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CONTRATO DE MÚTUO
INCUMPRIMENTO DO MUTUÁRIO
VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES
JUROS REMUNERATÓRIOS
Sumário
I - A falta de pagamento, na data do vencimento de uma das prestações a que o mutuário se obrigou, num contrato de mútuo oneroso de crédito ao consumo, pode determinar e em regra determina o vencimento imediato das restantes. II – O vencimento imediato de todas as prestações, em vista da restituição da quantia mutuada, não abrange os juros remuneratórios que integrariam tais prestações, se o contrato atingisse o seu termo normal.
Texto Integral
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
Banco ...........S. A.,sedeada em Lisboa, instaurou contra Vítor............ e mulher Débora........., residentes em Olhão, acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, que correu termos no Tribunal Judicial de Olhão, peticionando a condenação destes no pagamento da importância de €14.140,10, acrescida de € 708,07 de juros vencidos (até à propositura da acção – 26/02/2007), de €28,32 de imposto de selo calculado sobre esses juros (à taxa de 4%), e ainda dos juros que sobre a aludida importância em dívida se vencerem (calculados à taxa anual de 14,74%), desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento, bem como o quantitativo respeitante a imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre os mesmos recair.
Alegou para tanto em síntese:
- No exercício da sua actividade comercial, em 20/12/2004, celebrou com o R. marido o acordo escrito junto a fls. 12 e 13 (contrato de mútuo n.º 705687), acordo esse que tinha por objecto a aquisição, por este último, de um veículo automóvel da marca Astra, modelo Caravan 1.7 DT, com a matrícula 81.........;
- Nos termos do mencionado acordo, a A. entregou àquele R. a importância de €16.825,00, comprometendo-se, este último, ao pagamento de 72 rendas mensais e sucessivas, no valor de €327,83 (cada), aí se integrando capital, juros e prémio do seguro vida, vencendo-se a primeira no dia 20 de Janeiro de 2005, e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes;
- O indicado valor das prestações deveria ser pago, na respectiva data de vencimento, mediante transferência bancária, para a conta à ordem titulada pela A. no Banco Totta e Açores, n.º 28808046001;
- Inscrevendo-se no acordo assinado que a falta de pagamento de qualquer uma das prestações implicaria o vencimento imediato das demais;
- O R. marido, das prestações referidas, não pagou a 15ª, com vencimento em 20 de Março de 2006, nem as subsequentes;
- Sobre os montantes omitidos recaem juros de mora à taxa de juro acordada de 10,74%, acrescida de 4%, a título de cláusula penal e, ainda, sendo devido, o pagamento de imposto de selo, à taxa de 4% ao ano, sobre o montante dos juros vencidos e vincendos;
- Para assegurar o pagamento/amortização parcial da quantia em dívida, o R. marido entregou à A. a viatura de matrícula 81........, com vista à sua ulterior venda por esta última, e que viria a ser alienada, em 25 de Outubro de 2006, pelo valor de €6.622,91, deduzindo aquele valor ao montante em débito;
- O empréstimo haverá de considerar-se em proveito comum do casal, pelo que a R. Débora Avelino deverá ser considerada solidariamente responsável pelo pagamento das importâncias em dívida.
Citados os réus vieram contestar, não pondo em causa a existência de uma dívida para com o autor, mas articulando factos tendentes a por parcialmente em crise o montante da mesma, bem como a demonstrar que não são casados entre si, vivendo, apenas, em união de facto.
Realizado o julgamento viria a ré, por ilegitimidade passiva, a ser absolvida da instância. Por seu turno, o réu marido foi condenado a “pagar à A. a importância de € 6.930,53(seis mil, novecentos e trinta euros e cinquenta e três cêntimos), sobre a qual incidirá, a título de cláusula penal, a taxa de 14,74% ao ano, desde 20 de Março de 2006, até efectivo e integral pagamento, e que se computam, à data da presente decisão, em €2.135,48, e ainda no pagamento dos custos atinentes ao imposto de selo, incidente sobre os juros, à taxa legal de 4%”.
