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PENA DE MULTA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
PRESCRIÇÃO DA PENA
Sumário
1. A prisão subsidiária da pena de multa, a que se refere o artigo 49.º do Código Penal, não configura uma pena de substituição, visando antes conferir consistência e eficácia à pena de multa e, nessa precisa medida, evitar a prisão. 2. Assim, o prazo de prescrição da pena a considerar deve reportar-se à pena principal, de multa, aplicada na sentença condenatória.
Texto Integral
Processo nº 65/03.3PBBJA.E1
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO
Recorre a Ilustre Magistrada do Ministério Público do despacho proferido em 24 de Março de 2009 pelo Mmº Juiz do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Beja, no âmbito do processo sumaríssimo nº 65/03.3PBBJA, despacho que considerou que a pena de multa em que o arguido F fora condenado nesses autos se mostrava extinta por prescrição.
Da respectiva motivação retira as seguintes conclusões:
1ª – O arguido foi condenado, como autor de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, numa pena de multa, por decisão datada de 09-12-2003 e transitada de imediato em julgado.
2ª – Por despacho de 02-07-2004 foi autorizado o pagamento da pena de multa aplicada em 8 prestações mensais, iguais e sucessivas, devendo ter sido paga a primeira prestação até ao último dia do mês de Setembro de 2004.
3ª – O arguido não pagou qualquer uma dessas prestações, pelo que as mesmas foram declaradas todas vencidas.
4ª – Por despacho proferido em 16 de Setembro de 2008, a multa em causa foi convertida em 66 dias de prisão subsidiária.
5ª – Nos termos do disposto no artigo 122º, nº 1, al. d), do Código Penal, a pena destes autos prescreve no prazo de 4 anos.
6ª – Contudo, tendo havido conversão da multa em dias de prisão subsidiária, tal prazo de prescrição deve contar-se da data do trânsito em julgado do despacho que operou tal conversão e não da data do trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena de multa.
7ª – Conclui-se, assim, que desde a data do trânsito em julgado da decisão que converteu a multa criminal em 66 dias de prisão subsidiária ainda não decorreu o prazo prescricional de 4 anos (sendo ainda certo que tal prazo também não havia decorrido antes da prolação dessa decisão de conversão).
8ª – Foi violado, pois, o disposto no artigo 125º do Código Penal.
Termina requerendo que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que dê cumprimento ao disposto no artigo 335º do C. P. Penal, tal como já havia sido promovido pelo Ministério Público.
O arguido não apresentou resposta ao recurso.
Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, aquando da vista a que alude o artigo 416º, nº 1, do C. P. Penal, apôs “visto”.
Efectuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1 - Delimitação do objecto do recurso.
Uma única questão é suscitada no presente recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objecto e poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, que é a de saber se a pena de multa em que o arguido foi condenado se mostra ou não prescrita.
2 - A decisão recorrida.
É do seguinte teor o despacho objecto do recurso:
“Por despacho proferido em 09.12.2003, transitado em julgado nesse mesmo dia, foi o arguido F condenado numa pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 6, no montante global de € 600.
Por despacho proferido em 02.07.2004 foi autorizado o pagamento da pena de multa em 8 prestações mensais e sucessivas, sendo que a primeira deveria ter sido paga até ao dia 30.09.2004 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
O arguido não procedeu ao pagamento de qualquer das prestações da multa.
Em 16.10.2007 o Ministério Público instaurou execução para cobrança da referida multa.
Tal execução foi arquivada condicionalmente por despacho proferido em 01.10.2008.
Por despacho proferido em 16.09.2008 foi a referida pena de multa convertida em prisão subsidiária.
Face ao que supra ficou exposto, cumpre conhecer da questão da prescrição da pena aplicada, sendo certo que o Ministério Público considera que a mesma não se verifica.
De acordo com o disposto no art. 122º do C. Penal, a pena dos autos prescreve no prazo de 4 anos (cfr. nº 1, al. d)), sendo que o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.
A lei estabelece causas de interrupção e de suspensão da prescrição das penas – cfr. arts. 125º e 126º do C. Penal.
Assim, a prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o período em que:
- por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
- vigorar a declaração de contumácia;
- o condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade;
- perdurar a dilação do pagamento da multa.
