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ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
APREENSÃO DE VEÍCULO
PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
Sumário
I - A providência cautelar de apreensão e entrega de veículo automóvel na sequência de resolução de contrato de aluguer de longa duração, segue os termos do procedimento cautelar comum incumbindo ao requerente a alegação e prova dos factos concretos integrantes dos respectivos pressupostos, designadamente do risco de “lesão grave e de difícil reparação” do direito ameaçado ou seja do requisito do periculum in mora nos termos previstos nos artigos 381º, nº1, 384º, nº1, e 387º, nº1, do CPC. II – Porém atenta a similitude de razões com as providências especiais de apreensão de veículos, previstas nos regime de leasing e aluguer de automóveis sem condutor, entende-se que não deve haver rigor excessivo na apreciação em concreto do requisito do “periculum in mora”, podendo inclusive lançar-se mão das presunções judiciais, mas isto não dispensa o requerente de alegar os factos mínimos indispensáveis à caracterização da gravidade lesão.
Texto Integral
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Proc. N.º 1934/08-3
Apelação
3ª Secção
Tribunal Judicial da Comarca de Faro -1º Juízo
.............. Crédito Especializado – Instituição Financeira de Crédito, S.A. requereu o presente procedimento cautelar contra Carlos....................., pedindo que se proceda à apreensão do veículo de matricula 80..............., e lhe seja entregue de imediato acompanhado dos respectivos documentos.
Alegou, para tanto, e, em síntese, que deu em aluguer ao requerido, pelo prazo de 59 meses, o aludido veículo, mediante o pagamento da renda mensal de € 1.077,76, acrescidas de IVA. Que o requerido não procedeu ao pagamento dos alugueres no valor de € 4.542,44, o que motivou a resolução do contrato. O requerido não lhe entregou o veículo.
Apreciando liminarmente o pedido a Sr.ª Juíza, resolveu indeferi-lo, com os seguintes fundamentos:
«A requerente deduz o presente procedimento cautelar ao abrigo do n.º 1, do artigo 381º do Código de Processo Civil, e designa-o por providência cautelar de entrega de veículo. Não se compreende, pois, qual a verdadeira intenção da requerente, se deduzir um procedimento cautelar comum, se um procedimento cautelar de entrega judicial a que alude o artigo 21º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de Junho, ou um procedimento cautelar de apreensão de veículo, a que se refere o artigo 15º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro. Sendo certo que o tribunal não está vinculado à providência concretamente requerida, conforme dispõe o artigo 392º, n.º 3, do Código de Processo Civil, é necessário que o requerente alegue factos que, a provarem-se, conduzam ao decretamento de qualquer providência. No que respeita, ao procedimento cautelar de entrega judicial, o mesmo destina-se a acautelar situações de periculum in mora relacionadas com o incumprimento das obrigações do locatário emergentes de contratos de locação financeira. E por isso, é pressuposto necessário dessa providência que tenha sido celebrado um contrato de locação financeira, o que não é o caso destes autos. A apreensão de veículo referida no artigo 15º do Decreto-Lei n.º 54/75, pressupõe a existência de contrato de transmissão com reserva de propriedade, o que também não é o caso dos autos. Resta, pois, aferir se são alegados os pressupostos necessários para a procedência do procedimento cautelar comum. Dispõe o artigo 381º, 1, do Código de Processo Civil, que sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado. São pressupostos do decretamento de um procedimento cautelar, a existência de um direito e o justo receio de que a demora da resolução do litígio cause prejuízo grave e dificilmente reparável nesse direito. Exige-se, assim, além da existência de um direito a favor do requerente, que exista, em concreto, um fundado receio de que seja causada lesão grave e dificilmente reparável nesse direito. Tal impõe que o juiz se certifique da existência de condições de facto capazes de colocar em perigo a satisfação do direito do requerente. Assim, o requerente que pretende que o tribunal decrete uma providência com urgência, deverá alegar, não só que tem a seu favor determinado direito mas também que esse direito corre perigo de ser lesado, lesão essa, que a ocorrer, será grave e de difícil reparação. No caso em apreço a requerente alega que tem um direito de propriedade sobre o veículo cuja entrega pede, embora não junte certidão da Conservatória do Registo Automóvel. Alega ainda que deu esse veículo em aluguer ao requerido, pelo período de 59 meses, mediante o pagamento de rendas mensais de € 1.077,76, e que este deixou de pagar os alugueres no montante total de € 4.542,44, motivo pelo qual resolveu o contrato de locação, mas o requerido não entregou o veículo. Verifica-se que a requerente invocou um direito sobre o veículo, mas não fundamentou a necessidade de serem tomadas medidas urgentes, nem alegou que o seu direito, com o normal tramitar da acção onde o pretende fazer valer, fique afectado de forma grave e que a lesão que sofre seja de difícil reparação. Em resumo, não alegou o requisito do perigo necessário para que possa proceder o procedimento cautelar comum. Verifica-se, pois, não terem sido alegados factos susceptíveis de conduzirem à procedência do procedimento requerido. Efectivamente o que se pretende é a justiça funcione de forma célere, mas há que atentar que o objectivo da lei, ao estabelecer a prioridade dos procedimentos cautelares relativamente ao demais serviço, é apenas garantir celeridade para prevenir perigos iminentes e danos irreparáveis ou cuja reparação mais tarde seria dificilmente conseguida. Em face do exposto, porque a requerente não alegou factos susceptíveis de integrarem os pressupostos necessários à procedência da sua pretensão, de harmonia com o disposto no artigo 381º e 234º-A, do Código de Processo Civil, indefere-se liminarmente o procedimento cautelar requerido».
