CONTRA-ORDENAÇÕES
DECISÕES JUDICIAIS QUE ADMITEM RECURSO
MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO
Sumário


1. Só é de aceitar o recurso extraordinário a que alude o n.º2 do art. 73.º do RGCO quando se trate de recurso de sentença e quando na decisão recorrida o erro avultar de forma categórica e, pela dignidade da questão, pelos importantes reflexos materiais que a solução desta comporte para os por ela visados e generalidade que importe na aplicação do direito, seja inexoravelmente preciso corrigir aquele.

2. Não se perfilha o entendimento de que a omissão parcial na decisão administrativa de factos constitutivos da contra-ordenação constitua sem mais uma nulidade da decisão, que o juiz da primeira instância deva conhecer, já que o juiz que julga em 1.ª instância a impugnação judicial da autoridade administrativa que aplicou a coima não está absolutamente vinculado aos factos que constam do texto dessa decisão, competindo-lhe determinar o âmbito da prova a produzir e, oficiosamente ou sob promoção do Ministério Público, valorar todos os factos que se enquadrem no âmbito do objecto do processo e que forem relevantes para a decisão da causa, isto é, que se revistam de interesse para a caracterização da contra-ordenação e das suas circunstâncias juridicamente relevantes (cf. art.72.º do RGCO e 340.º n.º1 do CPP).

Texto Integral


(Emergente do recurso de contra-ordenação)

1. Da questão prévia da Admissibilidade do recurso (art.73.º n.º2 e 74.º n.º3 do RGCO).

1.1 – Por sentença de 22 de Janeiro de 2008, proferida nos autos de recurso de contra-ordenação supra mencionados, a senhora juíza do Tribunal Judicial de … decidiu:

- Declarar a nulidade das decisões administrativas impugnadas, por violação do direito de audição e de defesa da arguida bem como por omissão da concretização dos elementos subjectivos das infracções em causa; e,

- consequentemente, determinar o reenvio dos respectivos processos à autoridade administrativa competente para que esta dê cumprimento ao disposto no art. 50.º do RGCOC nos termos acima explanados (ouvindo o legal representante da sociedade, nesta qualidade, e informando-a dos elementos de facto e de direito que lhe são imputados, bem como dos seus direitos processuais), antes de proferir eventuais decisões de aplicação de coima que, a serem proferidas, sempre devem conter os elementos subjectivos das infracções a que respeitam.

1.2 – Inconformado com o assim decidido, veio a arguida requerer a admissão de recurso nos termos do art. 73.º n.º2 do RGCO, por o considerar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e à melhoria da uniformidade da jurisprudência, dizendo, em resumo, que a sentença recorrida decidiu que existem três nulidades insanáveis (“violação do direito de audição e defesa da arguida” e inexistência dos elementos subjectivos da infracção) e decidiu remeter os autos para a entidade administrativa com o objectivo de sanação dos vícios referidos, mas tal posição não é a defendida por grande parte da jurisprudência em situações similares, sendo que daí resulta divergência jurisprudencial e situações manifestamente indesejadas (vide, entre outros, o acórdão da Relação de Évora de 8.6.2004 e o Ac. do STJ de 29.1.2007. ambos in www.dgsi.pt, citados na motivação do recurso).

Segundo o art. 50.º do RGCO tem que ser concedida ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação e sobre a sanção, sendo que para a concretização da “forma” e do “prazo razoável” de se assegurar esse “direito de audição do arguido” de audição do arguido lança-se mão da convocação do disposto nos art. 100.º e 102.º do Código de Procedimento Administrativo e, no caso dos autos, a GNR optou pela audiência oral e convocou a então representante legal da ora recorrente sem respeitar esses oito dias de permeio entre a convocação e a inquirição.

Ora, tudo isso, bem como o facto da sentença considerar que existem 3 nulidades insanáveis resulta um agravo muito acentuado de direitos da arguida, sobretudo de direitos fundamentais, com dignidade constitucional.

Existe também na decisão administrativa uma grave violação da lei, designadamente a falta de elementos subjectivos das infracções.

E, no âmbito do recurso que interpôs, a arguido vem impetrar a respectiva absolvição, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1 - Segundo o art. 50° do R.G.C.O. tem que ser concedida ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação e sobre a sanção.

