REGISTO PREDIAL
PRIORIDADE DE REGISTO NA CONSERVATÓRIA
Sumário


I - O registo predial tem por finalidade dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.

II - Por força da prioridade resultante do registo, o direito inscrito é oponível a terceiros que só em data posterior tenham feito inscrever direitos sobre o mesmo prédio.

III - Não obstante a afirmação genérica de que a acção de reivindicação está sujeita a registo, o seu registo só se impõe, de facto, quando for proposta por quem ainda não é titular inscrito do direito de propriedade sobre o prédio reivindicado.

Texto Integral

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PROCESSO Nº 43/08 - 2
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A” intentou contra “B” a presente acção declarativa com processo sumário pedindo que seja reconhecido como único e legítimo proprietário da cavalariça que faz parte integrante do prédio misto de que é proprietário identificado no art° 1 ° da p.i. e, consequentemente, a condenação da Ré a entregar-lhe aquela parte do prédio urbano, livre e devoluta.
Citada, contestou a Ré impugnando a factualidade alegada pelo A. e reconvindo peticiona o reconhecimento de que é dona e legítima possuidora da cavalariça de que o A. se arroga proprietário e, consequentemente, a declaração de nulidade do averbamento à descrição predial efectuada na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 806 por violação do disposto o art° 16° als. a), b) e c) do C.R.P ..
Mais pediu a condenação do A. como litigante de má fé na indemnização a seu favor de € 1.750,00.
Foi proferido o despacho saneador e dispensada a selecção da matéria assente e controvertida.
Realizada a audiência de julgamento o tribunal respondeu à matéria de facto pela forma constante de fls. 216 e segs. que não foi objecto de reclamação.
Foi em seguida proferida a sentença de fls. 223 e segs. que julgando a acção procedente condenou a Ré a reconhecer que o A. é o único e legítimo proprietário da cavalariça que faz parte integrante do prédio cuja aquisição se encontra inscrita em seu favor e a entregar ao A. a referida cavalariça livre e devoluta. Mais absolveu o A. do pedido reconvencional deduzido pela R. e do pedido de condenação como litigante de má fé igualmente por ela deduzido.

Inconformada apelou a Ré alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 - O presente recurso vem interposto em virtude da decisão proferida contra a recorrente nos supra identificados autos, porquanto o Tribunal a quo condenou a mesma, nos termos da decisão que ora se recorre, cujo teor somos a remeter para a douta sentença junta aos autos.
2 - A sentença recorrida padece de má interpretação factual e legal, apresentando claro e evidente erro decisório, vejamos:
Coloca-se primeiramente uma questão prévia:
3 - Violou o Tribunal a quo a disposição constante no art° 3° n° 1 do C.R. Predial, porquanto não exigiu do A. o cumprimento obrigatório do registo da acção.
4 - Desde logo, reza o n° 2 do mesmo normativo legal que as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição ( ... ).
5 - Compulsados os autos pode-se constatar que o A. não efectuou qualquer registo da acção em escopo, pelo que, a presente acção não podia ter seguimento, por invalidade, sem o registo da mesma estar inscrito a favor do prédio em questão, o que invalida de todo a decisão recorrida.
Da Impugnação da Matéria de facto:
6 - A recorrente impugna o ponto 3 dos factos provados, porquanto:
7 - Vide V.Exas que o Tribunal a quo considerou o seguinte: "A aquisição da propriedade do prédio misto, sito em …, composto por terra de semear, oliveiras, figueiras, amendoeiras, alfarrobeiras, casas de habitação com cavalariça, cisterna e eirado, confrontando a norte com caminho e …, a sul com estrada e a nascente com … e poente …, inscrito na matriz predial rústica sob o art° 44 da secção B e urbana sob o art° 1867°, descrito na C.R. Predial de … sob o nº 806, foi registada pela primeira vez em 9/04/1986, em comum e partes iguais a favor de “C”, casada com “D”, “E”, “F” casada com “G” e “H” casada com “I”, por usucapião" .
8 - No entanto, mal andou o Tribunal a quo ao considerar tal declaração.
9 - Vejamos que, a contrário, foi situação diversa dada como provada pelos factos provados nºs 4, 5 e 6 da sentença recorrida.
