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CONSUMPÇÃO
CRIME DE COCÇÃO SEXUAL
CRIME DE VIOLAÇÃO
INTERNAMENTO DE INIMPUTÁVEL - ARTIGO 104.º DO CÓDIGO PENAL
Sumário
1 - Existe consumpção impura, onde se constata que a circunstância que diferencia os crimes deve funcionar como agravante mas redunda numa pena substancialmente inferior, com a agravante de, constatando-se uma perfeita consumação do crime fundamental, se obter uma pena abstracta substancialmente inferior a este. 2 - No caso de concurso entre o crime de coação sexual e o crime de violação tentada, se a posição inicial da doutrina se parece reduzir à pura e simples inversão da regra normal da consumpção pura, punindo-se o agente pelo crime que deveria ser consumido, o crime dominado – no caso a coação sexual – quer no campo da definição do ilícito quer no campo da punibilidade, a actual posição doutrinal aponta para uma diferenciação dessas duas vertentes, a definição do ilícito típico, por um lado, a definição da punibilidade, por outro. 3 - De onde resulta a aceitação da “cisão teorética entre norma de comportamento e norma de sanção”, compatível com o princípio da legalidade, no caso de concurso entre os crimes de violação (na forma tentada) e coacção sexual, com a punibilidade a operar pela moldura abstracta do crime de coacção sexual. 4 - O internamento de um imputável em estabelecimento para inimputáveis pode surgir como incidente em fase de execução da pena, desde que os factos pertinentes não tenham sido apurados em audiência de julgamento, 5 - No entanto, a previsão do artigo 104º do Código Penal tem uma maior amplitude – configura-se como uma “forma de execução da pena privativa de liberdade” - e exige uma tomada de posição do tribunal de julgamento no apurar dos factos que são seu pressuposto e na decisão quanto à conveniência da sua aplicação. 6 - A possibilidade de aplicação do artigo 104º do Código Penal é um poder-dever do tribunal de julgamento, desde que verificados aqueles pressupostos. São eles a anomalia psíquica contemporânea da prática dos factos que conduza à existência de uma imputabilidade diminuída; a prejudicialidade, para o arguido, do cumprimento da pena em estabelecimento prisional comum; a perturbação do regime dos estabelecimentos prisionais comuns se o arguido ali cumprir pena. 7 - No caso de preenchimento do primeiro requisito (mandatório) e de um dos requisitos seguintes, deverá ao arguido ser aplicado o regime daquele preceito, o internamento em estabelecimento para inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena ou até que cesse a causa que tenha aconselhado o internamento.
Texto Integral
Processo n.º 2.807/08
Acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
A - Relatório:
No âmbito do processo comum colectivo n.º 646/07.4GCFAR do Tribunal Judicial de Faro, em que é arguido A S, actualmente detido no EP de , foi lavrado acórdão a 27 de Maio de 2008 que: Absolveu o arguido da acusação da prática de um crime de violação consumado, p. pelo art. 164° nº 1 do CP, e de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210° nº 1 e 2 al. b), com referência ao art. 204° nº 2 al. f), do CP, sem prejuízo da imputação da prática destes crimes sob outra forma; Condenou o arguido pela prática de:
um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelos art. 164° nº 1, 22° nº 1 e 2 al. c), 23° e 73° do CP, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
um crime de roubo, p. e p. pelos art. 210° nº 1 e 2 al. b), e 204° n° 2 al. f) e 4, ambos do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;
um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158° nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão;
um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143° nº 1 do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
condenou, em cúmulo jurídico das penas singulares ora aplicadas, o arguido A S na pena conjunta de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
e no mais legal.
O arguido, não se conformando com a mesma decisão, interpôs recurso para o STJ.
Aqui, após convite – cumprido - para sintetizar as suas conclusões, veio a ser lavrado despacho pelo Exmº Sr. Juiz Conselheiro que, considerando haver invocação de insuficiência da matéria de facto provada e contradição da fundamentação, determinou a remessa dos autos a este Tribunal da Relação.
São as seguintes as conclusões aperfeiçoadas do recorrente:
1°. Vem o presente Recurso interposto do, aliás douto, Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que condenou o Arguido, ora recorrente, com o devido respeito pela douta Decisão, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os fins legais, não podemos, contudo, concordar com a mesma, pelos motivos adiante expostos: Crime de Violação: 2°. Vinha o Arguido acusado da prática de um crime de violação, na forma consumada, p. e p. pelo art. 164° nº 1 do CP. Para o Tribunal recorrido, dos factos apurados resultou que o Arguido usou força física (violência, portanto) para constranger a ofendida a suportar a sua actuação de carácter sexual, força esta claramente idónea a superar a resistência da Sandra, sendo que era intenção do arguido manter cópula com a ofendida (introduzir o seu pénis na vagina desta), o que não conseguiu por razões alheias à sua vontade (factos 12, 20 e 25 do douto ac6rdão). 3°. Entendeu ainda o Tribunal recorrido que, existe um concurso aparente de crimes, entre o crime de violação e o crime de coacção sexual. [1] Assim, para o Tribunal recorrido, os actos que preenchem o conceito do crime de coacção sexual, são meramente instrumentais face à violação intentada, porque inseridos no mesmo processo executivo de tal violação, não tendo por isso desvalor autónomo. [2] 4°. O Tribunal recorrido decidiu-se, e bem, pela verificação de uma consunção, em que o crime de sentido dominante seria o crime de violação, na forma tentada, e o crime de coacção sexual, na forma consumada, seria o crime dominado. 5°. Porém, o Tribunal recorrido ao invés de aplicar as regras que presidem ao concurso aparente de crimes [3] (refugiando-se no paradoxo legal de que aquela aplicação legal que o Arguido beneficiaria de uma moldura penal abstracta mais favorável apesar de ter considerado existir uma consunção) optou pela punição do Arguido pelo crime dominante mas com a aplicação da sanção penal mais severa, ou seja, a do crime dominado. 6°. Julga o Recorrente, ser este entendimento manifestamente violador das regras e princípios basilares do Direito Penal, inclusivamente, o Principio da Legalidade e da Tipicidade, permitindo uma decisão arbitrária e desconforme com a certeza exigida à aplicação das normas penais.[4]Os princípios Ne Bis Idem e lex consumens derogat lex consumate não permitem que o Tribunal, ao aferir a culpa e o tipo de crime que lhe assiste, opte por um tipo de crime e aplique depois a moldura penal abstracta prevista para outro tipo de crime. 7°. A solução preconizada pelo Tribunal recorrido, conduz a que, ao invés de lhe ter sido aplicada a moldura penal abstracta prevista para o crime dominante, na forma tentada, que seria de 2 anos e 4 meses de prisão a 6 anos e 6 meses de prisão; tenha sido aplicado, ao crime de violação tentado a moldura penal abstracta de 1 ano a 8 anos de prisão (in pag. 18 do douto Acórdão). [5] 8°. Assim: ou se entendia que o concurso aparente entre o crime de violação tentado e o crime de coacção sexual consumado, prevaleceria o crime de coacção sexual, aplicando-lhe a moldura penal abstracta para este tipo de crime prevista; ou se condenava o Arguido pelo crime de violação na forma tentada, determinando a medida concreta de pena de prisão nos exactos termos previstos para a moldura penal abstracta para este tipo de crime, na sua forma não consumado, ou seja, com pena de prisão de 2 anos e 4 meses a seis anos e seis meses de prisão. [6]
