DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
Sumário


I – Os danos não patrimoniais emanam da ofensa de bens de carácter imaterial, isto é, desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis de avaliação económica.

II – A indemnização pelos danos não patrimoniais consiste numa reparação indirecta. Não visa repor o ofendido na situação anterior à lesão, mas sim compensar a vítima, proporcionando-lhe uma satisfação que possa compensar, de algum modo, o mal causado.

III – A indemnização por uma incapacidade permanente, ainda que parcial, deve corresponder a um capital produtor do rendimento perdido devido à incapacidade e a extinguir-se ao fim do período provável de vida activa.

Texto Integral

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PROCESSO Nº 2703/08-2
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA ELAÇÃO DE ÉVORA
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“A” demandou. no Tribunal de …, Companhia de Seguros “B”, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 65.573,83 euros, acrescida de juros de mora a partir da citação, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe advieram em resultado de acidente de viação.
No essencial, alegou que, ao dirigir-se para o seu local de trabalho, foi atropelada pelo veículo de matrícula FL, segurado na ré, na altura em que atravessava a via pública pela passadeira assinalada através de marcas pintadas no pavimento e sinais verticais, sendo o condutor do mencionado veículo o único culpado do acidente, por ter agido com inconsideração e negligência, violando as normas dos artigos 24º n° 1, 25° n° 1 alíneas a) e c) e 103º do Código da Estrada.
Em resultado das lesões sofridas, teve um período de doença superior a 2 anos e meio, sendo os primeiros 179 dias com incapacidade total para o trabalho, teve enormes dores, angústias, aborrecimentos, incómodos e tristezas e ficou portadora de uma IPP não inferior a 11 %.
Computou os danos não patrimoniais em 50.000.00 euros.
No que respeita aos danos patrimoniais futuros resultantes da IPP, estima-os em 25.000,00 euros, mas já recebeu no âmbito do processo de acidente de trabalho a importância de 10.655,23 euros, pelo que reclama da ré o pagamento da quantia de 14.344,77 euros, por não serem cumuláveis as indemnizações resultantes de acidente simultaneamente de trabalho e de viação.
Durante o período de incapacidade temporária absoluta para trabalhar a autora deixou de receber a importância de 1.010.56 euros e, em consequência do atropelamento, ficou com o vestuário e o calçado inutilizados, no valor de 218,5O euros.
Na contestação, a ré assumiu a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na produção do acidente e a obrigação de indemnizar, questionando apenas os montantes peticionados.
Procedeu-se ao saneamento do processo, com selecção da matéria de facto relevante.
Após julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando a ré no pagamento da quantia global de 43.895,12 euros, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4 %, desde a citação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela autora, assim discriminados:
- 1.010,56 euros pelo que deixou de auferir no período de 179 dias em que esteve impossibilitada de trabalhar;
- 218,50 euros pelo dano das roupas e calçado;
- 20.666,06 euros pelo dano patrimonial futuro resultante da IPP de 10%, correspondente ao remanescente do capital de remissão já recebido pela autora e pago pela seguradora laboral (considerou-se na sentença ser de 31.321,29 euros a perda de ganho no futuro em razão da IPP, tendo a autora já recebido o capital de remissão de 10.655,23 euros, o qual foi pago pela seguradora laboral);
- 22.000,00 euros por danos não patrimoniais.
Inconformada, a ré apelou, tendo alegado e formulado as conclusões que se transcrevem:
a) A indemnização por lucros cessantes emergentes da incapacidade parcial permanente de que a lesada ficou afectada deve ser calculada, ainda que temperada pela equidade, tendo em vista alcançar um capital gerador de um rendimento que possa cobrir a diferença entre a situação anterior e a actual, tomando-se em consideração o tempo provável de vida activa da lesada e de que aquele valor se deve ir esgotando até ao final da referida vida activa;
b) Vem provado que a autora tinha 26 anos à data do acidente, que ficou afectada duma incapacidade parcial permanente de 10% e que pode exercer a sua actividade embora fazendo um esforço acrescido;
c) Tendo em consideração o salário auferido pela autora (495,00 euros x 14 meses de salário base a que acrescem 100,00 euros x 11 meses de subsídio de refeição), 39 anos de vida activa e 4% de taxa de juro, com 10 % de incapacidade parcial permanente, corresponde um capital de 15.728,00 euros;
d) Porém, a autora, por o acidente ter sido considerado simultaneamente de viação e de trabalho recebeu já da seguradora do foro laboral 10.655,23 euros a título de capital de remição;
e) Por isso, a indemnização a arbitrar à autora, ora recorrida, para ressarcimento da desvalorização que a afecta deve ser fixada em 5.000,00 euros (por arredondamento);
f) Não o entendendo assim, e determinando o montante ressarcitório para indemnização por lucros cessantes em 20.666,06 euros, a douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562°. 564° e 566º do Código Civil;
g) Sem conceder se dirá que mesmo a seguir-se o critério adoptado pelo douto Tribunal recorrido a indemnização que este determina para indemnizar o dano futuro peca por excesso:
h) Efectivamente, a douta decisão recorrida entendeu multiplicar o valor da retribuição anual - 8.031,30 euros - por 39 anos (até aos 70 anos de idade) o que perfaz 313.212,90 euros e, subsequentemente, determinar a indemnização pelo dano futuro em 10% (correspondente ao grau de IPP) daquela parte obtendo o valor de 31.321,29 euros ao qual, subsequentemente, subtraiu o quantitativo correspondente ao valor do capital de remição pago pela seguradora de acidentes de trabalho, obtendo assim o valor ressarcitório de 20.666,06 euros.
i) Ao determinar por esta forma a indemnização a título de lucros cessantes o douto Tribunal recorrido não teve em consideração nem que o próprio capital deve igualmente ser consumido esgotando-se no termo da vida activa, nem que ao receber por uma só vez aquilo que, de outra forma, levaria trinta e nove anos a auferir, se concretiza em enriquecimento do lesado à custa do lesante;
j) Assim, a adoptar-se o critério seguido pelo douto Tribunal recorrido para determinar a indemnização emergente da desvalorização da autora teria o montante encontrado de ser reduzido em pelos, 1/3 o que se traduziria em fixar tal indemnização em 10.225,63 euros [20.886,86 euros (2/3 de 31.321,29 euros) - 10.655,23 euros (valor do capital de remissão];
k) Pelo que a admitir-se, sem conceder, que o critério a adoptar será o da douta decisão recorrida, a indemnização por lucros cessantes nunca deverá exceder o supra referido montante de 10.225,63 euros;
l) Não o entendendo assim, a douta decisão ora sob recurso violou o disposto nos já citados artigos 483°,562°, 564° e 566° do Código Civil;
m) Por outro lado, o dano não patrimonial da autora, ora recorrida, como consequência do acidente, deve ser determinado em equidade e tendo-se em consideração os "padrões usuais" da jurisprudência para situações semelhantes;
n) Ponderando-se as lesões sofridas, designadamente fractura de dois arcos costais e trombose venosa profunda fémoro-popliteia do lado direito, tempo de doença (179 dias), "quantum doloris'' (grau 4) e IPP (10%) em equidade e em consonância com os padrões usuais de jurisprudência é adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em 15.000,00 euros;
o) Não o entendendo assim, e fixando tal indemnização em 22.000,00 euros, a douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 496° nºs 1 e 3, 562° e 566° do Código Civil;
p) Por todo o exposto deve pois conceder-se provimento ao recurso, e em consequência, proferir-se acórdão em que confirmando-se no mais o decidido se fixe a indemnização pelo dano futuro em 5000,00 euros ou, sem conceder, a não se entender assim, em 10.225,63 euros e a indemnização por danos não patrimoniais em 15.000,00 euros tudo como é de justiça.

