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FALSIDADE DE TESTEMUNHO
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Sumário
1.A omissão de factos constitutivos do crime na acusação que justificariam o seu não recebimento, por manifestamente infundada, não constitui insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. 2. A falsidade do depoimento pressupõe uma contradição entre o declarado e a realidade ou verdade histórica. Só estando fixada verdade objectiva é que se pode saber se o depoimento é falso. 3 - O tribunal recorrido ao consignar “bem sabia o ora arguido que tal não correspondia à verdade”, sem afirmar os factos objectivos e concretos donde emerge aquela asserção, limita-se a proferir uma conclusão, um juízo de valor sobre factos, desacompanhado das premissas donde aquela se pudesse extrair. Essa conclusão deveria antes ser o resultado da indagação da factualidade correspondente à prestação do depoimento falso. 4. A natureza «material» e «não fáctica» deste pressuposto - prestação de declaração falsa - significa, por um lado, que integra inequivocamente questão de direito e, por outro, que a respectiva verificação carece da apreciação e prova de factos concretos e específicos da situação, necessariamente inscritos em impulso acusatório prévio.
Texto Integral
Acordam, precedendo audiência, na Relação de Évora:
I
1. Nos autos de processo comum singular n.º --- do 2.º Juízo de Competência Criminal de …, o arguido A. …foi acusado e submetido a julgamento pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360.º n.º1 e 3 do Código Penal e veio a ser condenado, por Sentença de 29 de Março de 2007, a fls.247 a 255, pela prática desse crime, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária € 6,00, (seis euros), o que perfaz o montante global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
2. Não conformado, o arguido veio interpor recurso da sentença, nos termos constantes de fls.260 a 265, pugnando pela sua absolvição.
Extraiu da correspondente motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem “ipsis verbis”:
“Venerandos Desembargadores, a leitura atenta do depoiemento da testemunha o Sr B…. e com o mais profundo respeito pela sua alma (que descanse em paz) se diga é a maior confusão que até agora assistimos em Tribunal. Como pode o Tribunal com base nessa confusão que mais não é que um amontoado de contradições e incoirencias fazer deste matéria provada para a condenação do Recorrente.
Mas mesmo tendo em conta o depoiemento se refira que este afirma nada ter visto que não conhece ninguém e o que soube, soube, porque lhe foi dito.
Existe pois nos termos do Art. 410° do CPP um erro na apreciação da prova por parte do tribunal para a produção da sentença ora recorrida e/ou insuficiência de prova para a sentença proferida.
O tribunal deveria ter melhor ponderado as condições físicas e mentais da testemunha.
O depoiemento é tão sem sentido que chega a ser objecto entre a Ilustre Advogada e Mma Juiz de comentário
A decisão de Primeira Instância é pois um absurdo e para todos efeitos acaba por ser um novo julgamento de um caso já julgado de que o Arguido fora absolvido.
No mínimo o tribunal teria que considerar no presente processo "In Dúbio pró réu" já que mais nenhuma prova de envolvimento foi feita em relação ao Recorrente e que no Proc304/98.0TALLE também não se havia provado nenhum envolvimento deste nos factos em julgamento.”
3. O recurso foi admitido por despacho de 8.5.2007 (v. fls.277).
4. O Ministério Público junto do tribunal recorrido veio responder ao recurso nos termos constantes de fls.280 a 285, entendendo que deve ser mantida a sentença recorrida e o recurso improceder, dizendo, em sede de conclusões, o seguinte:
“1- A condenação do arguido baseou-se em provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento e nos princípios e preceitos contidos na Lei Penal.
2- Não contém a dota sentença impugnada qualquer erro na avaliação da prova e muito menos notório.
3- O princípio do "in dúbio pró reo" não havia de ser aplicado porque o Tribunal "a quo" teve a convicção, a certeza, a segurança jurídica, de que o recorrente havia cometido o crime pelo qual veio a ser condenado, não tendo sido violado o consignado no art.32°. n°2, da CRP..
4- A circunstância de uma testemunha ter dificuldades de audição não põe em causa o teor do seu depoimento, uma vez tomadas pelo Tribunal as medidas que achar convenientes para ultrapassar tal limitação.
5- O depoimento da testemunha G. A. foi espontâneo, coerente e credível.
6- A escolha e a medida da pena aplicada ao arguido mostram-se pertinentes e adequadas às circunstâncias previstas no art.70° e seguintes do Código Penal.