10 - Aliás, a parte urbana descrita no facto provado n° 3 da sentença recorrida, só foi registada, por averbamento, a favor do prédio descrito no citado facto provado em 07/02/2002, por força da apresentação registral nº 5 daquela data, pois até àquele tempo era omisso na matriz (cavalariça incluída).
11 - E, bem assim, era omisso tanto na descrição 806 da Conservatória como na matriz predial. E, tal decorre do teor dos documentos oficiais emitidos pela C.R.P. de … apresentados pelo próprio A., não decorrendo, por conseguinte, de um qualquer capricho da recorrente.
12 - Inclusive, foi em 08/10/2002, ou seja, no dia da aquisição, celebrada por escritura pública, a favor do A., que o notário que celebrou a respectiva escritura pública declarando o seguinte: "o prédio é omisso na matriz predial urbana, mas com declaração para a sua inscrição entregue no Serviço de Finanças de … em 7/10/2002" (cf. doc. n° 2 da p.i.)
13 - Ora, a ser assim, Venerandos Desembargadores, como poderia o prédio urbano constante na descrição do registo predial estar inscrito desde 1986? Cremos ser de todo impossível!.
14 - Logo, a cavalariça objecto dos autos, que só foi averbada a favor do A. em 2002 e, contrariamente, e previamente, em 1987, inscrita a favor do prédio da recorrente.
15 - Ora o facto acima mencionado foi, inclusive, a contrario sensu, dado como provado pelo Tribunal a quo nos pontos 4, 5 e 6 da sentença recorrida.
Impugnação da Matéria de Direito:
16 - O Tribunal a quo violou o art° 7° do C.R.P.
17 - A recorrente tentou fazer chegar ao Tribunal a quo a ilisão da presunção estabelecida no art° 7° do C.R.P. que, de acordo com os documentos constantes nos autos crê-se ter conseguido.
18 - Efectivamente, de acordo com o art° 7° do C.R.P. o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, porém, este artigo tem que ser conjugado com o art° 6° do mesmo diploma legal que nos diz o seguinte: "1 - O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data ( ... )" .
19 - No entanto o Tribunal a quo falhou na interpretação legal e documental aplicável ao caso subjudice, porquanto, a recorrente beneficia sobre a cavalariça de uma prioridade registral anterior à do A., pois a cavalariça foi registada e averbada a favor do prédio daquela desde 23/11/1987, enquanto que, a mesma cavalariça - ou seja, o mesmo bem - foi registado, por averbamento, ao prédio inscrito a favor do A. em 07/1 0/2002.
20 - Ou seja, 15 anos depois, cfr. doc. nº 1 e 3 juntos com a p.i. (genéricos das descrições de cada prédio)
21 – Exmºs Desembargadores, refere o doc. n° 1 junto com a contestação, que melhor explicará a forma como foi efectuado o registo do averbamento da cavalariça ao prédio do A. em 07/02/2002, tendo o proprietário à data junto para prova do averbamento mencionado o modelo 129 dos serviços de finanças requerendo a inscrição da matriz urbana ao mesmo e onde "declarou" que a cavalariça era sua propriedade - cfr. doc. nº 2 junto com a contestação.
22 - Aliás, o competente serviço de finanças notificou a conservatória predial competente do indeferimento do pedido de averbamento da cavalariça que, por motivo desconhecido não foi atendido por esta entidade, cfr. doc. nº 2 junto com a contestação.
23 - Pois, e de facto, bem sabem V.Exas, conhecedores do direito como são que nos termos do disposto no art° 79°, 88° e 90° do CRP, as descrições prediais têm por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios, podendo os seus elementos serem alterados, completados ou rectificados por averbamento, "desde que devidamente comprovados os direitos neles inscritos, inutilizando-se a anotação se a intervenção não ocorrer dentro do prazo de vigência do registo que lhe deu origem".
Logo,
24 - De tudo o que supra se mencionou decorre que o averbamento registral efectuado pela apresentação n° 5/071002 junto da C.R.P. de … (prédio do A.) é nulo nos termos do art° 16° al. b) do C.R.P. (doc. n° 1 junto com a p.i.).