9°. Não se diga que, a pena em concreto aplicada, 6 anos de prisão, pelo crime de violação na forma tentada (em conjugação com o de crime de coacção sexual consumado, conforme operou o Tribunal recorrido) cabe dentro da moldura penal abstracta prevista tanto para um como para o outro dos crimes mencionados (porque In casu, o Julgador, ao optar pela aplicação do crime de violação na forma tentada, a moldura penal abstracta variava num hiato global de tempo entre o mínimo e o máximo de 4 anos e 1 mês). 10°. Caso o julgador opte pela punição pelo crime de coacção sexual consumado, a moldura penal abstracta varia num hiato global de tempo entre o mínimo e o máximo de 7 anos. (Ou seja, para fixação da dosimetria penal aplicável, os resultados seriam bastantes diversos, consoante o Tribunal opte pela punição pelo crime previsto no art. 164°, na forma tentada, ou pelo crime previsto pelo art. 163°, na forma consumada). 11°. Ao optar pela punição do Arguido naqueles termos, o Tribunal recorrido, violou a norma prevista no art. 40º, n. 2 do CP (até porque, a pena aplicada de 6 anos de prisão, pelo crime de violação na forma tentada, é justamente o limiar do máximo legal cabível para tal imputação (6 anos e 6 meses), ou seja, o tribunal aplicou a pena máxima ao Arguido!), ou seja, a pena aplicada é bastante superior à culpa do agente. 12°. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo, olvidou factos, dados como por provados, que depuseram a favor do agente,[7]não tendo sido tomados em conta para a fixação da medida concreta da pena a aplicar, violando-se assim, o disposto no n. 2 do art. 71 do CP. [8] Ora o Tribunal recorrido, ignorou por completo factos, que deu como por provados (pontos 29, 30 e 31, pags. 5 e 6), mas depois não os assimilou, como lhe competia, aquando da determinação da medida da pena, violando aquele dispositivo legal. 13°. Termos em que, de acordo com todo o exposto, deveria o Arguido ter sido condenado como autor material de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164° nº 1 do CP, na forma tentada, que conforme as seguintes normas, art. 22°, 23°, 30° e 73° do CP, sendo a moldura penal abstracta entre o mínimo legal 2 anos e 4 meses a 6 anos e seis meses de pena de prisão, fixando-se a medida concreta da pena de prisão, próximo do mínimo legal e abaixo dos 4 anos de prisão. Suspendendo-se a mesma na sua execução, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 50° do CP, sujeitando-se o Arguido, caso se considere válido, ao previsto no n. 3 do art. 52 do CP. Crime de Roubo: 14°. O Tribunal a quo deu como provado que o Arguido cometeu a prática de um crime de roubo simples, consumado. [9] Por outro lado, deu o Tribunal recorrido como não provado que: "...o Arguido, na ocasião descrita em 15), ordenou à S que abrisse a carteira que se encontrava dentro da mala, o que esta fez, de onde retirou todo o seu conteúdo, assim demonstrando ao arguido que não possuía qualquer quantia monetária" (cfr. al. h) pag. 7); ..."Sandra entregou ao arguido o seu cartão Multibanco" (cfr. al. i) pag 7). 15°. Fundamentando a sua decisão sobre os factos provados e não provados: "No que concerne ao valor descrito em 16 (ainda a este respeito, e contra o que o Arguido sustentou, não só a Sandra viu o arguido colocar a carteira no bolso das calças como a circunstância de esta não ter mais aparecido, ocorrendo os factos num local reservado de um estabelecimento comercial, ao contrário do que ocorreu com os cartões MB, é o mais seguro índice de o que o arguido a levou consigo) a S não conseguiu precisar os valores em causa mas do seu depoimento decorria com absoluta segurança que a soma do dinheiro (que se calhar não atingia os 1O euros, segundo disse) com o valor da carteira (pequena e de fraca qualidade, segundo o seu depoimento) não ultrapassava o valor indicado, o qual funciona como limite absolutamente inultrapassável" (cfr. pag. 8 e 9 do douto Acórdão). 16°. Deste modo, o Tribunal a quo contradiz-se quando para justificar o porquê de valorar os factos relativos ao porta-moedas (por contraposição aos cartões MB), refere que tais factos ter-se-ão verificado em locais e momentos diversos (ora nos pontos 14, 15, 16, 17, 18 e 19 do douto Acórdão, dá como por provado factos que ocorrem todos no mesmo lugar e espaço, sendo unos quanto ao tempo de ocorrência). 17°. Para contrariar a evidência de que o Arguido não se apoderou dos Cartões MB, como do porta-moedas e do seu conteúdo (diga-se impreciso porque nunca com segurança foi possível apurar o seu real valor}, tanto que, os cartões foram encontrados no referido sitio, e ao arguido nada foi apreendido que se assemelhasse à referida carteira porta-moedas, na falta de provas suficientes e credíveis, o Tribunal recorrido, recorreu-se de uma presunção para suprir a insuficiência de provas e a contradição de fundamentação em que "caiu", contentando-se em afirmar que: é o mais seguro índice que o arguido a levou consigo. 18°. O apuramento da verdade material não pode ser feito com base em presunções e deduções contraditórias, discutíveis e eivadas de incertezas, nomeadamente, quanto ao conteúdo e valor dos bens jurídicos protegidos (in casu, o património da ofendida que não pôde ser apurado com a certeza legalmente exigível}. 19°. Nestes termos, violou o Tribunal a quo o disposto na al. a) e b) do n.02 do art. 410º do CPP, quando condenou o Arguido pela prática de um crime de roubo, simples, consumado, que in casu, não reuniu prova suficiente para assim o poder determinar, pelo que, antes lhe cabia, ABSOLVER o Arguido, fazendo jus ao principio in dubio pro reo. 20°. Caso se entenda que o supra alegado não tem mérito, situação que só admitimos por mero dever de patrocínio, sempre se diria que, a pena concreta de prisão aplicada ao Arguido pelo crime de roubo praticado, de 1 ano e 9 meses (atendendo à quantia em causa, que nem se consegui apurar, mas que admitiu o Tribunal ser inferior a 95 euros; os factos atinentes ao Arguido, dados por provados nos pontos 29, 30, 31 e 32, respectivamente pag. 5 e 6 do douto Acórdão), peca por excesso. Devendo, a mesma, ser a fixada como limite mínimo legal, de 1 ano, e suspensa na sua execução, nos termos do art. 50 do CP Crime de ofensa à integridade física simples: 21°. Segundo o Tribunal recorrido, resultaram factos, apurados em Julgamento que permitiram imputar e condenar o arguido como autor da prática de um crime de ofensas à integridade física simples (para tanto considerou o Tribunal recorrido que: “...o Arguido, ao actuar como descrito em 22, preencheu a tipicidade, objectiva e subjectiva deste tipo de ilícito. É, além disso, igualmente patente que esta ofensa ocorre com autonomia face aos demais praticados é posterior ao roubo e não se insere no processo executivo de nenhum dos momentos da tentativa de violação”). 22°. Julga-se existir uma contradição ao fundamentar a sua decisão, porquanto: para imputar e condenar pelo crime de ofensas à integridade física simples considera que a conduta do agente não se insere em nenhum momento da tentativa de violação; mas ao dar como por provada a conduta do Arguido (supra referida), insere-a no contexto da tentativa de violação operada na casa de banho (dada por provada nos pontos 20, 21 e 22 do douto Acórdão). 23°. Tanto assim é que, é o próprio Tribunal a quo que ao justificar a continuidade temporal e situacional das duas tentativas de violação praticadas em situações semelhantes (primeiro no Interior do compartimento e depois na casa de banho), considera existir uma unidade delitiva das condutas do Arguido (veja-se último parágrafo da pag. 15 e primeiro parágrafo da pag. 16 do douto Acórdão). [10] 24°. Ora, se existe esta unidade, não se descortina onde viu o Tribunal recorrido um momento diverso para a suposta agressão, que segundo os factos provados, ocorre na casa de banho quando o Arguido continua atentar violar a ofendida. Mantendo-se este entendimento viola-se o previsto na al. b) do n. 2 do art. 410º do CPP. [11] 25°. Concluindo: deve ser operada a consunção entre o Crime de violação tentado (crime dominante) com o do crime de ofensa à integridade física simples (crime dominado), porquanto, este último é instrumental em relação à pretendida violação, cuja execução prevê no tipo legal da norma a violência. [12] Ou seja, a violência exercida, conforme "se exige", não foi desproporcional ou descontextualizada da violação tentada e em curso aquando da agressão perpetrada. 26°. Nestes termos, deveria o Tribunal a quo considerar a ofensa à integridade física consumida pela tentativa de violação, e em consequência, ABSOLVENDO-SE o Arguido, mercê da proibição de dupla valoração, prevista no art. 30º do CP, e violada pelo douto Acórdão recorrido. Cúmulo Jurídico: 27°. Julga o recorrente que, face ao supra alegado, em cúmulo jurídico a operar (conforme prevê o art. 77° do CP), dever-se-á ter em atenção, toda a condição pessoal; familiar; social; profissional e económica do Arguido, que abonam e o favorecem, merecendo portanto aplicação do previsto no art. 71° e 72° do CP. Sobretudo, atender-se à sua anomalia psíquica, e sua incapacidade para se inserir no meio prisional, pondo em risco a sua saúde mental e física. 28°. Apesar de imputável, o seu quadro patológico não pode deixar de ser atendido aquando da aplicação ou não de pena efectiva de prisão, sob pena de contrariar-se, assim, os desideratos da aplicação das penas, prevista no art. 40 do CP. Aliás, o Tribunal a quo "telegráficamente" justificou, assim, a não aplicação do regime previsto para Arguidos imputáveis com anomalia anterior: “Não existem factos que permitam sustentar a aplicação do regime do art. 104° nº 1 do Código Penal”. 29°. Julgamos que este regime é baseado numa norma de execução, ou seja, de um poder-dever do Tribunal, e não meramente um dever, pelo que, ao agir da forma como agiu, violou o Tribunal recorrido a citada norma. Tanto que, deu como por provados factos que justificam a aplicação daquele regime (nomeadamente a sua anomalia psíquica; o seu consumo abusivo de álcool; a sua inadaptação ao meio prisional (cfr. pontos 29, 30, 31 e 32 pag. 5 e 6). [13]
30º. Pelo que, caso não se opte pela aplicação em cúmulo jurídico de pena de prisão, inferior a cinco anos e suspensa na sua execução, mediante aplicação do -previsto no n. 3 do art. 52° do CP ., deverá ser aplicado ao Arguido, ora Recorrente, o regime previsto no art. 104°, n. 1 do CP.