2 - Para a concretização da "forma" e do "prazo razoável" de se assegurar esse "direito de audição do arguido" terá que se lançar mão da convocação do disposto nos artigos 100° a 102° do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

3 - O instrutor do processo poderá optar pela audição escrita ou oral do arguido (vide respectivamente art.s 101° e 102° do C.P.A.).

4 - Dispõe o n° l do art. 102° CPA que "se o órgão optar pela audiência oral ordenará a convocação dos interessados com a antecedência de pelo menos oito dias".

5 - No caso dos autos, a GNR optou pela audiência oral, convocando a então representante legal da ora recorrente sem respeitar esses oito dias de permeio entre a convocação e a inquirição.

6 - No processo de contra-ordenação que diz respeito à falta de documentos, a notificação foi efectuada em 4 de Abril de 2007 para a inquirição da representante legal da ora recorrente ser ouvida no dia 10 de Abril de 2007, portanto 6 dias de permeio (cfr. fls. 65 do 1° volume);

7- No processo de contra-ordenação respeitante ao facto de o estabelecimento comercial estar a funcionar para além do horário legal, a notificação foi efectuada em 2 de Maio de 2007 para a inquirição da representante legal da ora recorrente ser ouvida no dia 7 de Abril de 2007 portanto 5 dias de medeio (cfr. fls. 76 do 1° volume).

8 - Tal situação configura nulidade insanável do art 50° RGCO enquadrável na alínea c), do n° l do art. 119° do Cód. Proc. Penal por corresponder a uma violação do preceituado no n° 10 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa, o que determina que a arguida seja absolvida.

9 - Essa nulidade é do conhecimento oficioso.

10 - Não obstante isso, saliente-se que a recorrente não podia invocar tal nulidade em sede de impugnação judicial, pois o documento de fls. 76 do 1° volume foi junto, pela GNR, já em sede de audiência de julgamento, portanto muito após o prazo de impugnação judicial.

11 - Decidindo o contrário, a sentença recorrida violou, por não aplicação o disposto nos art.s art. 50° RGCO, al) c), do n° l do art. 119° do Cód. Proc Penal e n° 10 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa.

12 - Decidindo o Tribunal a quo que foi violado o disposto no art. 50° do RGCO, "por violação do direito de audição e de defesa da arguida", não podia decidir a remessa dos autos para a autoridade administrativa para suprir essas faltas, uma vez que se trata de uma nulidade insuprível.

13 - A nulidade do mencionado art. 50° é uma nulidade insanável enquadrável na alínea c), do n° l do art. 119° do Cód. Proc. Penal por corresponder a uma violação do preceituado no n° 10 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa.

14 - A declaração de nulidade toma aqueles actos, e os que dele dependerem, definitivamente ineficazes.

15 - Ou seja, a declaração de nulidade nunca afecta todo o processo, mas apenas os actos que dependerem do acto nulo.

16 - No caso em apreço, a declaração de nulidade afecta todo o processo, porque todos os actos subsequentes dependem desse acto que foi declarado nulo.

17 - Por isso, essas nulidades insanáveis conduzem a uma decisão de mérito de absolvição.

18 - Assim sendo, a ora recorrente devia ter sido absolvida e não ordenada a remessa dos autos à autoridade administrativa.

19 - A decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação do disposto nos art.s 50° R.G.C.O., 118°, 119° e 122°, todos do CPP ex vi artigo 41.° do R.G.C.O. e n° 10 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa.

20 - Pelo facto de a sentença recorrida considerar existir uma nulidade insanável porque, nas decisões administrativas, se verifica uma "omissão da concretização dos elementos subjectivos das infracções em causa" não podia remeter os autos para a entidade administrativa, com o objectivo da sanação do vício referido, ao abrigo das disposições conjugadas nos art.s 426.° n.° l e 410°, n° 2, ambos do CPP ex vi artigo 41.° do R.G.C.O..

21 - Constata-se, na verdade, que nas duas decisões administrativas não se encontram os elementos subjectivos das infracções.

22 - Nos termos do disposto no art. 62° RGCO, recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério público, que os tomará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação.