25 - Entendeu ainda o Tribunal a quo que a recorrente não tinha ilidido a presunção legal constante do art° 7° do C.R.P. por força do art° 344° do C. Civil, e que aquela pretendia constituir presunções civis a partir de certidões matriciais prediais emitidas pelas repartições de finanças.
26 - Ora, salvo o devido respeito, a recorrente não só juntou as certidões matriciais das finanças como toda uma panóplia de prova, nomeadamente, certidões da C.R.P. e, alguma dela, com referência a prova junta com a p.i. do A., ilidindo-se desta forma, e em nosso modesto entender, toda a presunção legal estabelecida pelo art° 7° do C.R.P. e ainda, a posição tomada pelo A. na sua petição.
27 - Crê-se então, Venerandos Desembargadores, que o Tribunal a quo apenas se firmou, na sua sentença, pelas certidões de teor matriciais, não tomando em consideração toda a restante prova e o alegado pela recorrente na sua contestação.
28 - Logo, errou o Tribunal a quo na fundamentação e aplicação do direito, ao aplicar, erroneamente, o art° 6° do CRP e, consequentemente, condenado a Ré nos presentes autos, após ter sido verificado que o direito sobre a cavalariça foi registado anteriormente ao registo efectuado pelo A. sobre o mesmo bem.
29 - Pelo que é entender da recorrente que a mesma goza de um direito de propriedade registral, sobre a cavalariça em escopo, anterior ao daquele que é arrogado pelo A., pelo que, a mesma sempre devia ser absolvida do pedido formulado e aquele condenado no pedido reconvencional.

O apelado contra-alegou nos termos de fls. 324 e segs. concluindo pela confirmação da sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (art°s 684° nº 3 e 690° n° 1 do CPC), verifica-se que são as seguintes as questões a decidir:
- A questão do registo da acção;
- A impugnação da decisão sobre a matéria de facto e o seu reflexo nao decisão de direito.
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São os seguintes os factos que foram tidos por provados na 1ª instância:
1 - Encontra-se registada a favor do A. desde 10/10/2002, por compra efectuada aos anteriores proprietários, “E” e mulher, “J” e marido, “F”, “K”, “L”, “M” e marido, “H”, “N” e marido, a aquisição da propriedade do seguinte prédio: "prédio misto, sito em …, composto por terra de semear, oliveiras, figueiras, amendoeiras, alfarrobeiras, casas de habitação com cavalariça, cisterna e eirado, confrontando a norte com caminho e …, a sul com estrada e a nascente com … e poente …, inscrito na matriz predial rústica sob o art° 44 da Secção B e urbana sob o art° 1867°, parte de todos, descrito na C.R. Predial de … sob o n° 806".
2 - A aquisição referida em 1) deu-se por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de …, em 8/10/2002, tendo o A. pago a quantia de € 199.519,16.
3 - A aquisição da propriedade do prédio misto, sito em …, composto por terra de semear, oliveiras, figueiras, amendoeiras, alfarrobeiras, casas de habitação com cavalariça, cisterna e eirado, confrontando a norte com caminho e …, a sul com estrada e a nascente com … e poente …, inscrito na matriz predial rústica sob o art° 44 da secção B e urbana sob o art° 1867, descrito na C.R. Predial de … sob o nº 806, foi registada pela primeira vez em 9/04/1986, em comum e partes iguais a favor de “C”, casada com “D”, “E”, “F”, casada com “G” e “H” casada com “I”, por usucapião.
4 - Em 7/10/2002, os antigos proprietários do prédio inscrito a favor do A. apresentaram na C.R. Predial de … um pedido de averbamento à descrição predial n° 806, referida em 1) com o seguinte teor: "A parte urbana é composta de casas de habitação com cavalariça, cisterna e eirado, com 8 divisões, com 3 portas e 9 janelas, omisso na matriz mas participado em 7 de Outubro de 2002. O prédio tem a área coberta de 125 m2 e descoberta de 935 m2".
5 - Em 7 de Outubro de 2002 foi averbada à descrição referida em 1) o seguinte: "A parte urbana composta por casas de habitação com 8 divisões, cavalariça, cisterna e eirado. AC: 125 m2. AD: 935 m2: Omisso na matriz".