Notificado da interposição de recurso e da sua admissão o Exmº. Procurador junto do Tribunal de Faro respondeu ao mesmo, pugnando pela sua improcedência.
Nesta Relação, a Exmª Srª Procuradora-geral Adjunta, emitiu douto parecer propugnando pela improcedência do recurso.
Foi observado o disposto no n.º 2 do art. 417º do Código de Processo Penal.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
B - Fundamentação: B.1.a) -Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1) No dia 30 de Agosto de 2007, entre as 15.30 e as 16.00 horas, o arguido deslocou-se ao estabelecimento comercial onde labora S, sito na E.N. .
2) Uma vez aí, o arguido vislumbrou a S, começou a dialogar com ela, a pretexto de a sua irmã pretender adquirir uma máquina registadora, tendo, logo nessa altura, formulado o propósito de com ela manter relações sexuais de cópula completa, contra a sua vontade, com recurso à violência se tal se mostrasse necessário.
3) Assim, no dia seguinte, o arguido, para concretizar os seus intentos, deslocou-se novamente ao estabelecimento referido, tendo ali ficado a aguardar que a S aparecesse.
4) Entre as 15.30 e as 16.00 horas a S chegou ao estabelecimento a fim de ir buscar uma factura.
5) Nessa altura, quando já se encontrava no interior do estabelecimento, a S foi abordada pelo arguido, o qual, após uma breve troca de palavras, a agarrou, tapou-lhe a boca, pegou nela, levantando-a do chão, e levou-a para um compartimento isolado que se situa nas traseiras do estabelecimento, enquanto a S esbracejava e esperneava.
6) Durante o percurso, a S gritava insistentemente, tendo-lhe o arguido ordenado que parasse de gritar.
7) A S, apesar de assustada, não se calou, só o tendo feito quando o arguido lhe pegou num braço, causando-lhe dores, já no interior daquele compartimento.
8) Nesse compartimento, o arguido ordenou-lhe que se despisse.
9) Nessa altura, ouviram um veículo automóvel a aproximar-se do estabelecimento, tendo-se o arguido dirigido à porta da entrada do estabelecimento para averiguar o que se passava.
10) Aproveitando a ocasião, a S foi atrás do arguido e tentou empurrar aquela porta e colocá-lo na rua.
11) Porém, como se encontrava a meio da porta, e logo que a S a empurrou, o arguido reagiu de imediato, impedindo que a porta se fechasse, empurrando-a com força, assim se voltando a introduzir no estabelecimento.
12) Após, o arguido levou a S pelo braço novamente para o citado compartimento, deitou-a no chão e, porque ela não se quis despir, o arguido puxou as calças (corsárias) e as cuecas da Sandra até aos tornozelos, abriu a braguilha das suas calças, retirou o seu pénis para fora das calças, deitou-se em cima da S e roçou o seu pénis nas pernas desta, junto à vagina, na qual tentava introduzir o seu pénis, o que não conseguiu fazer, tentando ainda beijar a S, sem no entanto o conseguir em virtude de esta ter fechado a boca.
13) Nesse momento aproximou-se do estabelecimento outro veículo automóvel e o arguido foi novamente junto da porta de entrada do estabelecimento averiguar o que se estava a passar, tendo previamente ameaçado a S com um canivete que exibiu, dizendo-lhe para não sair do local.
14) Após alguns instantes o arguido regressou ao local onde a S se encontrava, trazendo na mão a mala desta, tendo esvaziado todo o seu conteúdo no chão, perguntando à S se não tinha dinheiro.
15) A S respondeu negativamente, tendo o arguido dito que ela estava a mentir.
16) Dentro de um pequeno porta-moedas plástico encontravam-se algumas moedas, tendo-se o arguido apoderado destas e do porta-moedas, que depois levou consigo, tendo aquelas moedas e este porta-moedas valor total precisamente não determinado mas não superior a 95 euros.
17) O arguido disse ainda à S que lhe entregasse os cartões Multibanco e bem assim os códigos secretos dos cartões Multibanco que tinha encontrado no interior da carteira.
18) A S referiu que não tinha dinheiro na conta mas, com receio de ser agredida com o mencionado canivete, entregou-lhe os respectivos códigos.
19) O arguido actuou com o propósito conseguido de, adoptando os comportamentos descritos, que representou e quis assumir, integrar na sua esfera patrimonial o porta-moedas e as moedas, apesar de saber que os mesmos Ihes não pertenciam e que actuava contra a vontade da sua legítima proprietária.
20) De seguida, sem que nada o fizesse prever, o arguido puxou a S, levando-a para a casa de banho, onde a sentou em cima do lavatório, retirou-lhe as calças e as cuecas, e a camisola (top) e o soutien, começando a encostar e esfregar o seu pénis erecto junto à vagina da S, tentando introduzir o seu pénis na vagina da S, o que não conseguiu fazer.
21) Após, o arguido perguntou à S se esta iria contar o que sucedeu, tendo esta dito que não, ao que o arguido retorquiu que era mentira e que a ia matar, tendo de seguida apertado com força o pescoço da S com uma mão, encostando-lhe a cabeça à parede.
22) Nessa altura a S, como consequência de o arguido lhe estar a apertar o pescoço, perdeu os sentidos por breves instantes.
23) Entretanto, a S voltou a recuperar os sentidos, altura em que o arguido a largou e se ausentou do local, deixando a S fechada à chave na casa de banho, onde permaneceu, impossibilitada de sair durante pelo menos alguns minutos, tendo a S, depois de esperar algum tempo com medo que o arguido ainda estivesse na loja, subido para cima do lavatório e gritado pelo respiradouro da casa de banho, até ser ouvida por indivíduo que se encontrava num estabelecimento contíguo, o qual, depois de se deslocar à loja, teve necessidade de abrir a porta ao pontapé para a libertar.
24) Sabia o arguido que ao obrigar a S a deslocar-se para o mencionado compartimento e para a casa de banho e bem assim ao deixá-Ia fechada nesse local, estava a privá-la da sua liberdade de movimentos, o que também previu e quis concretizar.
25) O arguido representou a sua descrita conduta (mormente em 12 e 20) e quis agir dessa forma, com a intenção de introduzir o seu pénis na vagina da Sandra, o que não conseguiu fazer por razões alheias à sua vontade, sabendo que a S só se sujeitava à sua actuação em virtude da forma como agiu.
26) O arguido agiu como descrito em 21) com a vontade de provocar lesões no corpo da S.
27) O arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente.
28) Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo capacidade para se determinar de acordo com tal conhecimento.
29) O arguido apresenta um quadro de deficiência mental de gravidade não especificada, mas ligeira, situação crónica, permanente e definitiva, que, contudo, não interfere com a sua capacidade de apreender o bem e o mal e de se determinar com essa avaliação.
30) Nasceu numa família pobre, de trabalhadores rurais, no interior do Baixo Alentejo. Foi o mais velho dos 3 filhos do casamento dos seus progenitores, ocorrendo no seio familiar alguma violência conjugal associada ao alcoolismo paterno. Aos 12 anos ocorre a separação familiar, por iniciativa da mãe, que se mudou para Faro.
