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PROCEDIMENTO CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
DIREITO DE RETENÇÃO
CADUCIDADE
Sumário
I - O procedimento cautelar tem natureza instrumental relativamente à causa de que depende na medida em que visa assegurar a efectividade desse mesmo direito, é como que uma medida de apoio a este, assentando num juízo provisório sobre tal direito.
II - Através do pedido formulado na acção principal deve o autor pretender decisão cuja efectividade fique directamente assegurada através da providência solicitada. O que não exclui a possibilidade de a acção não versar outros direitos não salvaguardados na providência nem a de os pedidos serem diferentes, porque as finalidades prosseguidas no procedimento cautelar e na acção serem naturalmente diferentes.
III - Deve verificar-se uma identidade subjectiva entre as partes do procedimento cautelar e as da acção principal.
IV - O prazo de caducidade é um prazo prefixo que pressupõe o interesse da rápida definição do direito.
Texto Integral
* PROCESSO Nº 2299/08-2 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA *
RELATÓRIO
No Tribunal de … foi requerida em 21-02-2008, por “A” a restituição provisória de posse dos imóveis identificados como fracções do lote A, correspondentes aos apartamentos 1° C Frente, Frente 2 e R/C Frente 4 do Loteamento designado por …, sito no Sítio da …, em …, contra “B”, “C” e “D”.
Segundo a requerente seria credora da dona da obra - a referida “B” - de parte do preço ajustado para a empreitada e, como tal, teria direito de retenção sobre os referidos imóveis, mas teria sido dele privado por alegado esbulho violento perpetrado pelos requeridos “C” e “D” no dia 19-02-2008.
Produzidas as provas tidas por convenientes, foi decretada a providência requerida e ordenada a restituição dos imóveis à posse da requerente, tendo o requerido “D” sido absolvido da instância.
Os requeridos deduziram oposição de facto, impugnando o alegado direito de retenção. Tal oposição foi desatendida, mantendo-se a providência decretada, decisão esta contra a qual se insurgiu em recurso o requerido “C”.
Foi entretanto suscitada por este a questão da caducidade da providência cautelar decretada por isso que ele não fora até então citado para a acção principal.
A requerente opôs-se a tal caducidade.
No despacho que apreciou esta questão consta, além do mais, que "A 08.04.2008 deu entrada no Tribunal acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, intentada pela “A” contra “B”, pedindo a condenação da Ré a reconhecer como legítimo o direito de retenção da Autora sobre as fracções dos lotes A, B, C, E e F (melhor identificadas na p.i., a fls. 8 do processo …) e a advertência da Ré no sentido de se abster de todos e quaisquer actos de perturbação do direito de retenção da Autora relativamente às mesmas fracções e de comunicar a sentença a eventuais promitentes compradores das referidas fracções, com contratos-promessa celebrados ou a celebrar no futuro".
E, com fundamento na ausência de coincidência entre os requeridos no procedimento cautelar e os RR na referida acção, entendeu-se haver caducado a providência de restituição provisória de posse decretada.
É contra esta decisão que vem a presente apelação, intentada por “A” na qual ela sustenta a inverificação da referida caducidade e pede a revogação da decisão recorrida, sintetizando as razões da sua divergência nas seguintes conclusões:
1. A ora Recorrente intentou a acção principal dentro do prazo de 10 dias a que alude o art. 3890 do C.P.C.
2. Os procedimentos cautelares são dependentes de uma acção principal que tenha por fundamento o direito acautelado e nos presentes autos os factos emergentes do direito acautelado que deu origem à providência cautelar (direito de retenção) integram a causa de pedir da acção principal.
3. Além disso a Recorrente alegou também na sua petição perturbações do seu direito, arrombamentos e entradas à força nas suas fracções e remeteu para o que foi decidido em sede de providência cautelar.