6 - Em 5 de Maio de 2003 foi averbada à descrição referida em 1) o seguinte: Indeferido o pedido de avaliação da parte urbana (ofício nº 2.213 de 9 de Abril de 2003, da Repartição de Finanças de …)".
7 - A aquisição da propriedade do prédio rústico, sito em …, composto por terra de semear, oliveiras, figueiras, amendoeiras, com a área de 800 m2, confrontando a norte com …, a nascente e sul com caminho, e a poente com …, inscrito na matriz cadastral rústica sob o art° 43 da Secção B, encontra-se registada a favor da Ré desde 6 de Março de 2006, por doação de “O”, que a tinha inscrito a seu favor pela inscrição G-3;
8 - Em 26 de Março de 1986, foi averbado ao registo referido em 7) o seguinte: "prédio misto composto de terra de semear, oliveiras, amendoeiras e casas de habitação com dois quartos, sala de costura, arrecadação e cozinha".
9 - Em 23 de Novembro de 1987, foi averbado ao registo referido em 7) o seguinte: "em parte do prédio supra foi construído um prédio urbano com mais uma divisão que serve de cavalariça, com confrontações a sul para a rua, a norte para …, a nascente para … e poente para …. R. C. 3.240$00. Artigo: 4184.
10 - O A. não tem acesso à cavalariça referida em 1) encontrando-se privado de a usufruir.
11 - A Ré tem a chave de acesso à cavalariça referida em 1) por lhe ter sido entregue pelo anterior proprietário do prédio referido em 7), que a tinha.
12 - A Ré não reside no prédio referido em 7).
13 - O anterior proprietário e doador “O” não habitou o prédio referido em 7).
14 - Em 5 de Maio de 2003, foi indeferido o pedido de apresentação de declaração modelo 129, referente à modificação do prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o art° 1867 do concelho de …, não tendo sido feita avaliação da parte urbana do prédio (referido em 1) dos factos provados), de acordo com o ofício nº 2213, de 9 de Abril de 2003, emitido pelos serviços de finanças de …
15 - Nunca o A. se dirigiu à Ré reclamando que a cavalariça era sua.
16 - A Ré paga as contribuições fiscais do prédio referido em 7).
17 - Em 2311 0/2006, a Repartição de Finanças de … emitiu certidão de teor matricial do prédio n° 1867, a qual consta dos autos a fls. 107, aqui se dando por reproduzido o seu teor.
18 - Em 26/6/2006 foi impressa na Repartição de Finanças de … a caderneta predial urbana do prédio nº 4184, a qual consta dos autos a fls. 113, aqui se dando por reproduzido o seu teor.

Estes os factos.
Começa a apelante por suscitar, em sede de questão prévia, a omissão por parte do A. do registo da acção, o qual é de cumprimento obrigatório nos termos do art° 3° do C.R.P ..
Como é sabido, o registo predial tem por finalidade dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (cfr. art° 1 ° do C.R.P.)
Este objectivo é prosseguido através da inscrição dos factos jurídicos que naquela situação têm reflexo, os quais se acham enunciados no art° 2.
Dispõe o n° 1 al. a) do art° 3° do citado Código (na redacção vigente à data, anterior ao DL 116/2008 de 4/07) que estão sujeitas a registo as acções que envolvam o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção dos direitos reais referidos no art° 2°, estabelecendo o seu nº 2 que as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência.
Ora, com aquela sujeição, o que se inscreve é uma antecipação do registo a que a al. c) do mesmo n° 1 sujeita as decisões finais dessas acções logo que transitem em julgado; o registo da acção é feito através de uma inscrição provisória por natureza - art° 92° n° 1 al. a) - e o registo da decisão final nela proferida é feito por averbamento àquela inscrição, que envolve a conversão daquela inscrição em definitiva - art° 10 1 ° nº 2 al. b) e n° 4.
Daqui decorre que por força da prioridade resultante do art° 6° n° 3, o direito reconhecido ao autor seja oponível a terceiros que só em data posterior ao registo da acção tenham feito inscrever direitos sobre o mesmo prédio.
Assim sendo, importa concluir que apesar dos art°s 2° e 3° falarem simplesmente em reconhecimento de direitos, sem distinção, deve fazer-se uma interpretação restritiva de modo a que sejam entendidos como abrangendo apenas o reconhecimento de um novo direito.