31) O arguido foi o único filho que na altura acompanhou a mãe, tendo vivido sempre com ela.
32) Do segundo casamento da mãe nasceu a última irmã, 16 anos mais nova. O arguido aceitou o padrasto, e manteve contactos e estadias regulares junto do pai e dos irmãos, no Alentejo.
33) Frequentou a escola regular, completando a 4° classe, mas com grandes dificuldades de aprendizagem. Nunca foi encaminhado para qualquer estrutura de apoio educativo especial.
34) Até aos 17 anos beneficiou de algum apoio médico e social em razão das suas dificuldades, mas a partir daquela idade passou a ser difícil gerir a sua obstinação em construir uma vida própria. Deixou também de ser acompanhado pelos serviços de saúde.
35) Seguiu-se um percurso laboral irregular, marcado pelas dificuldades do arguido em assumir e manter compromissos, além das baixas qualificações. Foi considerado inapto para o Serviço Militar. Desenvolveu diversas actividades indiferenciadas sempre por pouco tempo.
36) Surgem tendências de abuso de álcool, que consome com frequência e muitas vezes em excesso.
37) Ainda que não seja tido como um elemento tendencialmente agressivo quer em meio familiar quer no meio social mais alargado, referencia-se como um indivíduo que face às contrariedades em casa tende a assumir comportamentos de fuga.
38) O arguido continua ligado ao grupo composto pela mãe, padrasto e irmãos, todos adultos. À excepção da irmã mais nova, de 19 anos, os restantes elementos encontram-se laboralmente activos. A atitude geral face ao arguido e de alguma protecção e sentido de obrigação para com ele, sendo encarado como uma pessoa diferente, incapaz de gerir sozinho a sua vida.
39) É descrito como um indivíduo com grandes limitações cognitivas e que também, em determinadas alturas, tende a construir ideias irrealistas de si próprio, que fazem dele alvo de alguma troça no seu meio social.
40) Não foi tido como um indivíduo conflituoso ou hostil com os outros.
41) É incapaz de se manter em contexto de trabalho normal e não consegue assumir compromissos, ou gerir o tempo e o dinheiro, sem orientação permanente de terceiros.
42) Em meio prisional adopta uma atitude permanentemente assustada, sendo desconfiado e reservado, tendendo a generalizar os sinais observados dos outros como dirigidos contra si.
43) À data dos factos trabalhava em estufas, auferindo rendimentos incertos.
44) Não tem antecedentes criminais.
45) No dia 31 de Agosto o arguido ingeriu bebidas alcoólicas antes de ocorrerem os factos, nomeadamente ao almoço.
46) O arguido foi sujeito, no dia 27.08.2007, a exame de colonoscopia, para rastreio de cancro do cólon e do recto, tendo saído desse exame muito transtornado.
B.1.b) - E como não provados os seguintes:
a) Os factos relatados em 1) e 3) ocorreram por volta das 16.00 hrs., diferentemente do que efectivamente consta de 1) e 3) .
b) O arguido, na ocasião referida em 5), pegou na S ao colo.
c) O referido em 6) quanto ao arguido [que ordenou à S que parasse de gritar] ocorreu logo que o arguido e a S chegaram ao compartimento mencionado em 5), e tal foi dito de forma bastante agressiva.
d) Na sequência do descrito em 6), e ao invés do descrito em 7), a S acabou por fazer logo o que lhe foi ordenado (calar-se).
e) No momento referido em 8), a S disse ao arguido que o seu pai estava para chegar, retorquindo-lhe este que isso era mentira.
f) Na ocasião referida em 12) [quando a S é novamente levada para o compartimento interior], o arguido ordenou novamente à Sandra que se despisse, ameaçando-a com um canivete que entretanto retirou do bolso e, perante tal ameaça, a S, com receio de ser atingida com o mencionado objecto, começou a despir-se, auxiliada pelo arguido.
g) Na ocasião referida em 13) a S referiu ao arguido que se tratava do seu pai.
h) O arguido, na ocasião descrita em 15), ordenou à S que abrisse a carteira que se encontrava dentro da mala, o que esta fez, de onde retirou todo o seu conteúdo, assim demonstrando ao arguido que não possuía qualquer quantia monetária.
i) A S entregou ao arguido o seu cartão Multibanco.
j) Os factos descritos na segunda metade de 12) ocorreram após o descrito em 16) a 18).
I) No momento referido em 20) o arguido levantou-se.
m) No mesmo momento, o arguido tentava ejacular ao encostar o pénis na vagina da S.
n) Após o arguido lhe apertar o pescoço, a S entrou em pânico.
o) O arguido, na casa de banho, introduziu o seu pénis erecto na vagina da S, embora sem ejacular.
p) Ao recuperar os sentidos, como referido em 23), a S gritou.
q) Nos momentos referidos em 12) e 20) o arguido decidiu abandonar a sua intenção de manter cópula com a S, ou passou a querer apenas esfregar o seu pénis nesta.
r) O arguido padece de anomalia psíquica desde a sua infância, agravada por meningite grave aos 12 anos.
s) Foi acompanhado medicamente precisamente até aos 18 anos.
t) Em virtude do divórcio dos pais ficou à guarda do progenitor.
u) A sua anomalia psíquica é visível e perceptível para quem não tem conhecimentos médicos.
v) O arguido, no dia 31 de Agosto, almoçou com colegas de ofício.
x) O arguido deixou de tomar a medicação prescrita desde que deixou de viver com a sua mãe e, por isso, na data dos factos estava descompensado.
z) A ingestão de bebidas alcoólicas agravou ainda mais o seu estado mental.
aa) A partir do exame referido em 31) o arguido piorou o seu comportamento, nomeadamente para a sua mãe.
B.1.c) - O tribunal recorrido fundamentou a matéria de facto, do seguinte modo: “O apuramento dos factos objectivos descritos em 1 a 18 e 20 a 23 assentou, essencialmente, no depoimento claro e convincente da testemunha S, a qual, tendo tido directa intervenção nos eventos em discussão, os relatou nos moldes descritos. Quanto às datas em causa (véspera e dia dos factos), levou-se em conta a data do auto de fls. 4, na medida em que a testemunha S confirmou que a data dos factos referidos em 3 e ss. corresponde àquela em que apresentou queixa. Nota-se ainda, quanto ao descrito na parte final de 3, que a circunstância de o arguido se encontrar no local no momento em que a ofendida surge implica que ele ali a aguardasse. No que concerne ao valor descrito em 16, [14] a S não conseguiu precisar os valores em causa mas do seu depoimento decorria com absoluta segurança que a soma do dinheiro (que se calhar não atingia os 10 euros, segundo disse) com o valor da carteira (pequena e de fraca qualidade, segundo o seu depoimento) não ultrapassava o valor indicado, o qual funciona como limite absolutamente inultrapassável. Atendeu-se ainda especialmente ás fotografias de fls. 28 e ss. em articulação com aquele depoimento. Manteve-se a referência, em 20, a que o arguido agiu sem que nada o fizesse prever (como constava do despacho de acusação) mas porque toda a conduta do arguido, e por isso também aquela que se descreve em 20, obedece a um padrão que só o arguido conhece e controla, desconforme às regras sociais e à experiência decorrente da normalidade, e, por isso, toda ela, incluindo a que se descreve em 20 é imprevista ou imprevisível. A generalidade dos factos descritos em 19, 24, parte de 25, 26 e 27 decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas do arguido [ainda quanto ao descrito em 26, considerou-se que a ameaça referida em 21 não seria séria, não existindo verdadeira intenção de matar]. Menos segura era a exacta apreensão da intenção do arguido de certa forma já descrita em parte de 12 e 20 (quando se refere que tenta copular), e em parte de 25] pois se era seguro que ele visava satisfazer interesses pessoais de índole sexual, essa satisfação já poderia ser compatível quer com a intenção de manter cópula com a Sandra quer apenas com a manutenção de outros actos de índole sexual. Sem embargo, considerou-se que a materialidade apurada, com o arguido a descobrir o seu pénis para o aproximar fisicamente da vagina da Sandra, inculcava que este procurava justamente introduzi-lo na vagina da S. Esse é o objectivo que melhor se adequa (de acordo com uma leitura externa da sua conduta) ao seu comportamento, considerando os termos da sua actuação física [o uso da força física. de forma premeditada. colocando a S numa posição onde a podia «instrumentalizar», como fez. começando por desnudar a zona genital desta para, mais tarde. a despir toda mas sempre concentrando a sua intervenção física naquela zona genital], justificando a afirmação de que o arguido procurava, com este esforço máximo, igualmente alcançar o resultado sexual máximo, ou seja, a cópula. A circunstância de, pese embora ter um domínio acentuado da situação, não ter conseguido consumar essa intenção ainda é compreensível em função, de um lado, da circunstância de a ofendida não estar obviamente a colaborar, estando o arguido, como resulta