A autora contra-alegou no sentido da confirmação da sentença.
Os Exmºs Desembargadores Adjuntos tiveram visto nos autos.

São os seguintes os factos dados como provados pela 1ª instância, que se consideram assentes, dado que não se mostram impugnados, nem existe fundamento para os alterar, nos termos do artigo 712° n° 1 do Código de Processo Civil:
1. No dia 13 de Fevereiro de 2004, pelas 13:10 horas circulava no sentido Sul/Norte da Avenida …, em …, …, o veículo pesado de mercadorias com a matricula FL, conduzido por “C”.
2. O “C” conduzia o FL no exercício da sua profissão de motorista sob as ordens e por conta de “D”.
3. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, a autora iniciou a travessia da referida Avenida a pé, no sentido Nascente/Poente, pela passadeira de peões situada junto da dependência da Caixa Geral de Depósitos.
4. A referida passadeira era visível através de marcas pintadas no pavimento e antecedida de sinalização vertical de aviso para a mesma.
5. Ao aproxima-se desta passadeira, o “C” não parou o FL para deixar passar a autora que iniciara a travessia da faixa de rodagem.
6. Como consequência, o FL foi embater no corpo da autora.
7. A autora foi projectada com violência para o chão, tendo a sua perna direita sido prensada por um dos rodados do pesado.
8. O descrito em 6. e 7. aconteceu em cima da passadeira referida em 3. e 4.
9. Na data referida em 1., a responsabilidade pelos danos causados a terceiros pelo veículo aí referido encontrava-se transferida para a ré, através da apólice de seguro n°. …
10. Na data referida em 1., a autora deslocava-se para o seu local de trabalho.
11. Na data referida em 1., a entidade patronal da autora tinha transferido a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho para a Companhia de Seguros “E”, através da apólice n° …
12. Como consequência do descrito em 6. e 7., a autora sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento, hematoma da região parieto-occipital esquerda, traumatismo torácico com fractura de dois arcos costais, traumatismo da perna direita, extensas equimoses na face externa da coxa e perna, escoriações múltiplas na prega do joelho, região popliteia e face póstero-externa da perna, edema e limitação funcional importante da articulação tibio-társica direita e trombose venosa profunda férmoro-popliteia do lado direito.
13. Após o descrito em 6. e 7. a autora foi transportada para o Centro Hospitalar do … - Hospital de …
14. Aí recebeu os primeiros tratamentos, fez exames radiológicos e foi submetida a análises ao sangue.
15. De 13 de Fevereiro de 2004 a 20 de Março de 2004. os Drs. … e … prescreveram o descrito a fls. 45 a 50, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
16. A partir de 8 de Março de 2004 até final deste, a autora realizou 11 tratamentos em medicina física e reabilitação.
17. A partir de Março de 2004, a autora passou a ser assistida pelos serviços clínicos da “E” no “F”.
18. Em 25 de Março de 2004, o Dr. … escreveu o relatório clínico de fls. 87, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
19. De 26 de Março de 2004 a 26 de Maio de 2004, o Laboratório de Análises Clínicas … elaborou os relatórios clínicos de fls. 63 a 86, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
20. A autora sofreu uma incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 13 de Fevereiro de 2004 a 10 de Agosto de 2004 (179 dias).
21. Em 29 de Setembro de 2004, o Dr. … escreveu a informação clínica de fls. 33, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
22. No dia 9 de Novembro de 2004, a autora apresentava, como consequência do descrito em 6. e 7., edema da perna direita relacionado com síndroma tromboflobitico, acompanhado da sensação de peso.
23. Neste mesmo dia, em exame médico realizado no Tribunal de Trabalho de …, foi atribuída à autora uma IPP de 40%).
24. Em 13 de Janeiro de 2005, o Dr. … escreveu o relatório clínico de fls. 101, cujo teor de dá aqui por reproduzido.
