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AUDIÊNCIA PRELIMINAR
PROMESSA PÚBLICA
Sumário
I – As finalidades para que, num concreto processo, for convocada a audiência preliminar não vinculam o juiz se no seu decurso ele verificar que a respectiva concretização redundaria em acto inútil.
II – Uma promessa pública pressupõe o anúncio de uma prestação a quem se encontre em determinada situação ou pratique certo acto positivo ou negativo e, na falta de declaração em contrário, a prestação será devida mesmo àqueles que se encontrem na situação prevista ou tenham praticado o acto sem atender à promessa ou até a ignorassem – artigo 459º, Código Civil.
Texto Integral
* PROCESSO Nº 3193/08 – 2 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA ELAÇÃO DE ÉVORA *
“A” e mulher “B” residentes na Rua …, n° …, …, instauraram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra: “C”, viúvo, advogado; “D”; “E”
todos residentes na Rua …, nº …, …; “F” e mulher “G”, residentes no apartamento …, n° …, …
Pedem que seja proferida decisão que:
- declare que os três primeiros RR. venderam ao 4° R. marido as metades que possuem no prédio urbano situado na … freguesia de …, inscrito na matriz predial daquela freguesia sob o artigo 6038°, relativamente às fracções "A", "B"', "C"; "D", "E", "F", "G", "H" e "I":
- Que o preço fixado individualmente pelos Réus e recebido pelos vendedores foi de € 35.142,59, incluindo, nomeadamente, a metade da fracção "E";
- Que tendo em vista a promessa pública e obrigação contratualmente assumida pelo 4° Réu quanto à extinção dos ónus que incidiam sobre a totalidade do prédio e nomeadamente a fracção "E", deverá ser declarada a extinção da inscrição ''F3"' (penhora efectuada através da AP 11/050493 da Conservatória do Registo Predial de …) no que se refere à fracção "E", dado que o 4° réu, titular do direito de crédito ali registado, recebeu do anterior proprietário, tal como se expôs nos artigos 30°, 31° e 40°, a importância de € 90.000,00, sendo certo que a quota parte em dívida relativa à metade desta fracção era de € 34.009,00.
- Que o 4° Réu seja condenado ainda a expurgar os ónus que incidem sobre a fracção "L", identificados no artº 64, ou, para o caso de o Réu não cumprir tal obrigação, deverá o mesmo ser condenado a pagar aos AA. os valores que estes vierem a ter de satisfazer para expurgar tais ónus, contratualmente assumidos pelo 4º Réu e para o qual recebeu os valores em causa do anterior vendedor da metade da fracção adquirida pelo A. marido.
Tudo com base nos factos e fundamentos jurídicos aduzidos na p.i. que se dá por reproduzida.
Todos os RR. contestaram concluindo pela improcedência dos pedidos, conforme articulados de fls. 126-130 (três primeiros RR.) e 136- 143 (restantes) e a que os AA. responderam com o articulado de fls. 151-164.
Ordenado e efectuado o registo da acção, foi convocada a audiência preliminar no decurso da qual a Mmª Juíza, entendendo que poderia desde logo conhecer do mérito da causa e após ter assegurado o exercício do contraditório, proferiu saneador-sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo os RR. dos pedidos.
Inconformados, interpuseram os AA. o presente recurso de apelação em cuja alegação formulam as seguintes conclusões:
1 - Tal como se referiu no relatório, em face do disposto no artº 659° n° 2 e 3, devem considerar-se provados ainda os factos constantes das alíneas "a a n que aqui se dão por reproduzidos, tendo em vista o que dispõe o artº 712°, n° 1 e 2 do CPC.
2 - Tal como se tentou demonstrar, o 1° pedido apresentado pelos apelantes refere-se a uma pretensão judicial de reconhecimento de um facto ou direito que nada tem a ver com qualquer nulidade de compra e venda de bens imóveis.
3 - Os pedidos contemplados em II, III e IV não estão dependentes do 1º pedido, tendo existência autónoma e teriam de ser conhecidos e julgados - o que não se verificou.
4 - Tal como acima se demonstra e considerando que os autos não fornecem os necessários elementos factuais para conhecer do mérito da acção, deveria ter tido lugar a audiência preliminar quanto aos pontos 2 e segs. do despacho que convocou tal diligência judicial e que acabou por não se realizar quanto aos pontos nela referidos.
5 - Conforme se referiu no relatório, nos termos do art° 510°, n° 1. b) do CPC, não pode o julgador conhecer do mérito da acção enquanto no processo não estejam obtidos os pontos de facto articulados e necessários para as várias e plausíveis soluções de direito pelo que a Mmª Juíza não poderia conhecer do mérito da causa no saneador sem a elaboração da matéria de facto assente por discussão entre as partes (o que não ocorreu) e da base instrutória e sem dar às partes a possibilidade de sobre tais factos produzirem prova.
