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ESCUTA TELEFÓNICA
PRAZOS
Sumário
Quando o OPC, nos termos do art.º 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, leva ao M.º P.º as escutas telefónicas, o funcionário judicial que as recebe tem, nos termos do art.º 106.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, dois dias para as tramitar (dois dias que, ainda que não haja no processo arguidos presos, devem ser contados nos termo dos art.º 103.º, n.º 2 al.ª f), 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 144.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) e o Magistrado do M.º P.º tem, de acordo com o art.º 188.º, n.º 4, quarenta e oito horas para as levar ao conhecimento do juiz. Assim, este prazo de quarenta e oito horas do art.º 188.º, n.º 4, é fixado ao agente do M.º P.º e não à simbiose do agente do M.º P.º com os respectivos serviços do M.º P.º.
Texto Integral
I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No 1.º Juízo Criminal de … correm os autos n.º …, nos quais, em cumprimento do disposto no art.º 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a Polícia Judiciária em 11-1-2008 entregou nos serviços do M.º P.º relatório intercalar e suportes magnéticos referentes a intercepções telefónicas (as quais tinham sido previamente autorizadas pela Mma JIC) efectuadas entre 27-12-2007 e 9-1-2008.
O dia 11-1-2008 foi uma sexta-feira.
No dia 14-1-2008, isto é segunda-feira, foi aberta conclusão ao Magistrado do Ministério Público.
Nesse mesmo dia o titular do inquérito despachou o mesmo, tendo o inquérito sido remetido aos Serviços de Instrução Criminal no dia 15-1-2008.
Face à data em que o expediente lhe foi apresentado a Mma JIC, considerou que a totalidade das intercepções enfermava de nulidade, uma vez que já há muito havia decorrido o prazo de 48 horas que a lei processual prevê para que os autos sejam sujeitos a apreciação judicial.
Na verdade, esse despacho tem o seguinte teor: O Digno Magistrado do Ministério Público veio apresentar os autos, relatório intercalar e intercepções telefónicas que ocorreram entre os dias 27 de Dezembro de 2007 e 9 de Janeiro de 2008. Dos autos resulta que estes autos, relatório e suportes magnéticos foram apresentados nos serviços do Ministério Público no dia 11 de Janeiro de 2008, sendo que foi proferido despacho pelo Magistrado do Ministério Público no dia 14 de Janeiro, tendo os autos sido remetidos aos serviços da Instrução Criminal no dia 15 de Janeiro, tendo sido aberta conclusão no mesmo dia. A lei n.º 47/2008, de 29/08 veio introduzir alterações ao modo como se processa ao acompanhamento das escutas telefónicas, alterações legislativas que consubstanciam a positivação de posições já largamente assumidas pela jurisprudência. Uma destas alterações foi a introduzida no n.° 3 do art.° 188° do Código do Processo Penal, ou seja, autorizada a escuta pelo Juiz e iniciada a intercepção, o órgão de polícia criminal deve, até ao 15° dia contado desde o início da intercepção, elaborar e apresentar ao Ministério Público o relatório, o auto de intercepção e os suportes técnicos. Apresentados estes elementos, o Ministério Público dispõe de 48 horas — ou de outra forma, até ao 17º dia contado desde o início das intercepções para apresentar aqueles elementos ao juiz de instrução, a fim deste poder, de forma continua e próxima, proceder ao acompanhamento das intercepções, pois que só através deste acompanhamento se pode decidir pela imprescindibilidade da continuação das intercepções, independentemente do prazo inicialmente estabelecido para a sua duração. A fixação deste prazo de apresentação quer ao Ministério Público quer por este ao juiz, vem reforçar a ideia, que já antes tínhamos por certa, de que os processos judiciais onde estejam a decorrer intercepções telefónicas, revestem natureza urgente e, em consequência, devem ser apresentados de imediato a despacho, incluindo-se em turno, como sendo o caso de sábados e férias judiciais. Assim, é patente que tendo os elementos referidos no art.° 188°, n.° 1 do Código do Processo Penal, sido apresentados no dia 11 de Janeiro de 2008 nos serviços do Ministério Público e apenas tendo havido apreciação pelo Magistrado do Ministério Público no dia 14 de Janeiro e remessa dos autos ao Juiz no dia 15 de janeiro, há muito que havia decorrido o prazo de 48 horas que a lei processual prevê para que os autos sejam sujeitos a apreciação judicial, sendo que tal prazo tem que ser respeitado sob pena de nulidade, nos termos preceituados no art.° 190°. Pelo exposto, declaro nulas as intercepções que nos foram apresentadas, pelo que, em consequência, não determino a transcrição de qualquer uma das sessões requeridas pelo Ministério Público.