25. Em 26 de Janeiro de 2005, o Centro Hospitalar …, Hospital de …, emitiu o relatório clínico de fls. 102, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
26. Em Março de 2006, a autora foi examinada por Junta Médica no Tribunal de Trabalho de …, que lhe fixou uma IPP de 11 %.
27. A 6 de Julho de 2006, no âmbito do processo de acidente de trabalho n° … do Tribunal de Trabalho de …, a autora recebeu o capital de remição no montante de 10.655,23 euros.
28. Na data referida em 1, a autora auferia o salário mensal base de 495 euros (x 14 meses por ano), acrescido de um subsídio de alimentação de 100, 10 euros (x 11 meses por ano).
29. A autora exercia a actividade profissional de operadora especializada no Supermercado …, em …
30. Durante o período de tempo referido em 18., a autora recebeu da seguradora mencionada em 11. a quantia de 2.357,98 euros.
31. A autora deixou de receber 30% da sua retribuição. no montante global de 1.010,56 euros.
32. Em 23 de Janeiro de 2004, a …, emitiu a factura de fls. 111, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
33. Em 27 de Janeiro de 2004, a …, emitiu a factura de fls. 112, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
34. A autora nasceu a 17 de Outubro de 1977.
35. A autora casou com “G” no dia 2 de Setembro de 2000.
36. Como consequência do descrito em 6. e 7., a autora esteve acamada cerca de três semanas.
37. A sofrer dores permanentes.
38. A precisar do apoio de terceiros para se deslocar.
39. E para satisfazer as suas necessidades básicas de alimentação e higiene pessoal.
40. Como consequência do descrito em 6. e 7., a autora teve de ser submetida, durante 2 semanas, a colheitas de sangue diárias para análise.
41. Como consequência do descrito em 6. e 7., a autora tomou os medicamentos "Trombocid", "Ananase ", "Viax ", "Varfine" durante período não concretamente apurado.
42. Como consequência do descrito em 6. e 7., hoje, a autora tem de usar uma meia elástica, em permanência, na perna direita.
43. O que causa à autora incómodo e constrangimento.
44. Sobretudo no Verão.
45. Na data referida em 1., a autora tinha o desejo de engravidar do seu primeiro filho.
46. Os medicamentos anticoagulantes "Varfine” referidos em 41. implicaram para a autora a adopção de cuidados especiais para evitar hemorragias.
47. A autora foi aconselhada pelo médico a não engravidar enquanto tomasse o medicamento "Varfine ", dado o risco de hemorragias e aborto.
48. Como consequência do descrito em 6. e 7., em 13 de Janeiro de 2005, o membro inferior direito apresentava sequelas de trombose venosa.
49. No dia 19 de Janeiro de 2005, a autora foi submetida a colheita de sangue para análise.
50. Em Maio e Junho de 2005, a autora foi assistida em consultas no Hospital …”F”.
51. Em Dezembro de 2006, a autora foi assistida pelos serviços clínicos da “E”.
52. Como consequência do descrito em 6. e 7., a autora ficou com uma Incapacidade Permanente Geral ( IPP ) fixável em 10%.
53. A autora continuará, para o resto da sua vida, a usar meia elástica.
54. A ter a sensação de peso na perna direita.
55. A sentir dores.
56. Em consequência das lesões referidas em 12., dos tratamentos referidos em 14. e 16., dos exames, das análises ao sangue referidas em 40. e em 49., da toma de medicamentos referidos em 41 e do período de doença referido em 20., a autora sofreu dores, quantificáveis no grau 4/7.
57. E angústias.
58. E aborrecimentos.
59. E incómodos.
60. E tristezas.
61. No âmbito das funções referidas em 29., a autora procede à reposição de produtos nas prateleiras.
62. O que implica estar cerca de 8 horas a andar a pé.
63. Em consequência do descrito em 17., 19. e 20., a autora passou a ter que fazer um esforço acrescido para exercer a sua actividade profissional.
64. Em consequência do descrito em 6. e 7., a autora ficou com o vestuário e calçado inutilizado.
65. Tudo no valor de 218,50 euros.