4. Ora, neste caso o direito acautelado é o direito de retenção consubstanciado na restituição da posse dos imóveis, como forma de sobre eles a Recorrente exercer o seu direito de retenção, ou seja manter a posse dos imóveis e, portanto, recusar a sua entrega até que lhe seja satisfeito o seu crédito.
5. Se a título provisório a recorrente pretendeu a restituição dos imóveis, a título definitivo, o que pretende é exercer sobre eles o seu direito de retenção, por isso, em sede da acção principal a Recorrente pediu que a Ré fosse condenada a reconhecer o seu direito de retenção, a abster-se de quaisquer actos que o perturbem e a comunicar esse facto a eventuais promitentes-compradores.
6. Esse pedido implica que a Ré reconheça o direito de retenção da Recorrente e se abstenha de actos que o perturbem, pelo que está obviamente obrigada a suportar os actos da recorrente que manifestem esse direito de retenção, nomeadamente a posse dos imóveis, e até a devolvê-los caso seja esse o caso.
7. O pedido efectuado pela recorrente implica necessariamente a obrigação de cumprir o que foi decretado provisoriamente, uma vez que, sendo procedente, obriga a ré a reconhecer a sua posse legítima dos imóveis e abster-se de a perturbar, pelo que provoca a obrigação da Ré de não praticar actos (como o de esbulho) contra a sua posse.
8. A instrumentalidade da providência cautelar não implica que tenha de haver uma total coincidência de pedidos até porque o pedido na acção principal é mais abrangente do que o formulado na providência cautelar, pois este tinha por função acautelar um determinado perigo, enquanto que a acção principal tem um objectivo mais amplo.
9. Nessa medida foi formulado pedido idêntico, mormente quanto aos seus efeitos, quer na providência cautelar, quer na acção principal, e o efeito útil da providência fica acautelado com o pedido formulado na acção principal.
10. Além disso esta acção foi intentada contra a requerida “B” uma vez que, s.m.o., não teria que o ser contra o Requerido “C”.
11. Em sede cautelar a Recorrente intentou o procedimento contra a proprietária dos imóveis e contra quem os havia esbulhado (cuja identificação ou qualidade que invocavam para se arrogarem de direito sobre o imóvel esta desconhecia).
12. Posteriormente a providência veio a ser decretada. E conforme resulta da decisão, veio a ser alegado e provado que os Requeridos “C” e “D” não tinham qualquer direito oponível à ora Recorrente.
13. Nessa medida, uma vez que aqueles não tinham qualquer direito sobre os imóveis que seja oponível à Recorrente, a acção principal teria de ser intentada apenas contra a proprietária das fracções, que é quem tem legitimidade passiva para tal acção.
14. Não se arrogando o Requerido “C” de qualquer direito oponível à ora recorrente, e uma vez que a legitimidade se aufere pela relação controvertida tal como configurada pelo autor (art. 26° n.º 3 do CPC) a acção principal não teria que ser intentada contra aquele.
15. A única relação jurídica que o Requerido “C” detinha era com a “B” relativamente a quem tinha direitos oponíveis, e não relativamente à ora recorrente.
16. Na qualidade de terceiro face à Recorrente, aquele é que teria o ónus de, caso pretendesse defender o seu alegado direito, deduzir incidente de oposição espontânea na acção principal.
17. A acção da qual a providência depende foi efectivamente intentada dentro do prazo legalmente previsto nos termos do art. 3890 do CPC, pois foi nessa data intentada contra a outra Requerida.
18. Sendo a Requerida a proprietária dos imóveis e quem deu a detenção dos mesmos à Recorrente foi proposta contra esta a acção principal, sendo que, no pedido formulado foi solicitado que a requerida fosse condenada a comunicar a decisão aos promitentes-compradores que tivessem alguma relação jurídica com esta, uma vez que não a têm com a Recorrente, pelo que o procedimento cautelar não poderia ter caducado.