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Inconformada veio a requerente interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
conclusões:
«(i) A Requerente, ora Recorrente, é legítima proprietária do veículo automóvel dado em aluguer de longa de duração;
(ii) A Requerente ora Recorrente celebrou com o Requerido contrato de aluguer de longa duração através do qual a primeira cedeu ao segundo o gozo temporário do veículo automóvel, da marca MERCEDES-BENZ, modelo CLASSE CLK DIESEL, com a matrícula 80................
(iii) O Requerido deixou de pagar as rendas a que estava contratualmente obrigado.
(iv) Por carta de 28/05/2008, a Requerente comunicou ao Requerido a sua intenção de resolução do contrato e solicitou ao Requerido a restituição do su pra identificado veículo automóvel.
(v) O Requerido não entregou o sobredito veículo à Requerente, apesar de várias vezes instado a fazê-lo, permanecendo, na presente data, na posse do mesmo, sendo este de fácil ocultação.
(vi) Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente o r.i. de providência cautelar alegando que o Requerente, ora Recorrente, "não fundamentou a necessidade de serem tomadas medidas urgentes, nem alegou que o seu direito, com o normal tramitar da acção onde o pretende fazer valer, fique afectado de forma grave e que a lesão que sofre seja de difícil reparação. Em resumo, não alegou o requisito do perigo necessário para que possa proceder o procedimento caute/ar comum." (cfr., fls. 20 e 21 dos autos).
(vii) Ainda que esteja em causa nos presentes autos um contrato de aluguer de longa duração e não um contrato de locação financeira, certo é que existe uma homogeneidade jurídico-estrutural entre ambos - vide Acórdão da Relação do Porto de 14.2.2005, proc. n.º 0453927, e disponível em www.dgsi.pt.
(viii) Veja-se que, nos dois tipos de contrato não só o locador se compromete a ceder o gozo da coisa ao locatário, por um período de tempo determinado, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, que constitui simultaneamente uma retribuição do gozo e uma amortização do financiamento, mas também em ambos a resolução pode operar mediante declaração do locador ao locatário, com fundamento na falta de pagamento das rendas, assistindo ao locador o direito a ser indemnizado pelo locatário, ao abrigo da cláusula penal contratada.
(ix) O aluguer de longa duração já foi, inclusive, considerado uma modalidade de locação financeira (veja-se, por todos, Rui Pinto Duarte, "Escritos sobre leasing e factoring"), ou pelo menos, uma operação de natureza similar ou com resultados económicas semelhantes aos da locação financeira (cfr., Paulo Duarte, "Algumas questões sobre o ALD", Estudos do Consumidor).
(x) Na apreciação do pedido de entrega do veículo automóvel na sequência da resolução do contrato o que interessa (em ambos os contratos) é a cessação do contrato e a consequente obrigação do locatário de restituir o veículo automóvel.
(xi) É um facto notório que o decurso do tempo e o uso do bem necessariamente desgastam o mesmo bem, em ambos os contratos (art. 5140 nO 1 Cód. Civil).
(xii) Face a estas similitudes não é coerente que se exija para o aluguer de longa duração a alegação e/ou prova do desgaste com o decurso do tempo e uso do veículo, quando tal não é exigível para a locação financeira para o decretamento da providência cautelar - vide Acórdãos de 20/09/2007, processo n.o 1392/07.3 do Tribunal da Relação de Évora e de 06/11/2003 do Tribunal da Relação de Lisboa.