do contexto da sua actuação, pressionado pelo risco da sua actividade (sendo que a S disse que ele se mostrava preocupado com a porta da rua), e, de outro lado mas de forma decisiva, pelo valor exponencial da inexperiência do arguido, que nunca tinha tido relacionamentos sexuais (como este admitiu nas declarações que prestou) ou sequer amorosos (como a sua mãe e irmã referiram), o que dificultaria grandemente a sua actuação [em termos lapidares, ele não saberia bem o que fazer, ou como fazer]. A circunstância de ter ingerido bebidas alcoólicas antes dos factos ocorrerem, pela tendencial limitação dos sentidos, pode ainda contribuir para explicar o seu insucesso. Por isso, também, que se compreende que ele acabe por se roçar pela S, nessa actividade, já que não estaria mais que a experimentar, a tentar encontrar a forma correcta de agir, ou até a tirar partido (pessoal) dos esforços que ia fazendo mas sendo sempre preordenados à cópula. O que igualmente explica que também pudesse parecer que se procurava masturbar, sem que isso contrariasse a sua exposta intenção. Estas razões explicam ainda porque se não demonstrou a matéria descrita na al. m) e, em especial, referida na al. q), por não se mostrar fundada, neste contexto, a afirmação de que o arguido desistiu do seu propósito ou o substituir por outro. [15] Nesta sequência (partindo desta intenção), e no que toca à 2ª parte do descrito em 2, quanto ao propósito logo formulado pelo arguido, atendeu-se aos termos da sua conduta, pela sequência de comportamentos adoptados [sendo que no dia 31 de Agosto o arguido, tendo aguardado pela ofendida (facto 3, in fine), inicia com esta conversa que era sequência da que mantivera com ela na véspera (como resultou do depoimento da Sandra), e passou logo de seguida à execução dos seus intentos, de forma que pressupõe uma prévia consideração dos termos da sua conduta, excluindo uma intervenção espontânea, desencadeada naquele momento]. As declarações do arguido, quanto aos factos ocorridos em 30 e 31 de Agosto, por reticentes, incoerentes e muitas vezes inverosímeis, não mereceram crédito nem permitiram, de forma alguma, abalar o capital de convencimento decorrente do depoimento da referida testemunha S. Por isso se não atendeu ao essencial dessas declarações [nas quais, em particular, negou (talvez previsivelmente) a intenção de manter relações sexuais com a S mas. em simultâneo, sem conseguir fornecer alguma explicação alternativa para a sua conduta que permitisse surpreender a sua intenção]. Sem embargo, ainda se atendeu a tais declarações na fixação da matéria descrita em 31, embora não nos termos (claramente apostados em maximizar esse consumo) que o arguido expunha. Naturalmente, atendeu-se à perícia de fls. 517 e ss. na fixação dos dados pertinentes (maxime em 28 e 29) , a qual, pelos exames prévios e seus termos, se mostrou mais completa e fundamentada do que aquela que consta de fls. 133 e ss. (embora também se note que, no essencial, as duas perícias não divergem). Nota-se ainda que os termos claros desta segunda perícia não permitem sustentar sequer a existência de uma imputabilidade diminuída (capacidade de determinação com um grau sensivelmente diminuído). Quanto aos factos descritos em 30, atendeu-se ao relatório social de fls. 372, ao CRC de fls. 309, e aos depoimentos, atendíveis, das testemunhas M L S e C I S (mãe e irmã do arguido). A matéria descrita em 32 assentou ainda no depoimento daquela testemunha M L S, em conjugação com os documentos de fls. 324/5, e com o depoimento da testemunha M T D B [médica que realizou o exame, a qual, porém, não confirmou o estado de perturbação, o qual decorreu do depoimento da testemunha M S]. No que toca aos factos não provados contidos nas al. a) a I) e n) a p), não foram confirmados pela prova produzida (especialmente pelo depoimento da aludida testemunha S) ou foram até excluídos pelo apuramento de factos incompatíveis. Em particular, a cópula não foi directamente confirmada pela ofendida nem, ao menos para o espaço de tempo durante o qual esta perdeu os sentidos, foi confirmado pelo exame de fls. 171 (explicitado, ou melhor, confirmado nos seus exactos termos, pela perita que o elaborou). Os demais factos foram igualmente indemonstrados pela prova produzida, ou até excluídos por esta [como com a matéria da al. x), que o próprio arguido excluiu]. Eliminou-se o advérbio «violentamente» por conclusivo. As demais testemunhas não facultaram elementos probatórios relevantes”.
Cumpre conhecer. B.2 - A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.
De acordo com esse dispositivo, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo de, mesmo que o recurso se limite à decisão proferida sobre a matéria de direito, se ter de conhecer oficiosamente dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do mesmo diploma legal.
O recorrente recorre de direito e de facto, nesta parte do recurso limitando-se a invocar a insuficiência da matéria de facto provada e a contradição da fundamentação mas sem cumprir (quer nas motivações, quer nas conclusões) os ónus a que se refere o artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal.
Assim, em rigor, o recorrente não recorre de facto – nem há lugar ao convite ao aperfeiçoamento já que a ausência dos requisitos necessários se verifica tanto nas motivações, como nas conclusões, como é jurisprudência pacífica - matéria de que o tribunal conhecerá no âmbito das suas competências oficiosas.
Em face disto, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente, iniciando-se o labor deste tribunal pelas matérias que abordam questões de facto:
1. Da apreciação de facto quanto ao crime de roubo;
2. Da apreciação de facto e de direito quanto ao crime de ofensa à integridade física simples;
3. Da punibilidade do crime de violação;
4. Da aplicabilidade do artigo 104º do Código Penal.
5. Do cúmulo jurídico de penas e das respectivas medidas.
B.3 – O recorrente alega a existência de dois vícios quanto à conformação factual conducente à condenação por um crime de roubo, designadamente os vícios contidos nas alíneas a) e b) do artigo 410º do Código de Processo Penal, é dizer, a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e “a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”.
Quer-nos parecer, no entanto, que quanto à primeira o recorrente labora em erro, como flui das suas motivações e conclusões.
De facto, a “insuficiência a que se refere o artigo 410º, nº. 2, alínea a), do C.P.Penal é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão, ou seja, é aquela que resulta da circunstância de o tribunal julgador não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão. (II) - Logo, o mencionado vício não tem nada a ver, nem com a insuficiência da prova produzida, nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão de direito proferida” (acórdão do STJ de 11-11-1998 - Proc 98P1093 – Cons. Leonardo Dias).
Mais recentemente o STJ tem sido claro na delimitação dos contornos de tal conceito, reservando-o para os casos em que “o tribunal recorrido não esgotou como devia o objecto do processo, assim deixando a matéria de facto exposta ao vício de insuficiência a que alude o artigo 410.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal” – acórdão do STJ 15-03-2007 - Cons. Pereira Madeira – Proc. 07P648.
E fê-lo de forma a não deixar espaço à confusão entre os dois conceitos, de que também é exemplo o acórdão do STJ de 21-06-2007 (Cons. Simas Santos, proc. 07P2268), no sentido de afirmar a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” como a “insuficiência que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da discussão da causa, ou seja os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, segundo o art. 339.º, n.º 4 do CPP. Na verdade, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º), que é insindicável em reexame da matéria de direito”.
Ora, o recorrente não alega a insuficiência de factos, sim contradição insanável da própria fundamentação.
Mas, também aqui, a sua alegação assenta numa leitura errónea da fundamentação apresentada pelo tribunal recorrido.
Essa circunstância é patente se justapusermos os dois textos em análise, a fundamentação do tribunal recorrido e a conclusão em que o recorrente cita a fundamentação do tribunal recorrido.
Assim, o tribunal recorrido afirmou, quanto a este ponto: “No que concerne ao valor descrito em 16, a S não conseguiu precisar os valores em causa mas do seu depoimento decorria com absoluta segurança que a soma do dinheiro (que se calhar não atingia os 10 euros, segundo disse) com o valor da carteira (pequena e de fraca qualidade, segundo o seu depoimento) não ultrapassava o valor indicado, o qual funciona como limite absolutamente inultrapassável.”
