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APRESENTAÇÃO DE COISAS
Sumário
I – Para se pedir judicialmente a apresentação de uma coisa móvel ou imóvel, o requerente tem que necessitar de tal apresentação para demonstrar que detém um interesse legítimo sobre ela, baseado num direito real ou pessoal.
II – O vocábulo “documento” inserido no artigo 575º do Código Civil interpreta-se no sentido corrente, isto é, um documento escrito e não com o sentido do artigo 362º do Código Civil.
III – A acção especial para apresentação de coisas é de jurisdição voluntária, está dependente da verificação dos seguintes requisitos: que o requerente tenha um interesse juridicamente atendível no seu exame; que o possuidor ou detentor deles não os queira facultar; que o requerido não tenha motivos para fundadamente se opor à sua apresentação.
Texto Integral
* PROCESSO Nº 771/08 - 2 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA *
“A” instaurou contra “B”, nos termos dos art°s 1476° do CPC e 573° a 575° do C.C. o presente processo especial com vista a obter a apresentação dos documentos que titulam a proposta apresentada pela entidade denominada “C” ao requerido.
Alega, em síntese, que tendo apresentado, a convite da requerida, orçamentos para a realização de trabalhos numa obra de construção de um lar que esta está a levar a efeito e tendo tal convite sido formulado a mais duas entidades, a requerente foi preterida, tendo a obra sido adjudicada à referida “C”. Sucede que a requerente está convencida que tal adjudicação foi feita com desrespeito pelas normas que aquela utilizou para escolha da contratante, o que a verificar-se, habilitaria a requerente a demandar a requerida pelo valor dos prejuízos daí decorrentes.
A verificação de tal facto só é possível através da consulta dos documentos que titulam a proposta da entidade adjudicatária e do título contratual outorgado entre a requerente e essa entidade, documentos que se encontram na posse da requerida, que recusou a consulta e reprodução dos mesmos.
Citada, contestou a requerida alegando, em resumo, que por ser uma Instituição Particular de Solidariedade Social hão lhe é aplicável o regime de empreitadas de obras públicas constante do D.L. 59/99 de 2/3, sendo que apenas se baseou nas disposições legais aplicáveis a este regime para formular às referidas entidades, os convites e programa de concurso.
A escolha recaiu sobre a “C”, tendo em consideração o orçamento por esta apresentado, de menor valor e melhor solução técnica.
Tratando-se, in casu, de um mero convite a contratar, consubstanciado no pedido de orçamento e não de uma verdadeira proposta contratual, nem sequer de um concurso público, não assiste à A. qualquer direito que justifique a sua pretensão.
Atendendo a que os autos continham todos os elementos necessários, foi proferida a decisão de fls. 42 e segs. que julgando a acção improcedente absolveu a requerida do pedido.
Inconformada apelou a Requerente alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 - A apelante alegou no art° 60 da p.i., o seguinte: "Os docs. 2 e 3 fixam os termos aplicáveis ao procedimento adoptado pela Requerida, em vista da escolha do contratante, reproduzindo, na essência, as normas aplicáveis às empreitadas de obras públicas, constantes do D.L. na 59/99 de 2/03"
2 - Essa matéria foi expressamente confessada pela requerida, conforme decorre do teor do art° 1 ° da sua contestação.
3 - Por outro lado, a apelante juntou, em suporte do que alegou nos art°s 12 e 13 da p.i., os docs. 5 e 6 que a ela anexou.
4 - Esses documentos, pelo seu teor - e nomeadamente porque o doc. nº 6, carta enviada pela apelada, refere expressamente a recepção da carta que constitui o doc. nº 5, dando-lhe resposta - impunham à Mmª Juíza a quo que desse por provados os factos alegados nos art°s 12 e 13 da p.i., com o seguinte teor:
a - "A Requerente solicitou, por carta registada com aviso de recepção dirigida à Requerida, a consulta e reprodução desses documentos, o que fez através dos docs. nº 5
b - Em resposta, a Requerida remeteu à Requerente a carta que constitui doc. nº 6, pela qual manifesta a sua recusa em facultar a consulta de tais documentos"
5 - Ao não dar por provados os factos alegados nos art°s 6°, 12° e 13 ° da petição inicial, fez a Mmª Juíza a quo erróneo julgamento da matéria de facto.