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Desta decisão foi interposto, pela autora, recurso de apelação com vista à alteração da decisão, terminando a recorrente por formular as seguintes «conclusões» [1] que se transcrevem: “1. Na sentença recorrida errou-se ao condenar o R., a pagar ao A apenas nas quantias em que o fez.
2. O Sr. Juiz a quo, na sentença recorrida, “entende” que o vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos pela falta de pagamento de uma delas nos termos do disposto no artigo 781º do Código Civil apenas abrange a divida de capital e não também o juros remuneratórios ou outras quantias que estavam já incluídas em cada prestação e de que, de qualquer modo, o A. apenas tem direito a peticionar e receber o montante do capital “vincendo” acrescido de juros moratórios mas não já o montante correspondente a todas as prestações não pagas, por nele se incluírem os juros remuneratórios acordados.
3. Na verdade, a cláusula 8º das Condições Gerais do contrato dos autos, não é ambígua, como se pretende na sentença recorrida, ela corresponde alias ao estatuído no artigo 781º do Código Civil.
4. E salvo o devido respeito, é desde logo errado e infundado o “entendimento” de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da dívida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer, qualquer distinção entre o vencimento de fracções de capital ou o vencimento de fracções de juros, ou aliás do que quer que seja, bem como não diz ou sequer indicia, por exemplo, que apenas se aplica aos mútuos gratuitos (em que não há juros), e não aos mútuos onerosos (em que há juros), ou vice-versa.
5. Mas antes fala, pura e simplesmente, o referido preceito legal em “obrigação”, “prestações” e no “vencimento” de todas as prestações mediante a falta de realização de uma delas, e aplica-se, para ale do mais, a todos os tipos de mútuo, excepto se for afastada pelas partes, já que se trata de norma supletiva, pelo que não se vê, nem há, pois, qualquer fundamento para se entender que o disposto no artigo 781º do Código Civil distingue entre fracções de capital ou fracções de juros, e menos ainda, que apenas se aplica a fracções de capital ou apenas a fracções de juros. Aliás, muito pelo contrário até.
6. Com efeito, qual é a “obrigação” do mutuário para com o mutuante num mútuo oneroso? Será apenas a restituição da quantia ou da coisa mutuada? NÃO, obviamente que não. Isso é a obrigação do mutuário num mútuo gratuito.
7. Num mútuo oneroso a “obrigação” do mutuário para com o mutuante é precisamente a restituição da quantia ou da coisa mutuada, mais a retribuição do empréstimo que as partes acordaram, ou seja, habitualmente, os juros (que tanto podem ser constituídos por dinheiro como por qualquer outra coisa fungível), mas não só, pois que a retribuição pode incluir, para além dos juros, outras facetas como os prémios, sendo que não é sequer obrigatória a correspondência entre a coisa mutuada e os juros. Ou seja, a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário, enquanto que, a obrigação do mutuário num mútuo gratuito é, apenas, a restituição da quantia ou da coisa mutuada cedida ou posta à disposição do mutuário.
8. Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que, senão “ad initio” (como o recorrente entende que é), pelo menos em caso de incumprimento de uma delas se vencem na totalidade.
9. Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria
natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre “capital” e “juros”, ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! -(restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo).
10. Aliás, ao fazer-se tal distinção está-se, errada, indevida e artificialmente, a equiparar as consequências do incumprimento de um mútuo oneroso com as de um mútuo gratuito, porquanto, se o incumprimento, pelo mutuário, de um mútuo gratuito, dá, por lei (cfr. n.º 2 do artigo 1145º do Código Civil), lugar a mora e ao pagamento de juros moratórios ao mutuante a incidir sobre a quantia ou a coisa mutuada, o “entendimento” de que o incumprimento, pelo mutuário, de um mútuo oneroso, obriga a distinguir entre “capital” e “juros”, ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração acordada do mútuo (remuneração que, assim, deixa de existir), e que os juros moratórios apenas irão incidir sobre a restituição da quantia mutuada, está-se, errada, infundada e artificialmente a transformar as consequências do incumprimento do mútuo gratuito ás consequências do incumprimento do mútuo oneroso, o que por si só, vai claramente contra a natureza jurídica e objectivo de uns e de outros, que são manifestamente distintos. Não pode ser!!!