7- Não contém a douta decisão impugnada qualquer erro na apreciação da prova, nem não violou nenhum preceito legal, merecendo a nossa inteira concordância.”
5. Nesta instância a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, emitiu o parecer constante de fls.291 a 293, no sentido de que o arguido deveria ser absolvido por não ter sido produzida qualquer prova consistente em audiência de julgamento.
6. Foi cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP.
7. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.
II
8. O julgamento sobre a matéria de facto, em 1.ª instância.
8.1 - O Tribunal a quo julgou provado o seguinte acervo de factos:
1 - No dia 23 de Outubro de 2002, o arguido, na qualidade de testemunha no âmbito do processo Comum Colectivo n.º …, que correu termos neste mesmo Juízo Criminal, declarou, perante o colectivo de juízes, que não conhecia o então arguido …., bem assim que nunca pedira a um tal …., funcionário dos Serviços de Viação…, que arranjasse cartas de condução para quem quer que fosse, nem serviu de intermediário para conseguir cartas de condução de modo fraudulento através do dito L., assim como não teve qualquer intervenção no processo de obtenção de cartas de condução falsas.
2 - Porém, bem sabia o ora arguido que tal não correspondia à verdade.
3 - Antes de iniciar a inquirição da então testemunha e ora arguido a M.ma Juiz Presidente do Tribunal Colectivo advertira-o de que estava obrigado a falar com verdade às perguntas que lhe iam ser colocadas e que incorria na prática de um crime caso assim não fizesse, cominação de que o arguido ficou bem ciente.
4 - Ao ocultar deliberadamente ao tribunal a verdadeira versão dos acontecimentos pretendia o arguido induzir o Tribunal em erro e, consequentemente, desresponsabilizar criminalmente os então arguidos ……..
5 - O arguido sabia que estava obrigado a prestar declarações com verdade.
6 - O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo, a sua conduta proibida por lei.
7 - O arguido é comerciante de pneus e acessórios para automóveis, sendo sócio de uma sociedade que desenvolve tal comércio.
8 - Tem o rendimento mensal de cerca de € 700 por mês.
9 - A companheira é empregada do comércio auferindo o salário mensal de € 600.
10 - Têm dois filhos, com as idades de 8 e 3 anos, sustentados exclusivamente por ambos.
11 - Suporta uma prestação mensal de cerca de € 300 para pagamento de um empréstimo.
12 - O arguido não tem averbado no Certificado de Registo Criminal a condenação pela prática de qualquer crime.
8.2 – A respeito de factos não provados, o tribunal recorrido consignou:
“Com relevância para a decisão da causa e interesse para o objecto dos autos não se provaram quaisquer outros factos.”
9. Fundamentação da matéria de facto.
A este respeito, o tribunal recorrido exarou o seguinte
“O Tribunal formou convicção quanto aos factos com base na análise crítica e ponderada das declarações prestadas pelo arguido, o qual apresentou a versão de que respondeu com verdade quando foi ouvido na qualidade de testemunha na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 23 de Outubro de 2002 relativa ao processo que neste Juízo Criminal correu termos com o n.º …porquanto não conhecia as pessoas que lhe foram referidas, nomeadamente o Senhor …, não tendo recebido qualquer cheque daquele e não falou com o Senhor …. para que este emitisse algum título de condução a favor daquele ….
Esta versão dos factos não se mostra conforme com os elementos documentados nos autos pelo acórdão proferido no processo …, sendo que ali se provou que o ali arguido …. se dirigiu à oficina do ora arguido A. …, sabendo que este lhe arranjaria uma carta de condução junto de um funcionário da Direcção Geral de Viação de … e entregou-lhe uma quantia indeterminada em dinheiro, fotografias e reprodução dos seus dados identificativos, mais se provando que foi efectivamente emitida uma carta de condução a favor daquele … sem que o mesmo se tenha submetido a quaisquer exames prévios e demais trâmites legais essenciais à obtenção da legal habilitação para conduzir veículos das categorias em causa.
Conforme resulta da transcrição do depoimento prestado pelo ora arguido A. …, este respondeu ao Tribunal na sessão de audiência de julgamento após ter sido advertido de que teria de responder com verdade e esclarecido que já não poderia ser julgado por factos que o implicassem a si por ter sido absolvido em processo anterior onde tivera a qualidade de arguida, decisão que havia já, ao tempo, transitado em julgado que não sabia quem era o mencionado … cfr. fls. 45 não ser verdade que tenha servido de intermediário entre o Sr. …. e o Sr… ou entre este e os senhores …. cfr. fls. 46.