(xiii) O incumprimento do contrato pelo Requerido, que conduziu à resolução do mesmo por parte do Requerente, ora Recorrente, e a recusa de entrega voluntária do veículo aqui em causa ao seu legitimo proprietário indicia o receio fundado de lesão grave e de difícil reparação.
(xiv) Contrariamente ao que sustenta o Juiz a quo na decisão recorrida, uma vez operada a resolução do contrato pela Requerente, como efectivamente sucedeu no caso sub judice, esta mantém o seu direito de propriedade sobre o mencionado veículo automóvel locado, encontrando- se o Requerido obrigado à restituição desse mesmo bem, podendo a Requerente requerer ao Tribunal que decrete a entrega do bem, nos exactos termos em que aqui o fez, caso o Requerido não proceda voluntariamente à entrega.
(xv) Sem prejuízo do que se alegou acima, importa ainda referir que, a Requerente enunciou, ainda que de forma resumida, porque pretendia, via Tribunal, garantir celeridade na prevenção de perigos iminentes e danos irreparáveis ou de difícil reparação que estavam (e estão) a afectar a sua esfera jurídica, designada mente na qualidade de proprietária da viatura aqui em causa e por decorrência da não entrega voluntária da mesma por parte do Requerido, apesar de instado a fazê- lo.
(xvi) Pelo que, será de concluir que a decisão a quo, ao decidir indeferir liminarmente a presente providência cautelar, violou, assim, o disposto nos arts. 234.0-A, n.º 1, e 381.° do Cód. Proc. Civil e o art. 514º, n.o 1, do Cód. Civil.
Nestes termos e nos mais que V. Ex.as, Meritíssimo Juiz e Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a decisão que indeferiu a providência requerida e ordenada a inquirição das testemunhas...»
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1] , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [2] , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Das conclusões decorre que o objecto do recurso consiste em saber se face aos factos alegados pela requerente era possível, sem produção de quaisquer provas indeferir liminarmente a providência, por alegada insuficiência de factos demonstrativos do fundado receio da verificação de “lesão grave ou dificilmente reparável” .
A presente providência visa a entrega de um veículo automóvel, cujo contrato e aluguer cessou e foi requerida com procedimento comum, nos termos do disposto nos art.ºs 381 e seg. do CPC. Como bem se refere na decisão recorrida os pressupostos do decretamento deste tipo de providência são:
a) – a probabilidade séria da existência do direito;
b) - o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável desse direito;
c) –a adequação da providência requerida para evitar a lesão;
d) – não resultar do decretamento da providência prejuízo consideravelmente superior ao dano que se pretende evitar.
Apreciando um caso em que a questão jurídica é essencialmente idêntica à dos presentes autos, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 4/3/08, proferido no processo 912/2008-7, brilhantemente relatado pelo Sr. Des. Tomé Gomes discorreu nos seguintes termos:
«trata-se aqui de saber qual o alcance jurídico do requisito “lesão grave e de dificilmente reparável” do direito ameaçado, sendo certo que a lei, ao referir-se a uma justificação suficiente de fundado receio, nos artigos 384º, nº 1, e 387º, nº 1, 2ª parte, do CPC, exige um grau de probabilidade mais consistente do que a mera verosimilhança requerida para a prova do direito violado. Ora, o requisito em foco consiste num conceito jurídico indeterminado gradativo “carecido de preenchimento valorativo”, a fazer no confronto do caso concreto, à luz dos padrões sócio-culturais do tipo de comportamento ou situação social relevante e da teleologia subjacente à norma em que se inscreve. Cabe, pois, à doutrina e jurisprudência sedimentar, de modo progressivo, os parâmetros dessa valoração normativa. Assim, não se poderá partir de uma bitola genérica, meramente abstracta, mas antes tomar em linha de conta as particularidades da situação singular em presença, de forma a perscrutar nelas os sinais apelativos de uma justiça equitativa que permita, de algum modo, a aplicação flexível da norma, num esforço de conciliação ou síntese entre os valores ético-sociais e o Direito. Há, no entanto, que evitar interpretações arbitrárias e por isso recorrer a directrizes objectiváveis e sustentadas numa retórica de razão prática. Nessa linha, a doutrina e jurisprudência têm firmado o critério de que a lesão relevante se tem de situar num padrão de gravidade qualificada pela difícil reparabilidade dos danos ocorridos ou previsíveis. Não bastam portanto uma simples lesão nem uma lesão de gravidade reduzida. Olhando então à finalidade de norma no tipo de situação em apreço, diremos que nos encontramos face a uma providência cautelar de natureza antecipativa, em que se pretende, em primeira linha, a recuperação específica do bem em causa, ainda que cautelar