11. Mais… de acordo com aquele “entendimento” bastará ao mutuário incumprir um contrato de mútuo como o dos autos, para que esse mesmo mútuo se transforme, de facto e automaticamente, num mútuo gratuito, passando o mutuário a ter apenas de pagar então os juros moratórios sobre o capital em divida, e isto enquanto quiser, ou seja, enquanto durar a mora.
12. E pior! Ao perfilhar-se aquele “entendimento”, está-se a incentivar e premiar o incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário, que, assim, e por causa do seu próprio incumprimento, deixa de ter de pagar a remuneração do mútuo em que as partes acordaram, para passar a ter apenas de restituir a quantia ou coisa mutuada (o que é um perfeito contra-senso jurídico), e tudo isto meramente por via do incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário. (o que além de ser um gritante contra-senso jurídico, é uma perfeita e inconcebível aberração jurídica) É, de facto, e salvo o devido respeito, um perfeito absurdo!!!
13. Assim, e de acordo com o “entendimento” perfilhado na sentença recorrida, qualquer mutuário de um contrato de mútuo oneroso pode, em qualquer momento, não só, unilateralmente, desvincular-se da sua obrigação (restituição da quantia ou coisa mutuada + remuneração) para com o mutuante, como pode, simultaneamente, “transformar” o mutuo oneroso que celebrou num mutuo gratuito, e tudo isto por via apenas do seu próprio incumprimento!!!
14. É incentivar e premiar o incumprimento dos contratos de mútuo por parte dos mutuários, já que lhe é muito menos oneroso deixar pura e simplesmente de cumprir o contrato do que cumpri-lo e honrar o seu compromisso. E é incentivar e premiar o incumprimento favorecendo quem incumpre, não só relativamente à outra parte no contrato (o mutuante) que cumpriu já com a sua obrigação, como, também, relativamente àqueles outros que estando na mesma posição que ele (ou seja, os outros mutuários de mútuos onerosos) cumprem e honram as suas obrigações. Não pode ser!!!
15. E como é que fica o mutuante credor que já cumpriu com a sua obrigação? Fica à mercê do mutuário incumpridor, que há muito dispôs já da quantia mutuada e viu cumprida a obrigação do mutuante, e dos Tribunais que no fim de um longo processo judicial no qual o mutuário incumpridor continua sem cumprir, vêem decidir que este afinal, por via do seu próprio incumprimento, transformou o mútuo oneroso em mútuo gratuito pelo que apenas tem de devolver o capital em divida e os respectivos juros moratórios? Repete-se…Não pode ser!!! É claramente uma situação de flagrante negação da mais elementar justiça, já para não falar de uma intolerável subversão da Lei do Direito. É um “entendimento” manifestamente antijurídico.
16. Mas mais, ainda…... A aplicar-se o referido “entendimento” perfilhado no acórdão recorrido, deixariam então de fazer sequer sentido, e de existir, os próprios mútuos onerosos, porquanto se qualquer pessoa que celebre um contrato de mútuo oneroso como o dos autos para financiar a aquisição do que quer que seja, apenas tem de restituir a quantia mutuada (mas já não a remuneração do mútuo acordada) em caso de incumprimento por ele do contrato de mútuo, é por demais evidente que, assim que um contrato de mútuo oneroso é celebrado e a quantia mutuada é posta pelo mutuante à disposição do mutuário (o que, tal como no caso dos autos, sempre sucede), que a utiliza no que bem entender, basta ao mutuário incumprir desde logo (e quanto antes melhor) o contrato de mútuo (o que, nesse caso até será impelido a fazer) para que o mesmo passe a ser gratuito, deixando, por isso, de fazer sequer sentido que existam contratos de mútuo onerosos. Não é, nem pode ser, manifestamente, isso que a Lei prevê ou sequer permite.