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Inconformado com o assim decidido, interpôs o M.º P.º o presente recurso, no qual apresentou as seguintes conclusões: 1- A interpretação do actual artigo 188° do Código de Processo Penal não pode deixar de ser efectuada sem se ter em conta a anterior jurisprudência sobre este preceito. 2- O artigo 188°, n° 3 do Código de Processo Penal dispõe que os órgãos de polícia criminal têm de levar ao conhecimento do Ministério Público, de 15 em 15 dias, a partir do início da primeira intercepção telefónica, os correspondentes suportes técnicos, autos e relatórios. 3- O legislador optou por os órgãos de polícia criminal entregaram os elementos ao Magistrado do Ministério Público titular do inquérito e não directamente ao Juiz de Instrução Criminal. 4- O conceito Ministério Público utilizado no artigo reporta-se ao Magistrado do Ministério Público titular do inquérito e não aos Serviços do Ministério Público. 5- O conceito Ministério Público aparece de forma sistemática em todo o Código de Processo Penal e refere-se sempre ao Magistrado do Ministério Público e não a Serviços do Ministério Público. 6- O Magistrado do Ministério Público titular do inquérito só teve conhecimento das intercepções no dia 14 de Janeiro de 2008 e despachou o inquérito precisamente nesse dia. 7- No dia seguinte, as gravações foram remetidas à Mma JIC, pelo que os elementos foram levados ao conhecimento da Mma Juiz em menos de 48 Horas. 8- A Mma Jic entendeu não validar as escutas que lhe foram apresentadas e declarou a nulidade das mesmas. 9- O Supremo Tribunal de Justiça( Acórdãos do STJ de 20 de Dezembro de 2006 e 7 de Março de 2007) e alguma da doutrina mais relevante Situas Santos/Leal Henriques, Maia Gonçalves e Costa Pimenta entendem que a violação de formalidades quanto ao prazo previsto para as intercepções gera uma nulidade sanável, dependente de arguição. 10- No vertente inquérito, não foi arguida qualquer nulidade, pelo que a Mma Jic não poderia ter declarado oficiosamente a nulidade da intercepção. 11- Face ao exposto, foram violados os artigos 119°, 120°, n° 1, 188°, n°s 3 e 4 e 190° do Código de Processo Penal, pelo que a decisão da Mma Jic que declarou a nulidade das intercepções telefónicas entre os dias 27 de Dezembro de 2007 e 9 de Janeiro de 2008 deverá ser revogada, procedendo-se à consequente validação das mesmas.
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Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado.
De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:
1.ª – Que a apresentação pelo Digno Magistrado do M.º P.º à Senhora Juiz de Instrução Criminal do relatório intercalar e suportes magnéticos referentes a intercepções telefónicas foi feita no prazo estipulado no art.º 188.º, n.º 4, do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem); e
2.ª – Que, mesmo que o relatório intercalar e suportes magnéticos referentes a intercepções telefónicas tivessem sido apresentadas fora do prazo estipulado no art.º 188.º, n.º 4, tal constituiria uma nulidade dependente de arguição e, portanto, não susceptível de conhecimento oficioso, como o foi.
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Vejamos:
No tocante à 1.ª das questões postas, a de que a apresentação pelo Digno Magistrado do M.º P.º à Senhora Juiz de Instrução Criminal do relatório intercalar e suportes magnéticos referentes a intercepções telefónicas foi feita no prazo estipulado no art.º 188.º, n.º 4:
Recordemos a cronologia dos factos:
A Polícia Judiciária em 11-1-2008 entregou nos serviços do M.º P.º relatório intercalar e suportes magnéticos referentes a intercepções telefónicas efectuadas entre 27-12-2007 e 9-1-2008.
