CONTRATO DE MÚTUO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUROS REMUNERATÓRIOS
Sumário


I – Tendo o credor resolvido o contrato de mútuo, exigindo o pagamento de todas as prestações em dívida, não tem direito a exigir os juros remuneratórios em dívida até ao termo do prazo inicialmente previsto.

II – Se o mutuário impõe o vencimento antecipado deve pagar os juros remuneratórios convencionados, embora, eventualmente, actualizados;
Se o vencimento antecipado lhe é imposto pelo mutuante, através de interpelação, não são devidos os juros remuneratórios, referente ao capital que perfazia as prestações ainda em dívida.

Texto Integral

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PROCESSO Nº 1428/08-3
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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I. “A” intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “B”, pedindo a condenação deste último, no pagamento da importância (a título de capital) de €28.614,80, acrescida de €1.338,56 de juros vencidos, de €53,54 de imposto de selo calculado sobre esses juros (à taxa de 4%), e ainda dos juros que sobre a aludida importância em dívida se vencerem (calculados à taxa anual de 21,89%), desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento, bem como o quantitativo respeitante a imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre os mesmos recair.
Para o efeito alegou, em síntese, o seguinte:
- No exercício da sua actividade comercial, em 18/04/2007, celebrou com o réu o acordo escrito junto a fls. 9 e 10 (contrato de mútuo n.º …), acordo esse que tinha por objecto a aquisição, por este último, de um veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo E 270 CD I, Elegance, com a matrícula …;
- Nos termos do mencionado acordo, a autora entregou ao réu a importância de €23 281,40, comprometendo-se, este último, ao pagamento de 72 rendas mensais e sucessivas, no valor de € 547,51 (cada), aí se integrando capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 10 de Junho de 2007, e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes;
- O indicado valor das prestações deveria ser pago, na respectiva data de vencimento, mediante transferência bancária, para uma conta à ordem titulada pela autora, operando débito na conta com o NIB …, da titularidade do réu;
- Inscrevendo-se no acordo assinado que a falta de pagamento de qualquer uma das prestações implicaria o vencimento imediato das demais;
- Sucede que o réu não efectuou o pagamento da primeira prestação, vencida em 10 de Junho de 2007, nem das subsequentes;
- Sobre os montantes omitidos recaem juros de mora à taxa de juro acordada de 17,89%, acrescida de 4%, a título de cláusula penal;
- E ainda sendo devido o pagamento de imposto de selo, à taxa de 4% ao ano, sobre o montante dos juros vencidos e vincendos;
- Que, para assegurar o pagamento/amortização parcial da quantia em dívida, o réu entregou à autora a viatura de matrícula …, com vista à sua ulterior venda por esta última;
- A qual viria a ser alienada, em 17 de Julho de 2007, pelo valor de € 11 715,65, deduzindo aquele valor ao montante em débito.
Termos em que propugna pelo pagamento das aludidas importâncias, que calcula, à data da propositura da acção (3/1 0/2007), em €30 006,90 (trinta mil e seis euros e noventa cêntimos).

Citado, o Réu não contestou.
A fls. 22 a 33, foi proferida sentença, em que se decidiu:
"Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno o Réu “B” a pagar à Autora, “A”, a quantia de € 23 281,40 (vinte e três mil, duzentos e oitenta e um cêntimos), correspondente ao capital mutuado, sobre a qual incidirá, a título de cláusula penal, a taxa de 21,89% ao ano, desde 10 de Junho de 2007, até efectivo e integral pagamento, e ainda no pagamento dos custos atinentes ao imposto de selo, sobre esta incidente, à taxa legal de 4%, deduzido do referido montante o valor da venda do bem financiado de € 11 715,65 (onze mil, setecentos e quinze euros e sessenta e cinco cêntimos);
b) Absolvo o R. “B” do restante pedido"