6 - No entendimento dos apelantes a decisão "sub júdice " violou, designadamente:
- Art° 20°, nº 1 da CRP tendo em vista que a decisão sub Júdice "não lhe permitiu o exercício efectivo da tutela jurisdicional efectiva que reclamam";
- Artº 156°, n° 1 do CPC, na medida em que a decisão não administrou "justiça" na pretensão formulada pelos apelantes de verem a sua pretensão conhecida;
- Art° 508-A do CPC, na medida em que, embora mencionando os pontos que a norma legal prevê, apenas foi dado cumprimento à "tentativa de conciliação" a que se refere a alínea "a", n° 1;
- Art° 510°, n° 1. alínea b) do CPC na medida cm que os autos não fornecem os elementos de facto necessários para a decisão do mérito da acção;
- Art° 511°, por omissão em face da decisão prematura que se refere nas anteriores conclusões:
- Artº 513º do CPC, por omissão do despacho saneador com a selecção da matéria assente após discussão entre as partes e da base instrutória necessária para a decisão da lide.
- Artº 660°, n° 2, conjugado com o n° 2 do artº 2° do CPC, na medida em que a Ma Juíza na decisão proferida não tutelou os direitos reclamados pelos apelantes nem conheceu como devia as suas pretensões legalmente formuladas e que deveria conhecer, uma vez que no caso vertente, o 1 ° pedido não prejudica os demais nem vice versa.
Termina pedindo a revogação da decisão e que os autos prossigam os ulteriores termos.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar a decidir.
Na decisão recorrida considerou-se assente a seguinte factualidade:
1 - No dia 30 de Julho de 2003, “H” vender a “A” "metade da fracção autónoma identificada pela letra "E"', correspondente ao rés-da-chão, no sentido Norte-Sul, Apartamento Duplex, designado pelo n° 5, do prédio urbano sito em …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n° dois mil oitocentos e cinquenta e três.
2 - Tal aquisição encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de …, pela inscrição G2.
3 - O restante 1/2 do prédio identificado encontra-se inscrito a favor de “C”, “D” e “E” (inscrição G 1).
4 - Foi inscrita no mesmo registo através da cota "G 3", uma aquisição de 1/2, do mesmo prédio, provisória por natureza ao abrigo do disposto na al. g), n° 1 e b) do nº 2 do art° 92° do Código do Notariado, a favor de “I” e “J”, por compra aos 3 primeiros Réus.
5 - A referida aquisição provisória encontra-se caducada.
6 - Não foram celebradas escrituras públicas de compra e venda no que respeita às fracções "A" a “I” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 02853.
Vejamos então.
Como se sabe e resulta do disposto nos art°s 684 n° 3 e 690° do C. P. Civil, são as conclusões da alegação que delimitam o âmbito do recurso, só podendo ser analisadas as questões nelas suscitadas.
Começaremos, neste contexto, por abordar uma questão meramente formal ou seja a contida nas conclusões 4ª e 5ª, e que tem a ver com a audiência preliminar, na qual, na tese dos apelantes, se deveria ter cumprido uma das finalidades para que foi convocada, ou seja o estabelecimento dos factos assentes e a organização da base instrutória, dada a existência de factos controvertidos.
Mas a verdade é que não lhes assiste razão.
Com efeito, as finalidades para que, num concreto processo, for convocada a audiência preliminar não vinculam o juiz se no seu decurso ele verificar que a respectiva concretização redundaria em acto inútil. Nesta perspectiva, o facto de no despacho que a convoca o juiz ter consignado que a mesma se destinava, além do mais, a seleccionar a matéria de facto e a decidir as reclamações que subsequentemente viessem a ser invocadas, não pode impedir que, constatada a verificação do circunstancialismo previsto na al. b) do n° 1 do artº 510° do C. P. Civil, conheça imediatamente do mérito da causa.
Ou seja, concluindo o tribunal, no decurso da audiência preliminar a que aludem os artºs 508° e 508°-A, que a factualidade desde logo assente permite conhecer dos pedidos, fosse qual fosse a prova que viesse a produzir-se quanto aos factos controvertidos, ou que, independentemente da produção de qualquer prova, a pretensão do autor não pode proceder, tem obrigatoriamente que julgar a causa, e abster-se, em obediência ao disposto no artº 137° do mesmo diploma, do acto inútil de proceder à organização da base instrutória.
Foi o que aconteceu e, adiante-se desde já, muito bem, no caso em apreço.