6 - A situação de facto que constitui objecto do processo resulta clara da matéria de facto dada por provada:
7 - A apelada decidiu convidar três entidades a apresentar proposta de realização de uma obra de instalação de equipamentos de aquecimento, ventilação, energia solar e ar condicionado num edifício que estava a edificar.
8 - Para tanto, remeteu-lhe "Convite" e "Programa de Concurso", documentos estes em que fixou os termos em que deveriam as entidades convidadas apresentar as suas propostas.
9 - Entre os aspectos abordados nesses documentos, contam-se o prazo de execução da obra, prazo e local para apresentação de propostas, condições básicas para admissão ao concurso e critério de adjudicação (pontos 4, 6, 8 e 10 do "Convite" de fls. 7 dos autos)
10 - O "Programa de Concurso" de fls, 12 fixa, por seu lado, de forma pormenorizada, os requisitos que deviam preencher as entidades que desejassem apresentar proposta (ponto 5) os documentos de habilitação e de qualificação dos concorrentes e demais documentos que deveriam instruir a proposta, a apresentar por eles (pontos 12, 13 e 16), bem como a forma da sua apresentação.
11 - Ou seja, a apelada, no uso da liberdade contratual, manifestou intenção de celebrar contrato de empreitada com qualquer das entidades convidadas que apresentassem proposta nos termos consignados nos documentos em questão.
12 - Por este meio, a apelada, ao mesmo tempo que impunha às entidades convidadas a comprovação de determinadas qualidades - de ordem técnica e financeira, nomeadamente - e o cumprimento de determinadas formalidades, obrigava-se a seleccionar o contraente dentre as entidades que efectivamente o fizessem.
13 - Ou seja, a apelada vinculou-se, também ela, ao cumprimento das regras que fixou, mas na qualidade de adjudicante.
14 - Verificou-se, pois, uma submissão voluntária, pela apelada, a normas que com ligeiras diferenças, reproduzem as constantes do D.L. 59/99 de 2/03.
15 - E isto resulta, também, do teor do ponto 20 do "Programa de Concurso" de fls. 12: "Em tudo o omisso no presente programa de concurso, observar-se-á o disposto no D.L. 59/99 de 2/03 e restante legislação aplicável"
16 - Como decorrência do exposto, a apelada, ao exigir às entidades convidadas que apresentassem determinados documentos para comprovação da detenção de "certificado de classificação de empreiteiro de obras públicas" (ponto 8 do "Convite" e ponto 5 do "Programa de Concurso") e de específicas qualificações técnicas e financeiras, obrigou-se a não contratar com qualquer delas que não cumprisse os requisitos que ela própria fixara.
17 - Pelo que, se qualquer das entidades convidadas não instruísse a sua proposta com os documentos exigidos nos documentos que a apelada utilizou para fixar os termos da escolha do empreiteiro contraente, outra alternativa não restava à apelada que não a de a excluir do procedimento, ou de não admitir a sua proposta.
18 - E isto até, em respeito pelo que dispõem os art°s 92° e 94° do D.L. 59/99 de 2/03 aplicáveis por força do disposto no ponto 20 do "programa de Concurso".
19 - Não devendo olvidar-se, também, que da celebração de contratos de empreitadas de obras por entidades não detentoras do título adequado, nos termos do DL n° 12/2004, que estabelece o regime jurídico do acesso e permanência na actividade da construção, decorre a nulidade desses contratos, nos termos do art° 29° desse diploma.
20 - Aqui chegados, cabe dizer que a apelante ignora se as demais entidades convidadas apresentaram as suas propostas nos termos fixados pela apelada.
21 - Mas o objecto dos autos é precisamente esse: o de possibilitar à apelante a consulta da proposta apresentada pelo contraente escolhido pela apelada, por forma a verificar se tal proposta foi apresentada nos termos devidos.
22 - E se vier a verificar-se que o não foi, deve, pelo menos, equacionar-se a possibilidade de à apelante caber algum direito que possa pretender exercer.
23 - À apelante não pode ser negada a possibilidade de verificar se a contraente escolhida pela apelada apresentou a sua proposta nos termos por esta fixados, pois que só assim pode a apelante apurar a existência ou conteúdo do seu direito.
24 - E outro meio não possui a apelante para lograr esse apuramento, porquanto, no âmbito do procedimento de contratação, jamais a consulta de quaisquer documentos foi facultada ás entidades convidadas.
25 - Só a consulta da proposta na posse da apelada pode, pois, permitir à apelante verificar da existência e conteúdo do seu (eventual) direito.