Sendo as conclusões que delimitam, como é regra, o objecto do recurso, a questão a resolver consiste na valoração dos danos não patrimoniais sofridos pela autora, bem como na valoração dos danos patrimoniais futuros resultantes da IPP.
Na verdade, a ré/apelante não questiona a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado, a obrigação de indemnizar, nem o valor dos danos patrimoniais que a autora teve de suportar em resultado do acidente: o valor da roupa e calçado inutilizados (218,50 euros) e o que deixou de receber durante o período de 179 dias em que esteve impossibilitada de trabalhar (1.010,56 euros).

Vejamos, então:
Como se sabe, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, nos termos do artigo 496º nº 1 do Código Civil, quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Há danos de natureza não patrimonial quando se verifica uma ofensa de bens de carácter imaterial, isto é, desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis, verdadeiramente, de avaliação económica.
São danos que se traduzem, nomeadamente, na ofensa objectiva de bens como a integridade física, o bem estar. a dor, a saúde, a correcção estética, ressarcíveis de acordo como o citado normativo.
Estando em causa, como se disse, bens desprovidos de conteúdo económico, a indemnização consiste numa reparação indirecta, pois não tem como finalidade repor o ofendido numa situação anterior à lesão: procura-se através de uma determinada soma em dinheiro compensar a vítima, proporcionando-lhe uma satisfação que represente um benefício material que possa contrabalançar, de algum modo, os males que lhe foram causados.
É, por isso, complexo valorar pecuniariamente esses danos, dada a impossibilidade de utilizar critérios objectivos, devendo o montante da indemnização ser fixado de acordo com o princípio da equidade, nos termos do nº 3 do artigo 496° do Código Civil.
No caso que se aprecia, mostra-se provado que a autora “A” sofreu, em resultado do acidente, traumatismo craniano com perda de conhecimento, hematoma da região parieto-occipital esquerda, traumatismo torácico com fractura de dois arcos costais, traumatismo da perna direita, extensas equimoses na face externa da coxa e perna, escoriações múltiplas na prega do joelho, região popliteia e face póstero­-externa da perna, edema e limitação funcional importante da articulação tíbio-társica direita e trombose venosa profunda fémoro-popliteia do lado direito: esteve acamada cerca de três semanas, sofrendo dores permanentes; durante esse período necessitou de apoio de terceiros para se deslocar e para satisfazer as necessidades básicas de alimentação e de higiene: realizou 11 tratamentos em medicina física e de reabilitação: esteve impossibilitada de trabalhar durante 179 dias: nove meses após o acidente ainda apresentava edema da perna direita relacionada com síndroma tromboflobítico, acompanhado com sensação de peso e, em Janeiro de 2005, ainda apresentava no membro inferior direito sequelas de trombose venosa: sofreu dores quantificáveis no grau 4/7, angústias, aborrecimentos, incómodos e tristezas: adiou o projecto de engravidar, pela toma de medicamentos anticoagulantes; terá de usar, durante toda a vida, meia elástica, o que lhe causa incómodo e constrangimento, sobretudo no verão: mantém a sensação de peso na perna direita e continua a sentir dores; a sequela da lesão impõe-lhe um esforço acrescido para o exercício da sua actividade profissional, como operadora especializada no Supermercado …, em …, uma vez que necessita de andar a pé cerca de 8 horas diárias, na reposição de produtos nas prateleiras.
Todos estes danos de natureza não patrimonial, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, entendendo-se equilibrada e adequada a indemnização de 22.000,00 euros arbitrada na sentença recorrida.