19. O requerido “C” aproveita a defesa da Ré, que é a única parte de quem pode ter alguma expectativa jurídica.
20. Já tinha conhecimento dos presentes autos, perante os quais detém um direito paralelo ao da Ré, mas não oponível à recorrente, pelo que, em caso de procedência da acção poderia lateralmente ver o seu direito relativamente à “B” afectado, mas era seu o ónus de, nos termos do art. 3200 e segs. do C.P.C, deduzir intervenção para o defender.
21. A questão de saber se deveria ter sido intentada a acção principal contra ambos entende-se que não - é uma questão diversa, de legitimidade e não de caducidade e a eventual ilegitimidade passiva nunca levaria à caducidade (uma vez que a acção principal, a acautelar o direito da recorrente, foi intentada dentro do prazo).
22. A ilegitimidade, mesmo nos casos de litisconsórcio necessário (que não é o caso) pode ser amplamente suprida a qualquer altura nesta fase do processo, nos termos dos art. 3250 e segs. do CPC, sem consequências quanto à absolvição da instância (e por maioria de razão também sem a consequência da caducidade da providência).
23. Sendo que a Recorrente já requereu, caso assim fosse entendido, que o Requerido fosse chamado a intervir nos presentes autos.
24. Nessa medida, deveria a Mma Juiz a quo ter considerado a acção principal tempestivamente interposta, violando assim a correcta interpretação dos art. 26º, 383º, 389º, 3920 do CPC, pelo que se impõe a revogação do despacho ora recorrido.
Conclui, pedindo a revogação da decisão.
Os requeridos contra-alegaram em defesa da decisão recorrida.
Apreciando:
I - A questão da tempestividade da propositura da acção principal está decidida, no sentido afirmativo no despacho recorrido.
Logo, improcede a caducidade da providência cautelar com esse fundamento.
2 - Outrotanto não acontece com a natureza, fim e partes da acção principal intentada.
Recordemos o caso:
A providência cautelar de restituição provisória de posse foi requerida com fundamento no direito de retenção do empreiteiro para garantia do pagamento do preço da obra.
Foi requerida contra a dona da obra, como devedora do preço, e contra outras duas pessoas, alegadamente autoras do esbulho e da violência, uma das quais veio a ser absolvida da instância.
Decretada a restituição, deduziram os requeridos oposição de facto, impugnando a existência do direito de retenção e invocando a tradição decorrente de contratos-promessa de compra e venda.
Tal oposição veio a ser desatendida.
Suscitada, entretanto, a questão da caducidade da providência por falta de propositura da acção, consta do despacho recorrido que:
"A 08.04.2008 deu entrada no Tribunal acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, intentada pela “A” contra “B”, pedindo a condenação da Ré a reconhecer como legítimo o direito de retenção da Autora sobre as fracções dos lotes A, B, C, E e F (melhor identificadas na p.i., fls. 8 do processo …) e a advertência da Ré no sentido de se abster de todos e quaisquer actos de perturbação do direito de retenção da Autora relativamente às mesmas fracções e de comunicar a sentença a eventuais promitentes compradores das referidas fracções, com contratos-promessa celebrados ou a celebrar no futuro".
Entendeu o despacho recorrido que a acção principal foi tempestivamente interposta, mas que deveria ter sido intentada também contra o outro requerido no procedimento cautelar - o autor do alegado esbulho violento; logo, declarou a caducidade da providência decretada.
É contra esta decisão que vem o presente recurso.
O procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado (art, 383° nº 1 CPC).
Significa isto que tem natureza instrumental relativamente à causa de que depende na medida em que, fundando-se esta em determinado direito, o procedimento cautelar visa assegurar a efectividade desse mesmo direito, é como que uma medida de apoio a este.
Logo, assenta num juízo provisório sobre tal direito, que será ou não confirmado na causa principal; quando decreta uma providência cautelar, o tribunal antecipa provisoriamente, mediante apreciação sumária, um julgamento a proferir mais tarde, acautelando ou antecipando os efeitos da providência definitiva no pressuposto de que a decisão definitiva venha a confirmar o juízo provisório.