23 - Ora, quando os autos são apresentados ao juiz devem conter todos os elementos que devem constar de uma acusação.

24 - O juiz, em sede de julgamento de decisão administrativa, mesmo que se provem, não pode acrescentar factos que sejam constitutivos da contra-ordenação.

25 - No caso em apreço, e uma vez que nas duas decisões da autoridade administrativa não foi feita qualquer referência à negligência ou ao dolo da arguida, a Mm.ª Juíza a quo podia, desde logo, por despacho, ou após julgamento, decidir o caso absolvendo a arguida e não, como o fez, remeter os autos para a entidade administrativa.

26 - Não existe, assim, nas duas decisões da entidade administrativa os elementos subjectivos das infracções contra-ordenacionais que permitam determinar a existência dessa infracção.

27- Não constando na factualidade apurada de uma decisão de autoridade administrativa, em processo de natureza contra-ordenacional, que a arguida agiu como dolo ou negligência, essa factualidade é insuficiente para integrar a contra-ordenação imputada à arguida, devendo esta ser absolvida da mesma.

28 - Não constando da decisão administrativa os elementos objectivos e subjectivo da tipicidade da contra-ordenação, a consequência é a absolvição.

29 - Decidindo o contrário, o Tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável, pois devia ter aplicado o disposto no art. 62° R.G.C.O. e fez uma incorrecta interpretação do disposto nos art.s 50° R.G.C.O., 118°, 119° e 122°, todos do CPP ex vi artigo 41.° do R.G.C.O. e n° 10 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa.”

1.3 - O Exmo. Procurador Adjunto respondeu nos termos constantes de fls.135 a 138, defendendo a rejeição do recurso, concluindo nos seguintes termos:

1 – Não merece qualquer reparo a douta decisão recorrida na medida em que analisou exaustivamente as vicissitudes processuais;

2 – A preterição do direito de audição do recorrente na tramitação processual da contra-ordenação, configuram uma nulidade principal e insanável, que determina a invalidade dos actos afectados, e de todos os que deles forem dependentes, que sejam afectados por tais nulidades, determinando a remessa dos autos para a entidade administrativa competente por forma a sanar os vícios existentes.

3 – A inobservância dos requisitos no art. 58.º n.º1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), não determinam a absolvição da arguida, antes devendo ser determinada a remessa dos autos para a entidade administrativa competente por forma a sanar os vícios existentes.”

1.4 – O recurso foi admitido no tribunal recorrido por despacho de 28.3.2008 (v.fls.140).

1.5 - Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 151 a 153, aderindo à posição defendida pelo Ministério Público em 1.ª instância.

1.6 - Cumpriu-se o disposto no art. 417 n.º 2 do Código de Processo Penal.

2. Impõe-se, agora, decidir sobre a admissibilidade do recurso e porque, após exame preliminar, a questão se nos afigura ser de rejeitar a pretensão do recorrente, profere-se decisão sumária, de harmonia com o preceituado no art.417.º n.º6, alin. c) do CPP.

2.1 - São fundamentalmente três questões que o recorrente aporta neste recurso:
- As nulidades afectam todo o processo e conduzem a uma decisão de mérito, ou seja à absolvição;

- Ocorre nulidade insanável porque a legal representante da arguida foi ouvida sem ter sido respeitado o prazo a que alude o art. 102.º n.º1 do Código de Procedimento Administrativo;

- Não constando na factualidade apurada de uma decisão administrativa os elementos relativos ao dolo ou negligência, a arguida deve ser absolvida e não deve ocorrer a remessa dos autos à autoridade administrativa com o objectivo da sanação do vício;

2.2 - Liminarmente, dir-se-á que não foi proferida qualquer decisão que se possa enquadrar nas várias alíneas do n.º1 do art. 73º do RGCO e consequentemente susceptível de recurso para o Tribunal da Relação.

O nº 2 da referida disposição legal, que o recorrente invocou, permite, no entanto, que o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceite o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.

Crê-se ser evidente que a melhor aplicação do direito não consistirá na sindicabilidade de uma qualquer decisão que suscite a discordância do arguido ou do Ministério Público.