do efeito restituitório primário inerente à resolução contratual previsto no artigo 433º com referência ao nº 1 do artigo 289º do CC. Nessa medida, afigura-se essencial acautelar a integridade do bem restituendo. Só num segundo plano é que se coloca a alternativa da restituição por equivalente indemnizatório correspondente ao valor do bem que pereça, bem como a projecção de ocorrência de danos induzidos pelo uso não autorizado desse bem. Será essa ideia de centralidade da restituição específica do bem locado que estará na base do regime cautelar especialmente previsto no artigo 21º do Dec.Lei nº 149/95, de 24 de Junho, para a resolução ou caducidade do contrato de locação financeira, com o estabelecimento da presunção juris et de jure do periculum mora. E parece ser também a ratio subjacente ao preceituado no nº 4 do artigo 17º do Dec.Lei 354/86, de 23 de Outubro, que confere ao locador a faculdade de retirar ao locatário o veículo dado em regime de aluguer sem condutor, no termo do contrato, o que não significa uma permissão especial de acção directa mas, no mínimo, a faculdade de requerer, em sede cautelar, a entrega do locado sem exigir a alegação e prova do periculum mora. Estes dois tipos de contrato reflectem pois uma valorização qualificada da restituição específica do locado, o que condiz com a função económica e a natureza facilmente deteriorável do bem, como activo das empresas que se dedicam aos ramos de negócio em referência. Sucede que o aluguer de longa duração não se inscreve nos referidos tipos legais de contrato, sendo antes um contrato socialmente típico, cujo fim económico-social revela, todavia, afinidades com a locação financeira. E porque assim é, face ao disposto no artigo 11º do CC, mostra-se árduo sustentar a aplicação analógica das disposições excepcionais dos respectivos regimes cautelares. Uma via porventura aberta nesse sentido seria considerar aplicável ao contrato de aluguer de longa duração o regime contratual previsto no Dec.Lei nº 354/86, dado tratar-se, ao fim e ao cabo, de uma espécie contratual contida no género de contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor desenhado no nº 1 do respectivo artigo 17º. Aliás, a jurisprudência tem confluído no sentido de aplicar o nº 4 daquele normativo ao contrato de aluguer de longa duração para efeitos de considerar permitida a resolução extrajudicial em detrimento da resolução necessariamente judicial preceituada no artigo 1047º do CC antes da alteração deste artigo introduzida pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro. De qualquer modo, a tendência maioritária parece ser no sentido de que, nos casos do contrato de aluguer de longa duração, incumbe ao locador alegar e provar o requisito do periculum mora nos termos previstos nos artigos 381º, nº 1, 384º, nº 1, e 387º, nº 1, do CPC. Dentro dessa tendência maioritária, há os que se posicionam numa linha mais rigorista, exigindo uma prova substancial da lesão grave e de difícil reparação, e os que se colocam numa posição moderada - e que se nos afigura mais razoável -, admitindo que essa prova se faça com base em presunções judiciais à luz das regras da experiência comum. No que aqui releva, dos factos alegados deflui que: a) - a requerida deixou de pagar as prestações de aluguer a partir de 5/5/2007 e que a dívida ascende ao total de € 3.090,40; b) - em face disso, o requerente operou a resolução do contrato, por carta registada com aviso de recepção e solicitou a imediata devolução do locado; c) – apesar de todas as diligências empreendidas pelo requerente, a requerida não entregou nem mostra intenção de entregar o veículo, o qual tem o valor comercial de € 5.800,00; d) – o requerente desconhece o estado de conservação do veículo e o modo de utilização que a requerida vem fazendo dele, e não tem conhecimento de que esta mantenha o respectivo seguro válido. Deste factualismo alegado decorre que o requerente não deterá o controlo sobre a disponibilidade material do veículo e estará impossibilitado, desde a resolução, de retirar dele qualquer rendimento. A perda desse controlo associada à falta de título legítimo de detenção por parte da requerida, por efeito da resolução operada, à luz das regras da experiência comum, torna bastante provável o risco de perda do bem e até a ocorrência de danos inerentes à circulação do mesmo que possam vir a ser imputados ao respectivo proprietário. Daí resulta não só o risco de grave lesão do próprio bem, traduzível na perda física correspondente ao dano emergente na própria coisa, no valor de € 5.800,00, e na perda dos lucros cessantes que o requerente podia obter como rendimento, como também o risco de vir a sofrer prejuízos inerentes à circulação do veículo, por ora, dificilmente determináveis. Resta saber se este risco de lesão grave pode ser qualificado como sendo de difícil reparação. Neste particular, diremos que a perda do veículo