Daí se retira que não obstante a afirmação genérica de que a acção de reivindicação está sujeita a registo, o seu registo só se impõe, de facto, quando for proposta por quem ainda não é titular inscrito do direito de propriedade sobre o prédio reivindicado.
Constitui jurisprudência pacífica que as acções de reivindicação de propriedade não estão sujeitas a registo se não estiver em causa ou não for discutida a titularidade do proprietário inscrito, ainda que se discuta a modificação da coisa ou seus limites, pois a presunção derivada do registo não abrange os elementos circunstanciais descritivos como as áreas, limites e confrontações (cfr. entre outros, Ac. do STJ de 11/03/99, JSTJ00036192, e da R.P. de 7/12/92 JTRP00006917 in www.dgsi.pt.)
Ora, in casu, não está em causa a titularidade do prédio inscrito a favor do A., sendo apenas objecto da acção uma cavalariça que integrará, na sua perspectiva aquele seu prédio e cuja restituição pede.
Assim sendo, não se verifica qualquer razão para se proceder ao registo da acção, sendo certo ainda que mesmo que tal registo se impusesse, tendo a acção prosseguido, sem que antes tivesse sido suscitada pela apelante o omissão dessa formalidade, não influindo a mesma no exame ou decisão da causa, nenhuma consequência produz nesta fase processual.
Improcedem, pois, as conclusões 1 a 5 da alegação da apelante.

Refere em seguida a apelante que impugna o ponto 3 dos factos provados porquanto mal andou o tribunal a quo ao considerar o que dele consta.
Como é sabido, nos termos do art° 712° nº 1 do CPC, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, no que ao caso interessa, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art° 690-A, a decisão com base neles proferida (al, a) ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (al. b).
Ora, in casu, tendo sido produzida prova documental e testemunhal a apelante não indicou os concretos meios de probatórios constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada que impunham decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida conforme lhe impõem o nº 1 do art° 690-A do CPC, limitando-se a interpretar documentos juntos aos autos, que também não identifica concretamente, para concluir que a cavalariça dos autos foi averbada a favor do A. posteriormente à sua inscrição a favor do seu prédio, sendo que tal facto "foi, inclusive, a contrario sensu, dado como provado pelo tribunal a quo nos pontos 4, 5 e 6 da sentença recorrida".
Daqui resulta que não tendo sido cumprido o ónus a que se refere a al. b) do nº 1 do referido art° 690-A do CPC, não pode este tribunal apreciar a impugnação da matéria de facto formulada.
Afigura-se-nos, porém, que o que resulta das conclusões da sua alegação é que a apelante não concordando com o teor do ponto 3 dos factos provados pretende antes a verificação de contradição entre tal facto e o que foi dado como provado nos pontos 4, 5 e 6 (cfr. conclusões 9a e 15a)
Sucede que também neste prisma não tem razão a apelante.
Com efeito, vem provada nos referidos pontos a seguinte matéria:
3 - A aquisição da propriedade do prédio misto, sito em …, composto por terra de semear, oliveiras, figueiras, amendoeiras, alfarrobeiras, casas de habitação com cavalariça, cisterna e eirado, confrontando a norte com caminho e …, a sul com estrada e a nascente com … e poente …, inscrito na matriz predial rústica sob o art° 44 da secção B e urbana sob o art° 1867, descrito na C.R. Predial de … sob o na 806, foi registada pela primeira vez em 9/04/1986, em comum e partes iguais a favor de “C”, casada com “D”, “E”, “F”, casada com “G” e “H” casada com “I”, por usucapião.
4 - Em 7/10/2002, os antigos proprietários do prédio inscrito a favor do A. apresentaram na C.R. Predial de … um pedido de averbamento à descrição predial na 806, referida em 1) com o seguinte teor: "A parte urbana é composta de casas de habitação com cavalariça, cisterna e eirado, com 8 divisões, com 3 portas e 9 janelas, omisso na matriz mas participado em 7 de Outubro de 2002. O prédio tem a área coberta de 125 m2 e descoberta de 935 m2".