Não dá o legislador outra pista para desvendar o seu propósito que não seja a utilização da expressão “manifestamente necessário”, indicativa de que terá de invocar-se errónea aplicação do direito bem visível.

Não se trata apenas de conseguir uma “melhoria” na aplicação do direito, mas de limitá-lo aos casos de isso ser manifestamente necessário. A um critério de necessidade acrescenta-se uma circunstância de premência, de avultamento do desacerto. Ou seja, além da patente apreensibilidade da aplicação defeituosa do direito, crê-se ainda que se deverá verificar um erro jurídico grosseiro para justificar a necessidade a que acorre a intervenção do tribunal superior. [1]

Se assim é, podemos concluir que é de aceitar o recurso quando na decisão recorrida o erro avultar de forma categórica e, pela dignidade da questão, pelos importantes reflexos materiais que a solução desta comporte para os por ela visados e generalidade que importe na aplicação do direito, seja inexoravelmente preciso corrigir aquele.

A admissibilidade de recurso nestas circunstâncias visa ainda uma maior aceitação das decisões judiciais pelos seus destinatários, que, perante uma fundamentação mais exaustiva, melhor podem ajuizar da solução jurídica adoptada. No entanto, esta possibilidade de recurso, ao abrigo do nº2 do art. 73º do RGCO, é restrita às decisões finais do processo de contra-ordenacional e deve ser expressamente mencionada no requerimento de interposição de recurso pelo arguido ou pelo Ministério Público. [2]

Compreende-se que assim seja, pois a melhoria da aplicação do direito ou a promoção da uniformidade da jurisprudência só poderá ocorrer face à decisão final.
Trata-se efectivamente de uma faculdade excepcional que não deve ser alargada a decisões que não tenham incidido sobre o mérito da causa.

Ora, no caso em apreço, a decisão recorrida não conheceu a final do objecto do processo, ou seja de mérito, mas apenas das questões prévias suscitadas, no caso, as nulidades arguidas em sede de recurso (cf. art. 368.º do CPP, aplicável ut art. Art. 41.º do RGCO).

Além disso, não se nos afigura que seja manifesta a necessidade de uma melhor aplicação do direito, pois a decisão judicial que o recorrente pretende impugnar mostra-se suficientemente fundamentada e não enferma de vícios ou deficiências grosseiras e, por outro, não se mostra que a jurisprudência esteja acentuadamente fragmentada sobre o assunto em ordem a exigir, de forma manifesta, a necessidade de se promover a uniformidade de julgados.

Sobre a questão da preterição do direito de audição e defesa do arguido e suas consequências existe até acórdão de uniformização da jurisprudência, (proferido pelo STJ em 28.11.2002, no âmbito do processo n.º 467/02, publicado no DR, 1.ª Série de 21.01.2003), que a recorrente mencionou no art. 34.º do recurso de impugnação judicial, mas do qual não retira as devidas consequências quanto ao tipo de nulidade e seus efeitos.

E tem-se como certo que a melhoria da aplicação do direito a que a lei se refere não compreende situação como a verificada no desenvolvimento dos autos, cuja solução não passa pela intervenção do tribunal da Relação.

Considera-se assim que não se mostra justificada a admissão do recurso.

Algumas notas se consideram ainda justificadas pelo específico recurso que atrás se considerou não dever receber-se e que levariam, caso fosse admitido, à sua rejeição.

- Tendo sido declarada a nulidade das decisões administrativas que a recorrente impugnou no âmbito dos dois processos de contra-ordenação que estão apensados, por preterição do direito de audição e de informação da arguida – recorrente, tal nulidade torna as decisões administrativas inválidas, bem como os actos que delas dependerem e que as nulidades possam afectar (cf. art. 122.º n.º1 do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do citado RGCO). E tal como consta da decisão recorrida, a declaração de nulidade não afecta todo o processo mas apenas os que dependerem do acto nulo e a nulidade em causa não pode conduzir a uma decisão de mérito, de absolvição, mas apenas a uma decisão prévia e formal de declaração de nulidade da decisão administrativa que foi proferida sem o prévio cumprimento do art. 50.º RGCOC e os actos posteriores afectados por tal nulidade, mas sem afectar o auto de notícia que deu origem a cada um dos processos em causa (art.122.º. n.ºs 1 e 3 CPP).