Inconformada, veio a A interpor, a fls. 37, o presente recurso de apelação, cujas alegações de fls. 40 a 72, terminou com a formulação das seguintes conclusões:
1. Resulta, pois, claro que não faz qualquer sentido condenar o R. apenas no pagamento ao A. da quantia de € 23.281,40, correspondente ao capital mutuado, sobre a qual incidirá, a título de cláusula penal, a taxa de 21,89% ao ano, desde 10.06.2007, até efectivo e integral pagamento a que acresce o imposto de selo respectivo, deduzindo a essa quantia de € 11.715,65 obtida com a venda do veículo dos autos.
2. Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram -, apenas era - como o foi necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pelo R. de uma das referidas prestações.
3. O artigo 7810 do Código Civil, não faz, nem permite fazer, qualquer distinção entre o vencimento de fracções de capital ou o vencimento de fracções de juros, ou aliás do que quer que seja.
4. Por outro lado, uma vez que, como explicitado e como ressalta do contrato dos autos, se está perante obrigações com prazo certo, o devedor - os ora recorridos - constitui-se em mora logo aquando do vencimento da obrigação independentemente de qualquer interpelação, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 8050 do Código Civil, pelo que, logo aquando do vencimento imediato de todas as prestações não pagas se começam a vencer juros moratórias sobre o montante global das mesmas.
5. O artigo 7810 do Código Civil é expresso ao estabelecer, que: "Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas."
5. Estamos perante obrigações com prazo certo pelo que o devedor se constitui em mora independentemente de interpelação do devedor ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 8050 do Código Civil, o seu vencimento é imediato.
6. A obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário. Enquanto, a obrigação do mutuário num mútuo gratuito é, apenas, a restituição da quantia ou da coisa mutuada cedida ou posta à disposição do mutuário.
8. Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que em caso de incumprimento de uma delas se vencem na totalidade.
9. Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre "capital" e "juros", ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo)
10. Ora, se a própria lei expressamente prevê que no mútuo oneroso, o mutuário terá de pagar os juros por inteiro caso queira antecipar o cumprimento (e está-se a falar de cumprir o contrato por inteiro e antecipadamente), é manifestamente errado e despropositado, pretender ou permitir que no caso de o mutuário incumprir o contrato não tem já que pagar os mesmos juros por inteiro. É, uma vez mais, um evidente contra-senso jurídico sem qualquer fundamento.
11. Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram -, apenas era - como o foi necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pelo R. de uma das referidas prestações.
12. Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão, no processo n.º 3420/06-1, de 21.11.2006.
13. Está provado nos presentes autos que o A. na acção, ora recorrente, na acção, ora recorrente, é uma sociedade financeira de aquisições a crédito, constituindo, actualmente uma instituição de crédito.
14. Não existe qualquer taxa juro especificadamente fixada pelo Banco de Portugal para a actividade de financiamento de aquisições a crédito, isto é, para a actividade exercida pelo A., ora recorrente.
15. É admissível a capitalização de juros por parte das instituições de crédito ou para bancárias que incluem no capital já vencido, sobre o qual incidem juros de mora, salvo se tal capitalização incidir sobre juros correspondentes a um período inferior a três meses.
16. Não é pois aplicável no contrato de mútuo dos autos o disposto no artigo 5600 do Código Civil.
17. Ressalta do contrato de mútuo de fls. , que os Juros capitalizados respeitam ao período de 6 anos.
18. A capitalização de juros é, pois, inteiramente válida, no caso do contrato dos autos.
19. Ao contrário do que se pretende na sentença recorrida, o disposto no artigo 781° do Código Civil, não se restringe às prestações de capital, estendendo-se evidentemente aos juros remuneratórios que fazem parte de cada prestação que se vence.
20. É, pois, manifesta a falta de razão do Senhor Juiz a quo na sentença recorrida, que ao julgar, como o fez, parcialmente improcedente e não provada a presente acção, violou o disposto no artigo 781 ° do Código Civil e ainda o disposto no artigo 560° do Código Civil, nos artigos 5°, 6° e 7°, do Decreto-lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1 ° do Decreto Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2° do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, nos artigos 1° e 2° do Decreto-Lei n° 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3°, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro.
21. Nestes termos, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso de apelação, e, por via dele, proferir-se acórdão que revogue a sentença recorrida substituindo-a por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente e provada, condenando-se o R. ora recorrido na totalidade do pedido formulado, ... ,"