O dia 11-1-2008 foi uma sexta-feira.
No dia 14-1-2008, isto é segunda-feira, foi aberta conclusão ao Magistrado do Ministério Público.
Nesse mesmo dia o titular do inquérito despachou o mesmo, tendo o inquérito sido remetido aos Serviços de Instrução Criminal no dia 15-1-2008.
Em face do exposto, foi ou não respeitado pelo M.º P.º o prazo de 48 horas estipulado no art.º 188.º, n.º 4, para apresentar ao Juiz de Instrução Criminal o relatório intercalar e suportes magnéticos referentes a intercepções telefónicas?
Dispõe aquele art.º 188.º o seguinte, nos seus n.º 3 e 4:
«3 – O órgão de polícia criminal referido no n.° 1 leva ao conhecimento do Ministério Público, de 15 em 15 dias a partir do início da primeira intercepção telefónica no processo, os correspondentes suportes técnicos, bem como os respectivos autos e relatórios.
«4 – O Ministério Público leva ao conhecimento do juiz os elementos referidos no número anterior no prazo máximo de quarenta e oito horas.»
Começaremos por dizer que quando o Código de Processo Penal se refere a M.º P.º está a referir-se, de acordo com o teor do art.º 1.º al.ª b) do mesmo diploma legal, a autoridade judiciária relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência. Isto é, está a referir-se ao agente do M.º P.º e não à simbiose do agente do M.º P.º com os respectivos serviços do M.º P.º.
Na verdade, de acordo com o art.º 8.º Estatuto do M.º P.º (Lei n.º 47/86, de 15-10, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto), são agentes do Ministério Público:
a) O Procurador-Geral da República;
b) O Vice-Procurador-Geral da República;
c) Os procuradores-gerais-adjuntos;
d) Os procuradores da República;
e) Os procuradores-adjuntos.
Portanto, quando o Código de Processo Penal fixa um prazo ao M.º P.º, está a fixá-lo ao agente do M.º P.º e não à simbiose do agente do M.º P.º com os respectivos serviços do M.º P.º.
Aliás, com os magistrados judiciais passa-se o mesmo, como não podia deixar de ser. Ou seja, uma coisa é o juiz e outra é a secretaria judicial que o coadjuva. O prazo processual fixado ao juiz para lavrar despacho ou sentença não tem nada a ver com o tempo durante o qual o processo esteja a ser tramitado pelo funcionário judicial encarregue de lavrar os termos que são necessários a que o processo chegue às mãos do juiz.
Como se sabe e consta do art.º 106.º, os serviços do M.º P.º têm, como os demais funcionários judiciais, os seus próprios prazos para cumprimento dos termos do processo:
«1 – Os funcionários de justiça lavram os termos do processo e passam mandados no prazo de dois dias.»
Esta regra tem as excepções enumerada no n.º 2: esse prazo não se aplica quando houver arguidos detidos ou presos e o prazo de dois dias afectar o tempo de privação de liberdade – o que não é o caso. E também não se aplica quando a lei estabelecer um prazo diferente.
O que também não é o caso do prazo estipulado no art.º 188.º, n.º 4.
Na verdade, a lei só estabelece um prazo diferente se explicitamente o determinar. Exemplo: o prazo para o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, previsto no art.º 141.º, n.º 1: o arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção; ou seja, neste caso, o prazo conta em conjunto, é simultâneo quer para o funcionário quer para o magistrado. Outro exemplo: o constante do art.º 254.º, n.º 1 al.ª b): a detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual; mais um caso em que o prazo conta em conjunto quer para o OPC que efectuou a detenção, quer para o funcionário judicial que no tribunal tramita o expediente, quer da autoridade judicial perante a qual o detido irá ser apresentado.
Ora no art.º 188.º, n.º 4 não temos qualquer imposição explícita de que o prazo corra em conjunto para os serviços do M.º P.º e para o Magistrado do M.º P.º respectivo.
