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EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
OPOSIÇÃO
NULIDADE DA DECISÃO
Sumário
1. As decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, são fundamentadas na forma prevista na lei (arts. 205º-nº1 CRP e 158º CPC). 2. Não satisfaz minimamente a exigência legal de fundamentação, a “decisão” que, de forma telegráfica, se limita aos seguintes dizeres: “Ao abrigo do art. 941º,nº4 do CPC declaro suspensa a execução”.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I-
1. A Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por óbito de M… apresentou, em 16.10.2007, no Tribunal Judicial de Viana do Castelo, requerimento executivo para prestação de facto, contra J…, com fundamento em sentença condenatória judicial transitada em julgado.
No requerimento inicial da execução a exequente alega que:
Por douta sentença proferida nos autos principais de que os presentes são apensos e já transitada em julgado, foram os ora executados condenados a demolirem a construção realizada sobre o logradouro do prédio serviente, de molde a que coloquem a servidão constituída, de passagem a pé e carro, no estado em que se encontrava anteriormente às obras.
Sucede que, tendo embora essa decisão transitado em julgado já em Dezembro de 2006, os executados, ainda não procederam à demolição da dita construção, nem parecem tencionar fazê-lo.
Dado que não foi fixada na douta sentença o prazo para a dita demolição, haverá que fazer nesta sede a sua fixação.
Finalizam requerendo que seja fixado um prazo de 25 dias para prestarem o facto a que foram condenados, com aplicação da sanção pecuniária compulsória de 150€ por cada dia após esse prazo sem que a prestação se encontre cumprida.
2. Notificados do requerimento, vieram os requeridos deduzir oposição alegando, no essencial, a ilegitimidade activa, o não se encontrar o imóvel inscrito a favor das exequentes, a caducidade do direito, inexigibilidade da obrigação e a circunstância de a demolição causar aos executados prejuízo consideravelmente superior ao que a obra causou às exequentes.
Finalizam pedindo, para além do mais, que seja suspensa a execução nos termos dos nºs 2 e 4 do artigo 941º para os efeitos aí previstos, nomeadamente para a avaliação de a demolição causar aos executados prejuízo consideravelmente superior ao que a obra causou aos exequentes.
3. Seguidamente veio a ser proferido despacho judicial onde se lê: “Ao abrigo do art. 941º, nº4 do CPC declaro suspensa a execução”.
4. Não se conformando com este despacho dele agravou a Exequente.
Alegando, concluiu:
Sendo dado à execução um acórdão judicial, transitado em julgado, pelo qual foi verificado e reconhecido que certa construção foi erigida em violação de um direito de servidão de passagem e sendo consequentemente ordenada a demolição dessa construção, a execução pela qual se pretende concretizar essa demolição configura uma execução para prestação de facto positivo.
Na execução para prestação de facto positivo, isto é, de facto que se traduz numa acção e não invocado na acção declarativa de condenação o facto impeditivo ou modificativo do mais considerável prejuízo da demolição da construção ilícita, não pode o devedor da prestação fazê-lo, em sede de oposição à execução, pois a tal se opõe o caso julgado e a sua autoridade que cobre tanto o nessa acção deduzida como o nela dedutível.
O artigo 941º pressupõe um título executivo que não seja a sentença declarativa de condenação em que se averigúe da violação de não praticar certo facto e se ordene a demolição da obra. À execução fundada nessa sentença não se aplicam os artigos 941º e 942º do CPC, mas sim o disposto nos artigos 933º e seguintes do mesmo diploma.
Fez o tribunal errada aplicação da lei quando, com base na invocação da demolição poder causar prejuízo superior ao que a obra causou à exequente feita por parte dos oponentes em sede de oposição à execução para prestação de facto positivo que tem como título uma decisão judicial transitada em julgado, veio a decidir pela suspensão da execução com recurso à aplicação do disposto no artº 941º, nº4 do CPC.
Foram violados os atºs 941º, 942º e 933º do CPC.
Requer que na procedência do agravo seja o despacho recorrido que ordenou a suspensão da execução substituído por outro que ordene o seu prosseguimento.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Sr. Juiz manteve o seu despacho.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além do que se deixou consignado no relatório supra, importa tomar em consideração, como matéria de facto relevante, a seguinte:
A) Em 23 de Novembro de 2006 foi proferido douto Acórdão nesta Relação, já transitado em julgado, que revogando a sentença proferida na acção declarativa, decidiu condenar os Réus a demolirem a construção realizada sobre o logradouro do prédio serviente, de molde a que coloquem a servidão constituída, de passagem a pé e carro, no estado em que se encontrava anteriormente às obras, para que o autor a possa usar dentro dos limites dos títulos constitutivos.