Daí que a providência cautelar esteja para a sentença a proferir no processo principal na mesma relação em que um juízo provisório sobre determinada matéria está para com o juízo definitivo sobre a mesma matéria (Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 29-03-1990, acessível na INTERNET através de http://www.dgsi.pt).
Por isso é que o objecto do procedimento cautelar deve coincidir, pelo menos parcialmente, com o da acção, ou melhor, o desta deve incluir o daquele.
Ou seja, enquanto objecto da acção é o "direito acautelado" (art. 383° nº 1 CPC), o objecto da providência é o direito ameaçado ou violado.
Através da acção principal deve procurar-se tutela para o mesmo direito que se pretendeu preservar por via cautelar. Mais do que isso, através do pedido formulado na acção principal deve o autor pretender decisão cuja efectividade fique directamente assegurada através da providência solicitada.
O que não exclui a possibilidade de a acção não versar outros direitos não salvaguardados na providência nem a de os pedidos serem diferentes, porque as finalidades prosseguidas no procedimento cautelar e na acção serem naturalmente diferentes.
No caso em apreço, o objecto da providência de restituição provisória de posse é a efectivação do direito de retenção da empreiteira até ao pagamento do preço da obra pelo respectivo dono, alegadamente violado pelo requerido “C”.
Direito de retenção esse cujo reconhecimento na ordem jurídica portuguesa é controvertido na doutrina e na jurisprudência (Cfr. por todos, Cláudia Madaleno, A vulnerabilidade das garantias reais, 29008, p. 41 e segs).
Por seu lado, o objecto da acção principal, é o pedido de reconhecimento de tal direito. Logo, coincidem os objectos de uma e outra.
Mas se a instrumentalidade está assegurada pela via dos requisitos objectivos, não o está pela via dos requisitos subjectivos.
Com efeito, deve verificar-se uma identidade subjectiva entre as partes do procedimento cautelar e as da acção principal.
O autor desta deve ser o titular activo do direito ameaçado e requerente do procedimento e o aí réu deve ser o sujeito passivo daquele direito e requerido no procedimento (Cfr. Rita Lynce de Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar Não Especificada, 2003, p. 95).
Com efeito, se, como se disse, através da acção principal se deve procurar a tutela para o mesmo direito que se pretendeu preservar por via cautelar, isso quer dizer que a tutela é sempre dirigida contra alguém que violou (ou ameaçou violar) o direito.
Daí a justificação da referida identidade subjectiva passiva entre o procedimento cautelar e a acção principal.
Tal identidade verifica-se no caso em apreço, pelo lado activo, quanto à empreiteira “A” e, pelo lado passivo, só quanto à dona da obra “B”.
Mas se a autoria dos actos que comprometeram e ameaçaram o direito acautelado (v.g., o esbulho e a violência) for imputada a outrem, deve ser este também demandado na acção.
É que, se bem atentarmos no requerimento inicial da providência, os alegados actos qualificados como de esbulho e de violência foram praticados, não pela dona da obra e devedora, “B” (única demandada na acção principal), mas sim “C” e “D” (tendo este sido absolvido da instância).
Logo, deveria aquele “C”, na qualidade de autor do esbulho e da violência que comprometeram o direito de retenção da requerente e determinaram a restituição da posse sem a sua audiência prévia (art. 3930 e 3940 CPC) ter sido também demandado na acção principal, dada a eficácia erga omnes do direito de retenção que a requerente se arrogava e que lhe garantia o direito de sequela sobre o respectivo objecto.
Pois que "relacionado com o crédito, o direito de retenção exerce-se sobre a coisa; é um poder directo e imediato sobre ela e, por conseguinte, um direito absoluto oponível erga omnes, de modo a poder ser actuado onde quer que a coisa se encontre, inclusive nas mãos de terceiros ou do próprio dono da coisa [art. 6700 nº 1) al. a)], dada a inerência" (Cfr. Belchior do Rosário Loya e Sapuile, Prevalência do Direito de Retenção sobre a Hipoteca, in Garantias das Obrigações, 2007, p. 106).