26 - Do que não pode deixar de concluir-se que a apelante tem interesse jurídico atendível no exame dos documentos em questão, na acepção do art° 575° do Código Civil.
27 - A apelada não tem - ou não alegou, pelo menos - qualquer fundado motivo para se opor à consulta dos documentos em causa.
28 - Com o que, aqui chegados, se mostra forçoso concluir que a apelante tem um interesse jurídico atendível no exame dos documentos que integram a proposta apresentada pela entidade “C”, que a apelada nenhum motivo tem para se opor a essa consulta, e que se recusou a facultar essa consulta, não obstante o pedido da apelante nesse sentido.
29 - Estão, pois, verificados os fundamentos da acção.
A apelada não apresentou contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (art° 684° nº 3 e 690° nº 1 do CPC), verifica-se que a única questão a apreciar é saber se assiste à apelante interesse jurídico atendível no exame dos documentos em causa.
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Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
1 - Nos primeiros dias do mês de Novembro de 2006, a requerente recebeu da requerida convite para apresentar proposta para realização de uma obra.
2 - Era essa obra respeitante às instalações de aquecimento, ventilação, energia solar e ar condicionado do "Lar" que a requerida está a construir na Quinta …, à estrada da …
3 - A obra tem por objecto o fornecimento e instalação dos equipamentos de aquecimento, ventilação, energia solar e ar condicionado, incluindo a instalação das tubagens, condutas, rede eléctrica e de comando que os devem servir.
4 - O convite foi formulado nos termos dos documentos de fls. 7 a 21 dos autos e foi também dirigido a mais duas entidades.
5 - Acedendo ao convite, a requerente apresentou orçamentos para a realização dos trabalhos em causa, sendo um elaborado de acordo com o projecto que acompanhava o convite (projecto base) e outro com proposta de instalação de sistema de ar condicionado de tipo diverso do previsto nesse projecto (projecto
com variante).
6 - As demais entidades convidadas apresentaram, igualmente, propostas de preço para realização da obra.
7 - A requerida apreciou as propostas apresentadas pelas entidades convidadas e decidiu adjudicar à entidade denominada “C” a realização da obra em questão.
8 - A requerida é uma Instituição Particular de Solidariedade Social.
Na sua alegação de recurso começa a apelante por acusar a omissão na matéria de facto dada por provada da matéria por si alegada nos art°s 6°, 12° e 13°.
Relativamente à matéria do art° 6° da p.i. onde alegou que "Os docs. 2 e 3 fixam os termos aplicáveis ao procedimento adoptado pela requerida em vista da escolha do contratante, reproduzindo na essência, as normas aplicáveis às empreitadas de obras públicas, constantes do DL n° 59/99 de 2 de Março", pretende a apelante que tendo tal matéria sido expressamente confessada pela apelada, devia a mesma ter sido dada como provada.
Conforme resulta dos factos assentes, a Exmª Juíza, depois de fazer constar sob ponto 3 o objecto da obra, no ponto 4 deu como provado que "O convite foi formulado nos termos dos documentos de fls. 7 a 21 dos autos e foi também dirigido a mais duas entidades".
Ora, os docs. 2 e 3 são os que se encontram juntos a fls 8 a 21 que consubstanciam o primeiro, os termos do convite que foi dirigido à apelante e o segundo, o "Programa do Concurso".
Afigura-se assim que a matéria de facto fixada a este título é suficiente pois o tribunal apreciará o teor dos documentos nela referidos, sendo certo que a alegação da apelante tal como foi formulada e que pretende ver assente, contém matéria conclusiva e de direito.
Relativamente à matéria alegada nos art°s 12° e 13° da p.i., que também pretende ver assente, é ela do seguinte teor:
"12 - A Requerente solicitou, por carta registada com A/R dirigida à Requerida, a consulta e reprodução desses documentos, o que fez através dos docs. nº 5º"
“13 - Em resposta, a Requerida remeteu à Requerente a carta que constitui o doc n° 6, pelo qual manifesta a sua recusa em facultar a consulta de tais documentos".
Os documentos nºs 5 e 6 encontram-se juntos aos autos a fls. 25 e 26.
Tal alegação e os referidos documentos que a sustentam não foram impugnados.
Nada consta na matéria de facto assente relativamente ao pedido de consulta formulado pela apelante à apelada e à resposta desta sobre tal pedido.