O Apelado não deduziu contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:
Do acervo documental constante dos autos, e ainda da confissão (por revelia) do réu, o Tribunal dá por assente, com relevo para a decisão da causa, a seguinte factualidade:
1. A A. é uma instituição de crédito, compreendendo-se no seu objecto negocial a celebração de contratos de mútuo.
2. A A., no exercício da sua actividade profissional, e com destino, segundo informação prestada pelo R., à aquisição de um veículo automóvel, de marca Mercedes-Benz, modelo E 270 CDI Elegance, com a matrícula …, por contrato constante de título particular datado de 18 de Abril de 2007, titulado de contrato de mútuo nº …, concedeu ao Réu crédito directo.
3. No âmbito do referido contrato, a A. entregou ao R., para o aludido efeito, a importância global de € 23 281,40;
4. Comprometendo-se o R. a reembolsar aquele valor, acrescido de juros convencionados à taxa nominal de 17,89%, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como a comissão de gestão, as despesas de transferência de propriedade e prémio do seguro de vida, serem pagos em 72 prestações mensais e sucessivas, no montante cada de € 547,51, a primeira das quais com vencimento em 10/06/2007, e as seguintes em idêntico dia dos meses subsequentes, mediante transferência bancária a efectuar, por débito autorizado na conta DO n.º …, da titularidade do R., em favor da A.;
5. 0 R. não efectuou o pagamento da 1ª prestação, com vencimento em 10/06/2007, ou nenhuma das que lhe seguiram;
6. De harmonia com o acordado entre as partes no clausulado (condições gerais) aposto ao contrato mencionado em 1), sob a cláusula 8a o seguinte: "a) O mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação; b) A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes; c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora";
7. Foi acordado entre as partes, na cláusula 10ª das condições gerais do contrato o seguinte: "Sem prejuízo de outros casos previstos na lei ou neste contrato, o “A” poderá considerar o presente contrato rescindido, sendo consideradas então imediatamente vencidas todas as obrigações decorrentes para o mutuário do mesmo, exigindo o cumprimento imediato de todos os valores em dívida sempre que se verifique alguma das seguintes situações: a) falta de pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juros ou outros encargos previstos neste contrato; (. . .)";
8. 0 R. instado pela A para pagar a importância em débito, juros respectivos e imposto de selo, entregou à A. a viatura de matrícula …
9. Para que a A. diligenciasse pela venda, creditasse o valor que por essa venda obtivesse e ficando o Réu de pagar à A. o saldo que viesse a verificar então em débito;
10. Em 17 de Julho de 2007, a A. procedeu à venda da viatura mencionada, nos termos acordados, pelo valor de € 11.715,65.

III. Nos termos dos art.°s 684°, n.º 3, e 690°, n.º 1, do C.P .Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.° 660° do mesmo Código.
As questões a decidir resumem-se, pois, a saber:
a) Se sobre as prestações cujo vencimento foi antecipado, por a ora A ter accionado o disposto na alínea b) da cláusula 8ª do contrato de mútuo de fls. 10 e 11, são devidos juros remuneratórios;
b) E consequentemente sobre que capital e juros incide a cláusula penal constante da alínea C) da cláusula 8a do citado contrato de mútuo.