Não obstante destinado a proteger um direito de crédito, logo, pessoal e relativo, o direito de retenção tem eficácia absoluta e logo, impõe-se a toda e qualquer pessoa a obrigação passiva universal de o respeitar.
O que, na perspectiva da requerente e empreiteira, não aconteceu com o referido “C” (já que o outro requerido demandado, “D”, foi absolvido da instância); por isso, deveria ele também ser demandado na acção principal para desta forma se fazer com o coincidir o respectivo caso julgado com o formado no procedimento cautelar; por outras palavras: sendo o direito de retenção um direito de garantia de determinado crédito, quem se arroga dele titular deve convencer não só o obrigado no direito de crédito, mas também quem alegada e efectivamente o violou, no caso de a autoria desta violação pertencer a pessoa diversa do sujeito passivo do crédito.
Intentando-se a acção principal com vista apenas ao reconhecimento do direito de retenção e dirigindo-se a mesma só contra o sujeito passivo do crédito e não também contra o terceiro que alegadamente violou aquele direito - e contra quem por isso mesmo fora dirigido também o procedimento cautelar - tudo se passa como se a decisão proferida neste procedimento não tivesse sido diferidamente validada com a propositura daquela acção.
Logo, a dependência do procedimento cautelar relativamente à acção principal não foi respeitada.
A violação da dependência tem como consequência a caducidade da providência cautelar e a extinção do procedimento (art, 389° nº 1 –a) CPC).
"Do artigo 389° nº 1, alínea a), resulta, em caso de medida cautelar ante causam, um verdadeiro ónus de proposição da acção principal. Este constitui a contrapartida da vantagem atribuída ao requerente de poder beneficiar de uma medida assente numa apreciação meramente provisória. Nestes termos, se aquele quiser aproveitar as vantagens da manutenção desse procedimento cautelar ou da providência decretada, tem de adoptar uma determinada conduta: intentar, no prazo de trinta, ou dez dias, conforme os casos, a acção principal que tenha por objecto o direito acautelado" (Cfr. Rita Lynce de Faria, ob. cit., p. 114).
O pressuposto da manutenção da providência cautelar decretada é a propositura da acção de que aquela depende na qual devem figurar necessariamente, da lado passivo, os requeridos no procedimento cautelar, o que não aconteceu.
Daí a caducidade da providência decretada, como bem decidiu a 1ª instância.
Aliás, até se compreende a posição da recorrente: como se infere da oposição ao procedimento cautelar e da documentação nela introduzida, teriam sido celebrados pela dona da obra, pelo menos, contratos-promessa de compra e venda com tradição - entre outros, com o requerido “C” - o que, se não for incompatível, compromete seriamente o invocado direito de retenção.
Com efeito, se o direito de retenção pressupõe uma recusa de entrega da obra à respectiva dona pela empreiteira (art. 755° CC), não tendo a obra sido entregue, fica sem explicação a traditio a favor dos promitentes-compradores a coberto dos contratos-promessa ...
Contrariamente ao sustentado pela recorrente, é este um problema de caducidade e não de legitimidade, susceptível de ser suprido.
Prescreve o art.º 298°, n.º 2 do C.C. que, "quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição."
E nos termos do art. 331° n0 1, a caducidade só é impedida pela prática do acto, a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, dentro do prazo legal ou convencional.
Mas quando a lei fixa um prazo para o exercício de certo direito, não quer tomar esse direito dependente da observância do prazo, mas apenas fazê-lo extinguir, se o prazo não for observado; a caducidade é a morte do direito e o respectivo prazo o tempo de vida deste.
O conceito de caducidade equivale à déchéance ou dela is prefix dos franceses, à decadenza dos italianos e ao prazo de exclusão dos alemães.