Por outro lado, a expressão constante do n.º 3 do art.º 188.º de que «o órgão de polícia criminal (…) leva ao conhecimento do Ministério Público (…) os correspondentes suportes técnicos, bem como os respectivos autos e relatórios» não é para ser entendida de forma literal, no sentido de que o OPC que trouxe as escutas telefónicas só poderá regressar descansado à sua base depois de ter metido as escutas nas mãos do Magistrado do M.º P.º e se ter certificado de que ele as agarrou bem. Do mesmo modo, quando o n.º 4 do mesmo preceito legal estabelece que o Ministério Público leva ao conhecimento do juiz os elementos referidos.
Entre o OPC e o M.º P.º, por um lado, e o M.º P.º e o juiz, por outro lado, há funcionários judiciais a tramitarem o processo, sendo que o art.º 188.º, n.º 4, não impõe que o prazo aí estabelecido corra em conjunto para os serviços do M.º P.º e para o Magistrado do M.º P.º respectivo, como sucede nos casos em que o legislador quer mesmo que seja isso que aconteça.
Assim, quando o OPC, nos termos do art.º 188.º, n.º 3, leva ao M.º P.º as escutas telefónicas, o funcionário judicial que as recebe tem, nos termos do art.º 106.º, n.º 1, dois dias para as tramitar (dois dias que, ainda que não haja no processo arguidos presos, devem ser contados nos termo dos art.º 103.º, n.º 2 al.ª f), 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 144.º, n.º 2, do Código de Processo Civil [1] ) e o Magistrado do M.º P.º tem, de acordo com o art.º 188.º, n.º 4, quarenta e oito horas para as levar ao conhecimento do juiz (também contadas nos mesmos termos), o que implica que o funcionário judicial que as recebe também tem outros dois dias (contadas nos mesmos termos) para as concluir ao juiz.
Face ao exposto e embora o despacho recorrido tenha seguido a orientação constante da anotação feita ao art.º 188.º por Paulo Pinto de Albuqerque no seu «Comentário do Código de Processo Penal», mais concretamente a pág. 509, não acompanhamos, com o devido respeito, tal entendimento.
Em face do exposto, não podia pois a Ex.ma Juiz de Instrução Criminal ter declarado nulas as escutas telefónicas em causa por considerar expirado o prazo constante do art.º 188.º, n.º 4, pelo que o despacho recorrido deve ser substituído por outro que as aprecie e decida subsequentemente como for de direito.
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O que se acaba de decidir torna desnecessário conhecer da 2.ª questão posta no recurso – e que era a de que, mesmo que o relatório intercalar e suportes magnéticos referentes a intercepções telefónicas tivessem sido apresentadas fora do prazo estipulado no art.º 188.º, n.º 4, tal constituiria uma nulidade dependente de arguição e, portanto, não susceptível de conhecimento oficioso, como o foi – pois que o resultado pretendido com a interposição do recurso (a revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que admita as escutas telefónicas) já foi atingido com a resolução da 1.ª das questões.
III
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, se decide revogar o despacho recorrido e ordenar a sua substituição por outro que aprecie os elementos em causa e decida subsequentemente como for de direito.
Não é devida tributação.
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Évora, 13-5-2008
(elaborado e revisto pelo relator)
Martinho Cardoso
Nota: Cfr. o seguinte Acórdão do TRE, publicado em www.dgsi.pt/tre, citado pelo Relator:
Proc. nº 3104/07
Data do Acórdão: 22/01/2008
Relator: António João Latas
Votação: Unanimidade
Texto integral: S
Meio Processual: Recurso penal
Decisão: Provido
Descritores:
Escuta telefónica
Sumário:
Mesmo que se considere que a apresentação dos elementos a que se refere o art. 188º nº3 do CPP ao Juiz de Instrução Criminal constitui acto processual urgente, resulta do regime legal sobre contagem e prática dos actos processuais, que mesmo os actos urgentes podem ser praticados no dia útil seguinte quando o respectivo prazo termine ao domingo, em termos idênticos ao que sucede com prazo não urgente. Ch.M.
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[1] Como entendeu o acórdão da Relação de Évora de 22-1-2008, relatado pelo Ex.mo Desembargador António Latas, disponível em www.dgsi.pt, sob o descritor *escuta telefónica*.