Por outro lado, a prescrição da pena interrompe-se:
- com a sua execução; ou,
- com a declaração de contumácia.
No caso dos autos verifica-se que foi aplicada uma pena de multa, tendo-se apenas verificado uma causa de suspensão do prazo prescricional, que ocorreu entre 30.09.2004 e 30.06.2005 (período durante o qual perdurava o prazo de pagamento da multa).
Ora, atenta a data em que transitou em julgado a decisão que aplicou a pena – 09.12.2003 – e o período da suspensão, não tendo existido qualquer outra causa de suspensão ou de interrupção da prescrição, não resta senão concluir que a mesma se encontra prescrita.
É certo que a pena de multa foi convertida em prisão subsidiária.
No entanto, o que está em causa é a pena de multa aplicada, e não a conversão da mesma em prisão subsidiária, que consubstancia uma forma de execução da pena de multa.
Face ao exposto, declaro extinta a pena de multa aplicada ao arguido, por força da prescrição.
Notifique.
Remeta boletins à DSIC.
Oportunamente, arquivem-se os autos”.
3 - Factos relevantes à decisão.
Com relevância para a decisão a proferir há que considerar os factos seguintes:
a) Por decisão datada de 09-12-2003, e transitada de imediato em julgado, o arguido F foi condenado, como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 100 dias multa, à taxa diária de 6 euros (num total de 600 euros).
b) Por despacho de 02-07-2004 foi autorizado o pagamento da referida quantia de 600 euros em 8 prestações mensais, iguais e seguidas, devendo a primeira prestação ser paga até ao dia 30 de Setembro de 2004.
c) O arguido não pagou qualquer uma dessas prestações, pelo que, por despacho datado de 14-10-2005, as mesmas foram declaradas todas vencidas.
d) Em 16-10-2007 o Ministério Público instaurou execução para cobrança da quantia relativa à multa em causa, tendo essa mesma execução sido arquivada condicionalmente por despacho proferido em 01-10-2008.
e) Por despacho de 16-09-2008, a multa em causa foi convertida em 66 dias de prisão subsidiária.
4 - Apreciação do mérito do recurso.
O arguido mostra-se condenado pela autoria de um crime que foi punido com pena inferior a dois anos de prisão.
Assim sendo, o prazo de prescrição da pena aplicada ao arguido nestes autos é de 4 anos, contados da data do trânsito em julgado da decisão condenatória em causa (cfr. artigo 122º, nº 1, alínea d), e nº 2, do Código Penal).
Por sua vez, o artigo 125º, nº 1, do Código Penal, estabelece que a prescrição da pena se suspende durante o tempo em que:
“a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou,
d) Perdurar a dilação do pagamento da multa”.
Dispõe ainda o nº 2 deste artigo 125º do Código Penal que “a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão”.
No caso destes autos, a prescrição da pena em causa esteve suspensa durante alguns meses, a partir de 30-09-2004, no período durante o qual perdurou o prazo de pagamento da multa.
Foi o que se considerou na decisão recorrida, a qual, neste aspecto, não merece qualquer censura, designadamente à Ilustre Magistrada do Ministério Público recorrente.
Perante esse período de suspensão, e atenta a data em que transitou em julgado a decisão que aplicou a pena (09-12-2003), não tendo existido qualquer outra causa de suspensão ou de interrupção da prescrição, concluiu o Mmº Juiz a quo que a pena de multa se encontra prescrita, sendo para o efeito irrelevante que a pena de multa tenha, entretanto, sido convertida em prisão subsidiária.
Vista a motivação do recurso, e as conclusões dela extraídas, constata-se que é apenas no ponto da relevância ou não, para efeitos de prescrição da pena, da conversão da multa em prisão subsidiária, que reside a discordância entre o Mmº Juiz recorrido e a Ilustre Magistrada do Ministério Público recorrente.
Considera o Mmº Juiz que está em causa tão-só a pena de multa aplicada, e não a conversão da mesma em prisão subsidiária, prisão esta que consubstancia apenas uma forma de execução da pena de multa.