O prazo de caducidade é um prazo prefixo que pressupõe o interesse da rápida definição do direito; por isso a caducidade se refere a direitos de duração limitada no tempo; quer dizer, o direito nasce com o tempo de vida pré-definido, congenitamente limitado, e consumido o respectivo prazo, extingue-se (caduca) se não tiver sido exercido (Cfr. Aníbal de Castro, A Caducidade, p, 47 e segs).
Assim, não há dúvidas que o fundamento do instituto da caducidade é a necessidade da certeza jurídica, isto é, a exigência de que certos direitos sejam exercidos durante certo prazo, a fim de que a situação jurídica fique definida e inalterável.
Se, conforme preceitua o art.º 331° do C.C., a caducidade só é impedida pela prática do acto dentro do prazo legal, decorre do n.º 1 do art.º 332° que o momento relevante para impedir a caducidade do direito, quando este tem de ser exercido através de uma acção judicial a propor dentro de certo prazo, é o momento da propositura da acção - art. 287° n01 (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2a• Ed., pág. 253, Manuel Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 114, e o Ac. da Rel. de Lisboa de 14.12.95, C.J., Tomo V, pág. 154).
Ora, da conjugação dos art.s 332° nº 2 e 327° nº 3 CC, emerge um princípio geral da irrelevância da imputabilidade ao autor dos vícios processuais em matéria de caducidade e da respectiva interrupção; no caso em apreço, a acção principal foi tempestiva, mas a circunstância de haver sido proposta apenas contra um dos requeridos no procedimento cautelar - e ainda por cima quem nem sequer havia praticado os actos de esbulho violento - sendo exclusivamente imputável à recorrente, não é impeditivo da caducidade.
O que impede a caducidade não é a propositura da acção (de qualquer acção ... ) no prazo estabelecido na lei, mas a propositura da acção contra os requeridos do procedimento cautelar; como decorre do art. 331° nº 1 CC, "só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal... do acto a que a lei ... atribua efeito impeditivo".
Como é óbvio, a eventual ilegitimidade passiva pode ser sempre sanada - e a acreditar na recorrente, esta já terá providenciado nesse sentido - mas isso não obstará à caducidade da providência cautelar: a manutenção da eficácia desta não foi assegurada contra os nela requeridos no prazo para o efeito estipulado pela lei.
Por outro lado, as considerações expendidas na decisão do procedimento cautelar quanto ao direito dos requeridos e sua (in)oponibilidade à recorrente têm uma função meramente justificativa e fundamentante da decisão aí proferida, não podendo ser decisivas quanto à determinação da legitimidade processual na acção principal.
Trata-se aí, como se sabe, de juízo sumário destituído de qualquer influência no julgamento da acção principal (art. 383° nº4 CPC).
Em síntese:
1 - O procedimento cautelar tem natureza instrumental relativamente a causa de que depende na medida em que, fundando-se esta em determinado direito, o procedimento cautelar visa assegurar a efectividade desse mesmo direito.
II - Deve existir identidade de partes entre o procedimento cautelar e a acção principal.
III - Assim, intentada providência cautelar de restituição provisória de posse com vista ao restabelecimento das condições de exercício do direito de retenção por uma empreiteira contra a dona da obra e outras pessoas, sendo que só a estas foi imputada a prática de actos de esbulho violento, a acção principal deve ser também ser proposta contra todos estes e não só apenas contra a dona da obra, ainda que na decisão que decretou a providência se argumente não terem estas pessoas direito oponível à requerente.
IV - Se a acção for intentada apenas contra a dona da obra, a providência caduca, por falta de identidade passiva com a providência cautelar, não sendo tal caducidade impedida pela posterior sanação da eventual ilegitimidade passiva na acção principal, pois que se trata de institutos diferentes.
V - Com efeito, o que impede a caducidade da providência cautelar não é a propositura da acção, mas a propositura da acção contra os requeridos no procedimento cautelar.
ACÓRDÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora e Tribunal da Relação, 06.11.2008