Em nota de rodapé acrescenta:
“Ainda a este propósito, e contra o que o arguido sustentou, não só a S referiu que viu o arguido colocar a carteira no bolso das calças como a circunstância de esta não mais ter aparecido (ocorrendo os factos num local reservado de um estabelecimento comercial), ao contrário do que ocorreu com os cartões MB é o mais seguro índice de que o arguido a levou consigo”.
O recorrente, por seu turno invoca na sua conclusão15ª: “Fundamentando a sua decisão sobre os factos provados e não provados: "No que concerne ao valor descrito em 16 (ainda a este respeito, e contra o que o Arguido sustentou, não só a S viu o arguido colocar a carteira no bolso das calças como a circunstância de esta não ter mais aparecido, ocorrendo os factos num local reservado de um estabelecimento comercial, ao contrário do que ocorreu com os cartões MB, é o mais seguro índice de o que o arguido a levou consigo) a S não conseguiu precisar os valores em causa mas do seu depoimento decorria com absoluta segurança que a soma do dinheiro (que se calhar não atingia os 1O euros, segundo disse) com o valor da carteira (pequena e de fraca qualidade, segundo o seu depoimento) não ultrapassava o valor indicado, o qual funciona como limite absolutamente inultrapassável" (cfr. pag. 8 e 9 do douto Acórdão).”
Como se salienta pela justaposição de textos, o recorrente interpreta deficientemente a fundamentação do tribunal recorrido misturando os dois textos (o corpo da fundamentação e a nota de rodapé), colocando a nota de rodapé entre parêntesis e esquecendo um parêntesis na nota de rodapé.
Tais circunstâncias alteram profundamente o sentido linguístico expresso na fundamentação, já que o “contrário do que ocorreu com os cartões MB” foi o facto de “o arguido colocar a carteira no bolso das calças” (o que explica o seu desaparecimento) e não o terem ocorrido os factos em locais distintos.
Não há, portanto, qualquer contradição, sequer erro na apreciação da prova, sim uma deficiente leitura do texto da fundamentação do tribunal recorrido.
B.4 – Da apreciação de facto e de direito quanto ao crime de ofensa à integridade física simples;
Aqui a contradição alegada na fundamentação e a pretensão do recorrente à consagração de um concurso aparente entre o crime de violação e a ofensa à integridade física simples redunda na análise dos factos dados como provados e ao apurar se a ofensa à integridade física é instrumental da violência inerente à violação.
A este respeito apurou-se que (e é esta a sequência factual relevante):
“20) De seguida, sem que nada o fizesse prever, o arguido puxou a S, levando-a para a casa de banho, onde a sentou em cima do lavatório, retirou-lhe as calças e as cuecas, e a camisola (top) e o soutien, começando a encostar e esfregar o seu pénis erecto junto à vagina da S, tentando introduzir o seu pénis na vagina da S, o que não conseguiu fazer. 21) Após, o arguido perguntou à S se esta iria contar o que sucedeu, tendo esta dito que não, ao que o arguido retorquiu que era mentira e que a ia matar, tendo de seguida apertado com força o pescoço da S com uma mão, encostando-lhe a cabeça à parede. 22) Nessa altura a S, como consequência de o arguido lhe estar a apertar o pescoço, perdeu os sentidos por breves instantes”.
Tudo está, pois, em saber se entre os factos 20), por um lado, e 21) e 22), por outro, existe conexão, entendida esta como uma ligação funcional entre a violência e o acto sexual tentado em 20) e os factos expressos em 21) e 22).
Dito de outra forma, os factos sob 21) e 22) mantêm uma ligação necessária, essencial, com o acto sexual violento expresso em 20)?
Ora, parece-nos evidente que a tentativa de violação tem o seu terminus no facto sob 20) e os restantes dois factos surgem como um “mais” sem conexão essencial com os factos anteriores.
Não obstante se poder reconhecer que há uma ligação espaço-temporal na prática dos factos – acto seguido à violação tentada – a violência exercida já está para além da necessária e essencial ao âmbito do crime de violação e ocorre uma nova e diferente resolução criminosa com a violência a ser exercida de novo e de forma autónoma relativamente ao anterior feixe factual.
Daí que nos pareça evidente a existência de um concurso efectivo de crimes e isenta de crítica a posição assumida pelo tribunal recorrido.
B.5 – Da punibilidade do crime de violação.
A questão colocada no recurso resume-se a apurar se o arguido, assente que estamos perante um concurso aparente entre um crime de violação na forma tentada e um crime de cocção sexual, deve ser punido pela pena prevista para o crime de violação tentado ou pela pena do crime de coacção sexual.
É um dado assente que o crime de coação sexual é o crime fundamental e que o crime de violação se encontra, relativamente àquele, numa relação de especialidade, no caso de consumação da violação.
Isso mesmo é jurisprudencialmente reconhecido (v. g. Ac. do STJ de 02-10-2003 – Proc. 03P2606, sendo relator o Cons. Santos Carvalho – “4 - Há uma relação de especialidade entre as normas dos art.ºs 163.º e 164.º. A violação é uma coacção sexual agravada, dado que a cópula e o coito são actos sexuais de relevo com especial intensidade”).
E dito pela doutrina: "...a violação, como quer que se conforme o seu desenho típico e o seu âmbito de protecção …, é apenas uma especialização da coacção sexual do art. 163°-1, constituindo esta, por isso, verdadeiramente o tipo fundamental”. [16]
Dúvidas não existem, também, que em geral – e no caso concreto – se a violação resta pela tentativa os actos para ela praticados correspondem à consumação do crime de coacção sexual, tipo fundamental. Isto considerando que os actos distintivos (cópula, coito anal ou coito oral, todos pressupondo a introdução peniana), supõem a prática prévia de actos sexuais de relevo.
Nem isso está, sequer, em discussão.
A razão de insatisfação do recorrente centra-se na circunstância de o tribunal recorrido, condenando o arguido pela prática de um crime tentado de violação, o ter condenado com a pena prevista para o crime de coacção sexual.
Ou seja, será a punibilidade da conduta a matéria a abordar.
Foi entendimento jurisprudencial corrente que, no caso de tentativa de violação haveria que dar primazia à punibilidade da tentativa, em homenagem à dita relação de especialização – v. g. Ac. do STJ de 2-6-2005, in RPCC, 15, 2, 299.
Cedo se constatou, porém, que a forma do crime, no caso a forma tentada, se excluía de uma pura relação de especialidade. Que, sendo o arguido apenas punido pela tentativa, olvidando-se a consumação pela coacção sexual, se desprezava todo o desvalor da acção e do resultado inerente à consumação da coacção sexual. [17]
Pugnando-se, então, pela punibilidade do agente pela coacção sexual consumada, dessa forma se evitando a dupla valoração, mas obtendo-se a esgotante abrangência do desvalor do facto, com o argumento – acertado - de que nada justificava que, não ocorrendo cópula, coito anal ou oral, “os outros actos sexuais de relevo preparatórios daquele sejam menos punidos do que na situação em que o agente os tivesse realizado sem, todavia, nunca ter decidido praticar a cópula, o coito anal, ou o coito oral”. [18]
Dada a proximidade quantitativa das molduras penais abstractas dos crimes em apreciação, coacção sexual (um a oito anos) e violação (três a 10 anos), é pacífica a afirmação de que a punibilidade da tentativa – no caso em apreciação – resulta de uma deficiente técnica legislativa que conduz a pena concreta para quantuns não queridos e que olvidam o desvalor da acção e do resultado.
É este, precisamente, o campo por excelência da consumpção impura, onde se constata que a circunstância que diferencia os crimes deve funcionar como agravante mas redunda numa pena substancialmente inferior, com a agravante de, constatando-se uma perfeita consumação do crime fundamental, se obter uma pena abstracta substancialmente inferior a este. [19]
Se podemos constatar que a posição inicial do Prof. Figueiredo Dias parecia apontar para a punibilidade da conduta pelo crime de coacção sexual consumada, [20] posição já expressa pelo Prof. Eduardo Correia, [21] a sua posição parece hoje apontar para a solução que veio a ser concretizada pelo tribunal recorrido. [22]
Seguindo, aliás, posição semelhante já defendida por A. M. Almeida Costa. [23]
Se a posição inicial da doutrina se parece reduzir à pura e simples inversão da regra normal da consumpção pura, punindo-se o agente pelo crime que deveria ser consumido, o crime dominado – no caso a coação sexual – quer no campo da definição do ilícito quer no campo da punibilidade, a actual posição doutrinal aponta para uma diferenciação dessas duas vertentes, a definição do ilícito típico, por um lado, a definição da punibilidade, por outro.