Assim sendo e porque os mesmos se afiguram relevantes, assiste razão à requerente pelo que se adita à factualidade assente supra enunciada os seguintes factos:
9 - A Requerente solicitou, por carta registada com A/R dirigida à Requerida, a consulta e reprodução dos documentos que titulam a proposta da entidade adjudicatária e do título contratual outorgado entre a Requerida e essa entidade - cfr. doc n° 5
10 - Em resposta a Requerida remeteu à Requerente a carta que constitui o doc n° 6, pela qual manifesta a sua recusa em facultar a consulta de tais documentos.
Posto isto, vejamos, então o direito.
Dispõe o art° 574° do C.C. no seu nº 1: "Ao que invoca um direito, pessoal ou real, ainda que condicional ou a prazo, relativo a certa coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a apresentação da coisa, desde que o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo do direito e o demandado não tenha motivos para fundadamente se opor à diligência".
E nos termos do art° 575° "As disposições do artigo anterior são, com as necessárias adaptações, extensíveis aos documentos, desde que o requerente tenha um interesse jurídico atendível no exame deles"
Comentando estes artigos, referem Pires de Lima e A. Varela que "para o exercício do direito de apresentação de coisa móvel ou imóvel, deve o requerente ter um interesse legítimo baseado num direito real ou pessoal relativo a essa coisa, isto é, ( ... ) a informação deve ser precisa para se apurar a existência ou o conteúdo do direito invocado"
E acrescentam que se manda aplicar à exibição de documentos o disposto no artigo anterior, desde que o requerente tenha um interesse jurídico atendível no exame deles, interesse legítimo que também deve ter aquele que pretende a exibição das coisas, aplicando-se aqui a palavra documento no seu sentido corrente e tradicional de documento escrito e não no sentido que lhe dá o art° 362°, já que as coisas são neste último sentido, também documentos. - cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4a ed., págs. 590/591.
A este respeito ainda, diz Almeida Costa, que facilmente se compreende a justificação desta disciplina. É que a lei não pode deixar de ter em conta os interesses conflituantes. Por um lado, a favor do direito de exigir a apresentação de coisas ou documentos, postulam várias razões: o interesse da descoberta da verdade e da defesa dos direitos dependentes da exibição da coisa ou documento, e eventualmente o interesse da administração da justiça. Mas, por outro lado, não se pode esquecer o interesse do detentor da coisa ou documento em não ver ofendida a sua liberdade individual (cfr. "Obrigações", 263)
A apresentação de coisas e documentos, no caso previsto nos referidos preceitos segue a forma processual prescrita nos art°s 1476° e 1477° do CPC, dispondo o primeiro que "Aquele que nos termos e para os efeitos dos artºs 5740 e 5750 do Código Civil, pretenda a apresentação de coisas ou documentos que o possuidor ou detentor lhe não queira facultar, justificará a necessidade da diligência e requererá a citação do recusante para os apresentar, no dia, hora e local que o juiz designar", resultando, por sua vez, do segundo a possibilidade do requerido contestar a pretensão do requerente e manda, quando não haja contestação ou esta seja considerada improcedente, que a apresentação se faça no tribunal quando se trate de coisas ou documentos transportáveis em mão, ou no lugar onde as coisas ou documentos se encontrem, nos restantes casos.
Resulta, pois, do exposto, que a acção especial para apresentação de documentos, que é de jurisdição voluntária, está dependente da verificação dos seguintes requisitos: que o requerente tenha um interesse juridicamente atendível no seu exame; que o possuidor ou detentor deles não os queira facultar; que o requerido não tenha motivos para fundadamente se opor à sua apresentação. (cfr. Ac. R. Lx. de 3/1 0/2000, CJ T. 4, p.98)
Feitos estes considerandos voltemos ao caso dos autos.
Decidiu a Exmª Juíza a quo que a requerente não mostrou ter um interesse juridicamente atendível no exame dos documentos, isto porque não justificou quais as normas que na sua óptica terão sido postergadas pela requerida, nem a razão pela qual adquiriu convicção nesse sentido, sendo ainda que invocando um pretenso direito a ser ressarcida dos prejuízos daí decorrentes, não alega quais poderão ter sido nem a norma que os titula, além de que tendo em conta a natureza da requerida, não estamos perante concurso público, mostrando-se inteiramente aplicável o princípio da liberdade contratual.
Afigura-se-nos que não tem razão a Exmª Juíza.