No entanto, na mesma sessão da audiência de julgamento, prestando depoimento a ali testemunha …. declarou que falou com o Senhor … e que o mesmo já se havia informado com o arguido A. … sobre a forma de obter fraudulentamente uma carta de condução e esclareceu ainda ter falado com o ora arguido A. … sobre a obtenção dos título de condução de forma fraudulenta, sendo este quem lhe explicou os pormenores do esquema para a obtenção de tais títulos cfr. fls. 84 a 88.
Acresce que foi considerado provado no acórdão proferido no âmbito dos autos referidos em 1.º dos factos provados que:
“F -O arguido …. não frequentou escola de condução nem efectuou qualquer exame para possuir habilitação legal para conduzir veículos automóveis ligeiros e de mercadorias.
G -Dirigiu-se à oficina de troca de pneus, propriedade de A. …. (testemunha nos presentes autos e ex-co-arguido no processo que deu origem aos presentes autos) porque sabia, por informação dada por…., que o A. … lhe arranjaria uma carta de condução junto de um funcionário da Direcção Geral de ….
H - Assim, entregou à testemunha A. … quantia indeterminada em dinheiro, fotografias e reprodução dos seus dados identificativos para que fossem tais elementos entregues a um funcionário da DGV.
I - A carta de condução em apreço com o n.° ---- foi devidamente registada por …., na Direcção de Viação de …, em nome de …., como se tratasse de carta de condução validamente emitida, passando o arguido a utilizar desde então tal documento com perfeita consciência de que o mesmo era falso e havia sido obtido ilicitamente.”
E, na parte respeitante à motivação daquele acórdão exarou-se que o “ depoimento prestado pela testemunha A. …, que não relatou a realidade que sabe, por conhecimento directo e participativo dos factos, omitindo e faltando à verdade propositadamente – o que ressalta do confronto das suas declarações com as declarações prestadas pelas restantes testemunhas ouvidas em audiência - os ex-co-arguidos nos presentes autos, - e que após a sua situação processual estar resolvida assumiram, com alguma dignidade, o seu actual papel de testemunhas, com o inerente dever de responder às perguntas com verdade, e ajudaram de forma relevante o Tribunal a esclarecera acontecido, apesar de alguns dos depoimentos terem sido prestados de modo relutante.”
Em face daqueles meios de prova formou-se pois convicção segura de que o ora arguido, sendo testemunha não respondeu com verdade ao que lhe foi perguntado na referida sessão de audiência de julgamento.
Considerou-se o Certificado de Registo Criminal junto aos autos e relativo ao arguido e as suas próprias declarações quanto às condições pessoais e financeiras do arguido, declarações que nos pareceram credíveis.”
10. Os poderes de cognição dos tribunais da Relação abrangem quer a matéria de facto, quer a matéria de direito (n.º 1 do artigo 428.º do Código de Processo Penal), podendo os recursos, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (n.º1 do artigo 410.º do mesmo diploma). O âmbito do recurso é definido pelas conclusões e por elas limitado, isto sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são as nulidades insanáveis e os vícios da sentença prevenidos no art. 410 n.º2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” - Ac. do Plenário das secções do STJ de 19.10.95, in D.R. I-A Série de 28.12.95.
O recorrente visa, através do presente recurso, impugnar a matéria de facto.
Do disposto nos art. 410.º n.º 2, 428.º e 431.º do CPP decorre que a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação é admissível em dois patamares distintos,
Num primeiro, para aferição dos vícios previstos no primeiro daqueles preceitos que decorram do texto da decisão: conforme resulta “expressis verbis” de tal preceito, os vícios em causa têm que resultar da própria decisão recorrida na sua globalidade (por si só ou conjugado com as regras da experiência comum), sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos.
Num segundo, no contexto mais amplo do recurso da matéria de facto que permite a modificação dessa matéria em razão de prova produzida, cuja reapreciação/reavaliação assim se fará. Neste âmbito o que se pretende é a reapreciação da prova produzida por se considerar, em vista do teor dessa prova, inaceitável a decisão e bem assim incorrecta a apreciação que da mesma foi feita na primeira instância.