Apreciemos então a primeira questão.
Sobre a interpretação do sentido e alcance do disposto no art.° 781 ° do Cód. Civ., o STJ tem decidido quase uniformemente, em conformidade com o decidido na 1ª Instância.
Citando o Ac. do STJ, de 06.03.2008, Relatado pelo Sr. Cons. Oliveira Vasconcelos e pub. no site da DGSI, com o n.º conv. 07B4617, a tese defendida pelo STJ é do seguinte teor:
No acórdão recorrido, também por aderência à sentença proferida na 1ª instância, entendeu-se que exprimindo os juros remuneratórios o rendimento financeiro do capital mutuado, "não podem ser incluídos nas prestações de capital cujo vencimento é antecipado, mas apenas nas prestações vencidas, havendo que distinguir as dívidas de capital e das juros".
A autora entende que não há que fazer qualquer distinção entre vencimento de fracções das prestações relativas ao capital e fracções relativas aos juros, uma vez que tudo é capital por força da capitalização, estando as prestações vencidas na sua totalidade.
Não tem razão.
Antes de mais, há que sublinhar que para a resolução da questão não há que ter em conta o alegado acordo entre as partes constante da alínea b) da cláusula 8a das denominadas "Condições Gerais" constantes do verso do documento denominando de "contrato de mútuo" - em que se estabelecia que "a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes" - uma vez que tal cláusula - e as restantes constantes daquelas "condições gerais" - foram consideradas excluídas do contrato, conforme o decidido aquando da apreciação da primeira questão.
Aplicando-se, no entanto e supletivamente, o disposto no artigo 7810 do Código Civil, já acima transcrito.
Ora, tendo em conta este dispositivo, não há dúvida que à dívida emergente do contrato de mútuo em apreço se aplica esse preceito, uma vez que as partes acordaram no seu reembolso fraccionado, mediante pagamentos parcelares em prestações escalonadas no tempo.
A questão que se levanta é saber se o vencimento imediato de todas as prestações se refere apenas às prestações relativas ao capital, ou se refere também às prestações relativas aos juros.
Estes constituem uma remuneração do capital calculada em função do valor do mesmo e do decurso do tempo.
Trata-se, no fundo, de uma contrapartida económica que se presta ao credor em razão do tempo durante o qual esteve privado de utilizar o capital. Em relação aos créditos bancários, estabelece-se no n° 2 do artigo 5° do Decreto-lei 344178, de 17.11, que "os juros (. . .) serão calculados em função dos períodos e montantes de utilização efectiva dos fundos pelo beneficiário (. . .)". Como tal, subjacente ao crédito de juros, encontra-se sempre o decurso de um certo lapso temporal, sem o qual esse crédito não existe.
Na verdade, o crédito de juros só nasce à medida e na medida em que o tempo decorre. E uma vez que constitui uma remuneração pela indisponibilidade do capital mutuado, só se mantém até ao momento do vencimento da obrigação de restituição do capital. Vencida essa obrigação, deixa de haver lugar a remuneração pela indisponibilidade do capital.
Não se vencendo juros remuneratórios, não se chega a colocar, sequer, a questão da sua capitalização.
Melhor dizendo, os juros capitalizados a ter em conta são apenas os incluídos nas prestações que já foram pagas.
Nas prestações que se venceram, nos termos do artigo 781 ° do Código Civil, por virtude da não realização de uma delas e exigíveis em virtude da interpelação do credor, a capitalização dos juros não pode ser considerada porque, como se disse, deixaram de existir juros remuneratórios.
No caso concreto em apreço, as partes acordaram o pagamento pelo mutuário de uma determinada quantia a título de juros remuneratórios, que foi calculada tendo em conta o período de tempo pelo qual o reembolso do empréstimo iria prolongar-se nos termos contratualmente estabelecidos.
Conforme refere Antunes Varela "in" ob. cit. II volume II, página 53, a natureza distinta das dívidas de capital e de juros leva a que "a falta de pagamento dos juros não implica o vencimento imediato da dívida de capital, visto não se tratar de fracções da mesma dívida, mas de dívidas distintas, ainda que estritamente conexas entre si". Nesta ordem de ideias, o vencimento da totalidade da dívida de capital tem como consequência deixarem de ser devidos a partir desse momento quaisquer juros remuneratórios, pois cessa então a privação do uso do capital contratualmente legitimada a que o credor estava sujeito.
Isto, naturalmente, sem prejuízo de virem a vencer-se juros de mora, que constituem uma realidade jurídica diversa dos juros remuneratórios, caso o devedor não proceda ao reembolso da totalidade do capital na altura própria.
Por conseguinte, correctamente interpretada, a norma do art. 781° Código Civil é inaplicável à dívida de juros.