E é assim que Almeida Costa defende que a operação “se limita ao plano da determinação da pena aplicável e deixa intocado o específico conteúdo do ilícito da situação, que continua a integrar o tipo de dano consistente na lesão do bem jurídico, limitando-se a regra da consumpção impura ao problema da pena aplicável”, «solução de recurso» compatível com o princípio da legalidade. [24]
Ou, na terminologia de Figueiredo Dias, a aceitação da “cisão teorética entre norma de comportamento e norma de sanção”, compatível com o princípio da legalidade na medida em que “não são afectadas as expectativas do agente, baseadas em lei anterior, sobre os limites da punibilidade de qualquer dos ilícitos singulares por ele cometidos”, [25] no caso os crimes de violação (na forma tentada) e coacção sexual.
Ora, afastada a primeira referida posição jurisprudencial (pela aplicação da regra da especialidade com a punição a fazer-se pelo normativo dominante), pois que não acautela uma “reacção penal mais larga e perfeita” (E. Correia) para os concretos factos em apreciação, as duas posições doutrinais referidas, a mera inversão da regra da consumpção pela aplicação do crime dominado ou a diferenciação do plano da punibilidade, a pretensão do recorrente não tem efeito prático judicial, pois que qualquer das posições reconduz à mesma grandeza punitiva, a punibilidade a operar pela moldura abstracta do crime de coacção sexual.
Assim, não é criticável a opção teorética assumida pelo tribunal recorrido, que está de acordo com a mais abalizada doutrina e não ocorre violação do princípio da legalidade.
B.6 – Da aplicabilidade do artigo 104º do Código Penal.
Já quanto à pretensão do recorrente à aplicação do disposto no artigo 104º, nº 1 do Código Penal, isto é o internamento do arguido, imputável, em estabelecimento destinado a inimputáveis, admitimos ter que esclarecer, previamente, a natureza jurídica de tal figura.
Admitimos que a possibilidade de internamento de um imputável em estabelecimento para inimputáveis possa surgir como incidente em fase de execução da pena, desde que os factos pertinentes não tenham sido apurados em audiência de julgamento, como aliás é patente da leitura dos artigos 8º a 11º do Dec-Lei nº 265/79, de 01-08 (com a redacção dada pelo Dec-Lei nº 49/80, de 22-03).
No entanto, a previsão do artigo 104º do Código Penal tem uma maior amplitude e exige uma tomada de posição do tribunal comum no apurar dos factos que são seu pressuposto e na decisão quanto à conveniência da sua aplicação.
A possibilidade de aplicação do artigo 104º do Código Penal é um poder-dever do tribunal de julgamento, desde que verificados aqueles pressupostos. São eles a anomalia psíquica contemporânea da prática dos factos que conduza à existência de uma imputabilidade diminuída; a prejudicialidade, para o arguido, do cumprimento da pena em estabelecimento prisional comum; a perturbação do regime dos estabelecimentos prisionais comuns se o arguido ali cumprir pena.
No caso de preenchimento do primeiro requisito (mandatório) e de um dos requisitos seguintes, deverá ao arguido ser aplicado o regime daquele preceito, o internamento em estabelecimento para inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena ou até que cesse a causa que tenha aconselhado o internamento.
A inserção sistemática deste preceito cria a aparência de que estamos face a uma medida de segurança de internamento, uma medida de segurança detentiva. A própria terminologia (“internamento”) o sugere.
Trata-se, no entanto, de mera aparência, já que o seu regime contraria de forma clara e inultrapassável o regime geral das medidas de segurança, as detentivas em particular.
Decorre do artigo 91º do Código Penal que quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20.º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie.
Como é geralmente aceite na doutrina, a acento tónico distintivo das medidas de segurança assenta na perigosidade do delinquente e no receio da prática de novos ilícitos típicos.
Ora, nenhum desses requisitos se verifica no caso de necessidade de internamento de imputável em estabelecimento para inimputáveis face aos pressupostos do artigo 104º do Código Penal. Aqui a essência da aplicação da medida é a protecção do arguido (2º requisito – a prejudicialidade) e a própria organização do estabelecimento (3ª requisito). A finalidade do “internamento” é diferente, portanto.
Não estamos, pois, perante uma medida de segurança, sim perante uma “forma de execução da pena privativa de liberdade”. [26]
O que acarreta, como consequência necessária, a necessidade de o tribunal de julgamento dever apurar se os factos provados nos autos lhe permitem a assunção da necessidade de substituição da pena privativa da liberdade por esta “forma particular de execução da pena”, o que passa pela análise daqueles requisitos do artigo 104º do Código Penal.
Ora, no caso, é indubitável que o arguido sofria de anomalia psíquica à data da prática dos factos, não obstante imputável.
Aquilo que se afirma nas conclusões do relatório de fls. 517 a 529 é que o arguido é imputável e que sofre de uma ligeira deficiência mental [paredes meias com o analfabetismo e pouca estimulação intelectual (da avaliação psicológica)] que não interfere com as suas capacidades para se determinar, tem capacidade para distinguir o bem do mal e para avaliar as consequências dos seus actos e omissões.
Acresce que os hábitos alcoólicos do arguido estão controlados no estabelecimento prisional (fls. 522 – não consome desde que detido).
Daqui resulta que neste primeiro pressuposto do artigo 104º do Código Penal para a aplicação de forma diversa da pena se divisa já a inutilidade de “internamento” em estabelecimento diverso (assente, por mero exercício de raciocínio, que este exista).
Nada sugere, por outro lado, que seja prejudicial ao arguido a sua manutenção num estabelecimento prisional comum.
Bem pelo contrário o regime do estabelecimento prisional comum em que se encontra parece estar a ser positivo para o arguido, já que este abandonou o consumo de bebidas alcoólicas, reduziu o consumo de cafés e de nicotina.
Assim, o que os factos demonstram e demonstravam à data da prolação do acórdão recorrido é que a execução da pena em estabelecimento prisional comum se prognosticava como positiva, tudo desaconselhando o seu “internamento” em estabelecimento para inimputáveis, com o que isso acarreta de gravoso para o arguido, designadamente se pensarmos em anexos psiquiátricos.
Concluímos, portanto, que a pretensão formulada pelo recorrente deve ser desatendida pois que o juízo de prognose feito com os dados disponíveis desaconselha o “internamento” do recorrente em estabelecimento para inimputáveis.
B.7 – Do cúmulo jurídico de penas e respectivas medidas.
Insurge-se o recorrente, por último, com as medidas das penas parcelares impostas pela prática do crime de violação (conclusão 12ª) e de roubo (conclusão 20ª) e quanto à medida da pena única imposta invocando, no entanto, razões que se alinham em duas invocações de direito na globalidade das suas alegações: a medida da pena, na medida em que se alega que o tribunal não atendeu a todas as circunstâncias atenuativas (formula o pedido de aplicação de pena inferior a 5 anos de prisão)
As circunstâncias invocadas pelo recorrente – não obstante colocar o acento tónico na anomalia psíquica anterior, hábitos alcoólicos e inadaptação ao meio prisional quanto à pretensão de ver aplicado o artigo 104º do Código Penal - são as suas condições pessoais, familiares, sociais, profissionais e económicas.
Não pode deixar de se afirmar que o tribunal recorrido fez uma análise exaustiva de todas as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, nestas se incluindo as ora alegadas pelo recorrente, designadamente as suas condições pessoais, familiares, profissionais e económicas.
Dada a culpa intensa, elevada ilicitude dos factos e a elevada gravidade das consequências dos mesmos, os elementos de pendor atenuativo foram ponderados pelo tribunal recorrido de forma acertada e equilibrada.
Por outro lado e quanto à pena parcelar pelo crime de violação, parte do argumentário do recorrente já se mostra ultrapassado porque assente no considerando de que a pena imposta se encontra muito próximo do máximo aplicável, pois que o recorrente argumenta com o máximo para a forma tentada.