Já no primeiro de tais patamares a reapreciação da decisão de facto visa aferir da verificação de erros de julgamento que se infiram do seu próprio texto, e tão só - e bem assim da sua coerência interna e concludência, que podem estar comprometidas por motivos diversos, correspondentes aos vários vícios previstos no citado artigo 410.º n.º 2 – vícios cujo conhecimento é aliás oficioso, competindo a qualquer Tribunal de recurso mesmo nos casos em que o conhecimento do recurso se restrinja à matéria de direito conforme decorre da jurisprudência fixada no douto acórdão do STJ com o nº 7/95 de 19.10.1995, in DR I série-A de 28.12.1995.
Uma vez que foi prescindida pelo arguido e pelo Ministério Público a documentação dos actos de audiência (cf. fls.232) e tendo presente o disposto nos art. 364.º n.º1 e 428.º n.º2 do CPP, na redacção em vigor ao tempo do julgamento, este tribunal não pode conhecer da matéria de facto, nos termos do disposto no art. 412.º n.º3 do CPP, sem embargo do disposto no art. 410.º n.º2 e 3 do mesmo diploma.
Por isso que, o objecto do recurso restringe-se a saber se ocorre algum dos vícios do art. 410.º n.º2 do CPP e se foi violado o princípio “in dubio pro reo”, uma vez que não foi invocada, nem vislumbramos a existência de qualquer nulidade insanável.
11. O recorrente alega que “Existe nos termos do Art. 410° do CPP um erro na apreciação da prova por parte do tribunal para a produção da sentença ora recorrida e/ou insuficiência de prova para a sentença proferida.”
Preceitua n.º 2 do citado art. 410.º :
«Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova».
Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento.
As regras ou normas da experiência são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação de alicerçam, mas para além dos quais têm validade.
Quanto à "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada", este vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), só pode ter-se como evidente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida [1] .
Ocorre este vício quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.
«Há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido» [Ac. da Rel. de Lisboa de 19/7/2002, proferido no Proc. nº 128169, cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, «É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.»[2] (negrito e sublinhado do relator).
Daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127), que é insindicável em reexame da matéria de direito.
A omissão de factos constitutivos do crime na acusação que justificariam o seu não recebimento, por manifestamente infundada, não constitui insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
O recorrente, ainda que mencione nas conclusões do recurso o art. 410.º do CPP, não demonstra que ocorra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem requereu a reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426.º do mesmo diploma.
Tão pouco alegou que deixou de ser investigada matéria factual relevante.
Limita-se a dizer da análise que faz do depoimento da testemunha G.A. que ocorre insuficiência de prova para a sentença proferida, o que, a verificar-se, não integra este vício, podendo, configurar, quanto muito, um erro de julgamento da matéria de facto, que não pode ser sindicado por esta Relação, por ter sido prescindida a documentação da audiência, o que vale como renúncia ao recurso em matéria de facto.
O tribunal recorrido esgotou o objecto do processo, delimitado, no caso, pela acusação, uma vez que, como decorre da sentença, o arguido não apresentou contestação escrita.
Se os factos provados não integram o crime imputado ao recorrente é questão erro de subsunção dos factos à norma, e não do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão da al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
E também não ocorre contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão" para relevar como vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), a "contradição - que significa incoerência, oposição ou incompatibilidade manifesta - tem de ser insanável, isto é, tem de se apresentar como inultrapassável pelo tribunal de recurso.
Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir - em sentido idêntico se vem pronunciando, de forma unânime o S.T.J., destacando-se, a título de exemplo, os Ac. de 22.05.1996, Proc. n.º 306/96 e de 02.12.1999, Proc. n.º 1046/1998, 5.ª Sec., "Sumários de Acórdãos do S.T.J., n.º 36".
O mesmo vício pode ter lugar quando se dá como provado um facto mas da respectiva motivação resulta que assim não pode ser considerado, o que igualmente integra o erro notório na apreciação da prova.
Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça «a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas ainda que com recorrência ao contexto da decisão no seu todo ou às regras de experiência comum» (Ac. de 14.3.02, proc. n.º 3261/01-5).
Defende o recorrente que a sentença enferma de erro na apreciação da prova.
Tal erro para relevar, enquanto vício, carece de ser notório.
O erro notório na apreciação da prova, não é um princípio de prova, não é um meio de valoração da prova, mas um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum, na leitura do texto da decisão recorrida ainda que conjugada com as regras da experiência comum.