B) A Exequente veio dar à execução aquela decisão do Tribunal da Relação de Guimarães.
III –
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1.
Os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença são os taxativamente enumerados nas diversas alíneas do art. 814º do C. de Proc. Civil.
Nos termos do art. 814º, al. g), do CPC (na redacção dada pelo DL 38/03, de 08.03), apenas constitui fundamento da oposição à execução baseada em sentença o facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documentos.
Na presente oposição, os Executados não poderão vir invocar, como fundamento dessa oposição, meios de defesa que, por serem anteriores ao encerramento da audiência e discussão e julgamento no processo declarativo, foram ou poderiam ter sido invocados até esse momento.
O título executivo é o Acórdão da Relação de Guimarães, proferido na acção principal. É por esta decisão que se delimitam as características da obrigação exequenda.
No caso, foram os Réus condenados a demolirem a construção realizada sobre o logradouro do prédio serviente, de molde a que coloquem a servidão constituída, de passagem a pé e carro, no estado em que se encontrava anteriormente às obras, para que o autor a possa usar dentro dos limites dos títulos constitutivos.
2.
Está-se pois perante uma execução para prestação de facto (positivo). São-lhe consequentemente aplicáveis as normas previstas nos artigos 933 a 940º do CPC.
O despacho recorrido a declarar suspensa a execução ao abrigo do artigo 941, nº4 do CPC nada diz sobre os fundamentos que levaram o sr. Juiz a quo a entender que ao caso sub judice são aplicáveis as normas do artigo 941º, sendo entendimento uniforme da Doutrina e da Jurisprudência que o disposto no artigo 941º aplica-se apenas às obrigações de prestação de facto negativo.
Sobre esta temática, faz-se mister relembrar os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol. 2º, pág. 554: «Na execução para prestação de facto há que considerar duas modalidades fundamentais: Prestação de facto positivo. Abstenção de certo facto ou, por outras palavras, prestação de facto negativo. Exemplos da 1ª espécie: o executado foi condenado ou está obrigado a escrever uma monografia sobre determinado assunto, a fazer determinado inquérito, a montar uma máquina, etc. Exemplos da 2ª espécie: o executado foi condenado ou está obrigado a não exercer certa espécie de comércio ou indústria susceptível de fazer concorrência ao exequente, a não abrir janelas sobre prédio deste, a não levantar um muro além de certa altura, etc. Quando alguém se propõe promover execução para prestação de facto, deve, antes de mais nada, verificar com cuidado qual a modalidade ou espécie de que tem de socorrer-se, porque os trâmites processuais da execução para prestação de facto positivo diferem dos da execução para prestação de facto negativo; à primeira aplicam-se as regras dos artigos 933º a 940º; à segunda, as regras dos artigos 941º e 942º. É claro que a questão resolve-se pelo teor do título executivo. Por este se determinará se o facto a que o devedor está obrigado tem carácter positivo ou carácter negativo».
Estes ensinamentos mantêm hoje a mesma actualidade que tinham quando foram escritos.
3.
Ora, do teor do título executivo transparece com clareza o facto a que o devedor está obrigado, na decisão de condenar os Réus a demolirem a construção realizada sobre o logradouro do prédio serviente, de molde a que coloquem a servidão constituída, de passagem a pé e carro, no estado em que se encontrava anteriormente às obras, para que o autor a possa usar dentro dos limites dos títulos constitutivos.
E dúvidas não pode haver de que o facto a que o devedor/executado está obrigado tem carácter positivo, o que vale dizer, que se está perante execução para prestação de facto positivo.
Do que fica dito decorre que o despacho impugnado, não poderá manter-se.
Em primeiro lugar, por não ser aplicável, ao caso, o disposto no artº 941º do CPC, como ficou demonstrado.
Depois, porque o despacho impugnado, desprovido de fundamentação contraria o principio constitucional de que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei (artº 205º, nº1 CRP) e bem assim a norma do artº 158º do CPC.
Não satisfaz minimamente a exigência legal de fundamentação, a “decisão” que, de forma telegráfica, se limita aos seguintes dizeres:
“Ao abrigo do artº 941º, nº4 do CPC declaro suspensa a execução”.
Por outro lado, o despacho recorrido parece fazer tábua rasa do efeito de caso julgado da decisão judicial que serve de título executivo à presente execução, cuja clareza não deixa espaço para dúvidas sobre o carácter positivo do facto a que o devedor/executado está obrigado.
E não será impertinente relembrar, claro está, que os tribunais judiciais têm o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores.
Decisão.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o despacho recorrido, devendo a execução prosseguir os seus termos.
Custas pelos agravados
Guimarães, 8 de Janeiro de 2009