17. Muito pelo contrário até, a Lei não só prevê e regula expressamente (distinguindo-os) a gratuitidade ou onerosidade do mútuo (cfr. artigo 1145º do Código Civil), como expressamente prevê no artigo 1147º do referido Código Civil que “No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro.”
18. Ora, se a própria lei expressamente prevê que no mútuo oneroso, o mutuário terá de pagar os juros por inteiro caso queira antecipar o cumprimento (e está-se a falar de cumprir o contrato por inteiro e antecipadamente), é manifestamente errado e despropositado, pretender ou permitir que no caso de o mutuário incumprir o contrato não tem já que pagar os mesmos juros por inteiro. É, uma vez mais, um evidente contra-senso jurídico sem qualquer fundamento, pelo que sai, portanto, ainda mais reforçada a ideia de que o referido “entendimento” para além de errado e juridicamente absurdo, é um verdadeiro incentivo e um prémio ao incumprimento favorecendo quem incumpre e desfavorecendo quem cumpre, o que, por si só, é intolerável. É, pois, manifestamente errado aquele “entendimento” relativo ao artigo 781º do Código Civil, bem como as consequências que o mesmo produz, devendo este Tribunal de Justiça declará-lo.
19. Mas tudo aquilo que até agora se referiu e concluiu no sentido de que é errado e manifestamente injusto e até antijurídico aquele “entendimento”, fundamenta-se apenas nas regras do mútuo oneroso civil e, como tal, tratado no Código Civil, porquanto se se tiver em consideração que o que nos autos está em causa é um mútuo oneroso comercial ou, mais precisamente, bancário, e se se atentar naquilo que foi expressamente acordado pelas partes no contrato de mútuo dos autos e que, aliás, está dado como provado nos autos, então é ainda mais errado (se é que tal é possível face ao que já se explicitou) aquele dito “entendimento”.
20. Na verdade, o vencimento imediato de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos, mediante o não pagamento de uma delas na data do respectivo vencimento, dá-se não sequer, ou apenas, por via do referido artigo 781º do Código Civil, mas sim por via do expressamente acordado entre as partes na cláusula 8ª, alínea b) do contrato de mútuo dos autos. E lembre-se, aliás, que o disposto no artigo 781º do Código Civil não constitui norma imperativa, podendo, por isso, as partes livremente estipularem diferentemente.
21. Pelo que, mesmo que se entendesse que o disposto no dito artigo 781º do Código Civil distingue entre capital e juros e apenas implica o vencimento do montante do empréstimo e não da respectiva remuneração acordada (o que manifestamente não distingue e é um erro, como se procurou já explicitar), o certo é que, atento o expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos, dúvidas não restam de que vencida uma prestação todas as outras prestações se vencem imediatamente sem qualquer distinção entre capital e juros ou montante do empréstimo e remuneração do empréstimo ou que mais se queira inventar.
22. Mas é ainda mais errado o referido “entendimento” constante da sentença dos autos que já se procurou explicitar, quando se atenta e analisa o contrato de mútuo dos autos como um todo.
23. Com efeito, perante aquilo que está expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos, e designadamente, para este efeito o “Número de prestações: Montante de cada prestação:; Valor total das prestações:;” e nas clausulas 4ª, alíneas a) e c), 7ª, alíneas a) e b), e 8ª, alíneas a), b) e c), (que aqui se dão por reproduzidas), dúvidas não restam, de que (como aliás melhor se explicitou em sede de alegações) a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes sendo que no valor dessas prestações estão incluídos, para além do demais acordado, o capital e os juros remuneratórios do empréstimo.