Com efeito, conforme resulta da petição inicial, entende a requerente que em face do teor do convite e programa de concurso, a requerida terá querido submeter voluntariamente a adjudicação da obra em apreço ao regime previsto para as empreitadas de obras públicas nos termos do DL 59/99 de 2/03 (art°s 5° e 6° da petição inicial).
Se assim for, e caso tenha havido desrespeito das normas previstas no referido DL a que a própria requerida se sujeitou na adjudicação da obra, terá a requerente direito a ver-se ressarcida pelo valor dos prejuízos daí decorrentes, obviamente, dessa preterição.
Ora, desconhecendo o teor da proposta da adjudicatária “C” e do contrato outorgado entre esta e a requerida, é natural que a requerente não esteja habilitada desde já a indicar quais as normas que poderão ter sido postergadas e concretizar quais os prejuízos daí decorrentes que, a verificar-se tal violação de normas voluntariamente aceites, a habilitará a demandar a apelada;
Ora, a informação que pretende obter pela exibição dos documentos em apreço é que lhe irá facultar a possibilidade de averiguar da existência ou conteúdo do seu direito a ver-se ressarcida do prejuízo decorrente da eventual postergação das normas constantes do regime de adjudicação a que voluntariamente se terá submetido.
A questão da aplicação ou não à apelada das normas constantes do regime das empreitadas de obras públicas, o referido DL 59/99 de 2/03 e o apuramento da existência de prejuízos com a preterição da apelante no concurso em causa e o seu eventual direito a ver-se ressarcida deles, não têm que ser determinados no âmbito deste processo, o qual se destina, aliás, a possibilitar a apelante a apurar da existência ou não do seu alegado (eventual) direito.
Solicitada à apelada a consulta em apreço, foi a mesma recusada unicamente com o fundamento de que não se tratava, na situação concreta, de qualquer proposta contratual mas apenas de um convite, "sendo certo que o “B”, ao apresentar a VExa a referida proposta pretendeu reservar para si a decisão final" - cfr. doc. de fls. 26.
Por sua vez, na contestação que apresentou, defendeu-se a apelada opondo agora que sendo uma Instituição Particular de Solidariedade Social, o regime do DL 59/99 não lhe é aplicável pois "não se encontrava vinculada a esse regime, e consequentemente, a ter que sujeitar a proposta para a realização da obra a um verdadeiro concurso público ou qualquer outra forma de procedimento previsto no referido diploma" (art°s 5° e 6° da contestação)
Sucede que, atento os termos fixados no "Programa de Concurso", onde além do mais refere no seu ponto 20 que "Em tudo o omisso no presente programa de concurso, observar-se-á o disposto no DL n° 59/99 de 2/3 e restante legislação aplicável", poder-se-á, efectivamente, colocar a questão da submissão voluntária da requerida ao referido regime na adjudicação da obra em causa.
Ora, não se vislumbra, quer na carta junta aos autos a fls. 26, quer em sede de contestação, a alegação de qualquer motivo que, fundadamente, justifique, a recusa da apelada na exibição dos documentos em apreço.
A apelada limita-se a opor a sua interpretação das normas jurídicas que na perspectiva da apelante serão aplicáveis ao caso e que segundo aquela não têm tal aplicação - saber se se tratou ou não de proposta contratual (carta de fls. 26) e inaplicabilidade do regime do DL 59/99 ao concurso da empreitada em apreço.
Por todo o exposto, entendendo por um lado que se verifica um interesse jurídico atendível na consulta dos documentos em apreço pois só através dela a apelante poderá verificar da existência e conteúdo do seu eventual direito e, por outro, não se vislumbrando qualquer fundado motivo para a apelada se opor à consulta dos documentos em causa, terá a presente apelação que proceder, impondo-se nessa medida a revogação da sentença recorrida.
Nos termos do art° 14770 na 3 do CPC, a apresentação dos documentos será efectuada no tribunal no dia e hora a designar na 1ª instância.
DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogando a sentença recorrida, julgam a acção procedente por provada e, em consequência, determinam a apresentação pela apelada dos documentos que titulam a proposta apresentada pela “C”, na sequência do convite que lhe foi formulado pela apelada, incluindo todos os documentos que a acompanham e instruem e bem assim do título contratual outorgado entre ambas na sequência da adjudicação da obra em questão, devendo-lhe ser facultada a extracção de fotocópias dos mesmos.
Tal apresentação será efectuada no Tribunal Judicial de … no dia e hora determinar pela Exmª Juíza.