5 - Em 7 de Outubro de 2002 foi averbada à descrição referida em 1) o seguinte: "A parte urbana composta por casas de habitação com 8 divisões, cavalariça, cisterna e eirado. AC: 125 m2. AD: 935 m2: Omisso na matriz".
6 - Em 5 de Maio de 2003 foi averbada à descrição referida em 1) o seguinte: Indeferido o pedido de avaliação da parte urbana (ofício na 2.213 de 9 de Abril de 2003, da Repartição de Finanças de …)".
Não se vê do teor dos referidos pontos que "a contrario, foi situação diversa dada como provada pelos factos 4, 5 e 6 da sentença recorrida" como pretende a apelante.
Com efeito, o que vem provado no ponto 3 dos factos provados resulta do teor da certidão predial de fls. 23 e segs. onde se encontra descrita a composição do prédio misto identificado com o nº 00806 (inscrito na matriz cadastral rústica sob o art° 44 da Secção B e urbana sob o art° 1867), do qual consta a existência de uma cavalariça, com a primeira aquisição (por usucapião) inscrita a favor dos seus anteproprietários, vendedores do prédio ao A., descrição e inscrição de titularidade efectuada em 09/04/86.
Tal descrição como prédio misto manteve-se até 7/10/2002, data em que foi averbada à descrição a sua alteração passando a constar o artigo rústico n° 44 secção B e com data de 07/10/2002 a descrição da parte urbana (composta por casas de habitação com 8 divisões, cavalariça, cisterna e eirado), omissa na matriz.
Por sua vez no ponto 6 descreve-se o teor do averbamento de 05/05/2003 indeferimento do pedido de avaliação da parte urbana (ofício da Repartição de Finanças de …)
Trata-se da vida registral do prédio em causa desde a sua descrição inicial com todos os averbamentos a ele respeitantes, pelo que inexiste qualquer contradição entre a referida matéria dada como provada.
O facto de apenas em 2002 ter sido averbada a descrição da parte urbana, não altera o facto da existência anterior dessa mesma parte urbana onde se inclui a cavalariça, parte essa que foi descrita em 9/04/1986 como constituinte ou integrante do prédio misto descrito sob o nº 00806.
O que está em causa é a existência (descrição) da cavalariça no prédio adquirido pelo A. ou no adquirido pela Ré, a determinar de acordo com a presunção registral e respectiva anterioridade decorrentes dos art°s 7° e 6° nº 1 do CRP
E independentemente das posteriores vicissitudes registrais em torno dela o que é facto é que ela encontrava-se descrita como fazendo parte, desde a existência do registo, do prédio adquirido pelo A., sendo que apenas em 23/11/1987 os então proprietários do terreno confinante com o do A, actualmente pertencente à Ré, averbaram à descrição do seu prédio rústico, um prédio urbano com uma divisão que serve de cavalariça - "Em parte do terreno do prédio supra foi construído mais um prédio urbano com uma divisão que serve de cavalariça, com a área coberta de 26 m2 e descoberta 84 m2"
A omissão do prédio urbano na matriz não significa a sua inexistência, incluindo a cavalariça, como parte (urbana) integrante do prédio misto descrito na CRP sob o nº 00806.
Verificada a anterioridade do registo da cavalariça como parte do prédio adquirido pelo A. é esta que prevalece nos termos do citado art° 6° do CRP sendo certo ainda que ao contrário do que pretende a Ré não ilidiu como lhe competia a presunção decorrente de tal registo.
Como refere o Exm" Juiz na sentença recorrida "Na verdade, da discussão da causa apenas resultou que, há cerca de 30 anos, o então proprietário do prédio actualmente pertencente à Ré foi autorizado pelos anteriores proprietários do prédio do A. a usar a cavalariça para guardar carvão, sem que tivesse havido qualquer cedência da mesma, indiciando-se apenas uma situação de simples detenção, sem que se tivessem provado quaisquer factos que atestassem a inversão do título da posse".
Improcedem, pois, as conclusões da apelante no que respeita aos argumentos expendidos quanto a esta questão, impondo-se a confirmação da sentença recorrida que inteiramente se subscreve para cujos fundamentos de facto e de direito se remete a apelante nos termos do art° 713° n° 5 do CPC.

DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Évora, 2008.12.16