24. Aliás, o próprio Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, que regula os contratos de crédito ao consumo como o dos autos, prevê e estabelece o calculo do “custo total do crédito” que engloba precisamente o montante do empréstimo, os juros acordados e as restantes despesas ou encargos a cargo do mutuário, sendo que é esse montante global, desde logo achado e calculado, que é repartido em prestações uniformes que o mutuário se obriga a pagar. (cfr. artigos 2º, alínea d) e e), e artigo 4º do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro), sendo que tal apenas reforça, ainda mais, aquilo que já antes se explicitou, ou seja, que tal como no mutuo oneroso meramente civil, a obrigação do mutuário fraccionada em prestações engloba o capital e a respectiva remuneração. É essa a obrigação do mutuário “ad initio”.
25. É pois manifestante errado o referido “entendimento” expendido na sentença recorrida, pois que se já o era errado à luz apenas das regras do mútuo civil (como se procurou explicitar) ainda mais errado é à luz daquilo que foi expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos e à própria natureza comercial do contrato em causa, sendo que, para além do mais, tal “entendimento” constitui uma evidente violação do principio da liberdade contratual prevista no artigo 405º do Código Civil.
26. Saliente-se que se está perante um mútuo comercial, bancário, de elevado risco para o mutuante, pelo que, se como já se explicitou, o dito “entendimento” é errado e injusto num mútuo oneroso civil, ainda mais o é num caso como o dos autos.
27. Acresce, ainda que, como está provado nos presentes autos, o A., ora recorrente, é uma instituição de crédito, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 3º, alínea (i), do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, pelo que, conforme amplamente explicitado em sede de alegações, pode proceder à capitalização de juros, sendo inequívoco que o A., ora recorrente, como Banco que é, pode capitalizar juros. Pode -como o fez -pedir juros moratórios sobre o valor total das prestações em débito, apesar de em tal total estarem já incluídos juros remuneratórios. E é nisso, precisamente, que consiste a capitalização de juros.
28. Sendo que, aliás, no caso dos autos tal capitalização acontece desde logo, desde a celebração do contrato de mútuo, razão pela qual o referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, manda calcular desde o início e fazer constar do contrato o chamado “custo total do crédito”.
29. E nem se diga, como se diz na sentença dos autos, que não há capitalização de juros remuneratórios porque estes não se venceram ainda, pois que tal não é manifestamente assim, porquanto, como procurou explicitar, não só os ditos “juros” remuneratórios, ou melhor dizendo, a remuneração do mútuo acordada entre as partes, se venceram desde logo, “ad inito”, (pois que a obrigação do mutuário num qualquer mútuo oneroso é, sempre, constituída pela quantia mutuada e pela remuneração do mútuo e, mais ainda, num mútuo oneroso concedido por uma instituição de crédito, onde tal obrigação do mutuário, corresponde ao chamado “custo total do empréstimo” que é depois fraccionado em prestações iguais e sucessivas que o mutuário se obriga a pagar, a que acresce ainda o facto de, pela sua própria natureza estas instituições poderem desde capitalizar os “juros remuneratórios”), como, mesmo que porventura assim não se entendesse (como deve entender), sempre o dito vencimento ocorreria, como ocorre, por via do incumprimento pelo mutuário da sua obrigação de pagar atempadamente as prestações acordadas.
30. Não se pode, pois, seriamente pretender que não há capitalização de juros remuneratórios, porque estes não se venceram, uma vez que os mesmos estão, de uma forma ou de outra, vencidos. Todos vencidos!!! Pelo que, todas as prestações (cujo montante inclui também o valor do correspondente aos juros remuneratórios já capitalizados e ao seguro contratado, sendo, por isso, um valor único e unitário, de capital) do contrato dos autos estão há muito vencidas, não havendo, nunca, que distinguir não só entre capital e juros (tudo é já capital, por força da capitalização), como entre valores vencidos e vincendos, pois que tudo está já vencido.