afectaria irremediavelmente o direito de propriedade do requerente sobre o mesmo e o correspectivo direito à restituição específica emergente da resolução do contrato. Contudo, sempre se dirá que essa restituição pode ser convertida em indemnização equivalente, o que nos remete para o problema de saber se as indemnizações a que o requerente possa ter direito são dificilmente ressarcíveis, atendendo à situação patrimonial da requerida. Neste ponto, o requerente nada alegou que possa caracterizar o acervo patrimonial da requerida. Sucede, porém, que o requerente alegou que a requerida deixou de pagar as prestações em dívida e de entregar o veículo, o que constitui incumprimento contratual, que se presume culposo por força do preceituado no nº 1 do artigo 799º do CC. Deste quadro indiciária é lícito inferir, à luz das regras da experiência comum, duas alternativas: ou a requerida não pagou as prestações em dívida por estar em dificuldades económico-financeiras; ou dispõe de uma situação patrimonial que lhe permite fazê-lo, mas então não cumpre com tais obrigações por não querer, o que faria supor uma intenção clara dificultar o acesso do credor ao seu património. Essas são as duas alternativas que, perante o contexto factual alegado e as regras da experiência, se perfilam com suficiente probabilidade. Conjecturar que, perante a referida atitude da requerida, poderá haver uma outra qualquer razão legítima é uma hipótese algo teórica sem suporte no contexto factual alegado e sem apoio credível na experiência comum. De qualquer modo, se fosse este porventura o caso, o que seria de esperar a um devedor de boa fé ou segundo o critério do bonus pater familias era que a requerida informasse o requerente e que se disponibilizasse a entregar o veículo. Daí que não se acolham as considerações feitas nesse sentido na decisão recorrida. Conclui-se assim que o factualismo alegado pelo requerente é suficiente para configurar o grave receio de lesão grave do direito ameaçado».
Perfilho em absoluto o entendimento plasmado no acórdão acabado de transcrever e que subscreveria sem hesitações. Porém tenho de reconhecer que só com alguma complacência e apelo a presunções “hominis” foi possível “encorpar” a “esquelética” estrutura fáctica aduzida pela requerente. Ora no caso “sub judicio” a mingua de factos é tal que nem sequer pode falar propriamente em estrutura, ainda que esquelética, que seja possível “encorpar” ou salvar, pois a bem dizer nem sequer temos “ossatura” fáctica que suporte a conclusão da existência de lesão grave e dificilmente reparável. No caso apreciado no Ac. da Relação de Lisboa, o requerente ainda alegou, para além do dano inerente ao incumprimento do contrato e não restituição do veículo, que o mesmo estaria a ser utilizado em circunstancias que poderiam implicar não só o risco de perda do bem como o risco de lesão grave de interesses da requerente decorrentes da sua eventual responsabilização enquanto proprietário do veículo, designadamente por falta de seguro. Ora no caso dos autos quanto a eventuais lesões a prevenir com a providência, não é alegado um único facto! Apenas se alega “en passant” na conclusão e como justificação do pedido que este visa obviar «uma maior desvalorização do veículo» (sic) o que convenhamos é manifestamente insuficiente para ser qualificada como lesão grave e, mais ainda, de difícil reparação.
Assim e embora partilhe o entendimento de que no tocante a este tipo de providências de entrega de veículos automóveis requeridas na sequência da resolução de contratos de ALD, não pode haver excesso de rigor na apreciação dos requisitos relativos à gravidade e reparabilidade das lesões, por haver uma similitude de razões idênticas às que se verificam com o regime do aluguer de automóveis sem condutor, considero que não se pode pura e simplesmente dispensar o requerente de alegar a factualidade mínima indispensável à caracterização da gravidade da lesão e da sua difícil reparação. Se assim não fosse estar-se-ia a “travestir” o procedimento comum com as regras dos procedimentos especiais acima referidos, o que não é consentido pelo art.º 11º do CC, por se estar em presença de normas excepcionais que não comportam aplicação analógica.
Deste modo e pelo exposto não podemos deixar de concordar com a Sr.ª Juíza, quando, concluindo pela insuficiência de factos susceptíveis integrar um dos pressupostos do procedimento, qual seja o da existência de «receio fundado de ocorrerem lesões graves e dificilmente reparáveis, do direito do requerente, (periculum in mora) indeferiu liminarmente a providência.
Assim julgando improcedente a apelação, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.
Évora, em 23 de Julho de 2008.
Relator,
(Des. Bernardo Domingos)
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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs. [2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.