Para além disso, a sua essência, consiste em que para existir como tal, terá de se retirar de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
O vício de erro notório na apreciação da prova, só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados e não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos. O erro tem assim de aferir-se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum (sem recurso, por exemplo, a declarações ou depoimentos prestados durante o julgamento), tendo ainda que resultar desse texto de forma tão patente que não escape à observação do homem de formação média.
Se se invoca, como é o caso, a prova produzida ou examinada em audiência para afirmar a existência de erro notório na apreciação da prova – ainda que sem especificar os concretos pontos de facto - estamos fora do contexto do referido vício, pois a existir erro ele será de julgamento, só detectável quando o tribunal conhecer amplamente da matéria de facto.
O erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do recorrente.
É que o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado «que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.» (Ac. de 12.11.98, no BMJ 481-325).
A apreciação da prova tem de específico a superação da incerteza de um facto controverso, através do julgamento, ou seja, da formação de uma convicção de certeza, segundo regras previamente estabelecidas, de respeito pelo contraditório, imediação, oralidade e pública discussão da causa. Quando o julgador, em audiência de discussão e julgamento, ultrapassa o estado de incerteza ou de dúvida, a convicção assim formada, desde que obtida através de procedimentos cognoscitivos plausíveis e possíveis, é sempre válida, atento o disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal (principio da livre apreciação da prova).
Pode o recorrente discordar da forma como o tribunal adquiriu a sua convicção mas a decisão mostra-se fundamentada e não reflecte erro algum, patente ou manifesto e claramente saliente.
Coisa diversa, que requer a análise concreta do conteúdo da prova transcrita – não se satisfazendo com a mera apreciação do texto da decisão – é a de saber se a prova produzida justifica a opção do tribunal quanto à matéria de facto dada como provada.
Em conclusão, na decisão recorrida, não se perfila a existência de qualquer dos vícios constantes do artigo 410.º n.º 2 do CPP, pois que a decisão mostra-se coerente, harmónica, sem antagonismos factuais, ou ilogicismos, nem contém factos contrários às regras da experiência comum, nem a existência de erro que seja patente para qualquer cidadão; inexistindo por outro lado, qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, sendo que a decisão de facto é bastante para a decisão de direito.
Em boa verdade, o que o recorrente pretende por em causa, sem contudo concretizar quaisquer fundamentos válidos, é a apreciação que o Tribunal “a quo” fez dos meios de prova, que diga-se, se moveu dentro do critério da livre apreciação a que o art.127.º do CPP o sujeita.
Em última análise o que o recorrente pretende é substituir, sem mais, a convicção do tribunal pela que é supostamente a sua, e assim ver acolhida a sua versão dos factos.
Naturalmente que a questão que emerge do recurso se cinge unicamente a uma divergência de convicções, não podendo pelas razões aduzidas a do arguido prevalecer, sem habilitação legal, sobre a do tribunal “ a quo”.
É, pois, indubitável que a sentença recorrida também não padece deste vício.
Acrescente-se apenas, no seguimento do que se disse, que a eventual existência de qualquer dos indicados vícios não conduziria à absolvição do arguido, nem mesmo à simples modificação da matéria de facto provada, mas sim ao reenvio do processo para novo julgamento.
Improcede, por isso, nesta parte, o recurso interposto.
12. Considera o Recorrente que perante as contradições e incoerências do depoimento da testemunha G.A., a decisão de 1.ª instância é um absurdo e para todos os efeitos acaba por ser um novo julgamento de um caso já julgado de que o arguido fora absolvido, pelo que, no mínimo o tribunal teria de considerar no presente processo o “in dubio pro reo”, já que nenhuma prova de envolvimento foi feita em relação ao recorrente e que no Processo n.º …/98.0TALLE, também não se havia provado nenhum envolvimento deste nos factos em julgamento.
Também nesta parte discordamos totalmente do recorrente.
Em primeiro lugar, não há identidade nas intervenções processuais do ora recorrente. Num dos processos tinha a qualidade de arguido e veio a ser absolvido dos crimes que nele lhe foram imputados. E no processo que esteve na génese dos presentes autos foi ouvido como testemunha, sujeito aos deveres prevenidos no art. 132.º do CPP, entre os quais, o dever de responder com verdade às perguntas que lhe foram dirigidas.