31. É, pois, inteiramente válido, legítimo e legal o pedido dos autos, sendo que é errada a decisão proferida na sentença recorrida, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 236º, 405º, 560º, 781º, 1145º e 1147º do Código Civil, artigo 2º, alínea d) e e), artigo 4º e 9º, n.ºs 1 e 3 do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, bem como os artigos 5º, 6º e 7º, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2º do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3º, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, que assim violou.
32. Termos em que deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso, e, por via dele, revogar-se a sentença, substituindo-a por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente e provada, condenando-se o R. no pedido formulado nos autos, como é de inteira JUSTIÇA ”
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Não foram apresentadas contra alegações.
* Apreciando e decidindo
Tudo visto e analisado, tendo por base as provas existentes e em atenção o direito aplicável, cumpre decidir, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso - disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º todos do Cód. Proc. Civil. Assim, a questão nuclear que importa conhecer é a de saber se é correcto o entendimento, no âmbito do contrato de mútuo em causa nos autos, de que o vencimento de todas as prestações pela falta de pagamento de uma delas, se restringe às prestações de capital e não, também, aos juros remuneratórios que fazem parte de cada uma das prestações, não tendo a autora direito a receber juros remuneratórios relativos às prestações não pagas, mas, apenas, o capital mutuado e os juros de mora que incidirem sobre este.
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Na sentença recorrida foi considerado como relevante e provado o seguinte quadro factual:
1. A A. é uma instituição de crédito, compreendendo-se no seu objecto negocial a celebração de contratos de mútuo;
2. A A., no exercício da sua actividade profissional, e com destino, segundo informação prestada pelo R. Vítor Patrício Silvestre Barras, à aquisição de um veículo automóvel, de marca Opel, modelo Astra Caravan 1.7 DT, com a matrícula 81-......., por contrato constante de título particular datado de 20 de Dezembro de 2004, titulado de contrato de mútuo nº 705687;
3. No âmbito do referido contrato, a A. entregou ao R., para o aludido efeito, a importância global de €16.825,00;
4. Comprometendo-se o R. a reembolsar aquele valor, acrescido de juros convencionados à taxa de 10,74% e prémio do seguro vida, em 72 prestações mensais e sucessivas, no montante cada de €327,93, a primeira das quais com vencimento em 20/01/2005, e as seguintes em idêntico dia dos meses subsequentes, mediante transferência bancária a efectuar, por débito autorizado na conta DO n.º 03235126021, da titularidade do R., em favor da A.;
5. O R. não efectuou o pagamento da 15.ª prestação, com vencimento em 20/03/2006, ou nenhuma das que lhe seguiram;
6. De harmonia com o acordado entre as partes no clausulado (condições gerais) aposto ao contrato mencionado em 2), sob a cláusula 8ª o seguinte: “a) O mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação; b) A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes; c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora”;
7. Foi acordado entre as partes, na cláusula 11ª das condições gerais do contrato o seguinte: “Sem prejuízo de outros casos previstos na lei ou neste contrato, o Banco Mais poderá considerar o presente contrato rescindido, sendo consideradas então imediatamente vencidas todas as obrigações decorrentes para o mutuário do mesmo, exigindo o cumprimento imediato de todos os valores em dívida sempre que se verifique alguma das seguintes situações: a) falta de pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juros ou outros encargos previstos neste contrato; (…)”;
8. Que o R. entregou à A., na pessoa do seu funcionário António Paulo Teixeira, a viatura de matrícula 81......., a fim de esta última promover a respectiva venda, deduzindo ao valor em dívida o respectivo quantitativo;
9. Em 25 de Outubro de 2006, a A. procedeu à venda da viatura mencionada, nos termos supra acordados, pelo valor de €6.622,91;
10. Tendo de tal facto sido o R. informado pela A., mediante o envio de carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Novembro de 2006, recepcionada em 17/11/2006, da qual constavam os valores considerados então em dívida;
11. O R. vive em união de facto, sendo o respectivo agregado familiar composto pelo casal e por um filho menor, estudante, de 10 anos de idade;
12. A companheira do R. não exerce qualquer actividade profissional, sendo doméstica;
13. O R. exerce, profissionalmente, a tarefa de estucador, desenvolvida em Espanha (Huelva), pela qual aufere €800,00/€900,00/mês;