Sendo, ao invés, o máximo abstracto de oito anos de prisão, não temos dúvidas em considerar adequada a pena concreta aplicada face à elevada ilicitude da conduta e gravidade das suas consequências (pessoais).
O mesmo se diga quanto à pena imposta pela prática do crime de roubo onde a violência exercida desaconselha o seu posicionamento no mínimo abstracto.
Quanto à pena resultante do cúmulo e considerando um mínimo abstracto de 6 anos de prisão para um máximo de 9 anos e 1 mês de prisão, mostra-se a mesma adequada e já levando em conta a sua anomalia psíquica (o seu relevo é diminuto, já que paredes meias com o analfabetismo e a pouca estimulação intelectual e não com qualquer causa biológica determinante da vontade). Por outro lado, os restantes argumentos invocados pelo recorrente – inadaptação ao meio prisional e risco para a saúde física e mental – não se mostram verificados.
C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs..
Évora, 12 de Maio de 2009 (processado e revisto pelo primeiro signatário)
João Gomes de Sousa
Maria Amélia Ameixoeira
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[1] - Já que existe uma unidade (espacial e temporal) de actuação, a qual sugere também a existência de uma unidade resolutiva do arguido, dando origem à unidade de desígnio criminoso e à conexão espácio-temporal que, enquanto critérios ou índices da unidade de ilícito, conduzem á unidade delitiva. E porque, verifica-se que os actos que preenchem o conceito normativo do acto sexual de relevo (para o crime de coacção sexual), são exactamente aqueles que o Arguido pratica para tentar consumar a penetração vaginal da ofendida, sendo estes relevantes para o crime de violação. [2] - Neste sentido, para o Tribunal a quo, bastando-se à tutela penal visada a aplicação da norma que permita a cobertura mais extensa dos bens jurídicos em jogo, existindo uma unidade criminosa, por consunção, o crime dominante é o crime de violação. [3] - O crime dominante -crime de violação na forma tentada -excluiria o crime dominado -crime de coacção sexual consumado - cfr. art. 30º do CP, aplicando-se deste modo, a moldura penal abstracta prevista para o crime dominante, especialmente atenuada - cfr. art. 23° nº 2 do CP - mercê da acção não consumada pelo agente permitir. [4] - Contrariando, inclusivamente, aquilo que no seu aresto pugna, in pag 15, aqui dado por integralmente reproduzido para todos os fins legais. [5] - Esta opção é totalmente contrária à ratio da proibição de dupla valoração que, in casu, encapotadamente foi realizada e operada. [6] - Agora fazer um verdadeiro "dois em um" é que não surge conforme ás normas e regras legais. [7] - O arguido apresenta um quadro de deficiência mental de gravidade não especificada, mas que se admite ligeira, situação crónica, permanente e definitiva. Cfr. relatórios periciais juntos aos autos e ponto n.29 pag. 5 do douto Acórdão recorrido.
Todo o seu quadro pessoal, familiar, profissional, social e económico, dado como por provado no ponto 30, pag. 5 e 6 do douto Acórdão recorrido.
Tem tendências de abuso de álcool, que consome com frequência e muitas vezes em excesso (cfr. Ponto 30, pag. 6 do douto Acórdão).
No dia dos factos em apreço ingeriu bebidas alcoólicas antes de ocorrerem os factos, nomeadamente ao almoço (crf. Ponto 31, pag. 6 do douto Acórdão).
É primário (cfr. ponto 30, pag. 6)
Prestou declarações, colaborando com a descoberta da verdade. [8] - Ainda quanto aos factos que depõem a favor do Arguido, veja-se o que se diz in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial Tomo I, pag. 457, ponto V, Prof. Doutor Figueiredo Dias. [9] - Para tanto deu o Tribunal colectivo como por provado que:
-após alguns instantes o arguido regressou ao local onde a Sandra se encontrava, trazendo na mão a mala desta, tendo esvaziado todo o seu conteúdo no chão, perguntando á Sandra se não tinha dinheiro (Cfr. ponto 14 pag. 3).
-A S respondeu negativamente, tendo o Arguido dito que ela estava a mentir Cfr. ponto 15 pag. 3).
-Dentro de um pequeno porta-moedas plástico encontravam-se algumas moedas, tendo-se o Arguido apoderado destas e do porta-moedas, que depois levou consigo, tendo aquelas moedas e este porta-moedas valor total precisamente não determinado mas não superior a 95 euros ( cfr .Ponto 16 pag. 3)
-O Arguido disse ainda á S que lhe entregasse os cartões Multibanco e bem assim os códigos secretos dos cartões Multibanco que tinha encontrado no interior da carteira (cfr. ponto 17 pag. 3).
-A S referiu que não tinha dinheiro na conta mas, com receio de ser agredida com o mencionado canivete, entregou-lhe os respectivos códigos (cfr. ponto 18 pag. 3).
-O Arguido actuou com o propósito conseguido de, adoptando os comportamentos descritos, que representou e quis assumir, integrar na sua esfera patrimonial o porta-moedas e as moedas, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade da sua legitima proprietária (cfr. ponto19 pag. 4). [10] - "A segunda tentativa ocorre na sequência da primeira justamente porque nesta o arguido não consegue alcançar aquilo que ainda procura realizar com a segunda, integrando-se assim, num processo unitário e consequente, em que existe uma unidade resolutiva do arguido, que se alia uma unidade de contexto espácio-temporal, concluindo-se pela existência de um único crime" (cfr. pag. 15 e 16). [11] - Para mais, conforme jurisprudência e doutrina unânime, quando estamos perante ofensas à integridade simples, conexas com o acto sexual, como sucede in casu, deve-se considerar que existe um concurso aparente (Cfr. Prof Doutor Figueiredo Dias, pag. 459, da obra já citada). [12] - Diga-se também que, a violência exercida no caso concreto, apertar o pescoço, apesar de comportar um acto censurável, diz nos a experiência comum em casos análogos de violação que talvez seja a forma mais usual que os agentes utilizam para constranger as vítimas a praticarem actos de cariz sexual. [13] - A acrescer, dispôs o Tribunal recorrido, e dispõe agora o Tribunal de Recurso, de relatórios periciais a tis. 517 e ss. e de fls. 133 e ss. dos autos; bem como de relatório social de fls. 309; bem como de processo clínico dos estabelecimentos Prisionais, junto a fls. (...) (que sustentam o supra alegado), tudo valorado pelo douto Tribunal recorrido, porém, salvo melhor opinião, erradamente interpretados. [14] - Ainda a este propósito, e contra o que o arguido sustentou, não só a Sandra referiu que viu o arguido colocar a carteira no bolso das calças como a circunstância de esta não mais ter aparecido (ocorrendo os factos num local reservado de um estabelecimento comercial), ao contrário do que ocorreu com os cartões MB é o mais seguro índice de que o arguido a levou consigo. [15] - Matéria que foi considerada na discussão (embora não demonstrada) e, por isso, ora descrita por força dos art. 339° n. 4 e 368° n. 2 do CPP [16] - Jorge de Figueiredo Dias, anotação ao artigo 163º (pag. 446) do “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, Tomo I, 1999. [17] - Helena Moniz, in “Violação e coacção sexual”, in RPCC, 15, 2, 307 e segs. [18] - Autora e ob. cit. pag. 327. [19] - Eduardo Correia, “Direito Criminal”, II, 207, Almedina, 1971; Figueiredo Dias, “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, pag. 1024, e anotação ao artigo 164º (pag. 474) do “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, Tomo I, 1999. [20] - Anotação ao artigo 164º (pag. 474) do “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, Tomo I, 1999. [21] - In “Direito Criminal”, vol. II, pag. 207. Almedina, 1971. [22] - Figueiredo Dias, “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, pags. 1023 e segs. [23] - In anotação ao artigo 262º, & 6º e 7º (pags. 765 a 767) do “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, Tomo II, 1999. [24] - Ob. cit, pag. 764. [25] - Figueiredo Dias, “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, pags. 1026 e 1027.2ª edição, Coimbra Editora. [26] - Neste sentido Fig. Dias in “As consequências jurídicas do crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pags. 593 e segs., principalmente 600 (não obstante fls. 43 e 444); Maria João Antunes, in “O internamento de imputáveis em estabelecimentos de inimputáveis”, Stvdia Ivridica 2, Coimbra Editora, 1993, pag. 18; e Ac. do STJ de 15-10-2003 – Proc. 03P2145, sendo relator o Cons. Henriques Gaspar.