Invoca-se para se defender a tese de que os juros remuneratórios também se vencem com o não pagamento de uma prestação, o facto de, senão fosse assim, o mutuário que resolvesse antecipar o pagamento das prestações ficava numa situação de inexplicável inferioridade em relação ao mutuário que não pagasse uma prestação, na medida em que teria que pagar uma taxa, relativa a juros remuneratórios, actualizada no caso de crédito ao consumo - conforme o disposto no artigo 9° do Decreto Lei 359/91, de 21.09 - ou até que pagar os juros por inteiro, no casos gerais - conforme o disposto no artigo 1147° do Código Civil - quando se não pagasse uma prestação, não tinha que pagar qualquer juro remuneratório, de acordo com a tese do não vencimento dos juros em dívida. Mas as situações são diferentes e por isso terão que ter tratamentos diferentes. É que no cumprimento antecipado, o mutuante não pode opor-se a essa antecipação, que depende apenas da vontade do mutuário.
Ao contrário, o vencimento imediato das prestações por falta de pagamento de uma depende da vontade do mutuante, que pode ou não interpelar o mutuário para esse efeito, conforme acima ficou referido.
Ou seja, o mutuante não é obrigado a exigir imediatamente o pagamento de todas as prestações em dívida.
Pode fazer essa exigência apenas no fim do prazo do pagamento dessas prestações e, consequentemente, exigir então o pagamento não só do capital, como dos juros remuneratórios.
Se o mutuário impõe o vencimento antecipado, deve pagar os juros remuneratórios convencionados, embora eventualmente actualizados.
Se esse vencimento antecipado lhe é imposto pelo mutuante, através de interpelação, então não deve pagar esses juros.
Também do regime estabelecido naquele Decreto-lei 359/91 não resulta qualquer argumento contra a tese de que o vencimento de todas as prestações não abrange os juros remuneratórios.
É que - e no que respeita à matéria em questão - o referido Decreto Lei, veio introduzir no direito interno matéria das directivas 87/1 02/CEE, de 22 de Dezembro de 1986 e 90/88/CEE, de 22 de Fevereiro de 1990, que alterou a primeira, cujo objectivo é garantir ao consumidor uma informação completa e verdadeira sobre as condições do custo do crédito e sobre a as suas obrigações, nomeadamente, a taxa anual de encargos efectiva global (TAEG) ou o montante total que o consumidor tem que pagar pelo crédito, para que este possa ter uma correcta formação da vontade de contratar. Destina-se, pois, o cálculo do custo total do crédito para o consumidor a que alude a alínea d) do nº 1 do artigo 2° daquele Decreto Lei, bem como a indicação do valor total das prestações a que alude a alínea d) do nº 3 do artigo 7° do mesmo Decreto Lei - em que estão incluídos também os juros remuneratórios - apenas e tão só a informar o consumidor daquele custo e deste montante, sem que daí se possa concluir que os juros remuneratórios faziam parte das prestações quer se venciam por falta de pagamento de uma delas.
Tendo em consideração que "na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" – nº 3 do artigo 9° do Código Civil - não se entenderia que num diploma destinado a fornecer aos consumidores a informação atrás referida se pudesse regular a matéria da integração dos juros remuneratórias nas prestações em dívida.
De qualquer modo, mesmo que se entendesse que tal matéria estaria regulada naquele Decreto Lei, sempre a solução de que esses juros estavam integrados nas prestações em dívida pelo vencimento antecipado de todas não obteria eco nesse diploma, na medida em que se dispôs no nº 3 do artigo 4° que o cálculo daquela TAEG "é efectuado no pressuposto de que o contrato de crédito vigorará pelo período de tempo acordado e de que as respectivas obrigações serão cumpridas nos prazos e datas convencionados". Ora, no caso do vencimento de todas as prestações por falta de pagamento de uma falha o pressuposto de o contrato vigorar pelo período de tempo acordado.
Pelo que não podíamos deixar de concluir que aqueles juros remuneratórios não faziam parte das prestações em dívida vencidas na sua totalidade pelo não pagamento de uma. No sentido do que ficou exposto, a jurisprudência praticamente unânime deste Supremo, de que se citam os seguintes acórdãos:
- de 2 de Março de 2004 (Pires da Rosa) - in www.dgsi.pt
- de 7 de Outubro de 2004 (Faria Antunes) - in www.dgsi.pt_ de 19 de Abril de 2005 (Oliveira Barros) - in www.dgsi.pt
- de 7 de Março de 2006 (João Camilo) - in www.dgsi.pt
- de 12 de Setembro de 2006 (Sebastião Póvoas) - in www.dgsi.pt
- de 14 de Novembro de 2006 (Moreira Camilo) - in www.dgsi.pt
- de 6 de Fevereiro de 2007 (Alves Velho) - in www.dgsi.pt
- de 24 de Maio de 2007 (Silva Salazar) - in www.dgsi.pt
Na doutrina, Fernando de Gravato Morais "in" Contratos de Crédito ao Consumo, 2007, páginas 194 e seguintes."
Tese que perfilhamos.
E a alínea b) da Cláusula 8a do contrato em apreço, não é mais do que a transposição para o contrato de mútuo do disposto no art.° 7810 do Cód. Civ ..
Pelo que concluímos no sentido de que sobre as prestações cujo vencimento foi antecipado pelo Mutuante não são devidos juros remuneratórios.

Decidida a primeira questão, simples se torna a resposta à segunda, pois se não são devidos juros remuneratórios sobre as prestações cujo vencimento foi antecipado pelo Mutuante, ou seja sobre todas as 72 prestações convencionadas, incide a cláusula penal referida apenas sobre o capital mutuado, no montante de € 23.281,40.
Daí que seja de confirmar a decisão sob recurso.

Improcede assim o presente recurso.
***

IV. Pelo acima exposto, decide-se declarar improcedente o presente recurso confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 26 de Junho de 2008