Ao invés, entende a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente que, tendo havido conversão da multa em dias de prisão subsidiária, o prazo de prescrição da pena deve contar-se da data do trânsito em julgado do despacho que operou tal conversão e não da data do trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena de multa (sendo certo, como acontece neste caso, que o prazo de prescrição da pena de multa não havia ainda decorrido antes da prolação dessa decisão de conversão).
É esta divergência que temos de decidir.
Dúvidas não restam que, desde a data do trânsito em julgado da decisão condenatória, e descontado o período de suspensão do prazo prescricional aludido no despacho recorrido (meses em que perdurou o prazo de pagamento da multa), já decorreu, inquestionavelmente, o prazo (4 anos) de prescrição da pena de multa.
Só assim não será caso entendamos, como se entende na motivação do recurso interposto, que o prazo de prescrição da pena deve, agora, contar-se da data do trânsito em julgado do despacho que operou a conversão da multa em prisão subsidiária e não da data do trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena de multa. Isto é, se considerarmos, como parece considerar a Ilustre Magistrada do Ministério Público recorrente, que se inicia um novo prazo de prescrição da pena relativamente à prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa.
Cremos, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que esta tese não merece acolhimento.
Com efeito, é preciso ter em conta que a prisão subsidiária não é, nem sequer em sentido formal, uma pena de substituição. Ela não participa do movimento político-criminal de luta contra as penas de prisão, movimento que está na origem histórica e na essência das penas de substituição.
Com a prisão subsidiária visa-se, isso sim, conferir consistência e eficácia à pena de multa e, nessa precisa medida, evitar a prisão.
Não é correcto afirmar-se que a prisão subsidiária é aplicada em vez da pena principal, mas sim que a mesma é aplicada para o caso da pena principal não ser cumprida (cfr., neste mesmo sentido, Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas - Editorial Notícias, Lisboa, 1993, págs. 146 e 147).
Não é correcto dizer-se que, com a conversão da multa criminal em prisão subsidiária, a multa perde toda a sua autonomia e desaparece.
Na verdade, "o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado" (artigo 49º, nº 2, do Código Penal), e "sempre que, no momento da detenção para cumprimento da pena de prisão subsidiária, o arguido pretenda pagar a multa, mas não possa, sem grave inconveniente, efectuar o pagamento no tribunal, pode realizá-lo à entidade policial, contra entrega de recibo, aposto no triplicado do mandado" (artigo 100º, nº 1, do Código das Custas Judiciais vigente à data das incidências processuais em análise nos autos), o que evidencia que a prisão subsidiária é, em substância, uma sanção penal de constrangimento, tendente a obter a realização de certo efeito preferido pelo legislador, e que consiste, inequivocamente, no pagamento da multa (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, pág. 147; cfr. ainda, sufragando esta mesma ideia, “Código Penal - Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, Ministério da Justiça, 1993, pág. 30).
Numa fase em que se encontra esgotada a possibilidade de o condenado requerer o pagamento da multa em prestações, o pagamento diferido de tal multa ou ainda a sua substituição por dias de trabalho, e perante o não pagamento da multa, estipulou o legislador penal o cumprimento da prisão subsidiária, como forma de obter o pagamento da sanção penal em causa.
Atendendo a esta (verdadeira) natureza da prisão subsidiária, verifica-se que o arguido destes autos apenas neles foi condenado numa pena - a pena de multa -, pelo que só se pode colocar a questão da prescrição em relação à pena aplicada (a pena de multa).
Tal entendimento, a nosso ver, é, aliás, o único que confere primazia à efectividade da pena de multa enquanto pena aplicável e à finalidade com que a mesma é aplicada em cada caso concreto (cfr. o disposto nos artigos 40º, nºs 1 e 2, e 70º do Código Penal).
Assim, e ressalvado o muito e devido respeito pela posição expressa pela Ilustre Magistrada do Ministério Público recorrente, a razão está do lado do despacho sub judice.
Posto o que precede, conclui-se que a pena de multa aplicada nestes autos ao arguido prescreveu de há muito, sendo de manter integralmente o despacho recorrido.
É, deste modo, totalmente improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público.
III - DECISÃO
Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se integralmente o despacho recorrido.
Sem custas.
Texto processado e integralmente revisto pelo relator.
Évora, 20 de Outubro de 2009.
(João Manuel Monteiro Amaro)
(António Manuel Charneca Condesso)