Importa agora atender aos danos patrimoniais futuros, em resultado das lesões que determinaram um IPP de 10%.
A incapacidade laboral permanente, ainda que parcial, tem, necessariamente, consequências negativas na actividade geral do lesado e determina uma perda de capacidade aquisitiva na vida futura, constituindo dano patrimonial susceptível de ser indemnizado pelo lesante, nos termos do art. 5640 n° 2 do Código Civil.
Sendo comummente entendido que a indemnização por este dano deve corresponder a uma capital produtor do rendimento perdido mercê da incapacidade, que se extinguirá no fim do período provável da sua vida activa, susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes à perda de ganho.
Mas, na impossibilidade de averiguação exacta destes danos, na perspectiva de um ganho económico que deixará de ser obtido, uma vez que as contingências da vida não são redutíveis a procedimentos estandardizados, a "justa indemnização" só pode ser encontrada através de um julgamento equitativo, sopesando o conjunto dos factos apurados e relevantes para a sua determinação, decidindo o juiz ex aequo et bono, por razões de conveniência, de oportunidade e, principalmente, de justiça concreta.
Ou seja, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.
Conforme se refere no acórdão do STJ, de 7.10.2004, "no fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa (relator Salvador da Costa).
ln casu, apesar de a incapacidade permanente parcial de 10% (por limitação dolorosa das mobilidades da articulação do joelho direito, com incapacidade funcional, conforme se lê no relatório do Instituto de Medicina Legal de fls 216 e seguintes) não afectar a actual actividade profissional da autora, que tinha 26 anos de idade na altura do acidente (sem prejuízo do esforço físico suplementar que lhe é exigido no exercício da sua actividade profissional, já valorado ao nível do dano não patrimonial), acarreta, necessariamente, consequências negativas na
actividade geral da lesada, como dano biológico, com reflexo na sua actividade profissional, e determina uma perda de capacidade aquisitiva na vida futura, constituindo dano patrimonial atendível, nos termos do art. 564° n° 2 do Código Civil, conforme atrás se deixou explicitado.
Deste modo, perante os elementos disponíveis - a autora tinha, na altura do acidente, 26 anos de idade e auferia o salário mensal base de 495,00 euros como operadora especializada no supermercado … - e de acordo com os nºs 2 e 3 do artigo 566° do Código Civil, entende-se adequada a fixação da indemnização de 25.000,00 euros pelo dano funcional futuro decorrente da incapacidade parcial permanente de 10% que afecta a autora.
É este, de resto, o valor estimado pela autora, na petição inicial, a título de dano patrimonial futuro.
Mas, sendo o acidente caracterizável como de viação e de trabalho, simultaneamente, as indemnizações não se cumulam ­aspecto em que não há dissenso - e apenas se completam até ao ressarcimento total do prejuízo, pois a lei não admite a dupla indemnização pelo mesmo dano.
Por isso, haverá que atender à importância já recebida pela autora, a título de ressarcimento pelo dano patrimonial futuro, no âmbito da jurisdição laboral (l0.655,23 euros), que será deduzida na quantia que cumpre à ré destes autos pagar (25.000,00 euros ­10.655,23 euros = 14.344,77 euros).

Por todo o exposto, concluindo, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença apenas na parte da valoração do dano patrimonial futuro, condenando-se a ré no pagamento da quantia global de 37.573,83 euros.

Não tendo a ré suscitado, no recurso, a questão da data a partir da qual são contados os juros moratórios, haverá que entender que se conformou com o que a 1ª instância decidiu nesse aspecto, pelo que à referida quantia de 37.573,83 euros acrescem juros de mora, desde a citação, à taxa legal supletiva geral.

Custas na proporção do decaimento.
Évora, 15 Janeiro 2009