O depoimento, em que assenta a condenação do arguido foi produzido e valorado no âmbito de outro processo (proc. …), em que foi arguido ... por factos em que o ora arguido, segundo tal acórdão, teve intervenção pessoal, constituindo tal depoimento nestes autos mera prova documental.
Para que se imponha ao tribunal a aplicação do princípio “in dubio pro reo” é necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador (e não no dos sujeitos processuais) alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão. E não basta uma qualquer dúvida. Tem que ser uma dúvida razoável, invencível.
No caso, o Tribunal a quo não manifestou a existência de qualquer dúvida razoável acerca dos factos provados e muito menos que perante alguma dúvida tenha escolhido a tese desfavorável ao arguido.
Na fundamentação da decisão não se descortina qualquer necessidade de deitar mão a este princípio nem da decisão resulta que o seu não uso seja censurável.
13. Integrarão os factos provados o crime imputado ao arguido?
Como se escreveu no acórdão desta Relação n.º 2613/07-1, de que foi relator o Exmo. Desembargador, Dr. Gilberto Cunha, que intervém nestes autos como 1.º adjunto, que seguiremos de perto, “para cometimento do crime agravado de falsidade de depoimento de testemunha, que é atribuído ao arguido/recorrente, pp. pelo art.360.º, n.º1 e 3 do C. Penal, exige-se a verificação dos seguintes elementos objectivos:
- Prestação de depoimento falso por parte de testemunha; - Perante tribunal; - Após o agente ter sido ajuramentado e advertido das consequências penais a que se expõe (elemento qualificativo).
Constituem ainda elementos subjectivos do tipo:
- O conhecimento pelo agente de que o depoimento é falso; e - A intenção de prestar esse depoimento falso.”
No ponto n.º1 dos factos dados como provados na sentença recorrida consta que “No dia 23 de Outubro de 2002, o arguido, na qualidade de testemunha no âmbito do processo Comum Colectivo n.º …, que correu termos neste mesmo Juízo Criminal, declarou, perante o colectivo de juízes, que não conhecia o então arguido …., bem assim que nunca pedira a um tal …., funcionário dos Serviços de Viação do …, que arranjasse cartas de condução para quem quer que fosse, nem serviu de intermediário para conseguir cartas de condução de modo fraudulento através do dito…., assim como não teve qualquer intervenção no processo de obtenção de cartas de condução falsas”
E no n.º 2 consta que “bem sabia o ora arguido que tal não correspondia à verdade.”
Ora o tribunal recorrido ao consignar o que consta do ponto 2.º, sem afirmar os factos objectivos e concretos donde emerge aquela asserção, limita-se a proferir uma conclusão, um juízo de valor sobre factos, desacompanhado das premissas donde aquela se pudesse extrair. Essa conclusão deveria antes ser o resultado da indagação da factualidade correspondente à prestação do depoimento falso.
A natureza «material» e «não fáctica» deste pressuposto significa, por um lado, que integra inequivocamente questão de direito e, por outro, que a respectiva verificação carece da apreciação e prova de factos concretos e específicos da situação, necessariamente inscritos em impulso acusatório prévio.
É puramente tautológico dar como provado aquilo mesmo que a prova se destina a provar, pelo que deve ser considerado irrelevante dar-se como provado o que consta do ponto 2, pois o que se exigiria era que se tivessem provado os factos donde pudesse extrair-se tal juízo de valor, ou seja, qual a versão verdadeira e que foi acolhida pelo tribunal no qual foi produzido o depoimento do ora arguido.
Na verdade a demonstração da verdade de uma proposição equivale à demonstração da falsidade da outra “tertium non datur”.
Tal versão emerge da fundamentação, mas apenas em sede de motivação da convicção alcançada pelo julgador.
Aliás, trata-se de um defeito intrínseco da própria acusação, que podia ter conduzido à rejeição desta [cf. art. 311.º n.º2, alin. a) e 3, alin d) do CPP] e que se manteve na sentença recorrida.
Como é sublinhado no acórdão do STJ de 18-10-2007, proferido no processo n.º 07P3158, relatado pelo Exmo. Conselheiro Santos Carvalho, disponível em www.dgsi.pt “ os factos genéricos e conclusivos não podem sustentar uma acusação e, muito menos, uma condenação, pois impedem que o arguido exerça o seu direito de defesa que lhe assiste e impossibilitam o tribunal superior de fiscalizar o acerto da decisão”.