14. A importância mencionada em 13) é a única fonte de rendimento do respectivo agregado familiar;
15. O R. paga, a título de empréstimo bancário relacionado com a habitação, a importância mensal de € 326,10.
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Conhecendo da questão A recorrente não se resigna com o facto de na sentença recorrida se ter entendido que a falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas as outras prestações, em dívida, mas tão só, no que respeita ao capital mutuado, e não, também, relativamente aos juros remuneratórios contabilizados em cada uma delas.
Esta questão, vem sendo apreciada nos nossos tribunais, [2] tendo-se formado corrente jurisprudencial maioritária no sentido da justeza da tese perfilhada na decisão sob censura, que, também não podemos deixar de sufragar.
Não há dúvida que o contrato celebrado tem subjacente uma obrigação que deverá ser liquidada em prestações, na qual, a falta de pagamento de alguma delas importa o vencimento de todas, como se alcança da clª 8ª al. b) do contrato, [3] cujo teor é idêntico ao disposto no artº 781º do Cód. Civil, [4] aliás, conforme, a recorrente reconhece na conclusão 3ª, ou seja, a obrigação vence-se antecipadamente, realidade que os franceses apelidam de «dechéance du terme».
Não obstante, de acordo com o negociado, as prestações incluírem os juros remuneratórios, a parcela referente ao capital mutuado não deixa de ser distinta e individualizável da que respeita ao rendimento que o credor deixou de auferir pelo capital, durante o período de tempo em que dele esteve privado.
A prestação de juros – devida pela cedência do capital – ao contrário do capital, está na dependência directa deste, mas só surge efectivamente com o decurso do tempo, não podendo ser tida como fracção daquele, mas sim dívida distinta, ainda que estreitamente conexa, [5] e cujo crédito (de juros) até se pode autonomizar [6] , aliás, autonomização que pode ser recíproca, [7] que conduz à diferenciação de regimes prevista nos artº 781º e 1150º do Cód. Civil, sendo que a falta de pagamento de juros não implica o vencimento imediato da dívida de capital, mas, tão só, causa excepcional resolução do contrato.
Sustenta a recorrente que ao distinguir-se, no âmbito das prestações entre capital e juros remuneratórios está a transformar-se um mútuo oneroso em mutuo gratuito, passando o mutuário a ter apenas de pagar os juros moratórios sobre o capital em dívida, incentivando-se e premiando-se o mutuário pelo incumprimento do contrato.
Não nos parece que essa seja a conclusão a retirar.
Se bem que o artº 1147º do Código Civil imponha a satisfação dos juros por inteiro ao mutuário que pretenda antecipar o pagamento, essa realidade não é de aplicar a situações de incumprimento em que é o mutuante que requer o vencimento da obrigação.
As situações são diferentes e versam sobre pretensões diversas “no primeiro caso, se o mutuário quer encurtar o tempo e pode impor ao mutuante esse encurtamento, não poderá, todavia, fazer recair sobre quem se propõe cumprir os efeitos desse imposto encurtamento; no segundo caso, se é o mutuante que não quer esperar e prefere voltar ao quo ante, então ele receberá apenas tudo o que estiver vencido, o capital (no caso a totalidade dele) e os juros… vencidos”, [8] mas implicará que ele perca o direito a juros vincendos. [9]
Doutro modo, era permitir-se ao mutuante retirar um benefício exagerado, uma vez que de imediato poderia exigir do mutuário o valor correspondente ao capital pelo facto de se vencerem todas as prestações e, mesmo sem deferimento da restituição, ver-se compensado pelo pagamento de juros remuneratórios que seriam devidos caso o contrato subsistisse até ao termo do prazo estipulado.