Este entendimento, segundo cremos, não comporta vozes discordantes na jurisprudência dos tribunais superiores pela clareza do preceito que comina os efeitos da nulidade.

A declaração de nulidade, sanável ou insanável, tem o efeito da invalidade de todos os efeitos substantivos, processuais e materiais do acto nulo. Tem também o efeito da invalidade derivada dos actos subsequentes ao acto nulo que tenham um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa com o acto nulo, de tal modo que, na falta do acto prévio, os actos subsequentes não podem subsistir isoladamente.

É de salientar que nos recursos de impugnação judicial que interpôs a recorrente não extraiu das nulidades que arguiu as consequências que ora invoca, ou seja, a sua absolvição.

A 2.ª questão colocada no recurso, de que a primeira instância não conheceu (pois, como o próprio recorrente reconhece, não a invocou no recurso de impugnação) estaria sempre prejudicada pelo conhecimento e declaração das demais nulidades, que tornaram inválido o acto em causa. Acresce que não dizendo o art. 50.º do RGCO o que deve entender-se por prazo razoável, não há que recorrer ao CPA, mas ao CPP que é o direito subsidiário aplicável, no caso, ao art. 105.º n.º1. E a inobservância desse prazo não configura qualquer nulidade insanável, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 118.º n.º1 do CPP, pois não equivale á preterição do direito de audição, sendo uma mera irregularidade a arguir pelo interessado, nos termos do art. 123.º do mesmo diploma.

E quanto à última questão – que o recorrente não suscitou nos recursos de impugnação judicial, mas que o tribunal entendeu conhecer oficiosamente – impõe-se dizer que os acórdãos que invocou não constituem unanimidade, sendo certo que o acórdão desta Relação de 8 de Junho de 2004 respeita a decisão final, que conheceu do mérito do recurso de impugnação judicial, o que não é o caso destes autos, pois a decisão quedou-se pelo conhecimento dos vícios, sem passar à fase a que alude o n.º2 do art.368.º do CPP.

Sem embargo do já referido, dir-se-á ainda o seguinte:

Não se perfilha o entendimento de que a omissão parcial na decisão administrativa de factos constitutivos da contra-ordenação constitua sem mais uma nulidade da decisão, que o juiz da primeira instância deva conhecer, já que o juiz que julga em 1.ª instância a impugnação judicial da autoridade administrativa que aplicou a coima não está absolutamente vinculado aos factos que constam do texto dessa decisão, competindo-lhe determinar o âmbito da prova a produzir e, oficiosamente ou sob promoção do Ministério Público, valorar todos os factos que se enquadrem no âmbito do objecto do processo e que forem relevantes para a decisão da causa, isto é, que se revistam de interesse para a caracterização da contra-ordenação e das suas circunstâncias juridicamente relevantes (cf. art.72.º do RGCO e 340.º n.º1 do CPP).

Por outro lado, a questão estaria também prejudicada pela declaração de nulidade das decisões administrativas, por preterição dos sobreditos direitos de audição e defesa, uma vez que, invalidadas tais decisões, a entidade que as proferiu não pode deixar de ter a oportunidade de sanar os vícios dos actos anulados.

3. Nestes termos – sem necessidade de mais considerações - decido não admitir o recurso interposto pela arguida uma vez que se consideram não verificados os requisitos de admissibilidade constantes do art. 73.º, n.º 2 do RGCO.

O recorrente pagará as custas devidas pela sua actividade recursória, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.93.º n.º3 e 94.º n.º3 do RGCO e 87.º n.º1, alin. b) do CCJ), a que acrescem mais 3 UC’s nos termos do disposto no n.º 4 do art. 420.º do CPP.

(Processado por computador e revisto pelo relator)


Évora, 2008-05-27
Fernando Ribeiro Cardoso




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[1] - Neste sentido vai o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 8.11.2004, proferido no Processo n.º 1073/04 – 1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg.
[2] - Neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações – Anotações ao regime geral, Vislis Editores, pág 403, onde referem expressamente que os recursos previstos no nº2 apenas podem ser interpostos pelo arguido e pelo Ministério Público e referem-se apenas às decisões finais do processo contra-ordenacional.