Ainda a este propósito, como é mencionado com toda a propriedade, no acórdão do STJ de 07-12-2007, prolatado no processo nº07P1912 e relatado pelo Exmo. Conselheiro Rodrigues da Costa, também acessível em www.dgsi.pt constatando-se, como aqui sucede, que na 1ª Instância foi incluído no elenco dos factos provados uma mera conclusão, que constitui ela própria um dos elementos objectivos típicos do crime em causa, não há senão que considerar como não escrita essa conclusão, ao abrigo do disposto no art.646.º, n.º4 do CPC subsidiariamente aplicável por força do art.4.º do CPP.
Consequentemente devem ser considerados como tal também os factos descritos sob os nºs 4 e 6 na fundamentação da sentença recorrida, pois que estes pressupunham aquele.
O crime de falsidade de testemunho tipificado no art.360.º do C. Penal radica na contradição entre o declarado pela testemunha e a realidade objectiva, da qual tinha ela ciência e consciência.
Como é referido no comentário feito ao referido crime por A. Medina de Seiça, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III, a falsidade de uma declaração dirige-se ao seu conteúdo. Pressupõe, no entanto, um termo de comparação: uma declaração é falsa quando aquilo que se declara (conteúdo da declaração) diverge daquilo sobre o qual se declara (objecto da declaração). A falsidade da declaração reside na contradição entre o declarado e a realidade, entre a palavra e a realidade ou verdade histórica. Somente a discrepância entre o conteúdo da declaração e o acontecimento fáctico objectivo ao qual a declaração se reporta constitui falsidade (teoria objectiva).
Como se afirma no acórdão da Relação do Porto de 05-07-2006, proferido no processo n.º 0546988, relatado pelo Exmo. Desembargador José Piedade, disponível em www.dgsi.pt só estando fixada verdade objectiva é que se pode saber se o depoimento é falso. Diz-se ainda nesse aresto que o elemento típico central do crime em causa reside na falsidade do depoimento, a aferir pela sua desconformidade com o acontecimento real a que se reporta a dita concepção objectiva.
Desta concepção decorre que a consumação do crime de falsidade de testemunho existe sempre que o depoimento diverge da realidade objectiva.
O acontecimento real ou verdade objectiva é aquilo que o tribunal em face da produção de prova tenha dado por acontecido. Caso a narração da testemunha “ se afaste do acontecido”, isto é, daquilo que o tribunal, em face da produção de prova, tenha dado por acontecido, ela é falsa.
Este mesmo entendimento vem manifestado na sentença recorrida, só que a conclusão a que chegou não é aceitável.
É que, no caso vertente, nos factos provados não se encontra fixada a verdade objectiva e sem se saber qual é essa verdade, não se pode afirmar a falsidade do depoimento do recorrente prestado na qualidade de testemunha, na audiência de julgamento realizada no âmbito do processo comum colectivo n.º …, que correu termos pelo 2.º Juízo de Competência Especializada Criminal de …, por não se poder aferir se foi prestado em conformidade ou em desconformidade com o acontecimento real a que se reportou.
Aliás, como atrás dissemos, essa deficiência já radicava na acusação e foi mantida na sentença recorrida.
Assim, os factos provados no âmbito destes autos não têm aptidão para preencherem o crime de falsidade de testemunho, tipificado no n.º1 do art.360.º do C. Penal, ficando por conseguinte prejudicada a análise da subsunção dos factos à previsão do n.º3 que constitui uma agravante do tipo base – prestação de declaração falsa, sob juramento, após expressa advertência das consequências penais daí decorrentes.
No caso de que aqui nos ocupamos verifica-se efectivamente que o tribunal “ a quo” incorreu em “error in judicando”, impondo-se em consequência revogar a sentença recorrida e absolver o arguido da prática do aludido crime.
DECISÃO.
14. Nestes termos e com tais fundamentos, concede-se provimento ao recurso interposto pelo arguido A. ... e em consequência revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se o arguido/recorrente da prática do crime de falsidade de testemunho, pp. pelo art.360.º nºs 1 e 3 do C. Penal.
Sem custas por não serem devidas.
(Elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 2008.06.03
Fernando Ribeiro Cardoso
Gilberto Cunha
Martinho Cardoso
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[1] Cf. por todos, o acórdão, do STJ, de 9-4-97 (BMJ 466-392). [2] «Curso de Processo Penal», III, 2.ª edição, pp. 339/340.