Temos, assim, como inquestionável, que a natureza distinta das dívidas de capital e juros, não conduz a que o vencimento da totalidade da dívida de capital, resultante da falta de pagamento de alguma prestação do mesmo, não implica o imediato vencimento dos juros compensatórios que seriam auferidos com o capital, porque sendo o juro um rendimento do capital em função do tempo, “o crédito de juros só nasce à medida em que o tempo decorre” e constituindo “uma remuneração pela indisponibilidade do capital mutuado, só se mantém até ao momento do vencimento da obrigação de restituição desse capital”, [10] deixando, assim, de haver lugar a remuneração pela indisponibilidade desse capital.
Parece-nos, inequívoco que a interpretação a dar aos normativos - artº 781º do Cód. Civil e cláusula 8ª al. b) das condições gerais do contrato, que como salientamos é idêntica ao disposto neste artigo do Código Civil – deve ser feita no sentido de que o vencimento imediato das prestações fraccionadas acordadas pelas partes para reembolso do capital mutuado e dos juros remuneratórios, apenas se refere o montante representativo do capital e não, também, aos juros, pois, de outra forma, era nítida a desproporção de resultados. Antecipando o pagamento de todos os juros remuneratórios eram os mesmos “transformados” em dívida de capital antes de ter decorrido o período de tempo a que respeitavam, sendo essa dívida, ainda agravada com o pagamento de juros moratórios desde esse vencimento antecipado.
A interpretação da aludida clª 8ª, de acordo com a teoria da impressão do destinatário consagrada no artº 236º do Cód. Civil, não poderá deixar a de ser a que faria um declaratário normal, ao qual se mostraria desprovido de sentido, na sua óptica, fazer a interpretação de que a falta de pagamento de uma mensalidade acarretaria o pagamento de todos os juros que viessem a nascer até ao fim do contrato.
Tem sido esta a posição maioritária da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, [11] que merece a nossa concordância.
Mostram-se irrelevantes as conclusões da recorrente, não se considerando violados os dispositivos legais por ela invocados (conclusão 31ª), improcedendo a apelação.
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DECISÂO Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a sentença recorrida. Custas pela recorrente.
Évora, 21/10/2008
__________________________________________________________ Mata Ribeiro
__________________________________________________________ Sílvio Teixeira de Sousa
__________________________________________________________ Rui Machado e Moura
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[1] - Escrevemos conclusões entre aspas, porque a recorrente limita-se a fazer o resumo, em trinta e dois artigos (12 páginas), da matéria explanada nas alegações, sem apresentar umas verdadeiras conclusões tal como a lei prevê, as quais devem ser sintéticas, concisas, claras e precisas – v. Ac. STJ de 06/04/2000 in Sumários, 40º, 25 e Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 73. [2] - Nomeadamente no Processo n.º 2351/08.2 deste Tribunal da Relação, que relatámos, e cujo conteúdo iremos seguir de perto. [3] - “A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes.” [4] - “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma importa o vencimento de todas.” [5] - Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol II, 7ª edição, 54. [6] -Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol I, 2ª edição, 730 [7]- J. Engrácia Antunes in Contratos Comerciais – Noções Fundamentais na Revista Direito e Justiça, vol. Especial, 2007, nota de rodapé 366 a fls. 178. [8] - v. Ac. STJ de 27/04/2005 in www.dgsi.pt no processo 04B2529 [9] - L Menezes Leitão in Direito das Obrigações, vol. III, 5ª edição, 424. [10] - V. Ac. STJ de 11/10/2005 in www.dgsi.pt no processo 05B2461. [11] - v. entre outros Ac. STJ de 19/04/2005, 27/04/2005, 11/10/2005, 12/09/2006, 14/11/2006 e 24/05/2005 in www.dgsi.pt nos processos, respectivamente, n.ºs 05A493, 04B2529, 05B2461, 06A2338, 06A2718 e 07A930.