 do Código Penal.
Na primeira situação, também duas hipóteses se concebem: ou a de o arguido poder pagar, de uma vez só, as prestações em falta, ou deixar de pagar uma prestação.
Nesta última hipótese, passa a valer o disposto no artº 47º, nº 5 (para onde remete o artº 43º, nº 1), ou seja a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.
Ora, parece que neste último caso se não passa imediatamente para a execução da prisão, mas há, sim, que “recuperar” a via executiva pecuniária, seja pelo pagamento integral das prestações em falta, seja pela via de penhora.
Isto tudo é assim, quer em conformidade com as regras substantivas das penas de multa - todas elas: pena de multa principal; pena de prisão (substituída) e multa; e pena de prisão substituída por multa -, quer por apelo ao regime de execução aplicável, que, por força do artº 491º, nº 2, segue os termos da execução por custas.
O facto de o legislador não remeter expressamente para o nº 2 do artº 49º pode ser encarado como um acto reflectido, por a remessa ser desnecessária e inútil, considerando a harmonia do sistema, sobretudo com o disposto nos artºs 491º, nºs 1 e 2 do C.P.Penal e 96º, 101º e 67º do Código das Custas Judiciais.
A remessa, no todo, para o artº 49º não fazia sentido, pela inadequação dos seus nºs 1 e 4. Assim, pressupondo a aplicação natural do disposto no nº 2, pode o legislador ter querido não deixar dúvidas de que o disposto no nº 3 era aqui aplicável, representando, também na multa resultante de substituição, que o arguido pudesse ter razões para o não pagamento, concedendo-lhe, então, a suspensão da pena subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta.
A expressão clara da remessa para o nº 3 do artº 49º serve para tornar inequívoco que, mesmo tratando-se uma pena de prisão que foi substituída por multa, caso se esgotem as possibilidades de se alcançar o pagamento e tenha que se retornar à pena de prisão, a execução desta poderá ser suspensa se a falta de pagamento não puder ser imputada ao arguido, ou seja, como que se acrescenta um pressuposto da suspensão ao previsto no artº 50º, nº 1 do Código Penal.
Isto, como diz o Digno Procurador-Adjunto, não significa que não se possa aplicar o regime do nº 2, nomeadamente por todas as razões que invoca.
Aliás, note-se que também aqui, no citado nº 3 se fala da execução da prisão subsidiária, devendo entender-se, com a remessa do artº 43º, que se aplica à prisão substituída, ou seja, também o artº 100º do Código das Custas Judiciais pode ser lido como referindo-se a esta última modalidade de prisão.
Por último, dê-se conta do que se passava, por exemplo, com o artº 190º, nº 3, da OTM, versão do Decreto-Lei nº 314/78, onde se estabelecia que ficam extintos o procedimento criminal e a pena, quando se prove estarem pagos os alimentos em dívida, que era paga a todo o tempo.
Assim e pelas doutas razões que acolhe, e com esta sumárias notas, o ora relator alteraria a posição que até aqui tem assumido.

ACÓRDÃO
Pelo exposto, e julgando procedente a questão prévia doutamente suscitada pelo Ilustre Procurador Geral-Adjunto, acorda-se em se declarar a nulidade da notificação de fls. 91 e, por consequência, todo o processado posterior, repetindo-se a devida notificação em conformidade com o exposto.
Por consequência, ordena-se a imediata libertação do arguido, fazendo-se a devida comunicação ao Estabelecimento Prisional através de fax, a confirmar por via postal.
Sem custas.

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Guimarães, 24 de Novembro de 2008