Para o demonstrarmos, vejamos em primeiro lugar os dados da questão, tal como é apresentada pelos apelantes:
- em 30 de Julho de 2003 adquiriram a “H” metade da fracção autónoma identificada pela letra "E" do prédio urbano sito em …, freguesia e concelho de …, descrito no CRP de … sob o n° 2853;
- a outra metade encontra-se registada a favor dos três primeiros RR;
- por contrato celebrado em 9 de Março de 2002, os três primeiros RR. prometeram vender ao R. “F” metade de cada uma das onze fracções autónomas do mesmo imóvel, entre elas a metade da fracção E, pelo preço global de € 773.137,00;
- o R. promitente comprador procedeu aos pagamentos a que se refere a cláusula 3ª tendo os três primeiros RR recebido integralmente o preço;
- previa-se na cláusula 4°, n° 3 do mencionado contrato para a eventualidade de o R. “F” não marcar a escritura após o último pagamento do preço global fixado na cláusula 2a que os promitentes vendedores emitiram a favor daquele uma procuração para que o mesmo os representasse nas escrituras a realizar;
- essa procuração veio a ser efectivamente outorgada em 18-10-2002 no 2° Cartório Notarial de …;
- o preço acordado na cláusula 2a do contrato promessa foi pago por intermédio do 4° Réu com as receitas provenientes dos contratos-promessa de compra e venda que realizou relativo a dez fracções;
- o referido R. fazia constar dos contratos promessa que celebrou que em relação a tal prédio em propriedade horizontal existem actualmente várias inscrições registrais de penhoras ... as quais o primeiro outorgante B se compromete a cancelar ... a fim de permitir que a totalidade do prédio fique inteiramente livre de hipotecas, ónus e encargos. "
- embora os três primeiros RR. reconheçam publicamente que venderam a sua parte ao 4° R. marido, o certo é que não celebraram, até esta data o acto notarial necessário para a transferência da propriedade das fracções.
É essencialmente com base nestes factos que formula os pedidos acima transcritos.
Relativamente ao primeiro dos pedidos, como aliás se concluiu na douta sentença, a sucumbência dos AA. surge inevitável face à disposição imperativa do artº 875° do C Civil, na redacção vigente à data da propositura da acção, nos termos do qual o contrato de compra e venda de bens imóveis só era válida se fosse celebrado por escritura pública, acarretando a preterição de tal formalidade a nulidade do acto, nos termos dos art°s 220 e 286° do mesmo diploma, contexto em que as fracções em causa não chegaram a sair do património dos promitentes vendedores.
Na verdade, o negócio prometido celebrar, ou seja o contrato de compra e venda só podia, no caso concretizar-se pela forma expressamente prevista na lei, ou, verificados que fossem os respectivos pressupostos, através dos mecanismos da execução específica a que alude o artº 8300 do C. Civil, a pedido, obviamente, da parte cumpridora do contrato contra a parte inadimplente, sendo certo que o contrato em causa é para os apelantes res inter alios acta, o que significa que lhes faltava, de todo, a necessária legitimidade ad substantiam.
Relativamente aos de mais pedidos, ainda que se concordasse com os apelantes quando sustentam a respectiva independência relativamente ao primeiro, a verdade é que eles se baseiam numa declaração dirigida pelo réu ”F” , como promitente vendedor, aos promitentes vendedores, da outra metade da fracção "E" e das metades das outras fracções, nos termos da qual se comprometia a cancelar as penhoras sobre elas incidentes.
Ora, quando os apelantes, na formulação do pedido III, chamam a isso "promessa pública e obrigação contratualmente assumida, por um lado, mostram-se alheados do conceito de promessa pública contido no art° 459°, que pressupõe o anúncio público de uma prestação e, por outro lado, estão a falar de contratos a que são absolutamente alheios e que, por isso, só vincularam o referido Réu perante os concretos destinatários de tal declaração.
É que, apesar de da mesma declaração constar que o compromisso assumido tinha em vista permitir que totalidade do prédio (pormenor de que os apelantes especialmente se socorrem) ficasse livre de quaisquer ónus ou encargos, nem sequer se poderia subsumir a situação na figura do contrato a favor de terceiro, a que alude o art° 443° do CC, na medida em que, sendo da sua essência que os contraentes (no caso o R. e os promitentes compradores) ajam com a intenção de atribuir, através dele, um direito a um terceiro, não se vê que manifestação de vontade possam ter emitido, nesse sentido, e a favor dos AA., os promitentes compradores.
Não pode, por fim, falar-se em promessa unilateral, no contexto do art° 411º, na medida em que vinculando embora esta apenas uma das partes, tem de estar naturalmente identificado a outra, ou seja o respectivo beneficiário, sendo certo que o Réu em causa nenhuma declaração dirigiu aos apelantes.
Mostram-se, assim, improcedentes todas as conclusões da alegação, não tendo a douta sentença violado quaisquer normas legais, designadamente as referidas pelos apelantes.
Por todo o exposto e sem necessidade de mais considerandos, na improcedência da apelação, confirmam a decisão impugnada.
Custas pelos apelantes.
Évora, 05.02.09